Difference between revisions of "Salmos"

From Biblia: Os Quatro Evangelhos e os Salmos
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Revision as of 16:33, 14 December 2019

Livro dos
Salmos


INTRODUÇÃO

1.Nome e significado


O nome de Salmos, dado aos cento e cinquenta cânticos litúrgicos, deriva do grego Psalmoi e foi cunhado para a tradução grega dos LXX, no séc. III a. C.. Com efeito, no livro do Eclesiástico ou de Ben Sira (Sir 40,21; 47,9; 50,18), já é referido com esse nome. Antes disso, pode ter tido outros nomes em hebraico como Mizmorot, termo que significa "Cânticos". Realmente, a designação de cântico aparece em vários títulos de salmos (Sl 33,2; 71,22; 95,5; 147,7; 149,3) como termo técnico. O título de "Orações" poderia igualmente ter andado em uso. Com efeito, o designativo de Tefillot, "orações" (Sl 72,20), poderia servir como título adequado para toda a coleção.

Entretanto, Tehillim, que significa "louvores", foi o nome que acabou por se impor na Bíblia Hebraica. Este último título segue o modelo de título adotado na tradução dos LXX. Em fase mais tardia do judaísmo, a mesma ideia de louvor, expressa com o nome de Hodayot, de uma raiz hebraica sinónima, serviu em Qumrân para designar uma coleção de hinos que o grupo escreveu no intuito de formar um saltério complementar.

Com a sua aparente simplicidade, a história literária dos Salmos comporta domínios de muito difícil análise. O tipo de texto que representam não é sempre fácil de articular com épocas, contextos, acontecimentos ou personalidades históricas. Esta dificuldade de concretização é pertinente sobretudo no que toca às questões de origem, composição e data de cada um deles.

Sabemos que as religiões orientais anteriores à Bíblia conheciam o uso litúrgico de hinos de grande valor literário e religioso. Essas religiões reconheciam que a atitude de louvor era o aspeto mais significativo da linguagem religiosa. Por isso, a poesia litúrgica, associada pela tradição bíblica ao dinamismo criativo e organizador do rei David, deverá ter conhecido uma história igualmente dinâmica, na tradição religiosa de Canaã, antes dos hebreus. A vida cultual do templo de Jerusalém até ao tempo do exílio terá sido o espaço privilegiado para criação e utilização dos salmos. No entanto, os indícios que temos vão no sentido de que esta criatividade se manteve até próximo do Novo Testamento.

O templo representa o ambiente vivencial para estes textos; é ali que se realiza a sua dimensão comunitária. No entanto, a experiência religiosa e psicológica espelhada em muitos salmos exprime vivências de espiritualidade pessoal, sempre presente na vida do fiel. Este lado íntimo e pessoal da experiência religiosa dá valor e profundidade à dimensão comunitária. Na realidade interior destas vivências é que assenta a consciência de que os salmos constituem uma herança de profunda continuidade entre o judaísmo e o cristianismo. Para além de algumas divergências em matéria de interpretações messiânicas, os salmos representam um espaço de ecumenismo e comunhão devota tanto para judeus como para cristãos.


2.Organização,

autor e data de composição


A numeração dos salmos foi conhecendo algumas diferenças, desde os tempos antigos. Nesta Bíblia aparece, em primeiro lugar, a numeração que se convenciona usar nas atuais edições críticas do texto hebraico; entre parêntesis, aparece, quando é o caso disso, a numeração específica da tradução grega dos LXX, que foi seguida pela tradução latina, chamada Vulgata, e que continua a ser utilizada nas edições destinadas à liturgia. As divergências de número ocorrem entre o Sl 9 e o Sl 147.

No livro dos Salmos, podemos encontrar indícios de outras maneiras de os organizar em coleções. Exemplos disso podem ser: o uso de doxologias finais, que sugerem cinco coleções (1-41; 42-72; 73-89; 90-106; 107-150); a escolha de um nome específico para se referir a Deus (Sl 1-41 com o nome de Yahweh, e 42-83, com o de Elohim); os cânticos de peregrinação como designação de um outro conjunto (Sl 120-134).

A referência ao nome de um autor ou colecionador poderia ser outro princípio de organização. São referidos os filhos de Asaf (Sl 50; 73-83), filhos de Coré (42; 44-48; 84-85; 87-88), David, com setenta e três salmos, segundo o texto hebraico, e mais catorze, segundo o grego. Ao rei Salomão são atribuídos dois salmos e apenas um a Moisés. Muitos dos salmos, porém, não têm qualquer indicação de autor. Informações conservadas no interior da coleção (cf. Sl 72,20) sugerem-nos que a coleção de salmos passou por vários tipos de arranjos e edições. Entretanto, foi-se ampliando com mais textos e foi-se enriquecendo com mais sentidos e ressonâncias. É difícil, contudo, avaliar o valor histórico e o significado exato destes dados colocados à cabeça dos salmos e bem assim as referências técnicas sobre modos de execução musical ou de acompanhamento instrumental.

A tradição, judaica e cristã, sempre associou o conjunto dos salmos à figura de David, tal como associou a Moisés o conjunto dos livros do Pentateuco. David, com efeito, foi o fundador da monarquia e o templo de Jerusalém aparece como seu templo oficial. Nisto assentava o sentimento de identidade nacional.

Desde as épocas remotas, no Oriente, a poesia, lírica, religiosa ou humanista, representa o fio de continuidade literária, por onde podemos acompanhar as vivências e a expressão de consciência dos humanos. Assim também os salmos representam as vivências humanas e a consciência religiosa, ao longo da Bíblia. Alguns salmos podem ter a sua origem em tempo anterior aos hebreus (Sl 29); outros, pelo contrário, podem ter sido compostos próximo da era cristã (Sl 44; 74; 85). Mais do que o enquadramento histórico, o que prevalece é definir o conteúdo de cada salmo.


3.Géneros literários


Nas literaturas orientais de que a Bíblia herdou modelos e temas, a poesia é o modelo de escrita preferido para tratar com mais profundidade, solenidade e beleza os assuntos de interesse humano mais intenso. Mitos, profecias, vivências históricas marcantes, cânticos, hinos e orações são expressões literárias onde se concentram as interrogações, as aspirações, as esperanças e os momentos de perplexidade e drama.

O facto de serem apresentados em forma poética pode justificar-se por várias razões. Por um lado, é o tempo e o esforço de elaboração percebido como um caminho pedagógico para garantir maior apuramento dos sentimentos e sentidos que ali se encontram em jogo. Por outro lado, a beleza poética proporciona uma dose maior de satisfação no formular das questões e na maneira como se vão intuindo e interiorizando perspetivas de resposta. A capacidade de persistência e de resiliência do discurso poético torna-o mais adequado para que nele se concentrem as mais representativas convicções de fé e de sentido da vida.

Do ponto de vista do recorte literário, o discurso poético do Oriente antigo define-se e carateriza-se sobretudo pela maneira como exprime a sua posição face à realidade, numa atitude de contemplação das suas vertentes e matizes. Por isso, o pensamento poético se exprime sob a forma de espelho, desdobrando as ideias em formas que se completam, se contrapõem ou se corrigem, de modo a criar espaço para uma síntese mais matizada. A isto chama-se o paralelismo que representa antes de mais uma atitude e uma forma de pensar. Esta é a marca poética mais clara que encontramos também nos salmos. Para além dela, pode assinalar-se o ritmo marcado das frases com um verso normalmente dividido em duas metades (hemistíquios) e sem uso sistemático de rima. No vocabulário e nas construções sintáticas, deparamo-nos com uma linguagem mais elaborada e também mais conservadora.

Os salmos são certamente os textos poéticos mais próximos dos estados de consciência individuais, das vivências comunitárias mais abrangentes e dos horizontes humanos mais universais. Esta riqueza de sentido fica mais valorizada ainda com o frequente uso litúrgico que os situa no imediato da experiência quotidiana e faz deles os conteúdos mais populares de literatura poética.

Sob este ponto de vista dos conteúdos e formas literárias, o estudo dos salmos levou à definição de modelos que podem derivar de práticas milenares. Na verdade, a Bíblia foi a última literatura a surgir entre as culturas do Antigo Oriente e foi viva e profunda a influência das anteriores. Os géneros literários utilizados dependiam principalmente de conteúdos e objetivos, contextos e modelos assumidos para cada salmo. Os elementos específicos de um género literário podem encontrar-se noutros géneros, dando lugar a formas mistas. Neste sentido, costumam considerar-se como principais géneros literários os seguintes:


a)Salmos de louvor:


Muitos salmos são realmente hinos. Em hebraico, o título deste livro acabou por se fixar como tehillim, que significa louvor e deriva da mesma raiz da expressão "aleluia", que agora usamos como exclamação. Estes hinos de louvor são sobretudo endereçados a Deus. Nisto, a Bíblia dá continuidade à literatura litúrgica das religiões vizinhas e anteriores, onde os hinos são a forma mais habitual de os humanos se dirigirem à divindade, sobretudo em contextos de maior solenidade. Este género literário implica a narração das grandezas ou benfeitorias e o agradecimento que daí decorre. Bons exemplos são os Sl 8; 19; 28; 33; 47; 65-66; 93; 96-100; 104-105; 111; 113; 117; 135; 146; 148-150. Este género literário dos hinos pode aparecer também dirigido ao rei, focando especialmente a cerimónia da entronização real, com toda a expetativa de intervenção divina para o bem-estar do povo e o ordenamento justo do mundo. Com o fim da monarquia, estes salmos foram acentuando as conotações messiânicas, que já antes tinham implícitas. Vejam-se os Sl 2; 18; 20-21; 45; 72; 89; 101; 110; 132; 144. Podemos ainda considerar como hinos os salmos que celebram Jerusalém, que com o templo apresenta uma especial ligação a Deus. São os Sl 46; 48; 76; 84; 87; 122.


b)Salmos de súplica:


O tema da súplica é marcante nesta lírica religiosa. O seu conceito pode mesmo absorver quase todo o sentido da oração e transformar-se num sinónimo da mesma. Em numerosos salmos, a súplica parece ser a motivação mais imediata e a maior preocupação. A diversidade de narrativas e de sentimentos envolvidos nestas orações pode parecer uma acumulação dispersa e algo banal. A amálgama aparente de peripécias do quotidiano e de relações humanas constitui uma síntese de experiências e de sofrimento, situadas no extremo limite da angústia. Neste sentido, os salmos oferecem um quadro rico de vivências interiores, de psicologia individual e coletiva e de relacionamento entre seres humanos. Tratando-se de uma época tão remota, é uma manifestação indispensável de estados de consciência. Na dificuldade de fazer uma lista completa e consensual, podem ver-se como salmos de súplica coletiva os Sl 12; 44; 58; 60; 74; 80; 83; 85; 90; 94; 108; 123; 127. Mesmo que seja difícil distinguir uma súplica coletiva de uma individual, podem ver-se como salmos de súplica individual os Sl 3; 5-7; 13; 17; 22; 26; 27,7-14; 28; 31; 35; 39; 42-43; 51; 54-57; 59; 61; 63; 64; 69-71; 88; 102; 109; 120; 130; 140-143. As situações que motivam a súplica podem ser amargas e desesperadas, mas estes salmos exprimem, em geral, um estado de espírito de confiança e terminam em ação de graças. É por tudo isso que eles se encontram no saltério.


c)Salmos históricos:


O contexto religioso e litúrgico faz com que os salmos sejam sempre uma celebração de fé. Quando tratam de acontecimentos passados, não é para ensinar história, mas para reviver memórias onde assentam as convicções fundamentais da fé de Israel, nomeadamente a convicção de que é relendo a sua história que descobrem o modo como Deus se preocupa com eles. Para além da consciência nuclear expressa no pequeno credo histórico (Dt 26,5-9), vários poemas-oração aparecem disseminados ao longo da Bíblia, onde esta consciência de manifestação de Deus na história do povo recebe lídima expressão. Na função de remeter para a história, podem destacar-se os Sl 78; 105; 106; e ainda Sl 111; 114; 135; 136.


d)Salmos litúrgicos:


Todos os salmos têm alguma intenção litúrgica; é no templo que a sua utilização se enquadra diretamente e foi para isso que foram recolhidos. Um certo número destes salmos, no entanto, procura meditar sobre as exigências a ter por parte de quem se dirige ao templo (Sl 15; 24; 91; 95; 134) e se associa aos seus rituais. Destacam-se aqui os cânticos de peregrinação (Sl 120-134).


e)Salmos proféticos:


Mais do que pelo anúncio de acontecimentos do futuro, alguns salmos têm cariz profético, por interpelarem os comportamentos individuais ou coletivos, como fazem os profetas. Exemplo disso são os Sl 14; 50; 52-53; 75; 78; 81; 95. Os salmos que se costumam designar como penitenciais (6; 32; 38; 51; 102; 103; 143) podem ter um significado análogo ao dos oráculos proféticos de conversão.


f)Salmos sapienciais:


A marca sapiencial dos salmos nota-se em técnicas e recursos de escrita, no interesse em analisar o comportamento humano, as opções éticas e suas consequências, e ainda na meditação sobre o que anda implicado nas orientações religiosas de vida e pensamento. Estes temas aparecem nos Sl 1; 14; 34; 36; 37; 39; 49; 53; 73; 74. O Sl 119 poderia ser considerado um tratado sapiencial, nos moldes de uma longa meditação sobre a lei de Deus. A técnica de iniciar cada verso como parte de um acróstico alfabético parece ter deliciado os criadores desta literatura sapiencial, como testemunham os salmos 9; 10; 25; 112; 119 e 145.


4.Conteúdo doutrinal


O templo de Jerusalém, mesmo antes da rigorosa centralização do culto, por obra do rei Josias, pouco antes do exílio, sempre promoveu a unidade simbólica e doutrinal entre todos os que se sentiam identificados com o conteúdo religioso dos salmos. A devoção e as práticas de culto são propícias para exprimir uma conceção de Deus de tipo monoteísta. Desta maneira, os salmos podem representar, na literatura bíblica, um núcleo pioneiro de sentimentos e de pensamento monoteístas, antes mesmo de aparecerem as formulações mais explícitas, por altura do exílio. A devoção, a emoção religiosa e as vivências cultuais dão profundidade e valorizam a representatividade humana dos símbolos e dos conceitos. A dimensão doutrinal e as convicções de fé que encontramos nos salmos serão, portanto, aquelas que mais naturalmente se podem coadunar com o contexto de oração individual e sobretudo comunitária. É a coerência natural entre orar e acreditar, a sintonia entre a lex orandi e a lex credendi. Nas orações dos salmos circulam e ressoam de modo especial muitos dos conteúdos religiosos que a literatura bíblica exprime, por outras formas e contextos. Com esta riqueza de conotações e temas sugeridos, os salmos constituem um verdadeiro microcosmos da Bíblia e da vida humana.

5.Leitura perene e interpretação


A caraterística de intemporalidade reconhecida na maioria dos salmos não significa que neles encontremos apenas fórmulas desenraizadas ou ideias abstratas e de grande rigidez. Na verdade, estes poemas estão enriquecidos com uma imensa variedade de matizes de grande subtileza pelo contexto em que foram criados. Por outro lado, a sua utilização devocional e litúrgica, continuada ao longo de milénios, fez com que os seus conceitos e ideias religiosas se tenham tornado representativas da experiência religiosa e da própria experiência humana. Por este longo horizonte de acumulação de significados, qualquer tradução procura espelhar o mais possível o sentido original do texto, mas não pode deixar de descurar as ressonâncias que o uso milenar acumulou, numa cadeia de infinita cumplicidade entre leitores e devotos de todos os tempos.


6.Sobre a tradução


Com os meios de que dispomos atualmente, podemos acompanhar o processo de tradução dos salmos desde que ele começou, i.e., desde há mais de dois mil anos. Este longo itinerário de traduções oferece-nos uma variedade imensa de interpretações. As mais antigas costumam ser vistas como complementares para ajudar a resolver problemas de vária ordem motivados pelo estado do texto hebraico. E as mais reconhecidas traduções bíblicas de hoje continuam a prestar atenção ao entendimento que nos oferecem as antigas traduções. Por outro lado, novos dados históricos e arqueológicos e as possibilidades que existem para uma melhor compreensão do texto hebraico antigo fazem com que esta tradução assente, na medida do possível, sobre a interpretação do texto hebraico, não descurando as luzes que nos oferecem as mais antigas traduções. Para casos complexos de texto ou de interpretação temos como padrão a Neovulgata.

A tradução procurará retratar o conteúdo do texto hebraico da forma mais fiel e literal possível. Em nota ficarão registadas algumas formas hebraicas de caráter mais idiomático; serão também apresentadas propostas alternativas de tradução, quando o texto original as parece justificar com evidência.


A Subcomissão do Antigo Testamento


José Augusto Martins Ramos (moderador)

Luísa Maria Varela Almendra

Armindo dos Santos Vaz

1 O caminho do justo

Salmo

1Feliz[1] o homem que não segue o conselho dos malfeitores[2],

que não se detém no caminho dos pecadores
e não toma parte em reunião de maldizentes[3].


2Pelo contrário, é na lei do Senhor[4] que ele encontra satisfação;

é na sua lei que medita[5] dia e noite.

3É como árvore plantada à beira das correntes de água:

dá o seu fruto em devido tempo e a folhagem não murcha;
e em tudo o que fizer será bem-sucedido.


4Não é assim com os malfeitores.

Pelo contrário, são como palha que o vento leva.

5Por isso, os malfeitores não se levantarão no julgamento[6],

nem os pecadores, na assembleia dos justos.

6Na verdade, o Senhor conhece o caminho dos justos,

mas o caminho dos malfeitores conduz à perdição.


2 Deus e o seu ungido


1Porque se amotinam os povos

e as nações congeminam vãos projetos[7]?

2Revoltam-se os reis da terra[8] e os príncipes fazem aliança

contra o Senhor e contra o seu ungido[9]:

3«Quebremos as suas algemas

e afastemos de nós o seu jugo!»[10].


4Aquele que habita nos céus sorri,

o Senhor escarnece deles.

5Então, ameaça-os com a sua ira

e atemoriza-os com a sua cólera:

6«Fui Eu que consagrei[11] o meu rei,

sobre a minha montanha santa de Sião».


7Vou proclamar o decreto do Senhor,

pois Ele me declarou: «Tu és meu filho,

Eu hoje te fiz nascer[12].

8Pede-me e eu to concederei;

os povos serão a tua herança,

e os confins da terra o teu domínio.

9Hás de guardá-los com um cajado de ferro

e destruí-los como um vaso de oleiro».


10E agora, ó reis, tomai bem sentido,

aprendei, vós que governais a terra.

11Servi o Senhor com temor

e com tremor rendei-lhe homenagem[13].

12Que Ele não se irrite e pereçais no caminho.

Pois num momento se inflama a sua ira.

Felizes todos os que nele confiam!


3 Certeza da ajuda divina


1Salmo de David, quando fugiu do seu filho Absalão.


2Senhor, são tantos os meus inimigos[14],

tão numerosos os que se levantam contra mim!

3Muitos são os que dizem a meu respeito:

«Nem Deus o poderá salvar!».Pausa[15]


4Mas Tu, Senhor, és o escudo que me protege[16];

és a minha honra e aquele que me faz levantar a cabeça.

5Com a minha voz clamei ao Senhor

e Ele respondeu-me da sua montanha santa.Pausa


6Posso deitar-me, dormir e acordar,

pois é o Senhor que me ampara.


7Não temo as multidões de gente,

que em volta tomam posição contra mim.


8Levanta-te, ó Senhor!

Ó meu Deus, traz-me a salvação!

Pois Tu atingiste na face todos os meus inimigos,

quebraste os dentes aos malfeitores.

9É do Senhor que vem a salvação.

Que a tua bênção desça sobre o teu povo.Pausa

4 Confiança em Deus


1Ao diretor, com instrumentos de corda. Salmo de David.


2Quando eu chamar, escuta-me, ó Deus, minha justiça[17].

Em momentos de aperto, deste-me largueza.

Tem piedade de mim e ouve a minha súplica.


3Até quando, ó homens, estará a minha honra em desprezo[18]?

Até quando amareis o que é inútil e procurareis o que é falso[19]?Pausa

4Sabei que o Senhor fez maravilhas pelo seu amigo;

o Senhor ouve-me, quando por Ele clamo.

5Tremei e não volteis a pecar;

no silêncio dos vossos leitos, meditai em vossos corações.Pausa

6Oferecei sacrifícios com justiça

e tende confiança no Senhor.


7Muitos dizem: «Quem nos fará ver a felicidade,

se de nós se afastou a luz da tua face, ó Senhor?»[20].


8Deste ao meu coração uma alegria maior

que a daqueles que têm trigo e vinho em abundância[21].

9Em paz me deito e logo adormeço,

pois só Tu, Senhor, me fazes viver em segurança[22].


5 Oração da manhã contra inimigos


1Ao diretor, para flautas. Salmo de David.


2Dá ouvidos, Senhor, às minhas palavras[23]

e compreende o meu gemido.

3Escuta o grito do meu clamor,

ó meu rei e meu Deus,

pois a ti eu imploro.

4Pela manhã[24], Senhor, escuta a minha voz;

de manhã apresento diante de ti o meu pedido[25]

e fico à espera, confiante.


5Na verdade, Tu não és um Deus que sinta agrado no mal;

junto de ti, nenhum mau pode habitar.

6Os orgulhosos não resistem diante do teu olhar,

pois detestas os que praticam a iniquidade.

7Exterminas os que falam com mentira;

sanguinários e fraudulentos, o Senhor os abomina.


8Eu, porém, pelo teu grande amor, entrarei na tua casa,

para me prostrar no teu santo templo,

em temor e adoração por ti.

9Guia-me, Senhor, pela tua justiça,

por causa dos que me armam ciladas;

aplana diante de mim o teu caminho.


10Na boca deles não há sinceridade;

o seu interior é corrupção.

A sua garganta é um sepulcro aberto

e com a sua língua apenas sabem lisonjear.

11Castiga-os, ó Deus[26]!

Que os seus desígnios se desmoronem!

Rejeita-os pelos seus numerosos crimes,

pois se revoltaram contra ti.


12Mas alegrem-se e rejubilem para sempre

todos os que se refugiam em ti.

Tu lhes ofereces proteção

e os que amam o teu nome se alegrarão em ti.


13Pois Tu, ó Senhor, abençoas o justo

e o envolves num escudo de benevolência.


6 Súplica de um justo em aflição


1Ao diretor, para instrumentos de oito cordas. Salmo de David.


2Senhor, não me repreendas na tua ira[27],

nem me castigues na tua indignação.

3Tem piedade de mim, Senhor, que desfaleço;

cura-me, Senhor, que os meus ossos estremecem.


4A minha alma[28] está muito conturbada.

E Tu, Senhor, até quando?

5Volta, Senhor, liberta a minha alma;

salva-me pela tua fidelidade.

6Pois na morte não há memória de ti[29].

No mundo dos mortos, quem te renderá louvor?


7Estou cansado do meu sofrimento.

Todas as noites encho de lágrimas a minha cama,

inundando o meu leito.

8Os meus olhos consomem-se de tristeza;

envelheceram diante de tantos inimigos.


9Afastai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade,

pois o Senhor escutou a voz do meu lamento.

10O Senhor escutou a minha súplica[30];

o Senhor acolheu a minha oração.

11Que os meus inimigos se envergonhem e encham de terror;

que eles retrocedam, subitamente envergonhados.


7 Oração de um justo perseguido


1Lamentação de David, que ele cantou ao Senhor sobre Cuche,

o benjaminita[31].


2Ó Senhor, meu Deus, em ti me refugio[32].

Salva-me de todo o que me persegue e liberta-me.

3Que ele não desfaça como um leão a minha vida,

dilacerando-me, sem que ninguém me liberte.


4Senhor, meu Deus, se algum mal eu fiz,

se nas minhas mãos há maldade,

5se paguei com o mal a quem me fez bem[33],

se despojei o meu adversário sem motivo,

6então que o inimigo me persiga[34] e derrube,

calcando por terra a minha vida,

e faça com que a minha honra[35] vá morar no pó.Pausa


7Levanta-te, Senhor, na tua ira;

ergue-te contra a fúria dos meus adversários.

