Evangelho segundo São Mateus

From Biblia: Os Quatro Evangelhos e os Salmos
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INTRODUÇÃO

Este é o primeiro e o mais longo evangelho canónico (com mais de dezoito mil palavras em grego), mas não o primeiro a ser escrito. Mateus, numa narrativa muito mais solene e longa, incorporou quase todo o evangelho de Marcos em metade do seu texto, redistribuindo-o ao longo da sua narrativa. O restante material, foi buscá-lo à tradição oral da fonte Q(uelle) e a uma outra fonte exclusiva sua, tal como explica a já clássica teoria das duas fontes no fim do séc. XIX. A extensão de Mateus em relação a Marcos levou a que os Padres da Igreja considerassem o segundo como uma espécie de resumo do primeiro, tendo como consequência a valorização de Mateus sobre Marcos, situação que se manteve até à data referida.

O evangelho está marcado pelas várias referências à presença de Jesus no monte: num monte ocorrem a terceira tentação (4,8-10), o primeiro grande discurso de Jesus (5-7), a oração solitária e prolongada durante a noite (14,23), o encontro com as multidões; e para aí levam os estropiados, os coxos, cegos e paralíticos para serem curados (15,29­-30). É o lugar da transfiguração (17,1), antecipação da glória do Ressuscitado. E, finalmente, é no monte que se dá o encontro do Ressuscitado com os Onze. A importância de o monte está na ideia fundamental do evangelho que apresenta Jesus como o novo Moisés, que vem completar e levar a cumprimento o que Moisés começou no monte Horeb. Por isso, no monte da Galileia, os Onze são enviados pelo Ressuscitado.

 

Autor

 

O nome do apóstolo Mateus aparece no relato da sua vocação, quando Jesus o chama a deixar o seu posto de trabalho de publicano (telṓnēs), ao serviço das finanças do império romano (Mt 9,9-13; 10,3). Nos textos paralelos de Mc 2,14 e Lc 5,27 é chamado Levi, e aparece, novamente, com o nome de Mateus nas listas dos doze apóstolos dos evangelhos sinópticos (Mt 10,3; Mc 3,18; Lc 6,15), e na lista de At 1,13. É também como Mateus que os Padres da Igreja, desde o séc. II, o conhecem. Isto mesmo é atestado no testemunho mais antigo que existe, por Pápias bispo de Hierápolis (c. 125/130 d. C.), segundo a informação mais tarde de Eusébio de Cesareia na sua Historia Ecclesiastica III,39.16: Mateus colecionou os ditos [do Senhor] em língua aramaica e cada um interpretava-os / traduzia-os como podia. Pelo conhecimento que mostra das Escrituras e das tradições judaicas, o autor deste evangelho mostra ser alguém versado no judaísmo e no AT.

Não temos elementos suficientes para comprovar o testemunho de Pápias acerca da existência de uma versão original aramaica. Seja como for, o texto apresenta inúmeras citações do AT e muitos semitismos, o que mostra a proximidade do autor com a tradição judaica, ou pelo menos palestinense. A crítica cerrada aos fariseus e aos doutores da lei no cap.23 – a ponto de serem chamados hipócritas – deixa entrever um período em que o sinédrio já não existia após a destruição do templo no ano 70 d.C.. Nessa fase, os fariseus, juntamente com os seus sucessores, eram os grandes críticos do judeo-cristianismo, num período em que muito provavelmente já circulava a invetiva sinagogal da birkat hamminîm contra os pagãos (os não judeus), acordada na reunião de Jâmnia no ano 80 d.C. pelos mestres da sinagoga (os antecessores dos tanaîm), o que leva a datar o evangelho no período imediatamente seguinte, tendo já presente a destruição de Jerusalém, eventualmente evocada na figura das virgens distraídas do cap.25 ou no retardar da escatologia (22; 24,6-8).

Os mesmos elementos apontam, como destinatários deste evangelho, para uma comunidade dominada por cristãos de origem judaica ou, pelo menos, fortemente familiarizados com as suas tradições. O mais provável é que tenha sido a comunidade cristã de Antioquia, com outras à volta. Situada numa das cidades mais importantes do império romano e com uma numerosa colónia de judeus, foi fundada nos primórdios do Cristianismo e constituída por cristãos vindos tanto do judaísmo como do paganismo; e teve, pela sua abertura à missionação, um papel decisivo na expansão da fé cristã por todo o império (cf. At 11,19-29; 13,1-15,35; 18,23). Provavelmente foi lá que também este evangelho foi redigido.