Desperta, ó meu Deus[36] e decreta a sentença.

8Junta, portanto, em redor de ti a assembleia dos povos

e, lá no alto, senta-te a presidir sobre ela.

9É o Senhor que julga os povos.

Julga-me, ó Senhor, segundo a minha justiça

e segundo a minha integridade.

10Acaba com a malícia dos malfeitores

e confirma o justo.

Pois aquele que examina os rins e os corações,

é um Deus justo.

11A minha proteção está em Deus,

que salva os de coração sincero.

12Deus é um justo juiz,

um Deus que, dia a dia, mostra a sua indignação.


13Se alguém não se arrepende, Ele afia a sua espada,

arma o seu arco e aponta-o;

14e contra o malvado prepara armas de morte,

das suas flechas faz tições ardentes[37].


15Eis que ele concebeu a iniquidade;

e esta gerou a maldade e deu à luz a mentira[38].

16Ele cavou e aprofundou um fosso,

mas cairá na cova que ele mesmo abriu.

17A sua maldade recairá sobre a sua cabeça

e a sua violência tombará sobre a sua nuca.


18Eu louvarei o Senhor porque Ele é justo,

e cantarei o nome do Senhor, o Altíssimo.


8 Hino ao criador do homem


1Ao diretor, sobre lira de Gat[39]. Salmo de David.


2Ó Senhor, Senhor nosso[40],

como é admirável o teu nome em toda a terra!

Adorarei a tua majestade sobre os céus[41].

3Da boca das crianças e meninos de peito,

construíste uma fortaleza[42] contra os teus adversários,

para eliminar inimigos e rebeldes.

4Contemplo os teus céus, obra das tuas mãos,

a lua e as estrelas que Tu estabeleceste!


5Que é o ser humano para te lembrares dele,

o filho do homem, para com ele te preocupares?

6Fizeste dele pouco menos que um deus[43],

de glória e de honra o coroaste.

7Deste-lhe domínio sobre as obras das tuas mãos,

tudo colocaste debaixo dos seus pés[44]:

8ovelhas e bois, todos sem exceção,

e até os grandes animais selvagens;

9aves do céu e peixes do mar,

que percorrem as rotas do oceano.


10Ó Senhor, Senhor nosso,

como é admirável o teu nome em toda a terra!


9 (9,1-21)Deus, protetor dos humildes


1Ao diretor, para vozes de soprano[45]. Salmo de David.


Alef

2Quero louvar-te, Senhor, com todo o meu coração[46],

quero contar todas as tuas maravilhas.

3Por ti exulto de alegria,

e vou cantar o teu nome, ó Altíssimo,

Bet

4Quando os meus inimigos tiveram de voltar para trás,

tropeçavam e desapareciam diante de ti.

5Pois julgaste a minha causa e executaste o meu direito,

sentaste-te no trono como juiz de justiça.

Guimel

6Repreendeste povos, fizeste desaparecer o malfeitor[47]:

apagaste o seu nome para todo o sempre.

7Os inimigos acabaram em ruínas para sempre;

arrasaste as suas cidades, desapareceu a sua memória.

8Mas o Senhor preside como rei para sempre,

o seu trono está preparado para o julgamento.

9Ele julgará o mundo com justiça,

governará as nações com equidade.

Waw

10O Senhor é refúgio para o oprimido,

refúgio nos momentos de angústia.

11Em ti confiam os que conhecem o teu nome, Senhor,

pois nunca abandonaste aqueles que te procuram[48].

Záin

12Cantai ao Senhor que habita em Sião,

proclamai entre os povos as suas maravilhas.

13Ele que vinga o sangue das vítimas, lembra-se delas;

não esquece o clamor dos oprimidos.

Het

14Tem piedade de mim, Senhor,

vê a minha aflição perante os que me odeiam,

Tu que me ergues desde as portas da morte.

15Que eu possa contar todos os teus louvores,

às portas da filha de Sião

e regozijar-me com a tua salvação.


Tet

16Os povos afundaram-se no fosso que fizeram;

os seus pés ficaram presos na rede que esconderam.

17O Senhor deu-se a conhecer e fez justiça,

o malfeitor enredou-se nas suas próprias ações.Surdina, Pausa

Yod

18Que os malfeitores voltem à morada dos mortos,

todos os povos que se esquecem de Deus.

19Pois o pobre não será esquecido para sempre,

nem para sempre a esperança dos humildes se perderá.

Kaf

20Levanta-te, Senhor! Que o ser humano não prevaleça.

Sejam julgados os povos na tua presença.

21Ó Senhor, lança o terror sobre eles;

reconheçam os povos que são simplesmente humanos[49].Pausa


10(9,22-39)Pelos oprimidos


Lamed

1Senhor, porque te manténs ao longe[50]

e te escondes nos tempos de aflição?

2Com altivez o malfeitor persegue o pobre.

Seja apanhado nas ciladas que planeou.

3O malfeitor vangloria-se da sua ambição;

o ganancioso blasfema e despreza o Senhor[51].

Nun

4No seu orgulho, diz o malfeitor:

«Não há Deus, ninguém me pedirá contas»[52].

São só estes os seus pensamentos.

5Os seus caminhos prosperam continuamente.

Porém, os teus juízos estão muito acima dele,

que despreza todos os seus adversários.

6Em seu coração, ele diz:

«De geração em geração, jamais tropeçarei;

serei feliz, sem contrariedades».

7A sua boca está cheia de maldição, enganos e mentiras;

debaixo da sua língua há violência e maldade.

8Põe-se de emboscada por trás das cercas,

mata à traição o inocente;

os seus olhos espiam o infeliz.

Ayin

9Espreita no esconderijo, como leão no covil;

espreita para sequestrar o pobre;

sequestra o pobre e arrasta-o na sua rede.

10Agacha-se, aninha-se por terra

e cai com todas as suas forças sobre os desgraçados.

11Ele diz no seu coração: «Deus esqueceu-se;

desviou o rosto, para não voltar a ver».

Qof

12Levanta-te, Senhor! Ó Deus, ergue a tua mão,

não te esqueças dos oprimidos.

13Porque há de o malfeitor desprezar a Deus,

dizendo no seu coração: «Tu não pedirás contas»?

Resh

14Mas Tu vês a angústia e o pesar;

Tu o observas e o tomas em tuas mãos.

A ti se abandona o pobre, confiante;

Tu és o amparo do órfão.

Shin

15Quebra o braço do malfeitor e do malvado;

persegue a sua maldade, para não voltar a acontecer.


16O Senhor é rei para todo o sempre.

Os gentios desapareceram da terra dele!

Taw

17Senhor, Tu escutaste o desejo dos pobres.

Reconforta o seu coração e inclina o teu ouvido,

18fazendo justiça aos órfãos e desvalidos.

Que ninguém volte a aterrorizar os seres humanos[53] sobre a terra[54].


11(10)Confiança do justo


1Ao diretor. De David.


No Senhor me refugio[55], como ousais dizer à minha alma:

«Foge para os montes[56] como uma ave».

2Na verdade, os malfeitores armam o arco

e ajustam as flechas na corda,

disparando na sombra contra os de coração reto.

3Quando os fundamentos são abalados,

que poderá fazer o justo?


4O Senhor está no seu santo templo;

o Senhor tem o seu trono nos céus.

Os seus olhos observam,

as suas pupilas examinam os seres humanos.


5O Senhor examina o justo e o malfeitor,

mas ao que ama a violência, Ele abomina-o.

6Sobre os malfeitores fará chover carvões, fogo e enxofre;

e um vento de tempestade é a taça que têm de beber[57].

7Pois o Senhor é justo e ama os atos de justiça.

Os que são retos verão a sua face[58].


12(11)Contra os ímpios


1Ao diretor. Para oito cordas. Salmo de David.


2Salva-nos, Senhor, que se acabaram os justos[59];

a lealdade desapareceu de entre os humanos.

3É falsidade o que eles tratam uns com os outros;

falam com lábios de hipocrisia e duplicidade de coração.


4Que o Senhor extermine todos os lábios enganadores

e as línguas que proferem palavras arrogantes,

5como os que dizem: «Com a nossa língua venceremos.

Os nossos lábios nos defendem. Quem pode mandar em nós?».


6«Pela aflição dos oprimidos e pelo gemido dos pobres,

vou levantar-me agora mesmo – diz o Senhor –

e colocar a salvo o que suspira por isso».

7As palavras do Senhor são palavras verdadeiras,

prata limpa das impurezas da terra,

refinada sete vezes.


8Tu, Senhor, hás de tomar conta deles

e nos defenderás para sempre desta gente,

9dos malfeitores que circulam à vontade,

enquanto cresce a corrupção entre os seres humanos.


13(12)Súplica confiante


1Ao diretor. Salmo de David.


2Até quando, Senhor[60], te vais esquecer de mim?

Até quando esconderás de mim o teu rosto[61]?

3Até quando terei a minha alma em cuidados

e o meu coração em angústia, todo o dia?

Até quando se erguerá o meu inimigo contra mim?


4Olha para mim e responde-me, Senhor, meu Deus.

Dá luz aos meus olhos, para não adormecer na morte.

5E que o meu inimigo não diga: «Consegui vencê-lo!»,

nem os meus adversários se alegrem ao ver-me vacilar.


6Eu, porém, confiei na tua fidelidade;

o meu coração alegra-se com a tua salvação;

e cantarei ao Senhor pelo bem que Ele me fez[62].


14(13)Os ímpios e o povo de Deus


1Ao diretor. De David.


O insensato diz em seu coração[63]:

«Não há Deus»[64].

Eles são corruptos, e abomináveis são as suas ações;

não há quem faça o bem.


2Dos céus, o Senhor observa os seres humanos,

para ver se existe alguém sensato,

alguém que procure a Deus.

3Mas todos se extraviaram; uns aos outros se corromperam.

Não há quem faça o bem. Não há nem um sequer.


4Acaso não o sabem os que praticam a iniquidade,

os que devoram o meu povo como quem come pão[65]

e não invocam o Senhor?

5Mas eis como eles ficaram aterrorizados,

porque Deus está com a geração dos justos.

6Vós desprezais o plano do pobre,

mas o Senhor é o seu refúgio.

7Quem dera que de Sião viesse a salvação para Israel!

Quando o Senhor fizer voltar os cativos do seu povo,

Jacob vai rejubilar, Israel vai alegrar-se.


15(14)Na casa do Senhor


1Salmo de David.


Quem poderá, Senhor, morar no teu santuário[66]?

Quem habitará na tua montanha santa?

2Aquele que procede honradamente,

pratica a justiça e diz a verdade com todo o seu coração.

3Aquele cuja língua não levanta calúnias

e não faz mal ao seu semelhante,

nem lança injúria sobre o seu próximo.

4Aquele que considera desprezível o que Deus rejeita

e estima os que temem o Senhor[67].

Aquele que não quebra o juramento,

mesmo quando sofre prejuízos.

5Aquele que não empresta dinheiro com usura[68]

nem aceita suborno contra o inocente.

Quem assim fizer jamais vacilará[69].

16(15)Deus, refúgio e vida


1Elegia. De David.


Guarda-me, ó Deus[70], que em ti me refugio[71].

2Pois eu disse ao Senhor: «Tu és o meu Senhor.

Não tenho outro bem acima de ti!».

3Quanto aos deuses[72] que existem no país,

os poderosos, a quem dedicam todo o seu apreço[73],

4multipliquem as suas dores os que a eles acorrem.

Que eu não lhes apresentarei libações de sangue

nem erguerei os seus nomes nos meus lábios.


5És Tu, Senhor, a porção que me toca e o meu cálice;

Tu manténs segura a minha sorte.

6Recebi a minha parte de herança[74] num lugar delicioso.

Sim, é bela a herança que me coube!


7Quero bendizer o Senhor que me aconselha;

mesmo de noite as minhas entranhas me advertem[75].

8Tenho sempre o Senhor diante de mim;

com Ele à minha direita jamais vacilarei.

9Por isso, o meu coração se alegra e o meu ser[76] exulta

e o meu corpo repousa em segurança.

10Pois Tu não me abandonarás no mundo dos mortos,

não deixarás que o teu fiel experimente a corrupção.


11Hás de ensinar-me o caminho da vida,

saciando-me de alegrias na tua presença

e delícias eternas, à tua direita[77].


17(16)Oração de um inocente


1Oração. De David.


Escuta, Senhor, o pedido de justiça[78],

atende ao meu clamor;

dá ouvidos à minha oração,

que não é de lábios mentirosos.

2Que a minha sentença venha de ti;

sejam os teus olhos a ver o que está correto.

3Examina o meu coração, inspeciona-o de noite;

põe-me à prova de fogo e não verás maldade em mim.

4A minha boca não cometeuas transgressões próprias de seres humanos.

Conservei-me fiel às palavras da tua boca.

5Pelos atalhos da violência dá firmeza aos meus passos;

que os meus pés não vacilem nos teus caminhos.

6Eu te invoco; responde-me, por favor, ó Deus!

Inclina para mim o ouvido. Escuta as minhas palavras.

7Com um dos teus prodígios de fidelidade,

salva dos agressores os que se refugiam à tua direita.

8Guarda-me como a pupila dos teus olhos,

esconde-me à sombra das tuas asas,

9longe dos malfeitores que me agridem,

dos inimigos mortais que me assediam.

10A gordura fechou-lhes o coração[79]

e a sua boca fala com arrogância.

11Seguem agora os meus passos e cercam-me;

fixam os olhos em mim para me atirarem por terra.

12São semelhantes a um leão que espera a presa,

um jovem leão, deitado no seu esconderijo.

13Levanta-te, Senhor, enfrenta-o e derruba-o;

com a tua espada, livra-me do malfeitor;

14com a tua mão, Senhor, livra-me desta gente,

de homens que põem a sua esperança nesta vida.

Com os teus bens lhes enches a barriga;

os seus filhos ficam saciados

e deixam para os descendentes o que lhes sobra.

15Eu, porém, pela justiça, hei de contemplar a tua face

e, ao despertar, saciar-me com a tua imagem[80].


18(17)Aparição divina e triunfo


1Ao diretor. Do servo do Senhor, David[81], o qual dirigiu ao Senhor as palavras deste cântico, no dia em que o Senhor o livrou da mão de todos os seus inimigos e da mão de Saul. Disse então David:

2Eu te amo entranhadamente, ó Senhor, minha força!

3Senhor, meu rochedo, fortaleza e proteção!

Ó meu Deus, abrigo onde me refugio,

meu escudo e força de salvação, meu baluarte de defesa!


4Invoquei o Senhor que é digno de louvor

e fui salvo dos meus inimigos.

5Cercaram-me as ondas da morte,

e as vagas destruidoras me aterrorizavam.

6O abismo da morte[82] envolvia-me em seus laços,

e as suas redes mortíferas[83] alcançavam-me.

7Na minha angústia invoquei o Senhor,

e para o meu Deus dirigi o meu grito.

Do seu santuário, Ele ouviu a minha voz;

o meu clamor junto dele chegou aos seus ouvidos.


8Então a terra tremeu e foi sacudida[84];

as bases das montanhas estremeceram,

sacudidas pelo ardor da sua ira.

9Subia fumo das suas narinas;

e da sua boca, um fogo devorador,

de onde saltavam carvões ardentes.

10Ele inclinou os céus e desceu,

com densas nuvens debaixo dos seus pés.

11Montado sobre um querubim, Ele voou,

transportado nas asas do vento.

12Fez das trevas o seu véu;

águas profundas e nuvens densas

eram a tenda à sua volta.

13Ao fulgor da sua presença,

as suas nuvens transformaram-se

em granizo e carvões acesos.

14Dos céus, o Senhor fez trovejar,

o Altíssimo lançou a sua voz[85].

15Desferiu as suas setas e dispersou os inimigos,

e pô-los em fuga com os relâmpagos.

16Então ficaram à vista as profundezas do mar,

e revelaram-se os fundamentos do universo.

Tudo por causa das tuas ameaças, ó Senhor,

e pelo sopro impetuoso da tua ira.


17Do alto, Deus estendeu a mão e agarrou-me;

retirou-me das águas caudalosas.

18Livrou-me de inimigos poderosos,

que me odiavam e eram mais fortes do que eu.

19Atacaram-me pela frente, no meu dia de desgraça,

mas o Senhor veio em meu auxílio.


20Fez-me sair para um lugar espaçoso;

libertou-me, porque me quer bem.

21O Senhor recompensou-me conforme a minha justiça,

retribuiu-me pela pureza das minhas mãos.


22É que eu segui os caminhos do Senhor

e não me afastei do meu Deus como qualquer malfeitor.

23Pois tinha os seus mandamentos diante de mim

e não afasto de mim os seus preceitos.

24Tenho sido irrepreensível para com Ele,

resguardando-me de qualquer culpa.

25E então o Senhor retribuiu-me conforme a minha justiça,

e a pureza das minhas mãos, diante dos seus olhos.

26Tu mostras que és fiel com quem é fiel;

e és íntegro para quem é íntegro.

27És leal para com os que te são leais

e por quem é astuto não te deixas enganar.

28Pois Tu salvas o povo humilde,

mas rebaixas os de olhar altivo.


29Senhor, Tu és a luz da minha candeia;

és o meu Deus, que ilumina as minhas trevas.

30Contigo posso investir contra um exército;

com o meu Deus assaltarei muralhas.


31O caminho de Deus é perfeito,

a palavra do Senhor é à prova de fogo.

Ele é o protetor para todos os que nele confiam.


32Quem é Deus, a não ser o Senhor?

Quem é um rochedo, senão o nosso Deus?

33Ele é o Deus que me reveste de coragem

e faz que o meu caminho seja direito.

34Ele torna os meus pés ágeis como os das corças

e faz-me andar seguro pelas montanhas[86].

35Ele adestrou minhas mãos para o combate

e os meus braços para manejar o arco de bronze.

36Tu deste-me o teu escudo de salvação;

a tua direita sustentou-me,

e a tua bondade fez-me prosperar.

37Deste largueza aos meus passos,

e os meus tornozelos não vacilaram.

38Persegui os meus inimigos até os alcançar

e não retrocedi sem os ter derrotado.

39Derrubei-os e não puderam levantar-se;

caíram debaixo dos meus pés.

40Tu revestiste-me de força para o combate

e submeteste os adversários a meus pés.

41Fizeste com que os inimigos me virassem as costas,

para eu poder exterminar os que me odeiam.


42Gritaram por socorro: não houve quem acudisse;

invocaram o Senhor, mas Ele não lhes respondeu.

43E eu dispersei-os como pó levado pelo vento;

calquei-os como lama dos caminhos.


44Livraste-me das contendas de um povo

e colocaste-me à frente de nações;

povos que não conhecia prestaram-me vassalagem.

45Mal me ouviam, logo me obedeciam.

Alguns estrangeiros procuravam os meus favores.

46Outros estrangeiros fraquejavam

e saíam a tremer dos seus abrigos.


47Viva o Senhor! Bendito seja o meu protetor!

Glorificado seja o Deus que é minha salvação.

48Ele é o Deus que me concedeu vingança

e submeteu os povos ao meu poder.

49Livrou-me dos meus inimigos,

ergueu-me acima dos meus adversários,

livrou-me do homem violento.

50Por isso, te louvarei entre os povos, ó Senhor,

e cantarei hinos ao teu nome.

51Ele concede grandes vitórias ao seu rei,

e mostra a sua fidelidade para com o seu ungido,

para com David e a sua descendência, para sempre.


19(18)Louvor a Deus criador e legislador


1Ao diretor. Salmo de David.


2Os céus proclamam a glória de Deus[87],

e o firmamento anuncia a obra das suas mãos.

3Um dia passa mensagem ao outro dia

e uma noite dá conhecimento à outra noite.


4Sem palavras nem discursos,

sem mesmo se ouvir a sua voz,

5o seu eco ressoa por toda a terra

e as suas mensagens, até aos confins do universo,

entre eles Deus fez uma tenda para o sol.


6É dali que ele sai, como um noivo do seu tálamo,

e, qual herói, percorre alegre o seu caminho.

7Num extremo dos céus tem a sua saída,

e a sua órbita assenta no outro extremo.

E nada escapa ao seu calor[88].

8A lei[89] do Senhor é perfeita, reconforta a alma;

os avisos do Senhor são firmes, dão sabedoria aos simples.

9As ordens do Senhor são retas, alegram o coração;

os preceitos do Senhor são claros, iluminam os olhos.


10O temor do Senhor é puro, permanece para sempre;

as sentenças do Senhor são a verdade, todas elas são justas.

11São mais desejáveis que o ouro, o ouro mais fino

e mais doces que o mel, o puro mel dos favos.


12Também o teu servo se deixa iluminar por elas

e tem grande proveito em cumpri-las.

13Mas quem poderá reconhecer os seus erros?

Perdoa-me as faltas desconhecidas.


14Preserva também da soberba[90] este teu servo,

para que ela não me domine.

Então serei perfeito e ficarei inocente de falta grave.

15Aceita com benevolência as palavras da minha boca;

chegue a ti o murmúrio do meu coração,

ó Senhor, meu rochedo e meu libertador.


20(19)Oração pelo rei


1Ao diretor. Salmo de David.

2Que o Senhor te responda no dia da angústia[91]

e o nome do Deus de Jacob te proteja.

3Que do santuário Ele te envie socorro

e de Sião te sustente.

4Que Ele recorde todas as tuas ofertas

e receba com agrado o teu sacrifício[92].Pausa

5Que Ele te conceda o que o teu coração deseja

e preencha todos os teus anseios.


6Rejubilaremos com a tua salvação[93],

e ao nome do nosso Deus ergueremos bandeiras[94].

Que o Senhor satisfaça todos os teus desejos.

7Agora tenho a certeza

de que o Senhor deu a vitória ao seu ungido.

Do alto dos céus, seu santuário, Ele lhe responde

e o salva com a força da sua mão direita.


8Uns confiam nos carros, outros nos cavalos.

Nós, porém, recordamos o nome do Senhor, nosso Deus[95].

9Eles fraquejaram e sucumbiram;

mas nós ficámos de pé e resistimos.


10O Senhor dá a vitória ao rei

e responde-nos no dia em que o invocamos.


21(20)Ação de graças pelo rei


1Ao diretor. Salmo de David.


2Senhor, o rei alegra-se com o teu poder[96].

Como ele exulta com a tua salvação!

3Satisfizeste os desejos do seu coração

e não recusaste os pedidos da sua boca.Pausa


4Saíste ao seu encontro com bênçãos de prosperidade;

puseste na sua cabeça uma coroa de ouro fino[97].

5Pediu-te vida e Tu lha concedeste,

vida prolongada, por séculos sem fim[98].


6Grande é a sua glória, graças à tua ajuda;

cumulaste-o de esplendor e majestade.

7Dispuseste para ele bênçãos[99] sem fim

e leva-lo a contemplar com alegria a tua face.

8Sim, o rei confia no Senhor

e pela bondade do Altíssimo não vacilará.

9Levantarás a tua mão contra todos os teus inimigos[100],

a tua direita atingirá os que te odeiam.

10Hás de reduzi-los a uma fornalha ardente,

quando mostrares a tua face.

A ira do Senhor há de engoli-los

e serão devorados pelo fogo.

11Farás desaparecer da terra a sua descendência

e a sua posteridade entre os humanos.

12Se intentarem algum mal contra ti

e pensarem em traição, nada vão conseguir.

13Porque tu os obrigarás a virar costas,

apontando contra eles o teu arco.

14Levanta-te, Senhor, com a tua força,

e nós cantaremos e celebraremos o teu poder.


22(21)A paixão do justo


1Ao diretor. Pela melodia "A corça da aurora". Salmo de David.


2Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste[101]?

As palavras do meu lamento ficam longe da minha salvação!

3Meu Deus, clamo de dia e não respondes;

de noite, e não tenho descanso.

4Mas Tu és o Santo e estás sentado no trono,

por entre os louvores de Israel[102].

5Em ti confiaram os nossos pais;

confiaram e Tu os libertaste.

6A ti clamaram e Tu os livraste;

confiaram em ti e não ficaram desiludidos.


7Eu, porém, sou um verme e não um homem,

vergonha dos humanos e desprezo da plebe.

8Todos os que me veem escarnecem de mim,

abrem a boca e abanam a cabeça.

9«Recorreu ao Senhor, Ele que o livre;

Ele que o liberte, se lhe quer tanto bem».

10Na verdade, Tu me tiraste do ventre materno

e me confiaste aos seios da minha mãe.

11Desde o nascimento fui entregue aos teus cuidados,

desde o ventre da minha mãe Tu és meu Deus.

12Não te afastes de mim, que a aflição está perto

e não há quem me ajude.


13Estou cercado por touros ferozes,

os mais fortes de Basan[103] encurralaram-me.

14Escancaram contra mim as suas fauces,

como leão que despedaça e ruge.

15Fui derramado como água;

e todos os meus ossos se desconjuntaram.

O meu coração está como cera,

a derreter-se no meio das minhas entranhas.

16Como uma telha, a minha garganta[104] está seca,

e a minha língua, colada ao céu da boca;

a morte reduziu-me a pó[105].


17Estou cercado por matilhas de cães,

rodeia-me um bando de malfeitores.

Trespassaram as minhas mãos e os meus pés;

18podem-se contar todos os meus ossos.

Eles observam e olham para mim.

19Repartem entre si as minhas roupas

e tiram à sorte a minha túnica.


20Mas Tu, Senhor, não fiques longe!

És a minha força. Vem depressa em meu socorro.

21Livra a minha alma da espada

e das garras dos cães, a minha única vida[106].

22Salva-me da boca do leão

e dos chifres do búfalo. Responde-me[107]!

23Quero anunciar o teu nome aos meus irmãos;

no meio da assembleia te louvarei.

24Vós que temeis o Senhor, louvai-o!

Glorificai-o, vós todos, descendentes de Jacob.

Reverenciai-o, vós todos, descendentes de Israel.

25Pois não mostrou desprezo nem repugnância

para com o pobre desgraçado.

Não desviou dele a sua face,

mas ouviu-o, quando este lhe pediu socorro.


26Por ti multiplicarei o meu louvor[108] na grande assembleia;

cumprirei os meus votos na presença dos que o temem.

27Os pobres comerão e ficarão saciados;

e louvarão o Senhor os que o procuram.

«Viva para sempre o vosso coração!».


28Hão de lembrar-se e voltarão para o Senhor

todos os confins da terra.

E hão de prostrar-se diante dele[109]

todas as famílias de povos.

29Pois ao Senhor pertence a realeza;

é Ele quem governa as nações.

30E perante Ele se prostrarão[110] todos os grandes da terra;

diante dele se inclinarão todos os que descem ao pó.

E se estes já não vivem[111],

31os descendentes hão de servi-lo.

E assim se falará do Senhor à geração que há de vir.

32E anunciarão a sua justiça

a um povo que há de nascer,

dizendo: «Foi Ele quem o fez».


23(22)O bom pastor


1Salmo. De David.


O Senhor é meu pastor[112], nada me falta,

2em verdes prados me leva a descansar.

Conduz-me às águas refrescantes

3e reconforta a minha alma.

Ele guia-me pelos caminhos retos,

por amor do seu nome[113].

4Mesmo que eu ande por vales tenebrosos,

não temerei mal algum.

Porque Tu estás comigo,

a tua vara e o teu cajado me dão coragem.

5Preparas a mesa para mim[114],

à vista dos meus inimigos.

Com óleo me perfumaste a cabeça,

e a minha taça ficou a transbordar.

6Sim, a bondade e a misericórdia me acompanharão

todos os dias da minha vida.

E habitarei na casa do Senhor[115],

ao longo dos dias.


24(23)Cântico processional


1De David. Salmo.


Ao Senhor pertence a terra e o que ela contém[116],

o mundo e quantos nele habitam.

2Pois Ele estabeleceu-a sobre os mares

e consolidou-a sobre as correntes profundas[117].


3Quem poderá subir à montanha do Senhor

e permanecer no seu santuário?

4Aquele que tiver mãos limpas e coração puro,

não corre atrás daquilo que é vão[118],

nem jura por aquilo que é falso.

5Esse levará bênção da parte do Senhor

e justiça da parte de Deus, seu salvador.

6Esta é a geração dos que o procuram,

dos que buscam a face do Deus de Jacob[119].Pausa


7Ó portas, levantai os vossos umbrais[120]!

Alteai-vos, pórticos antigos,

que vai entrar o rei da glória!

8Quem é esse rei da glória?

É o Senhor, poderoso herói,

o Senhor, herói na batalha.

9Ó portas, levantai os vossos umbrais!

Alteai-vos, pórticos antigos,

que vai entrar o rei da glória!

10Quem é esse rei da glória?

O Senhor dos exércitos.

É Ele o rei da glória.Pausa


25(24)Pedido de perdão e libertação


1De David.


Alef

Para ti Senhor[121],

elevo a minha alma[122].


Bet

2Ó meu Deus, em ti confio.Que eu não fique desiludido,

nem escarneçam de mim os meus inimigos.

Guimel

3Pois os que esperam em ti não ficarão desiludidos.

Desiludam-se os que te atraiçoam sem razão.


Dalet

4Senhor, dá-me a conhecer os teus caminhos

e ensina-me as tuas sendas.

He

5Encaminha-me pela tua verdade e ensina-me,

pois Tu és o Deus, meu salvador.

Vau

Em ti confio todo o dia.


Zain

6Recorda-te, Senhor, da tua compaixão

e da tua misericórdia, que são desde sempre.

Het

7Não recordes os meus pecados de juventude e os meus delitos.

Lembra-te de mim, Senhor, pela tua misericórdia,

pela tua bondade, ó Senhor.

Tet

8O Senhor é bom e reto.

Por isso, ensina o caminho aos pecadores.

Yod

9Orienta os humildes na justiça

e dá-lhes a conhecer o seu caminho.


Kaf

10Todas as sendas do Senhor são misericórdia e verdade

para os que cumprem a sua aliança e os seus preceitos.

Lamed

11Por amor do teu nome, Senhor,

perdoa o meu pecado, que é muito grande.

Mem

12Quem é o homem que teme o Senhor?

Ele lhe ensinará o caminho a escolher.

Nun

13A sua alma descansará com prosperidade

e a sua descendência possuirá a terra[123].


Samek

14O segredo[124] do Senhor é para aqueles que o temem,

e a sua aliança é para os levar ao conhecimento.

Ain

15Os meus olhos estão sempre postos no Senhor,

pois Ele tira os meus pés da armadilha.


Pe

16Volta-te para mim e tem piedade,

porque estou sozinho e humilhado.

Sadé

17Dá largueza às angústias do meu coração

e livra-me das minhas aflições.

(Qof)

18[125] a minha aflição e o meu sofrimento

e apaga todos os meus pecados.

Resh

19Vê como são numerosos os meus inimigos,

e me odeiam com ódio cruel.


Shin

20Guarda a minha alma e livra-me.

Que eu não fique desiludido, pois confiei em ti.

Tau

21Que a integridade e a retidão me protejam,

pois em ti eu pus a minha esperança.

22Ó Deus, resgata Israel

de todas as suas tribulações[126].


26(25)Oração de um inocente


1De David.


Faz-me justiça, Senhor, pois procedi com integridade[127].

Confiei no Senhor e não hei de fraquejar.

2Examina-me, Senhor, e põe-me à prova;

purifica-me os rins e o coração[128].


3Pois a tua misericórdia está diante dos meus olhos,

e deixo-me guiar pela tua verdade.

4Não convivo com gente falsa

nem me associo com os traidores.

5Detesto reuniões de criminosos

e não me sento com os malfeitores.


6Lavo as minhas mãos em sinal de inocência

e vou circundar o teu altar, Senhor.

7Quero entoar um cântico de louvor

e contar todas as tuas maravilhas.

8Eu amo, Senhor, o interior[129] da tua casa,

o lugar onde reside a tua glória.

9Não ceifes a minha alma junto com os pecadores,

nem a minha vida com os homens sanguinários.

10Pois, nas suas mãos só há infâmia,

e a sua direita está cheia de suborno.

11Eu, porém, procedo com integridade.

Livra-me e tem compaixão de mim.

12Os meus pés permanecem no caminho reto;

nas assembleias bendirei o Senhor[130].

27(26)Confiança do justo


1De David.


O Senhor é minha luz e minha salvação[131]:

de quem hei de ter medo?

O Senhor é o refúgio da minha vida:

quem me pode assustar?

2Quando os malfeitores avançam contra mim,

para devorar a minha carne[132],

são eles, os meus inimigos e adversários,

que vão tropeçar e cair.

3Se um exército vier acampar contra mim,

o meu coração não temerá.

Se uma guerra se levantar contra mim,

mesmo então estarei confiante.


4Uma só coisa peço ao Senhor;

é isso mesmo o que eu procuro:

habitar na casa do Senhor

todos os dias da minha vida;

para contemplar o encanto[133] do Senhor

e ficar em vigília no seu templo.


5No dia da adversidade,

Ele me abrigará na sua cabana;

há de esconder-me no interior da sua tenda

e colocar-me no alto de um rochedo.

6E assim Ele me ergue a cabeça,

acima dos inimigos que me rodeiam.

Oferecerei no seu santuário sacrifícios de aclamação[134];

cantarei e entoarei hinos ao Senhor.


7Escuta, Senhor, o clamor com que te invoco,

tem compaixão de mim e responde-me.

8Por ti meu coração murmura,

e os meus olhos te procuram.

É a tua face que eu procuro, Senhor.

9Não escondas de mim o teu rosto.

Não afastes com ira o teu servo.

Tu és o meu amparo.

Não me rejeites nem abandones,

ó Deus, meu salvador.


10Ainda que meu pai e minha mãe me abandonem,

o Senhor há de acolher-me.

11Ensina-me, Senhor, o teu caminho

e conduz-me por sendas direitas,

por causa dos meus adversários.

12Não me entregues à vontade dos meus inimigos,

pois contra mim se levantaram testemunhas mentirosas,

e gente que respira violência.


13Creio firmemente que hei de contemplar

a bondade do Senhor na terra dos vivos[135].

14Confia no Senhor, sê forte.

Mantém o teu coração forte e confia no Senhor.


28(27)Súplica e ação de graças


1De David.


Por ti eu clamo, Senhor, meu rochedo[136].

Não fiques surdo à minha voz.

Pois, se ficasses calado a meu respeito,

eu seria semelhante aos que descem à cova.

2Escuta a voz das minhas súplicas,

quando a ti grito por socorro;

quando ergo as minhas mãos[137]

para o interior do teu santuário.


3Não me arrastes com os malfeitores

e com os que praticam a iniquidade.

Eles falam de paz com os seus semelhantes,

mas no seu coração têm maldade.

4Retribui-lhes segundo os seus atos

e segundo a maldade dos seus crimes.

Retribui-lhes segundo a obra das suas mãos;

trata-os como eles trataram os outros.

5Eles não fazem caso das ações do Senhor,

nem da obra das suas mãos.

Ele os destruirá e não os há de restabelecer[138].


6Bendito seja o Senhor,

que escutou o grito das minhas súplicas.

7O Senhor é a minha força e o meu escudo;

nele confiou o meu coração.

Ele socorreu-me[139]: o meu coração exulta.

Por isso, quero louvá-lo com os meus cânticos.

8O Senhor é a força do seu povo,

é fortaleza de salvação para o seu ungido.

9Salva o teu povo e abençoa a tua herança;

apascenta-o e guia-o para sempre.


29(28)Hino ao Senhor da natureza


1Salmo. De David.


Prestai ao Senhor[140], filhos de Deus[141],

prestai ao Senhor glória e poder.

2Prestai ao Senhor a glória do seu nome,

adorai o Senhor no átrio sagrado[142].

3A voz do Senhor ecoa sobre as águas[143],

o Deus glorioso fez ressoar o trovão[144];

o Senhor está sobre as águas caudalosas[145].

4A voz do Senhor é poderosa,

a voz do Senhor tem majestade.

5A voz do Senhor derruba os cedros,

o Senhor derruba os cedros do Líbano.

6Ele faz saltar o Líbano como um bezerro

e o Sírion[146] como um novilho.

7A voz do Senhor projeta

labaredas de fogo.

8A voz do Senhor faz tremer o deserto,

o Senhor faz tremer o deserto de Cadés[147].

9A voz do Senhor dobra os carvalhos[148]

e desnuda as florestas.

E por todo o seu templo

ressoa um grito de glória.

10O Senhor está no trono, acima do dilúvio[149],

o Senhor está no trono como rei para sempre.

11O Senhor dá força ao seu povo,

o Senhor abençoa o seu povo na paz[150].

30(29)Ação de graças depois do perigo


1Salmo. Cântico de consagração do templo. De David.


2Eu canto a tua grandeza, Senhor, pois me resgataste[151]

e não deixaste que os meus inimigos se rissem de mim.

3Clamei por ti, ó Senhor, meu Deus,

e Tu me curaste.

4Do abismo da morte retiraste a minha alma, Senhor;

restituíste-me a vida, para eu não descer à cova.


5Cantai salmos ao Senhor, vós, seus fiéis;

entoai hinos de louvor, lembrando a sua santidade.

6Pois a sua ira dura apenas um momento,

mas a sua benevolência é para a vida inteira.

Ao entardecer, vem o meu choro pernoitar;

ao amanhecer, vem a alegria.

7Na minha felicidade, eu dizia:

«Jamais serei abalado!».

8Com a tua benevolência, Senhor,

tornaste-me mais estável que as altas montanhas[152];

mas, se escondes a tua face, fico perturbado.


9Por ti, Senhor, eu clamo

e imploro a misericórdia do Senhor.


10Que vantagem virá da minha morte[153],

da minha descida à sepultura?

Porventura poderá louvar-te o pó?

Poderá proclamar a tua fidelidade?

11Escuta, Senhor, e tem compaixão de mim.

Sê Tu, Senhor, o meu auxílio.


12Para mim, converteste o meu pranto numa dança;

retiraste-me a veste de penitência e ornaste-me de alegria.

13Por isso, o meu ser[154] te cantará sem cessar;

louvar-te-ei para sempre, Senhor, meu Deus.


31(30)Apelo na aflição


1Ao diretor. Salmo. De David.


2Em ti, Senhor, procurei refúgio[155].

Que eu jamais fique desiludido.

Livra-me, pela tua justiça.

3Inclina para mim os teus ouvidos;

vem depressa libertar-me.

Sê para mim uma rocha de segurança,

uma fortaleza para me salvar.


4Sim, Tu és o meu rochedo e a minha fortaleza;

por amor do teu nome, guia-me e conduz-me.

5Livra-me da rede que esconderam contra mim,

pois Tu és o meu refúgio.


6Nas tuas mãos entrego o meu espírito[156];

salva-me, ó Senhor, Deus fiel.

7Eu detesto[157] os que seguem ilusões vazias[158];

e, por mim, confio no Senhor.

8Hei de alegrar-me e regozijar com a tua misericórdia,

pois Tu viste a minha miséria,

e reconheceste as angústias da minha alma.


9Não me deixaste preso na mão do inimigo,

mas deste aos meus pés caminho aberto.


10Tem piedade de mim, Senhor, que estou em aflição:

os meus olhos consomem-se de tristeza,

bem como a alma e as entranhas.

11A minha vida esgotou-se na amargura,

e os meus anos em gemidos.

As minhas forças decaíram com esta aflição[159],

e os meus ossos consumiram-se.

12Sou objeto de escárnio para os meus inimigos,

e mais ainda de desprezo para os meus vizinhos.

Sou motivo de terror para os meus conhecidos;

ao verem-me na rua, afastam-se de mim.

13Sou um morto esquecido e apagado dos corações;

sou como um objeto perdido.

14Eu ouvia os gritos da multidão,

cercado pelo terror.

Pois conspiravam todos contra mim

e combinavam tirar-me a vida.


15Eu, porém, confio em ti, Senhor,

e digo: «Tu és o meu Deus».

16Cada momento meu está nas tuas mãos.

Livra-me da mão dos meus inimigos e perseguidores.

17Faz brilhar sobre o teu servo a luz da tua face;

salva-me pela tua misericórdia.


18Senhor, que eu não fique envergonhado,

pois clamei por ti.

Fiquem envergonhados os malfeitores,

reduzidos ao silêncio da morte[160].

19Calem-se os lábios mentirosos,

que proferem insolências contra o justo,

com arrogância e desprezo.


20Como é grande, Senhor, a tua bondade,

que tens reservada para os que te temem.

Tu a realizas por aqueles que em ti confiam,

à vista de todos os humanos.


21Tu os escondes e resguardas na tua presença,

contra as intrigas do homem;

na tua tenda os guardas

longe das línguas da discórdia.


22Bendito seja o Senhor,

pois a sua misericórdia para comigo

fez maravilhas na cidade fortificada.

23E eu, na minha ansiedade, dizia:

«Fui excluído de diante dos teus olhos!».

Tu, porém, ouviste o brado da minha súplica,

quando eu por ti clamei.


24Amai o Senhor, todos os que sois seus amigos,

pois o Senhor protege os que lhe são fiéis[161]

mas castiga, retribuindo a dobrar

a quem se comporta com arrogância.

25Sede fortes e animem-se os vossos corações,

todos vós que pondes a esperança no Senhor.


32(31)Perdão e ação de graças


1De David. Poema.


Feliz daquele que viu a sua culpa levantada[162]

e o seu pecado apagado.

2Feliz o homem a quem o Senhor não acusa de maldade

e que no seu espírito não tem falsidade.


3Tentando calar-me, consumiam-se-me os ossos

entre gemidos, durante o dia inteiro.

4Pois, dia e noite, a tua mão pesava sobre mim,

secando a minha seiva como o calor do verão.Pausa


5Sempre te confesso o meu pecado;

nunca escondi a minha maldade.

Eu dizia: «Vou confessar a minha culpa diante do Senhor!»,

e Tu perdoaste a culpa do meu pecado.Pausa


6Por isso, todo o fiel se dirige a ti rezando,

quando se encontra em tribulação.

Mesmo que transbordem águas caudalosas,

jamais o hão de atingir.

7Tu és o meu abrigo: livras-me da angústia

e me envolves em gritos de libertação.Pausa


8«Vou fazer-te compreender e instruir-te[163]

no caminho que deves seguir.

De olhos postos em ti, serei teu conselheiro.

9Não sejas como cavalo ou jumento sem entendimento;

só com freio e cabresto o seu ímpeto se domina.

Que ele não se aproxime de ti».


10Muitos sofrimentos esperam o malfeitor.

Mas quem confia no Senhor está rodeado de misericórdia.

11Alegrai-vos, justos, e regozijai no Senhor;

exultai, todos vós, que sois retos de coração.


33(32)Hino ao Deus criador e providente


1Exultai, ó justos, no Senhor[164];

aos que são honestos fica bem louvá-lo.

2Louvai o Senhor com a cítara;

com harpa de dez cordas[165] entoai hinos.

3Cantai-lhe um cântico novo;

tocai com arte por entre aclamações.


4Pois é reta a palavra do Senhor

e toda a sua obra é por fidelidade.

5Ele ama a justiça e o direito;

a terra está cheia da misericórdia do Senhor.

6Pela palavra do Senhor foram feitos os céus

e pelo sopro da sua boca[166], todos os seus astros[167].


7Ele juntou, como em represa, as águas do mar

e colocou em reserva as correntes do abismo[168].


8Que a terra inteira tema o Senhor;

tremam diante dele todos os habitantes do mundo.

9Pois Ele disse e assim aconteceu;

Ele ordenou e tudo foi surgindo.

10O Senhor desfez os planos das nações

e frustrou os projetos dos povos[169].

11O plano do Senhor permanece para sempre,

os desígnios do seu coração, por todas as gerações.


12Feliz a nação que tem o Senhor como seu Deus,

o povo que Ele escolheu para sua herança[170].

13Do céu, o Senhor lança o olhar

e observa todos os seres humanos.

14Do lugar onde tem o seu trono,

vê todos os habitantes da terra.

15Ele que formou o coração de cada um deles

compreende bem todas as suas obras.


16A vitória do rei não está num grande exército,

nem o herói se salva pela sua grande força.

17O cavalo é uma ilusão para a vitória:

não é ele que salva, pela sua grande força.

18Eis que os olhos do Senhor velam pelos que o temem,

por aqueles que confiam na sua misericórdia,

19para libertar da morte as suas almas

e lhes dar vida em tempo de fome[171].


20A nossa alma espera no Senhor;

Ele é nosso auxílio e nosso escudo protetor.

21Por isso, nele se alegra o nosso coração;

por isso, confiámos no seu santo nome.

22Esteja sobre nós a tua misericórdia, Senhor,

tal como o esperamos de ti.


34(33)Deus protege os justos


1De David, quando se fingiu louco diante de Abimelec e,

expulso por ele, partiu.


Alef

2Eu bendirei o Senhor em todo o tempo[172];o seu louvor estará sempre na minha boca.

Bet

3A minha alma gloria-se no Senhor[173].

Que o escutem os humildes e se alegrem.


Guimel

4Enaltecei comigo o Senhor;

exaltemos todos juntos o seu nome.

Dalet

5Procurei o Senhor e Ele respondeu-me:

livrou-me de todos os meus temores.

He

6Os que o contemplaram ficaram radiantes,

e os seus rostos não ficarão desiludidos.

Zain

7Este pobre[174] clamou, e o Senhor ouviu

e salvou-o de todas as suas angústias.


Het

8O anjo do Senhor arma a sua tenda

à volta dos que o temem e livra-os do perigo[175].


Tet

9Saboreai e vede como o Senhor é bom;

feliz o homem que nele se refugia.


Yod

10Temei o Senhor, vós que lhe estais consagrados,

pois nada falta àqueles que o temem.

Caf

11Os ricos[176] empobrecem e passam fome,

mas aos que buscam o Senhor nenhum bem lhes faltará.


Lamed

12Vinde, filhos, escutai-me;

vou ensinar-vos o temor do Senhor.

Mem

13Quem é que não aprecia a vida

e não gostaria de ter longos dias de prosperidade?

Nun

14Então guarda a tua língua do mal

e que os teus lábios evitem palavras mentirosas.

Samek

15Afasta-te do mal e pratica o bem;

procura a paz e esforça-te por alcançá-la.

Ain

16Os olhos do Senhor estão voltados para os justos,

e os seus ouvidos atentos ao seu clamor.

Pe

17O rosto do Senhor volta-se contra os que praticam o mal,

para apagar da terra a sua memória.


Sadé

18Os justos[177] clamaram e o Senhor ouviu

e livrou-os de todas as suas angústias.

Qof

19O Senhor está perto dos corações atribulados

e salva os que estão de espírito abatido.

Resh

20Muitas são as tribulações do justo,

mas o Senhor livra-o de todas elas.

Shin

21Ele guarda todos os seus ossos;

nem um só deles será quebrado.

Tau

22A maldade acabará por matar o malfeitor;

e os que odeiam o justo serão por isso condenados.

23O Senhor resgata a vida dos seus servos;

os que nele confiam não serão condenados[178].


35(34)Apelo à justiça divina


1De David.


Ó Senhor, vem acusar os que me acusam[179]

e combater os que combatem contra mim.

2Reforça-te com escudo e couraça

e levanta-te em meu auxílio.

3Desembainha a espada e barra o caminho

contra aqueles que me perseguem.

Diz à minha alma:

«Eu sou a tua salvação»[180].


4Sejam confundidos e envergonhados

os que procuram tirar-me a vida.

Voltem para trás humilhados

os que planeiam a minha desgraça.

5Sejam como a palha levada pelo vento

e que o anjo do Senhor os disperse.

6Seja tenebroso e escorregadio o seu caminho,

com o anjo do Senhor a persegui-los[181].


7Pois sem razão armaram ciladas contra mim

e sem razão cavaram um fosso para eu cair.

8Venha sobre ele uma desgraça imprevista;

que a rede escondida apanhe aquele que a armou

e ele mesmo caia no fosso que escavou.