 

Estrutura literária

 

As indicações literárias do texto obrigam a considerar os cinco grandes “discursosdo novo Moisés (Jesus) e cinco grandes blocos narrativos, tal como indica a fórmula literária aconteceu que quando Jesus acabou de dizer estas palavras no fim ou no início de cada um desses blocos (7,28; 11,2; 13,53; 19,1; 26,1). Assim, depois de I (evangelho da infância de Jesus: caps.1-2) e II (manifestação pública de Jesus: caps. 3-4), teríamos a secção central do evangelho III (o anúncio do reino: caps. 5-25) dividida em cinco partes:

1º) discurso da montanha (5,1-7,29) com as Bem-aventuranças (5,1-12);

2º) primeiros sinais do reino (8,1-9,38) e o discurso missionário (cap.10);

3º) ensinamentos sobre o reino (11,1-12,50) e o discurso das parábolas do reino (13,1-52);

4º) outros ensinamentos sobre o reino (13,53-17,27) e o discurso eclesial (cap. 18);

5º) subida e ministério em Jerusalém (caps. 19-23) e discurso escatológico (caps. 24-25).

O evangelho conclui-se com IV (paixão, morte e ressurreição: caps.26-28).

Um outro elemento que assume uma função estruturante é o sumário relativo à atividade de Jesus, repetido de forma quase idêntica em 4,23 (Jesus percorria toda a Galileia, ensinando nas sinagogas deles, proclamando o evangelho do reino e curando todas as doenças e enfermidades entre o povo) e 9,35. Este sumário une dois aspetos fundamentais e complementares da missão de Jesus: a palavra do ensinamento sob a forma de pregação itinerante e a ação sob a forma da cura.

Além disto, o evangelho apresenta dois cortes temporais extremamente significativos: em 4,17 (Desde então Jesus começou a proclamar e a dizer: «Convertei-vos, pois está próximo o reino dos céus») e 16,21 (Desde então Jesus começou a mostrar aos seus discípulos que era necessário Ele partir para Jerusalém, sofrer muito da parte dos anciãos, dos chefes dos sacerdotes e dos doutores da lei, ser morto e ao terceiro dia ressuscitar) é repetida uma fórmula que desempenha um papel importante. Jesus começou a proclamar e a revelar. Com base nesta fórmula, a atividade de Jesus pode ser dividida em duas grandes partes: a proclamação do reino (4,17-16,20) e a paixão, morte e ressurreição (16,21-28,20).

 

Cristologia

 

Este evangelho começa com uma síntese da sua cristologia: Jesus é Cristo, filho de David, filho de Abraão. Ou seja, enquanto filho de David, Jesus é o Ungido do Senhor, o rei ideal que o profeta Natan tinha anunciado em 2Sm 7,12-16. Como David, provém da cidade de Belém e pastoreia Israel com a força do seu bastão, a força do Senhor (Mt 2,6 com a citação de Mq 5,1-4). Enquanto filho de Abraão, cumpre a promessa de bênção para todas as nações da terra (cf. Gn 12,3; 18,18; 22,18; 26,4; 28,14).

É, todavia, uma dimensão universal que o próprio Jesus parece contrariar: em 10,6 envia os discípulos apenas às ovelhas perdidas da casa de Israel, uma missão que Ele próprio assume em 15,24, como reação a uma estrangeira que intercede junto dele pela filha. A verdade, porém, é que ela acaba por obter de Jesus a graça que lhe pede, invocando-o como filho de David (15,22).

Esta aparente contradição deve-se provavelmente à dupla rejeição de Jesus por parte do povo Israel: a rejeição que lhe causou a morte; e a rejeição posterior à sua ressurreição, na pessoa dos discípulos que o anunciavam e das comunidades cristãs desprezadas e até perseguidas pela comunidade judaica, sobretudo depois de 70 d.C.

O mais provável é que a ida de Jesus e o envio dos discípulos apenas às ovelhas perdidas da casa de Israel se situem neste contexto pós-pascal em duas perspetivas: 1) como preocupação por conquistar para Cristo os judeus que lhe eram adversos, de acordo com o lugar privilegiado de Israel na história da salvação e o consequente princípio expresso por S. Paulo de que o evangelho é poder de Deus para salvação de todo o crente, (mas) primeiro o judeu e (só) depois o grego (Rm 1,16); 2) possivelmente também como oposição a um eventual antisemitismo, nomeadamente na comunidade cristã de Antioquia em que o evangelho de Mt se formou.