9Então a minha alma exultará no Senhor

e se alegrará com a salvação dele recebida.

10Todo o meu ser proclamará[182]:

«Quem é como Tu, ó Senhor?


Tu livras o fraco daquele que é mais forte;

o pobre e desvalido, daquele que o explora».


11Erguem-se contra mim testemunhas agressivas,

pedindo-me contas de coisas que eu nem sabia.

12Pagam-me com o mal em vez do bem,

deixando a minha alma desolada.


13Quando eles adoeciam, eu vestia-me de penitência[183],

humilhava a minha alma com jejuns,

e a minha oração ecoava no meu peito.

14Como por um amigo ou um irmão,

andava triste e abatido,

como quem está de luto pela sua mãe.


15Eles, porém, alegravam-se da minha queda

e reuniam-se em conluio contra mim.

Agrediam-me à traição

e dilaceravam-me sem descanso.

16Rodeavam-me e escarneciam;

rangiam os dentes contra mim.


17Como podes Tu ver isto, Senhor?

Retira a minha alma das desgraças deles;

das garras desses leões, a minha vida[184].

18Eu te darei graças na solene assembleia[185],

no meio da imensa multidão te louvarei.

19Que não se riam de mim

os meus inimigos mentirosos,

nem troquem olhares de escárnio

os que me odeiam sem motivo.

20Pois eles não falam de paz;

e até contra gente pacífica maquinam calúnias.

21Abrem descaradamente a boca para mim, dizendo:

«Ah! Conseguimos vê-lo com os nossos olhos!».


22Tu também viste, Senhor. Não fiques calado!

Senhor, não fiques longe de mim.

23Desperta e levanta-te em minha defesa!

Ó meu Deus e Senhor, defende a minha causa.

24Julga-me segundo a tua justiça, ó Senhor, meu Deus.

Que eles não se riam de mim.


25Que eles não digam no seu coração:

«Ah! Era o nosso desejo!».

Nem possam dizer: «Devorámo-lo!».

26Fiquem igualmente confundidos e envergonhados

aqueles que se alegram com o meu mal.

Cubram-se de confusão e de ignomínia

os que se mostram arrogantes comigo.


27Alegrem-se e rejubilem os que querem a minha justiça.

E que eles digam sem cessar: «Grande é o Senhor,

pois lhe agrada o bem-estar do seu servo!».


28Então a minha língua anunciará a tua justiça

e os teus louvores, durante todo o dia.

36(35)Malícia humana e bondade divina


1Ao diretor. Do servo do Senhor. De David.


2O malfeitor tem um oráculo de pecado dentro do seu coração[186];

diante dos seus olhos, não existe temor de Deus.

3Porém, o seu Deus destrói-o com o seu olhar,

descobrindo a sua abominável iniquidade[187].

4As palavras da sua boca são de maldade e traição;

renunciou a ser sensato e a fazer o bem.

5Maldade é o que ele planeia, deitado no seu leito.

Obstinado em seguir o seu mau caminho,

nem pensa em renunciar ao mal.


6Ó Senhor, a tua misericórdia vai até aos céus,

e a tua fidelidade chega até às nuvens.

7A tua justiça é como as altas montanhas[188],

e os teus juízos são um abismo profundo[189]:

ó Senhor, Tu salvas homens e animais.

8Que maravilhosa é a tua misericórdia, ó Deus!

Os humanos refugiam-se à sombra das tuas asas.

9Ficam saciados com a abundância da tua casa[190];

Tu lhes dás a beber dos teus rios de delícias[191].

10Pois em ti se encontra a fonte da vida,

e é na tua luz que vemos a luz[192].

11Prolonga a tua misericórdia para os que te conhecem

e a tua justiça para os retos de coração.

12Que os pés do orgulhoso não venham sobre mim,

e que a mão dos malfeitores me não expulse.


13Eis como[193] caíram por terra os que praticam a iniquidade;

foram abatidos e não mais se conseguem levantar.


37(36)A sorte do justo e do ímpio


1De David.


Alef

Não te exaltes por causa dos criminosos[194]

nem invejes os que praticam a iniquidade.

2Pois como o feno depressa irão secar,

como a erva viçosa hão de murchar.


Bet

3Confia no Senhor e faz o bem;

habita nesta terra e cultiva a fidelidade[195].

4Põe no Senhor a tua felicidade,

e Ele há de satisfazer os desejos do teu coração.

Guimel

5Entrega ao Senhor o teu caminho;

confia nele e Ele atuará.

6Há de fazer brilhar como luz a tua justiça,

e os teus direitos, como sol do meio-dia.


Dalet

7Descansa no Senhor e põe nele a tua esperança;

não te exasperes com os que prosperam,

nem com os que vivem de intrigas.


He

8Foge da ira e evita a indignação;

não te exasperes, pois só leva ao mal.

9Com efeito, os criminosos serão exterminados,

mas os que esperam no Senhor possuirão a terra[196].

Vau

10Mais um pouco e já não se vê o malfeitor;

se procurares bem no seu lugar, já não está.

11Os pobres, sim, possuirão a terra

e poderão deleitar-se em grande paz.


Zain

12O malfeitor tece intrigas contra o justo

e range os dentes contra ele.

13Mas o Senhor ri-se dele,

pois vê que o seu dia[197] está a chegar.


Het

14Os malfeitores desembainham a espada e carregam o seu arco,

para abaterem o pobre e desvalido,

para sacrificarem os que seguem o caminho reto.

15A sua espada atravessará o seu próprio coração,

e os seus arcos serão despedaçados[198].


Tet

16Mais vale o pouco de um justo

que a fortuna de muitos malfeitores.

17Pois os braços dos malfeitores serão quebrados,

enquanto aos justos, o Senhor os sustenta.


Yod

18O Senhor conhece bem os dias dos íntegros,

e a sua herança ficará para sempre.

19Não serão envergonhados no tempo da adversidade

e nos dias de fome serão saciados.

Caf

20Porém, os malfeitores hão de perecer;

os inimigos do Senhor, como a verdura dos campos,

murcham e dissipam-se em fumo.

Lamed

21O malfeitor pede emprestado e não paga,

o justo tem compaixão e dá.

22Os que Deus abençoa possuirão a terra;

e os que Ele amaldiçoa serão exterminados.


Mem

23O Senhor dá firmeza aos passos do homem;

orienta-o e sente agrado no seu caminho.

24Se cair, não ficará por terra,

porque o Senhor o segura pela mão.


Nun

25Eu já fui jovem e agora sou velho;

mas nunca vi um justo abandonado,

nem os seus filhos a mendigar pão.

26Mostra-se compassivo e generoso, o dia inteiro,

e a sua descendência será abençoada.


Samec

27Afasta-te do mal e faz o bem

e sempre terás onde habitar[199].

28Pois o Senhor ama a retidão

e não abandona os seus fiéis.

Ain

Estes serão guardados para sempre,

mas a descendência dos maus será destruída.

29Os justos possuirão a terra

e nela terão morada para sempre.


30A boca do justo profere sabedoria,

e a sua língua declara a justiça.

31Ele traz no coração a lei do seu Deus;

por isso não vacilam os seus passos.


Sadé

32O malfeitor espreita o justo

e procura a maneira de o matar[200].

33Mas o Senhor não o abandonará nas suas mãos,

nem o deixará condenar em tribunal.


Qof

34Confia no Senhor e segue o seu caminho;

Ele te honrará com a posse da terra,

e poderás ver os malfeitores a serem exterminados[201].

Resh

35Eu vi um malfeitor encher-se de soberba,

a expandir-se como árvore nativa e frondosa[202].

36Alguém ali passa[203] e eis que ele já não existe.

Ainda o procurei, mas já não se encontrava.


Shin

37Observa aquele que é honesto e repara no que é reto,

pois há futuro para o homem de paz.

38Os criminosos, porém, serão todos destruídos;

o futuro dos malfeitores será exterminado.

Tau

39A salvação dos justos vem do Senhor,

que é o seu refúgio na hora da angústia.

40O Senhor os ajuda e os liberta;

liberta-os dos malfeitores e assim os salva,

porque nele se refugiaram.


38(37)Doença e penitência


1Salmo. De David. Para memorial.


2Senhor, não me repreendas na tua ira[204],

nem me castigues na tua indignação.

3Pois as tuas setas cravaram-se em mim,

e caiu sobre mim a tua mão[205].


4Nada de perfeito ficou no meu corpo,

por causa da tua ira.

Nada de são ficou nos meus ossos,

por causa do meu pecado.

5As minhas culpas sobem acima da minha cabeça

e me oprimem como um fardo pesado demais[206].

6As minhas chagas são fétidas e purulentas,

por causa da minha insensatez.

7Ando cabisbaixo e profundamente abatido;

arrasto-me enlutado, o dia inteiro.

8As minhas entranhas ardem em febre;

nada de perfeito resta no meu corpo.

9Estou fraco e extremamente alquebrado;

e o meu gemido vem do tumulto do meu coração.


10Diante de ti, Senhor, estão todos os meus anseios,

e o meu lamento não te passa despercebido.

11Sinto o coração a palpitar e as forças a abandonarem-me,

e até a luz dos meus próprios olhos me falta.


12Os meus amigos e companheiros

mantêm-se longe do meu sofrimento;

e até os meus parentes se mantiveram à distância[207].

13Armam ciladas os que atentam contra a minha vida;

os que me querem mal anunciam desgraças

e passam o dia a maquinar traições.


14Eu, porém, como um surdo não ouço;

sou igual a um mudo que não abre a boca.

15Tornei-me como alguém que não ouve,

e na sua boca não existe réplica.

16Tudo isto, porque confiei em ti, Senhor,

e Tu me respondes, ó Senhor, meu Deus.

17Por isso pedi: «Que eles não se riam de mim

nem se mostrem triunfantes, quando o meu pé vacila».

18Sim, eu estou prestes a cair,

e a minha dor está sempre presente.

19Por isso, confesso a minha culpa;

estou inquieto por causa do meu pecado.


20Os meus inimigos estão vivos e fortes[208];

são numerosos os que me odeiam sem razão.

21Em vez do bem, eles pagam-me com o mal[209];

perseguem-me, porque procuro fazer o bem[210].


22Não me abandones, ó Senhor,

meu Deus, não fiques longe de mim.

23Vem depressa em meu socorro,

ó Senhor, minha salvação.


39(38)Enigma e brevidade da vida


1Ao diretor. Para Jedutun. Salmo de David.


2Eu disse para comigo: «Vigiarei a minha conduta[211],

para não pecar com a minha língua;

refrearei a minha boca,

enquanto o malfeitor se encontra à minha frente».

3Permaneci mudo, em silêncio, mas sem proveito,

pois a minha dor mais se agravou.


4O coração ardia-me no peito;

os meus murmúrios atiçavam mais o fogo,

até que a minha língua exclamou:

5«Ó Senhor, dá-me a conhecer o meu fim

e qual será o número dos meus dias,

para que eu reconheça como sou efémero».


6Alguns palmos de caminho deste aos meus dias,

e a minha existência é como nada diante de ti,

cada ser humano é um sopro que está de pé[212].Pausa

7Na verdade, é na sombra que o homem se movimenta;

é por uma ilusão que ele se agita:

amontoa riquezas, mas não sabe quem as vai recolher.


8E agora, Senhor, que posso eu esperar?

A minha esperança está posta em ti.

9Livra-me de todas as minhas culpas;

não me faças servir de escárnio para o insensato.

10Fiquei calado e nem vou abrir a boca,

porque tudo é obra tua.

11Afasta de mim os teus castigos;

com a dureza da tua mão, eu fico desfeito.

12É castigando as suas culpas

que Tu educas o ser humano.

Como a traça, destróis o que ele mais estima,

pois o homem não é mais que um sopro.

13Escuta, Senhor, a minha oração

e atende o meu grito de súplica;

não fiques insensível às minhas lágrimas.

Pois sou como um forasteiro a viver junto de ti,

um hóspede, como todos os meus antepassados[213].

14Desvia os olhos de mim, para eu poder respirar,

antes de me ir embora e deixar de existir[214].


40(39)Ação de graças e súplica


1Ao diretor. De David. Salmo.


2Bem alto clamei[215] ao Senhor[216];

Ele inclinou-se para mim e ouviu o meu clamor.

3Retirou-me da cova fatal e de um charco de lodo;

colocou os meus pés sobre um rochedo

e deu firmeza aos meus passos[217].

4Pôs na minha boca um cântico novo[218],

um cântico de louvor ao nosso Deus.

Ao verem isto, muitos hão de sentir temor de Deus

e hão de pôr a sua confiança no Senhor.


5Feliz o homem que pôs no Senhor a sua segurança

e não se voltou para os idólatras[219],

que se extraviam na mentira.

6Grandes coisas Tu fizeste, Senhor, meu Deus;

com os teus prodígios e desígnios em nosso favor,

ninguém se pode comparar a ti.

Quisera anunciá-los e proclamá-los,

mas são tantos que nem se podem contar.


7Não te agradaram sacrifícios nem oblações,

mas formaste-me ouvidos para escutar

e não pediste holocaustos nem vítimas pelo pecado.

8Então exclamei: «Eis-me aqui!».

É para mim o que está escrito no livro.

9Fazer a tua vontade, ó meu Deus, é o que eu quero;

e a tua lei está dentro do meu coração[220].

10Proclamei a justiça na grande assembleia;

Tu bem sabes, ó Senhor,

que eu não fiquei de boca fechada.

11Não escondi, no fundo do meu coração, a tua justiça;

proclamei a tua fidelidade e salvação.

Não neguei a tua misericórdia e a tua lealdade,

diante da grande assembleia.


12Não me recuses, Senhor, a tua compaixão;

que a tua misericórdia e a tua lealdade me protejam sempre.

13Pois desgraças sem conta se acumularam sobre mim,

assediaram-me as minhas culpas e nem consigo ver;

são mais do que os cabelos da minha cabeça,

e o meu coração desfalece.


14Senhor, digna-te libertar-me;

vem depressa em meu auxílio, ó Senhor.

15Sejam cobertos de vergonha e de ignomínia

os que procuram tirar-me a vida.

Retrocedam e corem de vergonha

os que desejam a minha desgraça.

16Fiquem desolados por causa da sua vergonha

aqueles que escarnecem de mim[221].

17Alegrem-se e exultem em ti todos os que te procuram;

e os que desejam a tua salvação digam sempre:

«O Senhor é grande!».


18Eu, porém, que sou pobre e desvalido,

o Senhor cuida de mim.

Tu és o meu auxílio e a minha libertação.

Ó meu Deus, não tardes!

41(40)Oração de um doente


1Ao diretor. Salmo. De David.


2Feliz daquele[222] que está atento ao pobre[223];

no dia da desgraça, o Senhor o salvará.

3O Senhor o guardará e lhe dará vida,

para ser feliz na terra;

e não o deixa entregue aos seus inimigos.

4O Senhor o sustentará no leito de sofrimento,

recuperando-o da sua prostração

e restabelecendo-o da doença.


5Eu disse: «Senhor, tem piedade de mim;

cura a minha alma, pois pequei contra ti.

6Os meus inimigos amaldiçoam-me, dizendo:

«Quando morrerá este e desaparecerá o seu nome?».

7Se algum me vem ver, fala com palavras vazias;

o seu coração está cheio de maldade;

quando ele fala, é ela que sai.

8Todos os que me odeiam murmuram contra mim

e contra mim planeiam o que é mal:

9«Uma peste maligna[224] o atingiu;

de onde está deitado não voltará a erguer-se».

10Até o meu melhor amigo, em quem eu confiava

e comia do meu pão, até ele se levantou contra mim[225].

11Mas Tu, Senhor, tem piedade de mim e levanta-me,

para eu lhes poder retribuir.

12Se o meu inimigo não cantar vitória sobre mim,

então reconhecerei que me queres bem.

13E a mim que conservaste na minha integridade[226],

Tu me estabelecerás na tua presença para sempre.

14Bendito seja o Senhor, Deus de Israel,

desde sempre e para sempre. Amen! Amen[227]!


42(41) Nostalgia de Deus


1Ao diretor. Poema dos filhos de Coré.


2Como o veado anseia pelas nascentes de água[228],

assim por ti anseia a minha alma, ó Deus.

3A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo.

Quando poderei entrar para ver a face de Deus[229]?

4As minhas lágrimas têm-me servido de pão,

tanto de dia como de noite,

enquanto me repetem todo o dia:

«Onde está o teu Deus?».


5Recordo tudo isto e a minha alma estremece[230],

como eu seguia em cortejo até à casa de Deus,

por entre brados de alegria e de louvor

da grande multidão em festa.

6Porque estás prostrada, ó minha alma

e te perturbas dentro de mim?

Espera em Deus, que eu ainda o hei de louvar.

Ele me faz erguer o rosto em triunfo[231]; é o meu Deus.


7A minha alma está prostrada;

por isso me lembro de ti,

desde as terras do Jordão e do Hermon[232]

e da montanha de Miçar[233].

8De um abismo ressoa para outro abismo

o fragor das tuas cascatas;

todas as tuas vagas e torrentes[234]

passaram sobre mim.


9De dia, o Senhor há de mandar a sua misericórdia

e de noite está comigo o seu canto,

numa oração ao Deus da minha vida.

10Quero exclamar: «Ó Deus[235], meu rochedo!

Porque te esqueceste de mim?

Porque hei de andar abatido,

sob a opressão do inimigo?

11Quando se quebram os meus ossos,

os adversários insultam-me

e vão-me repetindo, todo o dia:

«Onde está o teu Deus?».


12Porque estás prostrada, ó minha alma,

e porque me deixas perturbado?

Espera em Deus, que eu ainda o hei de louvar.

Ele me faz erguer o rosto em triunfo[236]; é o meu Deus.


43(42)Nostalgia da casa de Deus


1Faz-me justiça, ó Deus[237]!

E defende a minha causa contra gente sem piedade!

Livra-me do homem de traição e falsidade.

2Na verdade, Tu és o Deus do meu refúgio.

Então, porque me rejeitaste?

Porque tenho de andar abatido,

sob a opressão do inimigo?

3Envia a tua luz e a tua verdade[238].

Que elas me conduzam à tua montanha santa,

ao lugar onde está a tua morada.

4Vou aproximar-me do altar de Deus,

do Deus que é minha alegria e felicidade[239].

Ao som da harpa cantarei o teu louvor,

ó Deus, meu Deus.

5Porque estás prostrada, ó minha alma,

e porque te perturbas dentro de mim?

Espera em Deus, que ainda o hei de louvar.

É Ele que me faz erguer o rosto[240]; é o meu Deus.


44(43)Súplica do povo


1Ao diretor. Para os filhos de Coré. Poema.


2Com os nossos ouvidos ouvimos, ó Deus[241]!

Os nossos antepassados nos contaram

os prodígios que fizeste nos seus dias,

nos dias de antigamente.

3Com a tua mão, expulsaste povos e castigaste nações;

e assim plantaste nesta terra os nossos pais

e aqui os fizeste crescer.

4Não foi pela sua espada que conquistaram a terra,

nem foi o seu braço que lhes deu a vitória.

Foi a tua mão direita e o teu braço

e a luz do teu rosto, porque os amavas.


5Tu és o meu rei, ó Deus.

Decreta a vitória para o povo de Jacob.

6Contigo atacaremos os nossos adversários;

pelo teu nome calcaremos aos pés os nossos inimigos.

7Não é no meu arco que eu tenho confiança,

nem é a minha espada que me salvará.

8Pois Tu é que nos salvaste dos nossos inimigos

e cobriste de vergonha os que nos odiavam.

9A toda a hora te louvámos, ó Deus,

e havemos de celebrar o teu nome para sempre.


10Porém, Tu nos rejeitaste e deixaste envergonhados

e já não sais com os nossos exércitos[242].

11Fazes-nos retroceder diante dos inimigos,

e os que nos odeiam saquearam os nossos bens.

12Entregaste-nos como ovelhas para abate

e dispersaste-nos por entre os povos.

13Vendeste o teu povo por uma ninharia

e nem discutiste os preços deles[243].


14Fizeste de nós o escárnio dos nossos vizinhos,

desprezo e zombaria dos que nos rodeiam.


15Fizeste de nós um exemplo para os povos,

provocando o acenar de cabeça entre as nações[244].


16Todo o dia tenho presente a minha desgraça,

e a vergonha me cobre o rosto,

17com os gritos do que insulta e afronta,

à vista dos inimigos e opressores.

18Tudo isto nos aconteceu, sem nos esquecermos de ti

nem violarmos a tua aliança[245].

19O nosso coração não voltou atrás,

e os nossos passos não se desviaram do teu caminho.

20Porém, Tu esmagaste-nos no terreno das feras[246],

e envolveste-nos em profunda escuridão.


21Se tivéssemos esquecido o nome do nosso Deus

e estendido as mãos[247] para um deus estranho,

22Deus teria certamente descoberto isso,

pois Ele conhece os recônditos do coração.


23Por causa de ti[248], temos sido trucidados todo o dia

e tratados como ovelhas para abate.

24Desperta, Senhor, porque dormes[249]?

Levanta-te e não nos rejeites para sempre.

25Porque escondes o teu rosto

e te esqueces da nossa miséria e tribulação?

26A nossa alma[250] está prostrada no pó,

e o nosso ventre pegado ao chão.

27Levanta-te para nosso auxílio

e resgata-nos pela tua misericórdia.


45(44)Poema para o rei


1Ao diretor. Segundo "Os lírios". Poema dos filhos de Coré. Cântico de amor.


2O meu coração vibra com belas palavras[251];

vou dedicar ao rei a minha obra;

a minha língua é como pena de hábil escriba.

3Tu és o mais belo dos homens[252]!

O encanto se derrama em teus lábios.

Por isso Deus te abençoou para sempre.


4Prende a tua espada à cintura, ó herói,

pois é o teu adorno e o teu esplendor.

5Na tua glória, avança e cavalga,

pela causa da verdade e da justiça oprimida[253].

Que a tua direita te leve a descobrir

prodígios assombrosos!

6As tuas flechas são penetrantes e povos caem a teus pés;

ficam sem coragem[254] os inimigos do rei.

7O teu trono é de Deus[255], é eterno e duradouro;

o teu cetro real é um cetro de retidão.

8Amaste a justiça e odiaste a iniquidade;

por isso, Deus, o teu Deus, te ungiu,

de entre os teus companheiros, com o óleo da alegria.

9As tuas vestes exalam odor a mirra, aloés e cássia;

em palácios de marfim alegram-te os sons da lira.

10Filhas de reis erguem-se entre as tuas damas de corte;

à tua direita está a favorita, ornada com ouro fino de Ofir[256].


11Ouve, filha! Vê e presta atenção.

Esquece o teu povo e a casa do teu pai.

12O rei está enamorado da tua beleza;

presta-lhe homenagem, pois é ele o teu senhor.


13E da cidade de Tiro, com presentes,

os mais ricos do povo demandam os teus favores[257].

14Em todo o esplendor está a filha do rei,

com suas vestes de brocados de ouro.

15Com um manto multicolor é conduzida ao rei;

depois dela, as virgens, suas amigas, são-te apresentadas.

16São conduzidas entre júbilo e regozijo

e dão entrada no palácio do rei.


17No lugar dos teus pais estarão os teus filhos;

e tu farás deles príncipes sobre toda a terra.

18Farei lembrar o teu nome por todas as gerações.

Por isso, os povos hão de louvar-te por todo o sempre.


46(45)Deus, refúgio e força


1Ao diretor. Dos filhos de Coré, em soprano[258]. Cântico.


2Deus é para nós refúgio e força[259],

desde sempre foi auxílio nas angústias.

3Por isso, não temos medo, ainda que a terra trema,

e as montanhas se precipitem no fundo dos mares[260],

4fazendo com que as suas águas rujam e se agitem,

sacudindo os montes com a sua fúria.


5Um rio com os seus canais alegra a cidade de Deus[261],

a mais santa das moradas do Altíssimo.

6Deus está no meio dela; não a deixará vacilar.

Deus a socorrerá desde o raiar da aurora.


7Os povos amotinam-se, os reinos agitam-se;

mas Ele faz ecoar a sua voz e a terra estremece[262].

8O Senhor dos exércitos está connosco;

o Deus de Jacob é a nossa fortaleza.


9Vinde e contemplai as obras do Senhor,

as coisas espantosas que realizou sobre a terra.

10Ele faz parar as guerras até aos confins do mundo[263];

quebra os arcos, despedaça as espadas

e queima no fogo os escudos.


11Rendei-vos! Reconhecei que Eu sou Deus:

dominarei sobre os povos; dominarei sobre a terra.


12O Senhor dos exércitos está connosco;

O Deus de Jacob é a nossa fortaleza.Pausa


47(46)Ao rei universal


1Ao diretor. Dos filhos de Coré. Salmo.


2Povos todos, batei palmas[264],

aclamai a Deus com brados de júbilo,

3porque o Senhor, o Altíssimo, é temível;

é o grande rei sobre toda a terra.

4É Ele que submete os povos ao nosso poder,

colocando as nações a nossos pés.

5Foi Ele que escolheu para nós a nossa herança,

o orgulho de Jacob, que Ele ama.


6Deus subiu por entre aclamações,

o Senhor subiu ao som da trombeta[265].

7Cantai hinos a Deus, cantai!

Cantai ao nosso rei, cantai!

8Pois Deus é o rei de toda a terra,

cantai-lhe um poema de louvor.

9É Deus quem reina sobre os povos;

Deus está sentado no seu trono sagrado.

10Os grandes dos povos juntaram-se

ao povo do Deus de Abraão[266].

Pois a Deus estão sujeitos os poderosos da terra.

Desde sempre, Ele é soberano.


48(47)Sião, cidade de Deus


1Cântico. Salmo dos filhos de Coré.


2O Senhor é grande e digno de todo o louvor[267],

na cidade do nosso Deus, sua montanha santa.

3Bela elevação, alegria de toda a terra,

o monte Sião, acima do monte Safon,

é a fortaleza do grande rei[268].

4No meio das suas fortalezas,

Deus é reconhecido como um baluarte.


5Mas eis que os reis se coligaram

e juntos decidiram avançar.

6Mal a viram ficaram em pânico;

e, aterrorizados, puseram-se em fuga.

7Ali mesmo os apanhou a ansiedade,

com dores como as da mulher no parto[269].

8Era como o vento leste,

que despedaça as naus de Társis[270].


9Tal como nos contaram, assim o vimos[271],

na cidade do Senhor dos exércitos,

na cidade do nosso Deus,

que Deus consolidou para sempre.


10Ó Deus, nós meditamos na tua misericórdia,

no interior do teu santuário.

11Tal como o teu nome, ó Deus,

o teu louvor chega aos confins da terra.

A tua mão direita está cheia de justiça[272].


12O monte Sião alegra-se,

exultam as cidades de Judá[273],

por causa dos teus decretos.

13Percorrei Sião, caminhando em seu redor,

e contai as suas torres.

14Examinai as suas fortalezas e palácios,

para poderdes contar à geração futura

15que este é Deus, o nosso Deus para todo o sempre.

É Ele que eternamente nos conduz[274].


49(48)Vaidade das riquezas


1Ao diretor. Para os filhos de Coré. Salmo.


2Escutai bem isto, povos todos[275];

prestai atenção, habitantes do mundo inteiro.

3Escutem-no tanto os humildes como os grandes,

os ricos e os pobres juntamente.


4A minha boca proferirá palavras sábias,

e o murmúrio do meu coração, entendimento.

5Prestarei atenção aos provérbios,

apresentarei o meu enigma ao som da harpa.

6Porque hei de temer os dias maus,

quando me cerca a iniquidade dos perseguidores?

7Eles confiam na sua opulência

e orgulham-se na enormidade da sua riqueza.

8Contudo, nenhum humano consegue libertar-se,

nem pagar a Deus o seu resgate.

9É demasiado caro o resgate da sua vida,

ficaria sempre insuficiente.

10Será que isso o faria viver para sempre,

sem chegar a ver a sepultura?

11Pois ele vê que também os sábios morrem,

tal como perecem os insensatos e os loucos,

deixando para outros as suas riquezas.

12É o túmulo que lhes servirá de casa para sempre,

e de morada por séculos sem fim,

apesar de proclamarem o seu nome sobre várias terras.


13O homem que vive na opulência não dura muito[276];

é semelhante aos animais que são abatidos[277].

14Este é o caminho dos pretensiosos,

o futuro dos que se comprazem nas suas palavras.Pausa

15Como um rebanho serão destinados ao mundo inferior[278],

e a morte será o seu pastor.

Assim se desfaz a sua imagem,

e o mundo inferior[279] é a sua morada.


16Deus, porém, há de resgatar a minha alma

e retirar-me[280] das garras da morte.Pausa


17Não te perturbes, quando um homem enriquece

e aumenta o esplendor da sua casa.

18Pois, quando morrer, nada disso vai levar;

o seu esplendor não vai descer com ele.

19Durante a vida, vangloria-se, dizendo:

«Eles elogiam-te, porque te saíste bem».

20Mas terá de ir para junto dos seus antepassados,

que jamais voltarão a ver a luz.


21O homem que vive em opulência e não pensa

é semelhante aos animais que são abatidos.


50(49) O verdadeiro sacrifício


1Salmo. De Asaf.


O Senhor, Deus dos deuses, falou[281]

e convocou a terra, do nascer ao pôr do Sol.

2Desde Sião, repleta de beleza,

Deus se manifesta com esplendor.

3O nosso Deus virá e não ficará calado.

À sua frente vem um fogo devorador

e à sua volta, a imensa tempestade.

4Do alto, Deus convoca os céus e a terra,

para fazer o julgamento do seu povo[282]:

5«Reúnam-se junto a mim os que me são fiéis,

que fizeram aliança comigo com um sacrifício[283]».

6Os céus proclamam a sua justiça,

pois o próprio Deus é o juiz.Pausa


7«Escuta, meu povo, que Eu vou falar,

Israel, vou chamar-te a julgamento.

Eu sou Deus, o teu Deus.

8Não é pelos teus sacrifícios que Eu te repreendo;

os teus holocaustos estão sempre diante de mim.

9Não exijo os novilhos da tua casa,

nem os cabritos dos teus currais.

10Pois são minhas todas as feras dos bosques

e os animais dos montes aos milhares.

11Conheço todas as aves das montanhas,

e os bichos do campo são-me familiares.


12Se tivesse fome não to diria,

porque meu é o mundo e tudo o que o preenche.

13Será que Eu vou comer a carne dos touros

ou beber o sangue dos cabritos?


14Oferece a Deus um sacrifício de louvor

e cumpre as tuas promessas feitas ao Altíssimo.

15Invoca-me no dia da tribulação;

Eu te livrarei e tu me glorificarás».


16Ao malfeitor, porém, Deus diz:

«Que mais te dá repetires tanto os meus preceitos

e trazer sempre na boca a minha aliança?

17Pois tu detestas a disciplina

e atiras as minhas palavras para trás das costas.

18Quando vês um ladrão, associas-te com ele

e fazes sociedade com os adúlteros.

19A tua boca espalha o mal,

e a tua língua tece enganos.

20Sentas-te a falar contra o teu irmão

e difamas o filho da tua própria mãe[284].

21Fizeste tudo isto e Eu poderia ficar calado?

Achavas que Eu seria mesmo igual a ti?

Vou repreender-te e expor tudo diante dos teus olhos.


22Compreendei bem isto, vós que esqueceis a Deus,

para Eu não vos despedaçar, sem haver quem vos livre.

23O que oferece sacrifícios de louvor, é esse que me honra;

e aí está o caminho[285], por onde lhe farei ver a salvação de Deus».


51(50)Prece de coração contrito


1Ao diretor. Salmo de David,

2Quando o profeta Natan foi ao seu encontro,

depois de ele ter ido encontrar-se com Betsabé.


3Tem piedade de mim, ó Deus, pela tua misericórdia[286];

segundo a tua grande compaixão, apaga a minha culpa.

4Lava-me inteiramente da minha iniquidade

e purifica-me do meu pecado.


5Pois eu reconheço as minhas culpas,

e o meu pecado está sempre diante de mim.

6Contra ti, só contra ti pequei

e pratiquei o mal aos teus olhos.

E assim Tu és justo na tua sentença,

és íntegro no teu julgamento.


7Eis que eu fui gerado na culpa,

a minha mãe me concebeu no pecado[287].

8Eis que Tu aprecias a verdade no mais profundo;

e na intimidade ensinas-me a sabedoria.

9Com o hissope[288], retira-me o pecado e ficarei puro;

lava-me e ficarei mais branco do que a neve.


10Faz-me ouvir palavras de alegria e de júbilo,

e exultem estes ossos que trituraste.

11Desvia o teu rosto do meu pecado

e apaga todas as minhas iniquidades.

12Cria para mim, ó Deus, um coração puro;

e renova dentro de mim um espírito firme.


13Não me afastes da tua presença[289],

nem retires de mim o teu santo espírito.

14Dá-me de novo a alegria da tua salvação

e apoia-me com um espírito generoso.

15Hei de ensinar aos transgressores os teus caminhos,

e os pecadores hão de voltar para ti.


16Livra-me, ó Deus, dos crimes de sangue[290],

Deus da minha salvação.

Que a minha língua cante a tua justiça.

17Abre, Senhor, os meus lábios,

e a minha boca anunciará o teu louvor.


18Pois não recebes com agrado um sacrifício

nem te agrada qualquer holocausto que eu ofereça.

19O meu sacrifício, ó Deus, é um espírito contrito[291].

Um coração contrito e humilhado, ó Deus, Tu não desprezas.


20Na tua benevolência, trata Sião com bondade[292];

reconstrói os muros de Jerusalém.

21Então hão de agradar-te os sacrifícios legítimos,

holocaustos ou oferendas completas;

então se podem colocar novilhos sobre o teu altar.


52(51)Contra o ímpio poderoso


1Ao diretor. Poema de David.

2Quando Doeg, o edomita,

foi levar a Saul a mensagem de que David estava em casa de Aimélec.


3Porque te vanglorias, ó prepotente[293],

no mal que fazes todo o dia a quem é fiel a Deus?

4Planeias destruição com a tua língua,

como navalha afiada, produzindo falsidade.Pausa

5Preferes sempre o mal ao bem;

declaras a mentira em vez da justiça.

6Preferes sempre palavras corrosivas,

ó língua traiçoeira.

7Também Deus te destruirá para sempre;

pegará em ti e te expulsará da tenda

e te arrancará da terra dos vivos.Pausa


8Ao verem isto, os justos ficarão impressionados

e hão de escarnecer dele, dizendo:

9«Eis aqui o herói que não sabe

colocar em Deus a sua fortaleza.

Confia na sua grande riqueza

e torna-se insolente na sua iniquidade».


10Eu, porém, como oliveira viçosa na casa de Deus,

confio na misericórdia de Deus, por todo o sempre.

11Hei de louvar-te para sempre pelo que fizeste

e na presença dos teus fiéis

proclamarei como é bom o teu nome.


53(52)Os ímpios e o povo eleito


1Ao diretor. Em coro. Poema de David.


2Diz o insensato no seu coração[294]:

«Aqui não há Deus!»[295].

Corruptas e abomináveis são as suas ações;

não há nenhum que faça o bem.

3Dos céus, Deus observa os seres humanos,

para ver se existe alguém sensato,

alguém que procure a Deus.

4Mas todos se extraviaram; uns aos outros se corromperam.

Não há nenhum que faça o bem; nem um sequer.

5Acaso não compreendem os que praticam a iniquidade

que devoram o meu povo como quem come pão

e não invocam a Deus?

6Eis como eles ficaram aterrorizados,

quando não havia razão para terror,

pois Deus dispersou os ossos dos que te cercam.

Tu deixa-los envergonhados, porque foram rejeitados por Deus[296].

7Quem dera que de Sião viesse a salvação para Israel!

Quando Deus fizer voltar os cativos do seu povo,

Jacob vai rejubilar, Israel vai alegrar-se.

54(53)Pedido de socorro


1Ao diretor. Com instrumentos de corda. Poema de David.

2Quando chegaram alguns habitantes de Zif e anunciaram a Saul:

«David encontra-se escondido entre nós».


3Ó Deus, salva-me pelo teu nome[297];

pelo teu poder, faz-me justiça.

4Escuta, ó Deus, a minha oração;

dá ouvidos às palavras da minha boca!


5Estranhos[298] levantam-se contra mim

e soberbos procuram tirar-me a vida,

sem pensarem que Deus está diante deles.Pausa

6Porém, Deus é o meu auxílio;

o Senhor é quem sustenta a minha vida[299].


7Recaia o mal sobre os meus perseguidores;

pela tua fidelidade, extermina-os.

8Oferecer-te-ei sacrifícios espontâneos[300]:

louvarei o teu nome, ó Senhor, porque ele é bom.

9Foi ele que me livrou de todas as tribulações;

e assim posso olhar de frente os meus inimigos[301].


55(54) Oração de um perseguido


1Ao diretor. Com instrumentos de corda. Poema de David.


2Dá ouvidos, ó Deus, à minha oração[302];

não te escondas perante a minha súplica.

3Presta-me atenção e responde-me;

estou atormentado na minha angústia.

4Perturbo-me com a voz do inimigo

e perante a opressão dos malfeitores.

Eles fazem cair a desgraça sobre mim

e perseguem-me com furor.

5O coração aperta-se no meu peito,

e os terrores da morte caem sobre mim.

6O medo e o tremor apoderam-se de mim;

o pavor cobre-me por completo.


7E exclamo: «Quem me dera ter asas como a pomba;

poderia voar e encontrar abrigo».

8Sim, fugiria para bem longe

e habitaria no deserto.Pausa

9Apressava-me em buscar um refúgio para mim,

contra a fúria do vento e a tempestade.


10Confunde-os, Senhor, divide as suas línguas[303],

pois vi muita violência e discórdia na cidade.

11Dia e noite fazem ronda por cima das muralhas,

e dentro da cidade reina o crime e a intriga.

12Dentro dela é só calamidades;

opressão e fraude não desaparecem das suas ruas.


13Se um adversário me ofendesse, eu suportaria;

se um inimigo se erguesse contra mim,

eu escondia-me dele.

14Mas não tu, um ser humano tal como eu,

meu amigo e confidente!

15Nós que juntos partilhámos agradáveis segredos

e animados caminhámos para a casa de Deus!


16Que a morte caia sobre eles,

e vivos desçam ao mundo inferior[304],

pois só maldades se alojam no seu interior.

17Quanto a mim, dirijo a Deus o meu apelo;

e o Senhor me salvará.


18À tarde, de manhã e ao meio dia,

eu lamento-me e suspiro;

e Ele escuta a minha voz.

19Resgatou a minha alma, pondo-me em paz;

e aproximou-se de mim,

porque contra mim eles eram muitos[305].


20Deus escuta-me e há de retribuir-lhes,

pois é Ele que reina desde o princípio.Pausa

Eles não dão sinais de emenda

nem têm temor de Deus.

21Levantam a mão contra os próprios aliados

e violam a aliança que fizeram.

22De boca são mais brandos que manteiga,

mas têm guerra no seu coração.

As suas palavras são mais suaves que o azeite;

mas, afinal, são espadas desembainhadas.

23Entrega ao Senhor os teus cuidados e Ele te apoiará;

Ele jamais permite que o justo venha a sucumbir.

24E Tu, ó Deus, hás de precipitá-los no abismo da perdição.

Gente de sangue e de mentira não vive metade dos seus dias.

Eu, porém, confio em ti.


56(55)Confiança no meio da perseguição


1Ao diretor. Pela melodia, «a pomba dos deuses distantes»[306]. Elegia.

De David, quando os filisteus se apoderaram dele em Gat.


2Tem piedade de mim, ó Deus[307],

todo o dia o agressor me oprime.

3Todo o dia os meus inimigos me perseguem.

São muitos os que se erguem a combater contra mim.

4No dia em que eu tenho medo,

é em ti que eu confio.


5É em Deus, cuja palavra glorifico,

é em Deus que eu confio, não tenho medo.

Que mal me pode fazer um mortal?


6Todo o dia distorcem as minhas palavras;

todos os seus pensamentos são contra mim.

7Para fazer o mal, amotinam-se e escondem-se,

espiando os meus passos e atentando contra a minha vida.

8Solta contra eles o jugo da desgraça,

derruba os povos com furor, ó Deus.


9Tu mesmo registaste os passos do meu peregrinar.

Guarda as minhas lágrimas no teu odre.

Não está tudo no teu livro?

10Então os meus inimigos hão de retroceder,

no dia em que eu te invocar.

Por isso reconhecerei que Deus está por mim.


11Em Deus me glorio e louvo a sua palavra;

no Senhor me glorio e louvo a sua palavra.

12Em Deus confio, não tenho medo.

Que mal me pode fazer um ser humano?

13Mantenho as promessas que te fiz, ó Deus.

Quero pagar-tas com sacrifícios de louvor.

14Pois Tu livraste da morte a minha vida,

os meus próprios pés, da queda,

para que eu possa caminhar na presença de Deus,

na luz dos vivos[308].


57(56)Súplica na perseguição


1Ao diretor. Pela melodia «não destruas».

Elegia de David, quando fugiu de Saul e se escondeu na caverna[309].


2Tem piedade de mim. Ó Deus, tem piedade[310],

que em ti minha alma se refugia.

À sombra das tuas asas me abrigo,

até passarem as calamidades.

3Eu clamo por Deus, o Altíssimo,

pelo Deus que tudo faz por mim.

4Que Ele envie dos céus para me salvar,

recriminando quem me procura destruir,Pausa

que Deus envie a sua misericórdia e fidelidade[311].

5Encontro-me exposto entre leões

que devoram seres humanos;

os seus dentes são como lanças e flechas,

e a sua língua é a uma espada afiada.

6Ergue, ó Deus, a tua glória

acima dos céus e sobre toda a terra.


7Montaram uma armadilha para os meus passos,

para fazer sucumbir a minha alma.

Cavaram um fosso diante de mim,

mas foram cair dentro dele[312].


8O meu coração está preparado, ó Deus;

o meu coração está preparado:

quero entoar cânticos e salmos.

9Desperta, meu coração! Despertai, harpa e cítara:

eu quero despertar a aurora!

10Hei de louvar-te, Senhor, entre os povos,

cantar-te-ei entre as nações.

11Pois grande até aos céus é a tua misericórdia

e a tua fidelidade, até às nuvens.

12Ergue, ó Deus, a tua glória

acima dos céus e sobre toda a terra.

58(57)Contra os maus juízes


1Ao diretor. Pela melodia «não destruas». Elegia de David.


2Será que decidis com justiça, ó poderosos[313]?

Dais sentenças com justiça para os humanos?

3Na verdade, é de propósito que forjais falsidades;

as vossas mãos espalham violência na terra.


4Os malfeitores transviaram-se desde o seio materno;

erraram desde o ventre os que dizem falsidades[314].

5Eles têm um veneno semelhante ao das víboras;

tapam os ouvidos e ficam surdos como serpentes.

6Assim não ouvem a voz dos encantadores,

do mago experimentado em sortilégios.


7Ó Deus, quebra-lhes os dentes que têm na boca!

Arranca, Senhor, os queixais desses leões!

8Que eles desapareçam como a água que corre.

Que eles murchem como erva que se calca aos pés[315].

9Que eles passem como o rasto do caracol;

como um aborto[316] que não viu a luz do Sol.

10Antes que produzam espinhos como o espinheiro,

que um furacão atire com eles para longe[317].


11O justo há de alegrar-se por se ver vingado;

e lavará os seus pés no sangue dos malfeitores[318].

12E dir-se-á: «Sim! Existe recompensa para o justo.

Há realmente um Deus que faz justiça sobre a terra»[319].


59(58) Oração de um perseguido


1Ao diretor. Não destruas!

Elegia de David, quando Saul mandou cercar a sua casa para o matar.


2Livra-me dos meus inimigos, ó meu Deus[320];

protege-me dos que se levantam contra mim.

3Livra-me dos que praticam a iniquidade

e salva-me dos homens sanguinários.

4Vê, Senhor, como armam ciladas à minha vida

e contra mim conspiram os poderosos,

sem que eu tenha cometido crime nem pecado.

5Sem eu ter culpa, agitam-se e preparam-se.

Desperta, vem ao meu encontro e vê!

6Ó Senhor, Deus dos exércitos, Deus de Israel,

levanta-te e castiga todos estes povos.

Não tenhas compaixão de traidores malvados.Pausa

7Pela tarde, regressam, ladrando como cães,

e dão voltas pela cidade.

8Com a sua boca proferem ultrajes,

os seus lábios são autênticas espadas:

«Quem é que vai ouvir?»[321].


9Mas Tu, Senhor, escarneces deles,

fazes troça de todos estes povos.

10Ó minha força, é para ti que eu me volto[322],

pois Tu, ó Deus, és a minha fortaleza.


11A misericórdia do meu Deus[323] virá ao meu encontro;

Deus me fará ver o castigo dos meus opressores.


12Não os mates, para que os do meu povo não se esqueçam.

Dispersa-os e derruba-os com o teu poder,

ó Senhor, nosso escudo protetor.

13Cada palavra dos seus lábios é um pecado.

Eles caem na armadilha do seu próprio orgulho,

das mentiras e maldições que proferem.

14Extermina-os com furor;

extermina-os, e que eles deixem de existir.

E todos saibam que Deus governa em Jacob

e até aos confins da terra.Pausa


15Pela tarde, regressam, ladrando como cães,

e dão voltas pela cidade.

16Vagueiam em busca de alimento;

e, se não se fartam, rondam toda a noite[324].


17Eu, porém, cantarei o teu poder,

pela manhã celebrarei a tua misericórdia.

Pois Tu foste para mim amparo e refúgio,

no meu dia de tribulação.

18Ó minha força, é para ti que eu canto,

pois Tu és o Deus da minha fortaleza,

o meu Deus de misericórdia.

60(59)Oração após uma derrota


1Ao diretor. Pela melodia «lírio do testemunho». Elegia.

Para ensinar. De David,

2quando lutou contra Aram Naaraim e contra Aram de Soba. Ao regressar,

Joab combateu contra Edom, derrotando doze mil no Vale do Sal.


3Tu nos rejeitaste, ó Deus, e te afastaste de nós[325].

Estás irado, mas volta para nós.

4Fizeste tremer a terra até abrir brechas.

Repara as suas ruínas, porque se desmorona!

5Fizeste com que o teu povo passasse duras provas;

deste-nos a beber um vinho de entorpecer.


6Deste[326] aos que te temem um sinal,

para poderem esquivar-se das flechas.

7Para que os teus amigos sejam libertados,

salve-nos a tua mão direita e responde-nos.


8Deus falou no seu santuário:

«Com alegria repartirei Siquém[327]

e medirei o vale de Sucot.

9É minha a terra de Guilead; é minha a de Manassés[328];

Efraim é o capacete da minha cabeça e Judá, o meu cetro[329].

10Moab é a bacia onde me lavo;

sobre Edom ponho a minha sandália

e cantarei vitória sobre a Filisteia»[330].


11Quem me conduziria à cidade fortificada[331]?

Quem me guiaria até Edom?

12Quem, senão Tu, ó Deus que nos rejeitaste

e já não sais, ó Deus, com os nossos exércitos?


13Concede-nos ajuda contra o adversário,

porque é vão qualquer socorro humano.

14Por Deus alcançaremos a vitória

e Ele mesmo calcará aos pés os nossos inimigos.


61(60)Oração de um exilado


1Ao diretor. Com instrumentos de corda. De David.


2Escuta, ó Deus, o meu grito[332],

atende a minha oração.


3Dos confins da terra clamo por ti[333],

com o meu coração abatido.

Leva-me a descansar no rochedo

que para mim é inacessível.

4Tu tens sido para mim um refúgio

e uma torre sólida contra o inimigo!