De qualquer modo todo ele está incluído numa abertura universal: no início pela adoração dos magos, estrangeiros vindos do oriente, em contraste com a mortífera atitude do rei Herodes (Mt 2,1-11); e no fim, depois de ressuscitado e com todo o poder no céu e na terra, pelo envio dos onze a todos os povos da terra, para aí fazerem discípulos (28,16-20).

O título Filho de Deus não surge nem a abrir o evangelho (ao contrário de Mc), nem na genealogia (ao contrário de Lc). Mas aparece em pelo menos dois outros lugares marcantes: explicitamente no centro do evangelho, na confissão de Pedro – Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo (Mt 16,16) – que une a messianidade davídico-abraâmica à especial relação filial com o Deus e Pai de Israel; e implicitamente na introdução, que sintetiza a mensagem do evangelho: aí Jesus, o Filho de Maria por obra do Espírito Santo, é o Emanuel – Deus connosco em que se cumpre a palavra de Deus na Escritura (Mt 1,23, com a citação de Is 7,14).

No mesmo âmbito se situa a sua obediência de Filho e servo de Deus que toma sobre si as nossas culpas e enfermidades, como o servo de Javé do Deutero-Isaías de que são feitas duas citações (Is 42,1-4 em Mt 12,18-21; Is 53,4 em Mt 8,17). Apresenta-se ainda manso e humilde de coração (Mt 11,29), como consequência, mencionada só por Mt, do conhecimento único entre Ele e o Pai, (11,25-27, comparado com o paralelo de Lc 10,21-22).

Finalmente Ele é mestre e pastor compassivo. Contrariamente a falsos profetas (Mt 7,15; 24,24-26) ou pretensos mestres (23,2-7), só Ele merece os títulos de rabi (mestre) e guia (23,8.10), já que, mais do que uma doutrina, é um estilo de vida, uma maneira de estar no mundo que Ele ensina – e Ele próprio se assume como pastor compassivo (9,36) que, perante o sofrimento dos outros, age a partir do mais profundo e vital do seu ser: das entranhas que se revolvem (significado literal de splankhnízomai, por isso traduzido por compadecer-se profundamente em 14,14; 15,32; 18,27).

 

Eclesiologia

 

O discurso sobre a Igreja é fortemente cristológico, tal como o mostram os caps. 10 e 18 (respetivamente, os discursos missionário e eclesial). Neles salta à vista a forte correspondência entre Jesus e os discípulos (10,40; 18,5), onde os mais pequeninos são alvo de uma particular afeição da parte de Deus (18,10). Mas nesta forte relação nasce uma comunidade fraterna. É verdade que o conceito de ekklēsía (Igreja) é sobretudo frequente em Paulo (curiosamente). Nos Sinópticos é usado só três vezes, e todas em Mateus (16,18; 18,17). Nos LXX, das noventa e seis ocorrências, setenta e seis traduzem o conceito hebraico qahal para significar precisamente a comunidade liberta do Egito. Em Mt 16,18, Jesus ensina como podem fazer parte da Igreja todos aqueles que, como Pedro, o reconhecem como o Cristo, o Filho do Deus vivo. A Igreja de Deus (expressão dos LXX) é assim a Igreja de Cristo, a nova comunidade messiânica.

Em Mt 18,17, o sentido é algo diverso, pois o contexto sugere a ideia de uma comunidade local fraterna que se reúne em nome de Cristo, o seu Senhor. A tarefa não é a de condenar o pecador, mas de o levar a reconhecer o seu pecado. Isto faz então dos membros da Igreja um corpo de irmãos, uma fraternidade. Jesus chama mesmo aos seus discípulos meus irmãos (cf. Mt 28,10). Também o são aqueles que cumprem a vontade do Pai, como membros da nova família do(a)s irmã(o)s de Jesus (cf. 12,46-50). Se esta é uma missão local, à Igreja é confiada uma missão universal no fim do evangelho, em Mt 28,16: Os onze discípulos foram para a Galileia, para o monte que Jesus lhes tinha designado. A partir desse monte, o novo Moisés envia-os a todos os povos ensinando-os a observar tudo quanto vos ordenei (v. 20).

 

 

Capítulos

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