5Possa eu viver eternidades na tua tenda

e abrigar-me à sombra das tuas asas.Pausa

6Pois Tu, ó Deus, aceitaste as minhas promessas

e concedeste a herança aos que temem o teu nome.


7Acrescenta mais dias aos dias de vida do rei.

Que os seus anos prossigam de geração em geração.

8Que ele reine para sempre na presença de Deus;

manda que a tua misericórdia e fidelidade o guardem[334].


9Assim cantarei para sempre o teu nome

e cumprirei, dia após dia, as minhas promessas.


62(61)Deus, único refúgio


1Ao diretor. Para Jedutun[335]. Salmo de David.


2Só em Deus descansa a minha alma[336];

dele vem a minha salvação.

3Só Ele é meu rochedo e minha salvação;

é minha grande fortaleza: jamais serei abalado.


4Até quando vos lançareis todos contra um homem,

para o abater, como parede inclinada ou muro a cair?

5Planeiam derrubá-lo do seu posto e recorrem à mentira;

abençoam com a boca e amaldiçoam com o coração.Pausa


6Tu, porém, ó minha alma, descansa em Deus,

pois dele vem a minha esperança.

7Só Ele é o meu rochedo e salvação;

é minha fortaleza: jamais serei abalado.

8É em Deus que assenta a minha salvação e a minha glória;

é o meu rochedo seguro, o meu refúgio está em Deus.

9Confiai nele em todo o tempo, vós, seu povo;

abri diante dele o vosso coração.

Deus é o nosso refúgio.Pausa


10Na verdade, os homens simples são como um sopro;

os importantes, uma desilusão.

Colocados juntamente na balança,

sobem mais leves que um sopro.


11Não confieis na violência,

nem tenhais ilusões com o roubo.

Se as vossas riquezas crescerem,

não lhes entregueis o coração.

12Uma palavra disse Deus e eu escutei uma e outra vez[337],

é que o poder pertence a Deus.


13É a ti, Senhor, que pertence a misericórdia,

pois Tu retribuis a cada um, segundo as suas obras.


63(62)Alma sedenta de Deus


1Salmo de David, quando se encontrava no deserto de Judá.


2Ó Deus, Tu és o meu Deus[338]!

É a ti que eu procuro desde a aurora[339]!

A minha alma tem sede de ti.

O meu ser[340] anseia por ti,

como terra seca e cansada, sem água.

3Quero contemplar-te no santuário,

para ver o teu poder e a tua glória[341].

4A tua misericórdia vale mais do que a vida.

Por isso os meus lábios te louvarão.

5Quero bendizer-te toda a minha vida

e em louvor do teu nome erguer as minhas mãos[342].

6Como a minha alma se delicia com leite e abundância,

meus lábios te louvarão em expressões de júbilo.


7Se me lembro de ti no meu leito,

durante as vigílias da noite, medito em ti.

8Pois Tu és o meu auxílio

e à sombra das tuas asas eu exulto.

9A minha alma está ligada a ti,

e a tua mão direita me sustenta.


10Porém, os que procuram tirar-me a vida

entrarão nas profundezas da terra.

11Esses hão de ser entregues à espada

e tornar-se-ão comida de chacais.


12Porém, o rei há de alegrar-se em Deus,

e os que juram por Ele congratular-se-ão[343],

pois será calada a boca dos que proferem mentiras.

64(63)Castigo dos caluniadores


1Ao diretor. Salmo de David.


2Escuta, ó Deus, a minha voz, o meu lamento[344]:

defende a minha vida do terror do inimigo.

3Esconde-me da conspiração dos malvados,

do tumulto dos que praticam a iniquidade.

4Eles aguçam a sua língua como uma espada

e disparam a sua flecha, palavras venenosas,

5para atirar às escondidas contra o inocente,

atingindo-o de surpresa, sem nenhum temor.

6Obstinam-se no que é mal,

conspiram às ocultas para armar ciladas,

dizendo: «Quem vai reparar nisto?».

7Planeiam crimes e apuram bem os seus planos[345].

É profundo o interior do homem e o seu coração.


8Mas Deus atira contra eles uma flecha[346],

de repente aparecem as suas feridas.

9A sua língua foi a armadilha em que caíram.

Quem os vê abana a cabeça.

10Todos os seres humanos se encherão de temor

e anunciarão a obra de Deus,

reconhecendo tudo o que Ele fez.

11O justo alegra-se no Senhor e nele se refugia

e congratulam-se todos os retos de coração.


65(64)Providência de Deus e ordem do mundo


1Ao diretor. Salmo de David. Cântico.


2A ti, ó Deus[347], é devido o louvor em Sião[348],

e em tua honra se cumprem as promessas.


3Porque Tu escutas as súplicas,

todos os seres[349] se aproximam de ti,

por causa das suas culpas.

4Os nossos crimes são mais fortes que nós,

mas Tu no-los perdoas.

5Feliz daquele que Tu escolhes e atrais,

para viver nos teus átrios.

Seremos saciados com a beleza da tua casa,

com a santidade do teu templo.


6Tu nos respondes com prodígios de justiça,

ó Deus, nosso salvador.

Tu és a esperança dos confins da terra

e dos mares mais distantes.

7És aquele que dá firmeza às montanhas,

com o seu poder e revestido de força.

8Tu acalmas o bramido dos mares,

o bramido das suas ondas e o tumulto dos povos.

9Os habitantes dos confins tremem com os teus sinais;

Tu enches de júbilo as portas do nascente e do poente.


10Cuidaste da terra, regando-a profundamente

e enchendo-a de grandes riquezas.

Como um rio caudaloso[350] a transbordar de água,

Tu lhes preparas o trigo; é assim que preparas a terra.

11Regas os seus sulcos e aplanas as leivas;

com a chuva amoleces o solo e abençoas o seu germinar.

12Coroaste o ano com os teus benefícios

e dos rodados do teu carro escorre abundância.

13Escorrem as pastagens do deserto,

e as colinas cingem-se de alegria.

14Os campos cobrem-se de rebanhos,

e os vales se revestem de trigais.

Todos gritam de alegria e cantam hinos.


66(65)Hino de ação de graças


1Ao diretor. Cântico. Salmo.


Aclamai a Deus, terra inteira[351],

2cantai a glória do seu nome,

dai-lhe glória e louvor!

3Dizei a Deus: «Como são prodigiosas as tuas obras!

Pelo teu grande poder,

os teus inimigos curvam-se diante de ti.

4Toda a terra te adora e canta,

canta hinos ao teu nome».Pausa


5Vinde e vede as maravilhas de Deus,

prodígios espantosos em favor dos seres humanos.


6Transformou o mar em terra firme,

e atravessaram o rio a pé enxuto[352].

Por isso, nos alegramos nele.

7Da sua fortaleza eterna governa o mundo;

os seus olhos vigiam os povos,

para que os rebeldes não se levantem contra Ele.Pausa

8Bendizei, ó povos, o nosso Deus;

fazei ressoar a voz do seu louvor.

9Foi Ele que manteve a nossa alma em vida

e não permitiu que os nossos pés resvalassem[353].


10Sim, Tu nos puseste à prova, ó Deus[354],

e nos purificaste como se purifica a prata.

11Fizeste-nos cair na armadilha,

puseste um pesado fardo às nossas costas.

12Deixaste que cavalgassem sobre as nossas cabeças,

passámos pelo fogo e pela água,

mas fizeste-nos sair para o reconforto[355].


13Entrarei na tua casa com holocaustos[356],

cumprirei as promessas que te fiz.

14São promessas que meus lábios proferiram,

palavras da minha boca, quando estava em aflição.

15Hei de oferecer-te animais gordos em holocausto;

com o fumo dos sacrifícios de carneiros,

apresentarei novilhos e cabritos.Pausa


16Vinde e escutai, todos vós que temeis a Deus;

vou contar-vos aquilo que Ele fez por mim.

17Com a minha boca clamei por Ele,

e o seu louvor estava já na minha língua.

18Se, em meu coração, eu visse maldade,

o Senhor não me teria escutado.

19No entanto, Deus escutou-me,

atendeu ao clamor da minha súplica.


20Bendito seja Deus que não recusou a minha oração

nem a sua misericórdia para comigo.


67(66)Convite ao louvor de Deus


1Ao diretor. Com instrumentos de corda. Salmo. Cântico.


2Que Deus se compadeça de nós e nos abençoe[357]

e mostre para connosco o seu rosto luminoso[358].Pausa


3Que sejam conhecidos na terra os teus caminhos

e em todas as nações, a tua salvação[359]!

4Que os povos te louvem, ó Deus!

Todos os povos te louvem!

5Alegrem-se e exultem as nações,

porque julgas os povos com retidão[360]

e governas as nações sobre a terra.Pausa


6Que os povos te louvem, ó Deus!

Todos os povos te louvem!


7A terra produziu o seu fruto.

Deus, o nosso Deus, nos abençoa.

8Que Deus nos abençoe,

e que o temam todos os confins da terra.


68(67) Cântico triunfal


1Ao diretor. De David. Salmo. Cântico.


2Deus levanta-se: os seus inimigos dispersam-se[361]

e fogem diante dele os que o odeiam.

3Como se dissipa o fumo, assim eles se dissipam;

como a cera se derrete junto do fogo,

assim perecem os malfeitores diante de Deus.

4Mas os justos alegram-se e rejubilam;

na presença de Deus exultam de alegria.


5Cantai a Deus, entoai hinos ao seu nome,

abri caminho àquele que cavalga sobre os desertos.

Pois o seu nome é Senhor! Exultai na sua presença.

6Pai dos órfãos e defensor das viúvas

é o Deus que habita no seu santuário.

7Deus faz regressar a casa os que vivem sós

e faz sair os prisioneiros em liberdade,

mas os rebeldes ficarão em terra árida.


8Quando saíste à frente do teu povo, ó Deus[362],

e caminhavas através do deserto,

9a terra tremia e os céus gotejavam

na presença de Deus, o do Sinai,

na presença de Deus, o Deus de Israel.

10Fizeste cair, ó Deus, a chuva com abundância;

e restituíste o vigor à tua herança enfraquecida.

11As tuas criaturas[363] voltaram à terra,

que, na tua bondade, ó Deus, preparaste para o pobre.


12O Senhor proclama um oráculo,

as boas novas de um grande exército:

13«Os reis dos exércitos fogem, fogem,

e uma dona de casa reparte os despojos.

14Será que podeis ficar descansados entre os rebanhos[364],

com asas de pomba[365] cobertas de prata

e as suas penas, de ouro fino?


15Quando o Todo Poderoso[366] dispersava os reis,

um nevão caía sobre o monte Salmon[367]».


16Ó montanha elevada[368], montanha de Basan[369]!

Montanha escarpada, montanha de Basan!

17Ó montes escarpados, por que razão invejais

a montanha que Deus desejou para sua morada[370]?

Contudo, o Senhor há de habitar nela eternamente.

18Os carros de Deus[371] são milhares[372] de esquadrões cintilantes;

neles vem o Senhor do Sinai para o santuário[373].


19Tu subiste às alturas, levando contigo prisioneiros;

recebeste homens, mesmo rebeldes, como tributo,

para ali habitares, ó Senhor e Deus.

20Bendito seja o Senhor, dia após dia;

Ele cuida de nós, é o Deus da nossa salvação.Pausa

21Ele é o nosso Deus, é o Deus para a salvação.É pelo Senhor, nosso Deus[374],

que é possível escapar da morte.

22Pois Deus esmaga a cabeça dos seus inimigos,

o crânio dos que persistem nas suas culpas.

23O Senhor disse: «De Basan os farei voltar,

farei voltar das profundezas do mar[375].

24Assim molharás os pés no seu sangue

e a língua dos teus cães terá os inimigos como ração».

25Eles viram, ó Deus, os teus cortejos triunfais,

os cortejos do meu Deus e rei no santuário.

26Os cantores vão na frente, os músicos atrás,

no meio, as donzelas tocando pandeiretas.

27Bendizei a Deus nas assembleias,

bendizei o Senhor, nas solenidades[376] de Israel.

28Ali vai Benjamim, o mais novo, a comandar os outros;

depois, os chefes de Judá, com os seus grupos[377],

os chefes de Zabulão e os chefes de Neftali[378].


29Impõe claramente o teu poder, ó meu Deus[379],

o poder com que intervieste em nosso favor, ó Deus.

30Do teu santuário, em Jerusalém,

onde os reis virão oferecer-te presentes[380],

31domina a fera dos canaviais,

a manada de touros e povos como novilhos.

Eles rebaixam-se perante bocados de prata[381].

Dispersa as nações que desejam a guerra!

32Do Egito chegarão ricos presentes

e a Etiópia acorrerá, estendendo as mãos para Deus.


33Cantai a Deus, ó reinos da terra,

entoai hinos ao Senhor!Pausa

34Ele cavalga pelos céus, os céus de outrora,

e faz ouvir a sua voz, uma voz poderosa.

35Reconhecei o poder de Deus[382]!

A sua majestade resplandece sobre Israel,

e o seu poder na vastidão das nuvens.

36Deus é prodigioso, desde o seu santuário[383].

Pois é Ele o Deus de Israel que dá força e vigor ao seu povo.

Bendito seja Deus!


69(68)Oração do justo aflito


1Ao diretor. Pela melodia «Os lírios». De David.


2Salva-me, ó Deus[384],

porque as águas me chegam até ao pescoço[385].

3Estou a afundar-me num lamaçal profundo,

não tenho ponto de apoio.

Entrei em águas profundas,

e a corrente arrasta-me.

4Estou esgotado de tanto gritar,

e a minha garganta está rouca;

consomem-se já os meus olhos

de tanto esperar o meu Deus.

5São mais que os cabelos da minha cabeça

aqueles que injustamente me odeiam.

São poderosos os que me querem destruir,

os inimigos que mentem contra mim.

Terei eu então de restituir

aquilo que não roubei?


6Ó Deus, Tu conheces a minha insensatez,

e as minhas faltas não te são ocultas.

7Não sejam confundidos por minha causa

os que esperam em ti, Senhor, Senhor dos exércitos.

Que não fiquem envergonhados por minha causa

aqueles que te procuram, ó Deus de Israel.

8Por causa de ti, tenho suportado insultos,

o meu rosto cobriu-se de vergonha.

9Tornei-me estranho para os meus irmãos,

um estrangeiro para os filhos da minha mãe.

10Pois a paixão pela tua casa me consome[386];

os insultos dos que te insultam caíram sobre mim.

11Mortifico a minha alma com jejuns,

e até isso provoca mais insultos contra mim.


12Se me visto de luto,

sou para eles objeto de escárnio.

13Murmuram contra mim, sentados à porta da cidade

e entoam cantigas contra mim, bebendo vinho.


14Mas eu dirijo a ti a minha oração,

ó Senhor, no tempo favorável.

Responde-me, ó Deus, pela tua grande misericórdia,

pela fidelidade da tua salvação.

15Retira-me do lodo, para que não me afunde!

Livra-me dos que me odeiam e das águas profundas!

16Não me cubram as ondas, nem me engula o abismo;

que a boca do poço não se feche sobre mim.


17Responde-me, Senhor, pois a tua misericórdia é bondosa;

volta-te para mim, pela tua grande compaixão.

18Não escondas a tua face deste teu servo;

responde-me depressa, porque estou angustiado.

19Aproxima-te da minha alma e liberta-a,

resgata-me, por causa dos meus inimigos.

20Tu bem conheces o meu opróbrio,

a minha desilusão e vergonha;

tens bem presentes os que me perseguem.

21O insulto despedaçou-me o coração até desfalecer:

esperei compaixão, mas não havia;

esperei por quem me confortasse e não encontrei.

22Colocaram fel na minha comida;

e, quando tive sede, deram-me vinagre a beber.


23Que a sua mesa seja para eles uma armadilha

e uma cilada para os seus amigos.

24Que a vista se lhes escureça e não vejam,

e que os seus rins fraquejem sem cessar.

25Descarrega sobre eles a tua indignação;

que o furor da tua ira os atinja.

26Que o seu acampamento seja um deserto,

e não haja quem habite nas suas tendas.

27Pois perseguem aqueles que Tu castigaste

e acrescentam o sofrimento daqueles que feriste.

28Coloca mais culpa sobre a sua culpa;

e não tenham acesso à tua justiça.

29Sejam riscados do livro dos vivos

e não sejam inscritos na lista dos justos.

30Mas a mim, triste e aflito,

que a tua salvação, ó Deus, me restabeleça.


31Louvarei, com cânticos, o nome de Deus

e proclamarei a sua grandeza como ação de graças.

32Isso agradará mais a Deus que o sacrifício de um touro

ou de um novilho já com chifres e cascos.

33Que os humildes vejam; e se alegrem os que buscam a Deus.

Que o vosso coração recupere a vida!

34Pois o Senhor escuta os necessitados

e não despreza o seu povo de prisioneiros.

35Que o louvem os céus e a terra,

os mares e tudo quanto neles se movimenta.

36Sim, Deus há de salvar Sião

e reconstruir as cidades de Judá.

Eles ali habitarão e tomarão posse dela.

37Os filhos dos seus servos recebê-la-ão em herança,

e os que amam o seu nome hão de ali morar.


70(69)Pedido de auxílio


1Ao diretor. De David. Em memorial.


2Ó Deus[387], vem socorrer-me[388],

vem depressa em meu auxílio.

3Sejam confundidos e cobertos de vergonha

os que procuram tirar-me a vida.

Retrocedam e corem de vergonha

os que desejam a minha desgraça.

4Retirem-se[389] cobertos de vergonha

aqueles que escarnecem[390]: «Olha! Olha!».

5Alegrem-se e rejubilem por ti

todos aqueles que te procuram.

E proclamem sem cessar: «Deus[391] é grande!»

aqueles que amam a tua salvação.

6Eu sou pobre e necessitado;

ó Deus[392], vem até mim depressa[393]!

Tu és o meu auxílio e a minha libertação.

Ó Senhor[394], não tardes!


71(70)Súplica de um ancião


1Em ti, Senhor, me refugio[395].

Que eu nunca mais seja confundido.

2Pela tua justiça livra-me e protege-me;

inclina para mim os teus ouvidos e salva-me.

3Sê para mim um rochedo de refúgio,

onde eu possa acolher-me sempre.

Tu decidiste salvar-me,

pois és a minha rocha e fortaleza.


4Meu Deus, livra-me da mão do malfeitor,

das garras do opressor e do violento.

5Senhor, Tu és a minha esperança;

és a minha confiança, desde a juventude, ó Senhor.

6Em ti me apoio desde o ventre materno,

desde o seio de minha mãe Tu és meu protetor[396];

para ti vai sempre o meu louvor.


7Para muitos sou motivo de admiração,

porque Tu és o meu refúgio seguro.

8A minha boca está cheia dos teus louvores;

todo o dia proclamo a tua magnificência.

9Não me rejeites no tempo da velhice,

não me abandones, quando se me acabam as forças.

10Os meus inimigos falam contra mim

e entre si conspiram os que espiam a minha vida.

11Eles dizem: «Deus abandonou-o.

Persigam-no e agarrem-no,

pois não há quem o salve».


12Ó Deus, não te afastes de mim!

Meu Deus, vem depressa socorrer-me.

13Sejam confundidos e destruídos

aqueles que atentam contra a minha vida.

Cubram-se de opróbrio e vergonha

os que procuram a minha desgraça.

14Eu, porém, esperarei continuamente

e proclamarei ainda mais o teu louvor.

15A minha boca anunciará a tua justiça[397]

e, todo o dia, a tua salvação,

mesmo sem as saber contar.

16Eu entrarei nas tuas fortalezas[398], ó Senhor[399],

e recordarei, Senhor, a tua justiça que é só tua.

17Instruíste-me, ó Deus, desde a minha juventude

e até hoje tenho anunciado as tuas maravilhas.

18Também agora, na velhice e de cabelos brancos[400],

não me abandones, ó Deus,

enquanto eu anuncio a tua força[401] a esta geração

e a todos os que vão entrando nas tuas fortalezas.

19A tua justiça, ó Deus, chega até às alturas,

pois fizeste grandes coisas.

Quem é igual a ti, ó Deus?


20Fizeste-me passar por grandes males e aflições;

mas voltarás a dar-me a vida[402]

e dos abismos[403] da terra me erguerás de novo.

21Acrescentarás a minha dignidade,

aproximando-te para me confortar.

22Por isso, quero louvar-te ao som da harpa,

louvar a tua fidelidade, ó meu Deus.

Quero cantar-te ao som da cítara,

ó santo de Israel.

23Ao cantar-te hinos, vibrarão de alegria meus lábios

e também a minha alma que Tu resgataste.

24A minha língua recitará, todo o dia, a tua justiça,

pois ficaram confundidos e cheios de vergonha

os que procuravam a minha desgraça.

72(71)Oração pelo rei ideal


1De Salomão[404].


Ó Deus, concede ao rei o teu modo de julgar[405]

e ao filho do rei, a tua justiça,

2para que ele julgue o teu povo na justiça

e os teus pobres com equidade.

3Que os montes tragam a paz ao povo[406]

e as colinas, a justiça.

4Que o rei tome a defesa dos humildes do povo,

ajude os necessitados e esmague os opressores.


5Que ele possa permanecer como o Sol[407]

e como a Lua, de geração em geração.

6Que ele seja como o cair da chuva sobre a relva,

como os aguaceiros que regam a terra.

7Que em seus dias floresça o justo[408]

e abundância de paz, até se acabar a Lua[409].

8Que ele domine de um ao outro mar,

desde o rio[410] até aos confins da terra.

9Diante dele se inclinem as criaturas do deserto[411],

e os seus adversários tenham de lamber o pó.

10Os reis de Társis[412] e das ilhas oferecerão tributo;

os reis de Sabá[413] e Seba trarão suas ofertas.

11Todos os reis se prostrarão diante dele;

todas as nações o servirão.


12Ele socorrerá o pobre que o invoca

e o indigente que não tem quem o ajude.

13Terá compaixão do humilde e do pobre

e salvará a vida dos necessitados.

14Há de livrá-los da opressão e da violência,

porque o seu sangue é precioso a seus olhos.


15Enquanto viver, ser-lhe-á dado ouro de Sabá!

Em favor dele se há de rezar sempre,

e todos os dias será abençoado[414].

16Haverá nos campos fartura de trigo,

ondulando por cima dos montes.


O seu fruto será como o Líbano,

florescendo como a erva dos prados.

17Que o seu nome permaneça pelos séculos;

que o seu nome esteja firme diante do Sol.

Por ele, todos os povos se sentirão abençoados

e todos o hão de felicitar.


18Bendito seja o Senhor, que é Deus, o Deus de Israel;

Ele é o único a realizar maravilhas.

19Bendito seja para sempre o seu nome glorioso

e a terra inteira se encha da sua glória!

Amen! Amen[415]!


20Terminaram as orações de David, filho de Jessé.


73(72) Retribuição do mal e do bem


1Salmo. De Asaf [416].


Como Deus é bom para Israel[417],

para os que têm coração puro!

2Ai de mim! Os meus pés estavam quase a resvalar,

por pouco os meus passos caíam em falso.

3Pois senti inveja dos ímpios,

ao ver a prosperidade dos malfeitores.

4Para eles não há dissabores;

o seu corpo é sadio e bem nutrido.

5Fadigas humanas não as têm

nem são atormentados como os outros homens.

6Por isso, o seu colar é de orgulho,

e o seu manto de adorno é a violência.

7Do corpo obeso lhes sai a iniquidade[418];

pelo seu coração perpassam ideias loucas.

8Zombam e falam com malícia;

com altivez, fazem ameaças de opressão.

9Contra o céu abrem a sua boca

e a sua língua percorre a terra.


10Por isso o seu povo se volta para eles

e sorvem as suas palavras como se fosse água[419].

11E dizem: «Como é possível que Deus saiba disto

e o Altíssimo tenha conhecimento?».

12São assim os malfeitores,

sempre tranquilos e a amontoar riquezas.

13De nada me serve ter o coração puro

e as minhas mãos limpas e inocentes.

14Terei de me atormentar durante todo o dia

e sentir-me castigado todas as manhãs?


15Se eu pensasse: «Vou falar como eles»,

estaria a atraiçoar a geração dos teus filhos.

16Refleti melhor para entender estas coisas,

mas era muito penoso aos meus olhos.

17Até que entrei no santuário de Deus[420];

compreendo agora o fim que os espera.

18Na verdade, Tu os colocas em plano escorregadio;

fizeste-os cair em ruínas.

19Num momento, ficam na desolação

e acabam transidos de pavor!

20Como quando se desperta de um sonho, Senhor,

ao acordar desprezarás a sua imagem[421].


21Outrora, o meu coração andava exasperado,

e eu consumia-me nas minhas entranhas.

22Como insensato, eu nada compreendia;

era como um animal[422] na tua presença.

23No entanto, estive sempre contigo,

e Tu seguraste a minha mão direita.

24Guiaste-me com o teu conselho[423]

e, por fim, hás de receber-me na glória.

25Quem mais tenho eu no céu?

E contigo nada mais desejo na terra.

26Se o meu corpo e o meu coração desfalecem,

Deus é o rochedo para o meu coração.

Deus é a minha herança para sempre.

27Aqueles que estão longe de ti perecerão;

Tu exterminas os que te são infiéis[424].

28Para mim, felicidade é estar próximo de Deus[425].

Coloquei no Senhor DEUS a minha confiança,

para proclamar todas as tuas obras[426].


74(73)Oração pela libertação do povo


1Poema. De Asaf.


Ó Deus, porque nos rejeitaste para sempre[427]?

Porque se inflama a tua ira

contra o rebanho de que és pastor?

2Lembra-te da tua comunidade, que há muito adquiriste,

da tribo que resgataste para tua herança,

do monte Sião, onde tens a tua morada.

3Dirige os teus passos para estas ruínas sem fim;

o inimigo destruiu tudo no santuário.


4Os teus adversários rugiram no meio das tuas assembleias,

hastearam ali as suas bandeiras como emblema.

5Atacaram a entrada superior

e destruíram as madeiras a golpes de machado[428].

6Deitaram abaixo todas as suas portas

a golpes de malho e de martelo.

7Deitaram fogo ao teu santuário,

derrubaram e profanaram a morada do teu nome.

8Disseram em seus corações: «Destruamo-los a todos!»

e incendiaram todas as assembleias de Deus no país[429].

9Já não vemos os nossos sinais, nem existem mais profetas,

e ninguém entre nós sabe até quando.


10Até quando, ó Deus, o inimigo nos vai ultrajar?

Poderá o adversário desprezar o teu nome para sempre?

11Porque retiras a tua mão

e escondes a direita no teu peito?

12Deus é o meu rei desde tempos antigos;

é Ele que alcança vitórias no meio do país.

13Tu dividiste o mar com o teu poder[430],

partiste as cabeças aos monstros marinhos.

14Quebraste as cabeças de Leviatan[431]

e deste-o a comer aos monstros do mar.


15Tu fizeste brotar fontes e torrentes

e fizeste secar rios de caudal perene.

16O dia é teu e tua é também a noite;

Tu estabeleceste a lua[432] e o sol.

17Tu fixaste todas as fronteiras da terra;

o verão e o inverno, Tu os formaste.


18Lembra-te, Senhor, que o inimigo te insultou,

e um povo insensato desprezou o teu nome.

19Não entregues aos abutres a vida da tua pomba[433];

não esqueças para sempre a vida dos teus pobres.

20Olha pela tua aliança,

pois os recantos do país estão cheios de violência.

21Que os humildes não voltem confundidos;

que o pobre e o indigente possam louvar o teu nome.

22Ergue-te, ó Deus, defende a tua causa

e lembra-te das ofensas

que, todo o dia, te fazem os insensatos.

23Não te esqueças dos gritos dos teus inimigos,

do tumulto sempre crescente dos teus adversários.


75(74)Deus, juiz dos povos


1Ao diretor. Pela melodia «Não destruas». Salmo. De Asaf. Cântico.


2Nós te louvamos, ó Deus, nós te louvamos[434]!

Invocamos o teu nome, anunciamos os teus prodígios[435].

3«No momento que Eu marcar,

vou julgar segundo o direito.

4Mesmo que tremam a terra e todos os seus habitantes,

sou Eu quem sustenta os seus pilares».Pausa

5Digo aos arrogantes: «Não sejais insolentes!»

e aos malfeitores: «Não levanteis a cabeça!

6Não levanteis para o alto a vossa fronte;

não protesteis contra o rochedo antigo».


7Pois Ele é forte no Oriente e no Ocidente;

é forte no deserto e na montanha.

8Sim, é Deus quem governa:

a uns derruba, a outros levanta.

9Sim, há uma taça[436] na mão do Senhor

cheia de vinho a espumar, que Ele deu a beber;

todos os criminosos da terra beberam dela

até chegarem às borras.


10Assim, eu louvarei o Deus eterno,

entoarei cânticos ao Deus de Jacob.

11Pois o poder dos criminosos será abatido,

e o poder dos justos será exaltado.

76(75)Cântico triunfal


1Ao diretor. Com instrumentos de corda. Salmo. De Asaf. Cântico.


2Deus deu-se a conhecer em Judá[437],

grande é o seu nome em Israel.

3A sua tenda está em Salém[438]

e a sua morada, em Sião.

4Ali quebrou as flechas do arco,

os escudos, as espadas e armas de guerra[439].Pausa


5Tu resplandeces glorioso,

por sobre as montanhas de despojos[440].

6Os mais valentes foram espoliados

e dormem o seu sono.

Os homens de guerra não conseguiram

encontrar o vigor dos seus braços.

7Por causa das tuas ameaças, ó Deus de Jacob,

tanto carros como cavalos ficaram imóveis.


8Tu, sim! Tu és temível!

Quem poderá resistir na tua presença,

quando se inflama a tua ira?

9Do alto do céu, proclamas a sentença;

a terra treme e fica silenciosa,

10quando Deus se levanta para o julgamento,

para salvar os humildes da terra.Pausa

11Pois a ira do homem é para ti louvor,

e os que sobrevivem à ira festejarão à tua volta[441].


12Fazei promessas e cumpri-as ao Senhor, vosso Deus!

Todos à sua volta levem presentes ao que é temível[442].

13Ele corta a respiração aos governantes

e é temido pelos reis da terra.


77(76)Meditação sobre o passado


1Ao diretor. Para Jedutun[443]. De Asaf. Salmo.


2A Deus ergo a minha voz e clamo[444];

a Deus ergo a minha voz, para que Ele me ouça.

3No dia da minha angústia procurei o Senhor;

à noite, ergo as minhas mãos sem descanso,

e a minha alma recusa ser confortada.

4Lembro-me de Deus e suspiro;

medito e o meu espírito desfalece.


5Mantiveste abertos os meus olhos;

fiquei perturbado, sem nada dizer.

6Pus-me a pensar nos tempos antigos,

nos anos do tempo passado.

7De noite, relembro o meu cântico;

com o meu coração medito,

e o meu espírito põe-se à procura.

8Será que o Senhor nos vai abandonar para sempre?

Não voltará mais a ser-nos favorável?

9Acaso se esgotou para sempre a sua misericórdia,

retirando a promessa feita para gerações e gerações?

10Ter-se-á Deus esquecido da compaixão,

ou terá fechado com a ira as suas entranhas[445]?

11Por isso eu digo: «A minha dor

é que a mão do Altíssimo tenha mudado assim»[446].


12Lembro-me dos prodígios[447] do Senhor.

Sim. Lembro-me das tuas maravilhas de outrora.

13Volto a pensar em todas as tuas obras

e medito nos teus prodígios.


14Ó Deus, o teu caminho é de santidade.

Que outro deus é grande como o nosso Deus?

15Tu és o Deus que realiza maravilhas;

manifestaste entre os povos o teu poder.

16Com o teu braço resgataste o teu povo,

os filhos de Jacob e de José[448].


17Viram-te as águas, ó Deus;

viram-te as águas e tremeram

e até os abismos do mar se agitaram.

18As nuvens deixaram cair a chuva;

ressoou a voz das trovoadas,

e as tuas setas corriam para todo o lado.


19O ruído do teu trovão ecoou pelo firmamento;

os relâmpagos iluminaram o mundo;

a terra agitou-se e estremeceu[449].

20Pelo mar foi o teu caminho,

e o teu percurso, pelas águas caudalosas,

e as tuas pegadas não foram descobertas.

21Conduziste o teu povo como um rebanho,

pela mão de Moisés e de Aarão.


78(77) Deus e o seu povo


1Poema. De Asaf.


Escuta, meu povo[450], o meu ensinamento[451].

Prestai bem atenção às palavras da minha boca.

2Vou abrir a minha boca em provérbios

vou revelar os enigmas de outros tempos.

3Assim o ouvimos e conhecemos

e os nossos antepassados nos contaram.

4Não o ocultaremos aos seus filhos;

tudo contaremos às gerações vindouras.

São as glórias do Senhor e o seu poder,

e as coisas maravilhosas que Ele fez.


5Ele estabeleceu uma norma em Jacob

e instituiu uma lei em Israel:

ordenou aos nossos pais

que a dessem a conhecer aos seus filhos.

6A fim de que as gerações futuras a conhecessem,

e os filhos que haviam de nascer

se erguessem e a contassem aos seus filhos;

7para que pusessem em Deus a sua confiança

e não esquecessem os prodígios de Deus,

mas cumprissem os seus mandamentos;

8para que não fossem como os seus pais,

uma geração rebelde e desobediente,

geração que não é firme no seu coração

e cujo espírito não é fiel ao seu Deus.

9Os filhos de Efraim, arqueiros de erguer o arco,

viraram costas no dia do combate[452].

10Não guardaram a aliança de Deus,

recusaram-se a seguir a sua lei.

11Esqueceram-se das suas obras,

das maravilhas que Ele lhes deu a ver.

12Diante de seus pais Deus fez maravilhas,

na terra do Egito, nas planícies de Soan[453].

13Dividiu o mar para os fazer passar,

conteve as águas como um dique.

14Conduziu-os de dia por meio de uma nuvem

e toda a noite com um clarão de fogo.

15Abriu rochedos no deserto

e deu-lhes a beber água como das torrentes do abismo[454].

16Deus fez brotar ribeiros de dentro da pedra,

e fez correr a água como grandes rios.


17Mas eles continuaram a pecar contra Ele,

revoltando-se contra o Altíssimo na estepe árida.

18Provocaram a Deus em seus corações,

reclamando manjares segundo os seus apetites.

19Murmuraram contra Deus, dizendo:

«Será que Deus é capaz de nos preparar a mesa no deserto?».

20E mesmo quando bateu na rocha e jorrou a água

e as torrentes correram abundantes, diziam:

«Será que Deus pode também dar pão

e preparar carne para o seu povo?».


21Por isso, o Senhor ouviu e se indignou;

e um fogo foi ateado contra Jacob,

e a sua cólera cresceu também contra Israel.

22Pois eles não tiveram fé em Deus

e não confiaram na sua salvação.

23E do alto deu ordens às nuvens

e abriu as comportas do céu.

24Fez chover sobre eles o maná para comerem[455]

e deu-lhes trigo do céu.

25Os homens comeram do pão dos fortes[456],

enviou-lhes comida até se saciarem.


26Fez soprar pelos céus o vento leste[457]

e com seu poder conduziu o vento sul.

27Fez chover sobre eles carne como torrões

e aves tão numerosas como as areias do mar.

28Fê-las cair no meio do seu acampamento,

à volta das suas tendas de habitação.

29Comeram até ficarem bem saciados,

e concedeu-lhes tudo conforme os seus desejos.

30Quando mal tinham saciado o seu apetite[458]

e tinham ainda a comida na boca,

31a ira de Deus ergueu-se sobre eles;

semeou a morte entre os mais fortes

e fez vergar os escolhidos de Israel.


32Apesar de tudo isto, voltaram a pecar uma vez mais

e não acreditaram nas suas maravilhas.

33Por isso, Ele extinguiu os seus dias como um sopro

e os seus anos, como uma miragem.

34Quando os feria de morte, então eles procuravam-no

e de novo se voltavam para Deus[459].

35Lembravam-se então que Deus era o seu rochedo

e o Altíssimo, o seu redentor[460].

36Mas, enquanto o lisonjeavam com a sua boca,

a sua língua proferia mentiras contra Ele.

37O seu coração não era firme para com Ele,

e eles não eram fiéis à sua aliança.

38Mas Ele é misericordioso:

perdoava o pecado e não os destruía.

Muitas vezes conteve a sua ira

e não deixou desencadear todo o seu furor.

39Lembrou-se de que eles eram seres de carne,

um sopro que vai e não volta mais.


40Quantas vezes o provocaram no deserto

e lhe causaram desgosto na estepe!

41Voltaram continuamente a pôr Deus à prova,

a provocar o Santo de Israel.

42Não se lembraram de que foi a sua mão

que, um dia, os libertou da angústia,

43quando, no Egito, realizou os seus prodígios[461]

e as suas maravilhas nas planícies de Soan;

44quando converteu em sangue os seus rios e canais,

para que não tivessem que beber.

45Mandou contra eles moscas que os molestavam,

e rãs que os infestavam.

46Entregou as suas colheitas aos insetos

e o fruto do seu esforço aos gafanhotos.

47Destruiu as suas vinhas com o granizo

e os seus sicómoros com a geada.

48Cercou o seu gado com granizo

e os seus rebanhos com os raios.

49Enviou contra eles a sua ira,

a indignação, o furor e a aflição,

embaixada de mensageiros da desgraça.

50Deu livre curso à sua ira;

não os poupou à morte,

mas entregou as suas vidas à peste.

51Feriu todos os primogénitos no Egito,

as primícias do seu vigor nas tendas de Cam[462].


52Encaminhou o seu povo como ovelhas

e conduziu-os como um rebanho no deserto.

53Guiou-os em segurança e não tiveram medo,

enquanto o mar encobria os seus inimigos.

54Introduziu-os no seu território sagrado,

aquela montanha que a sua direita conquistou[463].

55Desalojou povos da sua frente,

distribuiu entre eles a herança por medida

e nas suas tendas instalou as tribos de Israel.

56Mas eles puseram à prova o Deus Altíssimo

e revoltaram-se; não cumpriram os seus preceitos.

57Afastaram-se e atraiçoaram como os seus pais,

desviaram-se como um arco sem força.

58Irritaram-no em seus lugares altos[464],

provocaram-lhe ciúmes com os seus ídolos.

59Deus ouviu isto e indignou-se

e repudiou profundamente Israel.

60Abandonou o santuário de Silo[465],

a tenda que Ele armou entre os homens.

61Colocou a sua fortaleza[466] em cativeiro

e o seu esplendor na mão dos inimigos.

62Cercou o seu povo à espada,

irritou-se contra a sua herança.

63Os seus jovens, devorou-os o fogo,

e as suas virgens não tiveram cântico nupcial.

64Os seus sacerdotes tombaram à espada,

e as suas viúvas não choraram a sua morte.


65Mas o Senhor despertou como de um sono,

qual guerreiro adormecido pelo vinho.

66Atacou e fez retroceder os seus inimigos[467];

cobriu-os de ignomínia para sempre.

67Assim repudiou a tenda de José

e não escolheu a tribo de Efraim[468].

68Escolheu antes a tribo de Judá,

o monte de Sião que Ele amou.

69Construiu o seu santuário como os altos céus

e como a terra que Ele firmou para sempre.

70Escolheu o seu servo David,

e foi buscá-lo ao meio do redil.

71Retirou-o de andar atrás das ovelhas,

para ser pastor de Jacob, seu povo,

e de Israel, sua herança.

72E ele apascentou-os com a retidão do seu coração

e com a prudência das suas mãos os conduziu.

79(78)Destruição de Jerusalém


1Salmo. De Asaf.


Ó Deus[469], os povos invadiram a tua herança,

profanaram o teu santo templo

e puseram Jerusalém em ruínas[470].

2Deram os cadáveres dos teus servos

em alimento às aves do céu

e o corpo dos teus fiéis, às feras selvagens.

3Derramaram o seu sangue como água

em torno de Jerusalém,

e ninguém lhes dá sepultura.

4Tornámo-nos motivo de escárnio para os nossos vizinhos,

riso e desprezo para os que estão à nossa volta.


5Até quando, Senhor, estarás irritado? Para sempre?

Será a tua indignação como um fogo abrasador?

6Derrama a tua ira sobre os povos que não te conhecem[471]

e sobre os reinos que não invocam o teu nome.

7Porque eles devoraram o povo de Jacob

e devastaram os seus domínios[472].

8Não recordes contra nós as faltas dos antepassados[473].

Que a tua compaixão venha depressa ao nosso encontro,

pois estamos totalmente esgotados.


9Socorre-nos, ó Deus, nosso salvador, pela glória do teu nome!

Livra-nos e apaga os nossos pecados, por causa do teu nome.

10Porque hão de perguntar os povos: «Onde está o seu Deus?».

Que nós vejamos como se reconhece entre os povos

que foi vingado o sangue derramado dos teus servos.


11Chegue junto de ti o gemido dos cativos,

e com teu longo braço poupa da morte os condenados.

12E faz recair sete vezes no peito dos nossos vizinhos

as ofensas com que te ultrajaram, ó Senhor.

13E nós, teu povo e rebanho de que és pastor,

queremos glorificar-te para sempre

e contaremos os teus louvores, de geração em geração.


80(79)Oração pela restauração de Israel


1Ao diretor. Segundo «Os lírios são testemunho». De Asaf. Salmo.


2Escuta[474], pastor de Israel[475],

Tu que apascentas José[476] como um rebanho,

Tu que tens o teu trono sobre os querubins.

Mostra a tua grandeza

3a favor de Efraim, Benjamim e Manassés[477]!

Desperta o teu poder e vem para nos salvar!

4Ó Deus, volta-te para nós[478]!

Mostra o teu rosto luminoso e seremos salvos!


5Senhor, Deus dos Exércitos,

até quando te vais mostrar indignado,

perante as súplicas do teu povo?

6Deste-lhes a comer pão de lágrimas

e a beber, lágrimas a triplicar.

7Fizeste de nós motivo de conversa para os nossos vizinhos,

e os nossos inimigos escarnecem de nós.


8Ó Deus dos Exércitos, volta-te para nós!

Mostra o teu rosto luminoso e seremos salvos!


9Arrancaste uma videira do Egito[479],

desalojaste outros povos e transplantaste-a.

10Preparaste-lhe o terreno

e ela foi ganhando raízes até encher a terra.

11As montanhas cobriram-se com a sua sombra,

e os seus ramos ultrapassaram os mais altos cedros[480].


12Estendeu os seus sarmentos até ao mar

e até ao grande rio, os seus rebentos[481].

13Porque derrubaste os seus muros,

deixando que a vindimem quantos passam pelo caminho?

14É devastada pelo javali da floresta

e serve de pastagem para os animais do campo[482].


15Ó Deus dos Exércitos, volta, por favor!

Do céu, olha e vê; cuida desta vinha!

16Protege aquilo que a tua direita plantou,

o filho[483] que tornaste forte para ti.

17Aqueles que a queimaram no fogo como desperdício

pereçam diante do teu rosto ameaçador.

18Põe a tua mão sobre o homem da tua direita[484]

sobre o filho de homem que tornaste forte para ti.

19Nunca mais nos afastaremos de ti.

Dá-nos vida e continuaremos a invocar o teu nome.


20Senhor, Deus dos Exércitos, volta-te para nós!

Mostra o teu rosto luminoso e seremos salvos!


81(80)Aliança eterna


1Ao diretor. Sobre a lira de Gat. De Asaf.


2Alegrai-vos em Deus, nossa força[485],

aclamai o Deus de Jacob!

3Erguei um cântico, tocai tambor

e cítara suave juntamente com a harpa.

4Fazei ressoar a trombeta[486] na lua nova

e na lua cheia, nossos dias de festa[487].

5Pois isto é um preceito para Israel,

uma sentença do Deus de Jacob;

6é um testemunho que deixou em José[488],

quando saiu da terra do Egito:


«Eu ouvi[489] a voz de alguém que não conhecia[490].

7Então retirei os seus ombros do jugo,

as suas mãos deixaram de carregar os cestos.

8Na angústia, tu chamaste e Eu te libertei,

respondi-te, do meio do trovão.

E pus-te à prova junto das águas de Meribá.

9Escuta, meu povo, que Eu vou avisar-te!

Ó Israel, vê se me escutas!

10Não deve existir em teu meio nenhum deus estranho,

nem te prostrarás diante de qualquer deus estranho.

11Eu sou o Senhor, teu Deus,

aquele que te fez subir da terra do Egito.

Abre bem a tua boca e Eu enchê-la-ei.


12Mas o meu povo não escutou a minha voz,

e Israel não quis nada comigo.

13Por isso, entreguei-o à teimosia dos seus corações.

Que eles sigam os seus propósitos.

14Quem dera que o meu povo me escutasse,

e que os de Israel seguissem os meus caminhos!

15Num instante, Eu humilharia os seus inimigos

e ergueria a minha mão contra os seus adversários.

16Os que odeiam o Senhor têm de curvar-se perante Ele,

o seu destino está traçado para sempre.

17Mas Eu alimentarei o povo com a flor da farinha

e te saciarei com mel dos rochedos»[491].

82(81)Deus, juiz supremo


1Salmo. De Asaf.


Deus ergueu-se[492] na assembleia divina[493];

no meio dos deuses, Ele profere a sentença:

2«Até quando proferireis sentenças iníquas[494]

e deixareis que os malvados levantem a cabeça?

3Defendei o oprimido e o órfão;

fazei justiça ao humilde e ao pobre.

4Libertai o oprimido e o necessitado

e livrai-os das mãos dos malfeitores».


5Eles não conhecem nem compreendem;

vagueiam na escuridão;

e os fundamentos da terra ficam abalados[495].

6Eu disse: «Vós sois deuses,

todos vós sois filhos do Altíssimo[496].

7Porém, como qualquer mortal, morrereis

e, como qualquer um dos príncipes, havereis de cair».

8Levanta-te, ó Deus, para julgar a terra,

porque tens o domínio sobre todos os povos.


83(82)Os inimigos do povo de Deus


1Cântico. Salmo. De Asaf.


2Ó Deus, não fiques calado[497];

não fiques mudo nem impassível, ó Deus!

3Vê como os teus inimigos se agitam

e levantam a cabeça aqueles que te odeiam.

4Engendram planos astuciosos contra o teu povo

e conspiram contra os teus protegidos.

5Dizem: «Andem! Vamos exterminá-los como povo!

E não volte mais a ser lembrado o nome de Israel».

6Assim decidiram de comum acordo

e estabeleceram uma aliança contra ti:

7as tendas de Edom e os ismaelitas[498],

Moab e os agarenos,

8Guebal, Amon e Amalec,

os filisteus com os habitantes de Tiro.

9Até os assírios se juntaram com eles,

e foram o braço dos filhos de Lot[499].

10Trata-os como fizeste com Madian e Sísera[500],

como a Jabin na ribeira de Quichon.

11Foram destruídos em En-Dor,

serviram de adubo para as terras.

12Trata os seus príncipes como Oreb e Zeeb;

e todos os seus chefes como Zeba e Salmuna.

13Pois eles tinham declarado:

«Tomemos para nós os campos de Deus[501]».


14Ó meu Deus, atira-os para o redemoinho,

como palha levada pelo vento,

15como o fogo que devora a floresta

e como a chama que incendeia os montes.

16Persegue-os com a tua tempestade;

atormenta-os com o teu turbilhão!

17Cobre-lhes o rosto de ignomínia;

e que então procurem o teu nome, ó Senhor.

18Sejam confundidos e abalados para sempre,

sejam envergonhados e pereçam.

19Fiquem a saber que o teu nome é Senhor;

Tu és o único Altíssimo sobre toda a terra!


84(83)Saudades da casa de Deus


1Ao diretor do coro. Sobre a lira de Gat. Dos filhos de Coré. Salmo.


2Quão amáveis são as tuas moradas[502],

ó Senhor, Deus dos Exércitos.

3A minha alma se consome,

suspirando pelos átrios do Senhor;

o meu coração e o meu corpo

exultam de alegria pelo Deus vivo.


4Até os pássaros encontram abrigo,

e as andorinhas têm um ninho

e ali põem os seus filhotes.

É junto dos teus altares, Senhor dos Exércitos,

meu rei e meu Deus.

5Felizes os que habitam na tua casa,

e continuamente cantam os teus louvores.

6Feliz aquele que tem em ti a sua força

e no seu coração as peregrinações.

7Os que atravessam o vale do pranto[503]

fazem dele uma nascente,

como as primeiras chuvas o cobrem de bênçãos.

8Caminharão cada vez com mais forças,

até contemplarem a Deus, em Sião.


9Ó Senhor, Deus dos Exércitos, escuta a minha prece;

presta-me atenção, ó Deus de Jacob.

10Olha para aquele que é o nosso escudo, ó Deus;

põe os olhos no rosto do teu ungido[504].

11É melhor um dia nos teus átrios

do que mil em minha casa[505].

É melhor ficar à porta da casa do meu Deus

do que habitar nas tendas do malfeitor.


12Pois Deus, o Senhor, é como um Sol e um escudo;

o Senhor concede a graça e a glória.

Ele não recusa os seus favores

àqueles que vivem com retidão.

13Ó Senhor dos Exércitos,

feliz aquele que em ti confia.


85(84)A salvação está perto


1Ao diretor. Dos filhos de Coré. Salmo.


2Foste favorável para a tua terra, Senhor[506];

restauraste a prosperidade de Jacob[507].

3Perdoaste a iniquidade do teu povo,

cobriste todos os seus pecados.

4Recolheste a tua imensa indignação,

fizeste retroceder o furor da tua ira.


5Volta para nós, ó Deus, nosso salvador,

e acalma a tua indignação para connosco.

6Estarás para sempre irritado contra nós

ou prolongarás o teu furor, de geração em geração?

7Voltarás certamente a dar-nos vida,

e o teu povo se alegrará em ti.

8Mostra-nos, Senhor, a tua misericórdia

e concede-nos a tua salvação.


9Quero escutar o que Deus diz;

pois o Senhor fala de paz

ao seu povo e aos seus fiéis,

aos que voltam a ter confiança nele[508].

10Sim. A sua salvação está perto dos que o temem,

e a sua glória há de habitar a nossa terra[509].


11A misericórdia e a verdade vão-se encontrar,

vão-se beijar a paz e a justiça[510].

12Da terra há de brotar a verdade,

e a justiça espreitará do céu.

13Assim o Senhor nos concederá os seus favores,

e a nossa terra produzirá seus frutos[511].

14A justiça caminhará na sua frente

e marcará o caminho com os seus passos[512].


86(85)Oração do humilde


1Oração. De David.


Inclina, Senhor, o teu ouvido[513];

responde-me, que estou aflito e necessitado.

2Guarda a minha alma, porque sou fiel.

Tu és o meu Deus!

Salva o teu servo que em ti confia.

3Tem compaixão de mim, Senhor,

que por ti clamo todo o dia.

4Alegra o ânimo do teu servo,

pois a ti, Senhor, elevo a minha alma.

5Pois Tu, ó Senhor, és bom e indulgente,

rico em misericórdia para quantos te invocam.


6Senhor, escuta a minha oração,

atende ao clamor das minhas súplicas.

7No meu dia de angústia clamo por ti,

na certeza de que me responderás.

8Entre os deuses não há como Tu, Senhor,

e nada se compara às tuas obras.

9Todas as nações que Tu fizeste virão

e inclinar-se-ão diante de ti, Senhor,

e darão glória ao teu nome[514].

10Pois Tu és grande e fazes maravilhas;

Tu, só Tu és Deus.


11Ensina-me, Senhor, o teu caminho,

pois quero caminhar na tua verdade;

que ela oriente o meu coração no temor do teu nome.

12Hei de louvar-te de todo o coração, Senhor, meu Deus,

e glorificar o teu nome para sempre.

13Pois é grande a tua misericórdia para comigo,

e libertaste a minha alma das profundezas da morte[515].


14Os orgulhosos erguem-se contra mim, ó Deus,

a turba dos prepotentes ameaça a minha vida

e não te têm presente diante deles.

15Tu, porém, Senhor, és um Deus terno e compassivo,

paciente e rico em misericórdia e fidelidade.

16Volta para mim a tua face e tem compaixão de mim;

concede a tua força ao teu servo

e salva o filho da tua serva.

17Faz para comigo um gesto de bondade,

e que os meus inimigos sejam confundidos,

ao verem que Tu, Senhor, me ajudaste e confortaste.


87(86)A glória de Sião


1Dos filhos de Coré. Salmo. Cântico.


Fundada por Ele sobre montanhas sagradas[516],

2o Senhor ama as portas de Sião

mais do que todas as moradas de Jacob.

3Coisas gloriosas se proclamam de ti,

ó cidade de Deus.

4Lembrarei Raab[517] e a Babilónia entre os que me conhecem.

Eis a Filisteia, Tiro e a Etiópia[518];

cada um ali nasceu.


5De Sião, porém, se dirá:

«Um e outro, todos ali nasceram;

e o próprio Altíssimo a estabeleceu».

6O Senhor apontará no registo dos povos:

«Este nasceu ali».Pausa


7E dançando, eles cantarão[519]:

«As minhas fontes estão todas em ti».


88(87)Oração no meio do sofrimento


1Cântico. Salmo dos filhos de Coré. Ao diretor. Em coro. Poema.

De Heman, o ezraíta[520].


2Ó Senhor, meu Deus e salvador[521],

na tua presença, eu clamo dia e noite.

3Chegue diante de ti a minha oração,

inclina o teu ouvido para o meu clamor.


4A minha alma está saturada de amarguras,

os meus dias chegaram ao abismo da morte[522].

5Estou contado entre os que descem à sepultura[523];

sou como um guerreiro já sem forças.

6Estou largado entre os mortos,

como os defuntos que jazem no sepulcro.

Desses já não te lembras mais,

pois foram separados da tua mão[524].

7Lançaste-me nas profundezas da cova,

nas trevas, nos abismos.

8Pesa sobre mim a tua indignação,

e com todas as tuas ondas me oprimes.Pausa

9Afastaste de mim os meus conhecidos,

tornaste-me abominável para eles;

estou como um preso, sem poder sair.

10A minha vista apagou-se de tanto sofrer.

Todos os dias clamo por ti, Senhor,

e estendo para ti as minhas mãos.

11Será que fazes prodígios para os mortos?

Irão os defuntos levantar-se para te louvar?

12Porventura se conta a tua misericórdia no sepulcro,

ou a tua fidelidade no lugar da perdição[525]?

13Serão as tuas maravilhas conhecidas na escuridão,

ou a tua justiça na terra do esquecimento?


14Por isso, venho a ti, Senhor, e clamo por socorro;

e, pela manhã, a minha oração se apresenta diante de ti.

15Porque rejeitas a minha alma, ó Senhor,

e escondes de mim o teu rosto?

16Infeliz de mim, que agonizo desde a juventude;

de tanto suportar os teus temores, estou esgotado.

17Sobre mim passaram as tuas indignações,

os teus terrores me aniquilaram.

18Como vagas, rodeiam-me todo o dia;

e todos juntos caem sobre mim.

19Afastaste de mim amigos e companheiros;

os meus conhecidos são as trevas.


89(88) Aliança messiânica


1Poema. De Etan, o ezraíta[526].


2Cantarei para sempre as misericórdias do Senhor[527];

de geração em geração anunciarei

a tua fidelidade por minha boca.

3Por isso, proclamo que a tua misericórdia

está edificada para sempre,

e a tua fidelidade está firme como os céus[528].


4«Fiz uma aliança com o meu escolhido[529],

fiz um juramento em favor de David, meu servo:

5Estabelecerei a tua descendência para sempre

e firmarei o teu trono de geração em geração».


6Os céus louvarão as tuas maravilhas, ó Senhor;

e a assembleia dos santos, a tua fidelidade[530].

7Quem nas alturas se pode igualar ao Senhor?

Quem se assemelha ao Senhor entre os deuses[531]?

8Deus é respeitado no conselho dos santos,

superior e temível para todos os que o rodeiam.

9Quem é como Tu, Senhor, Deus dos Exércitos?

És poderoso, Senhor,

e a tua fidelidade é a corte à tua volta.


10Tu governas a fúria dos mares[532]

e acalmas o fragor das suas ondas.

11Tu despedaçaste o cadáver de Raab[533],

dispersaste os teus inimigos com a força do teu braço.

12O céu é teu e a terra é tua também;

formaste o mundo e tudo aquilo que o preenche.

13O norte e o sul, Tu os criaste;

o Tabor e o Hermon rejubilam com o teu nome[534].

14O teu braço é poderoso,

a tua mão é robusta, e excelsa, a tua direita.


15Justiça e retidão são o fundamento do teu trono[535];

verdade e misericórdia caminham à tua frente.

16Feliz o povo dos que te sabem aclamar, Senhor:

caminharão à luz do teu rosto.

17Em teu nome se regozijam todo o dia

e se orgulham com a tua justiça.

18Pois Tu és a nossa honra e força;

e com o teu desígnio nos fazes erguer a cabeça.

19Na verdade, o nosso escudo é o Senhor,

e o nosso rei é o Santo de Israel.


20Outrora declaraste em visão[536]

e disseste aos teus fiéis[537]:

«Eu prestei ajuda a um herói[538],

promovi um jovem do meio do povo.

21Encontrei David, meu servo,

e ungi-o com o meu óleo santo.

22Pois a minha mão estará firmemente com ele,

e o meu braço há de torná-lo forte.

23O inimigo não se levantará contra ele[539],

nem o homem perverso há de humilhá-lo.

24Derrubarei diante dele os seus adversários

e destruirei aqueles que o odeiam.

25A minha fidelidade e misericórdia estarão com ele,

e pelo meu nome crescerá o seu poder.

26Estenderei o poder da sua mão esquerda sobre o mar

e o da sua direita sobre os rios[540].

27Ele me invocará, dizendo: "Tu és meu pai,

és o meu Deus e o rochedo da minha salvação!"

28E Eu farei dele o primogénito,

o mais excelso entre os reis da terra.

29Hei de assegurar-lhe para sempre a minha misericórdia,

e a minha aliança manter-se-á fiel com ele.

30Estabelecerei para sempre a sua descendência,

e o seu trono permanecerá como os céus.


31Se os seus filhos abandonarem a minha lei

e não caminharem segundo os meus preceitos;

32se transgredirem as minhas ordens

e não guardarem os meus mandamentos,

33então hei de castigar o seu crime com uma vara

e a sua maldade com um chicote.

34Porém, não lhes retirarei a minha misericórdia,

nem faltarei à minha promessa.

35Não profanarei a minha aliança,

nem mudarei a palavra da minha boca.

36Jurei uma vez pela minha santidade

que não enganaria David.

37A sua descendência permanecerá para sempre

e o seu trono será como o Sol, diante de mim.

38Estará firme para sempre como a Lua,

testemunha fiel no firmamento».


39Tu, porém, rejeitaste e abandonaste o teu ungido[541]

e te irritaste contra ele.

40Renegaste a aliança com o teu servo

e profanaste por terra a sua coroa.

41Derrubaste todos os seus muros,

reduziste a escombros as suas fortalezas.

42Todos os transeuntes o saquearam;

tornou-se motivo de escárnio para os seus vizinhos.


43Ergueste a mão dos seus inimigos,

encheste de alegria todos os seus adversários.

44Mas a ele, desgastaste-lhe o fio da espada

e não lhe deste vitória na batalha.

45Fizeste cessar o seu esplendor,

deitaste por terra o seu trono.

46Abreviaste os dias da sua juventude

e cobriste-o de vergonha.


47Até quando, Senhor, continuarás escondido?

Arderá para sempre a tua ira como fogo?

48Lembra-te de mim. Que breve existência!

Para que ilusão criaste os seres humanos?

49Quem é tão forte que possa viver sem ver a morte

e consiga livrar a sua alma das garras do abismo?

50Onde está a tua misericórdia de outrora,

a qual juraste a David pela tua fidelidade?

51Lembra-te, Senhor, das injúrias contra os teus servos,

pois trago no peito o ultraje de tantas nações poderosas[542]!

52Como os teus inimigos proferem injúrias, Senhor!

Como injuriam os passos do teu ungido!


53Bendito seja o Senhor para sempre! Amen! Amen[543]!


90(89)Brevidade da vida


1Oração. De Moisés, homem de Deus[544].


Ó Senhor, Tu foste para nós um refúgio[545],

de geração em geração.

2Antes de terem nascido as montanhas

e serem dados à luz a terra e o mundo,

desde sempre e para sempre, Tu és Deus.

3Tu podes fazer voltar o mortal ao pó;

basta dizeres[546]: «Regressai, ó seres humanos!».

4Pois mil anos aos teus olhos

são como o dia de ontem que passou

ou uma vigília da noite[547].

5Se os arrebatas durante o sono,

de manhã são como a erva que se corta.

6Se de manhã está verdejante e é cortada,

pela tarde, já está murcha e depois seca.


7Em verdade, fomos consumidos pela tua ira,

estamos perturbados pela tua indignação.

8Colocaste diante de ti as nossas culpas,

os nossos segredos estão à luz dos teus olhos.


9Todos os nossos dias decorreram debaixo da tua cólera,

os nossos anos dissipam-se como um suspiro.

10Os nossos dias de vida podem ser setenta anos

ou, para os mais fortes, oitenta.

E a sua agitação é trabalho e miséria;

depressa a satisfação passa, e nós desaparecemos.


11Quem pode compreender a violência da tua ira

e a tua cólera contra aqueles que te temem?

12Ensina-nos a orientar corretamente os nossos dias,

para entrarmos no pórtico da sabedoria[548].


13Volta, Senhor! Até quando?

Tem compaixão dos teus servos.

14Que a tua misericórdia nos sacie pela manhã,

para exultarmos e nos alegrarmos todos os nossos dias.

15Dá-nos tantos dias de alegria

como aqueles em que nos afligiste,

como os anos em que vimos a desgraça.

16Manifesta aos teus servos a tua obra,

e aos filhos deles, o teu esplendor.


17Desça sobre nós a bondade do Senhor, nosso Deus!

E confirma para nós a obra das nossas mãos.

Sim! Confirma a obra das nossas mãos!


91(90)Deus, refúgio e proteção


1Aquele que habita sob a proteção do Altíssimo[549]

e se acolhe à sombra do Omnipotente,

2esse poderá exclamar: «Ó Senhor,

Tu és o meu refúgio e minha cidadela;

és o meu Deus, em quem confio!»[550].


3É Ele que te há de livrar da armadilha

e proteger-te da peste[551] maligna.

4Ele te cobrirá com as suas penas;

debaixo das suas asas terás refúgio;a sua fidelidade é escudo e couraça.

5Não temerás o terror da noite,

nem a seta que voa de dia.

6Não temerás a peste que alastra nas trevas,

nem o flagelo que devasta em pleno dia[552].

7Podem cair mil à tua esquerda

e dez mil à tua direita,

que a ti não te atingirá.

8Basta abrires os olhos

e verás a paga dos malfeitores.

9Pois tu disseste: «O Senhor é meu refúgio»

e fizeste do Altíssimo o teu abrigo.

10Nenhuma desgraça se aproximará de ti,

nenhuma epidemia chegará à tua tenda.

11Por ti, Ele deu ordens aos seus anjos,

para te guardarem em todos os teus caminhos[553].

12Eles hão de transportar-te na palma das mãos,

para que o teu pé não tropece em nenhuma pedra.

13Poderás caminhar sobre serpentes e víboras,

calcar aos pés leões e dragões.


14«Porque se entregou a mim, Eu o libertarei;

defendê-lo-ei, porque conhece o meu nome[554].

15Ele invoca-me e Eu respondo-lhe,

estarei com ele na tribulação,

para o livrar e cobrir de honra.

16Hei de saciá-lo com longos dias de vida

e farei com que veja a minha salvação».

92(91) Em louvor da justiça de Deus


1Salmo. Cântico. Para o dia de sábado.


2Como é bom dar graças[555] ao Senhor[556],

e cantar hinos ao teu nome, ó Altíssimo!

3É bom anunciar de manhã a tua misericórdia

e a tua fidelidade durante a noite[557],

4com a lira de dez cordas e a cítara

e ao som melodioso da harpa.


5Tu me alegraste, Senhor, com os teus feitos,

e exulto com as obras das tuas mãos.

6Como são grandiosas as tuas obras, ó Senhor!

Quão profundos são os teus desígnios!

7O homem insensato não entende estas coisas,

e o ignorante não compreende nada disto.

8Ainda que os malfeitores cresçam como a erva

e floresçam todos os que praticam a maldade,

é para serem exterminados para sempre.

9Tu, porém, Senhor,

és o excelso para sempre.

10Por isso, os teus inimigos, Senhor,

os teus inimigos hão de perecer

e serão dispersos todos os que praticam a iniquidade.


11Fizeste-me erguer a cabeça como um búfalo[558]

e ungiste-me com óleo perfumado.

12Os meus olhos hão de ver o fim dos que me espiam

e os meus ouvidos hão de ouvir

os gritos[559] dos que se erguem contra mim.


13O justo florescerá como a palmeira

e crescerá como um cedro no Líbano[560].

14Plantados na casa do Senhor,

florescerão nos átrios do nosso Deus.

15Até de cabelos brancos continuam viçosos

e hão de manter sempre a seiva e o vigor,

16para proclamar que o Senhor é reto,

é o meu rochedo e nele não há falsidade.


93(92)Deus reina sobre a criação


1O Senhor é rei[561], revestido de majestade;

o Senhor, revestido e cingido de poder!

Ele firmou o universo, que não vacilará[562].

2O teu trono, ó Deus, está firme desde o princípio,

pois Tu és desde a eternidade.


3Ergueram as torrentes, ó Senhor,

ergueram as torrentes o seu bramido,

ergueram as torrentes o seu fragor.

4Porém, mais que o bramido das águas caudalosas,

mais poderoso que o rebentar das vagas do mar

é poderoso o Senhor lá nas alturas.


5Os teus preceitos são inteiramente eficazes,

a tua casa está adornada de santidade,

por dias sem fim, ó Senhor[563]!


94(93) Deus, juiz do mundo


1Ó Senhor, Deus justiceiro[564]!

Deus justiceiro[565], manifesta-te!

2Levanta-te, juiz da terra;

retribui aos soberbos a paga merecida.

3Até quando os malfeitores, Senhor,

até quando os malfeitores triunfarão?

4Todos os que praticam a iniquidade

vomitam palavras insolentes e vangloriam-se.


5Eles esmagam o teu povo, Senhor,

e oprimem a tua herança.

6Matam a viúva e o estrangeiro

e assassinam os órfãos[566].

7Eles dizem: «O Senhor[567] não vai ver;o Deus de Jacob não se aperceberá!».


8Compreendei isto, ó gente imbecil!

E vós, insensatos, quando ganhareis juízo?

9Aquele que implantou o ouvido não ouviria?

Aquele que formou os olhos não haveria de ver?

10Aquele que corrige os povos não castigaria?

Se é Ele que ensina aos humanos a sabedoria!

11O Senhor conhece bem os pensamentos dos humanos

e sabe que eles são uma ilusão[568].


12Feliz o homem a quem Tu corriges, Senhor,

e ensinas com a tua lei[569]!

13Assim terá descanso nos dias de aflição,

enquanto se abre a cova para o malfeitor.

14Pois o Senhor não rejeita o seu povo[570]

e não abandona a sua herança.

15Voltará a haver equidade na justiça[571]

e hão de segui-la todos os de coração reto.


16Quem se levantará por mim contra os maus?

Quem resistirá por mim contra os que praticam o mal?

17Se o Senhor não fosse o meu auxílio,

num instante a minha alma habitaria o silêncio[572].

18Mal eu digo: «Os meus pés vacilam»,

logo a tua misericórdia, Senhor, me ampara.

19Quando crescem as preocupações dentro de mim,

os teus gestos de conforto deliciam a minha alma.


20Poderá aliar-se contigo um tribunal iníquo,

que forja injustiças contra o direito?

21Atentam contra a vida do justo

e condenam à morte o inocente[573].

22Mas o Senhor é a minha fortaleza

e o meu Deus é o rochedo onde me refugio.

23Fará recair sobre eles a sua iniquidade

e os destruirá com a sua própria maldade.

O Senhor, nosso Deus, os destruirá!


95(94)Exortação ao louvor de Deus


1Vinde! Exultemos de alegria no Senhor[574],

aclamemos o rochedo[575] da nossa salvação.

2Vamos à sua presença com hinos de louvor,

aclamemo-lo com cânticos.


3Pois grande Deus é o Senhor,

é rei poderoso acima de todos os deuses.

4Na sua mão estão as profundezas da terra,

e são suas as alturas das montanhas.

5Seu é o mar, pois foi Ele quem o fez,

e a terra firme que as suas mãos modelaram.

6Entrai, inclinemo-nos e prostremo-nos;

ajoelhemos diante do Senhor que nos criou.

7É Ele o nosso Deus e nós, o povo de que Ele é pastor[576],

as ovelhas que a sua mão conduz.

Oxalá ouvísseis hoje a sua voz[577]!


8«Não endureçais os vossos corações como em Meribá,

como no dia de Massá, no deserto[578],

9quando os vossos pais me provocaram e puseram à prova,

apesar de terem visto as minhas obras.

10Durante quarenta anos[579] abominei tal geração,

e disse: "São um povo de coração desorientado

e não reconheceram os meus caminhos!"

11Por isso jurei na minha ira:

"Não entrarão no meu lugar de repouso[580]».


96(95)Deus, rei do universo


1Cantai ao Senhor um cântico novo[581],

cantai ao Senhor, terra inteira!

2Cantai ao Senhor, bendizei o seu nome,

anunciai de dia em dia a sua salvação.

3Ide contar entre os povos a sua glória,

em todas as nações, as suas maravilhas.

4Pois o Senhor é grande e digno de todo o louvor,

é mais temível do que todos os deuses.

5Todos os deuses dos povos são apenas ídolos,

mas o Senhor é que fez os céus[582].

6Na sua presença há majestade e esplendor,

no seu santuário, beleza e poder[583].


7Dai ao Senhor, famílias dos povos,

dai ao Senhor glória e poder.

8Dai ao Senhor a glória do seu nome,

levai as ofertas e entrai nos seus átrios.

9Inclinai-vos diante do Senhor no esplendor do santuário;

e trema diante dele a terra inteira!

10Proclamai entre os povos: «O Senhor é rei!».

Por isso, a terra está firme, sem vacilar,

pois Ele faz justiça aos povos com equidade.

11Alegrem-se os céus e rejubile a terra;

ressoe o mar e tudo o que ele contém.

12Regozijem-se os campos e tudo o que neles existe

e que todas as árvores da floresta rejubilem,

13diante do Senhor que vem,

que vem para julgar a terra!

Ele julga o mundo com justiça

e os povos com a sua fidelidade.


97(96)Reinado universal de Deus


1O Senhor é rei: exulte a terra[584]

e alegrem-se as ilhas numerosas!

2Em seu redor há nuvens e tempestades[585];

a justiça e o direito são a base do seu trono.

3Um fogo caminha à sua frente

e incendeia os seus adversários, em volta.

4Os seus relâmpagos iluminam o mundo;

a terra viu e estremeceu.

5As montanhas derreteram-se como cera, diante do Senhor,

diante do senhor de toda a terra.


6Os céus apregoam a sua justiça[586],

e todos os povos viram a sua glória.

7Sejam envergonhados todos os que servem estátuas,

aqueles que se vangloriam em ídolos.

Diante dele se prostrem todos os deuses.


8Sião ouviu e encheu-se de alegria[587],

e as cidades de Judá regozijaram,

por causa das tuas sentenças, ó Senhor.

9Pois Tu, Senhor, és o Altíssimo sobre toda a terra

e subiste muito acima de todos os deuses.

10Os que amam o Senhor odeiam o mal;

Ele guarda as almas dos seus fiéis

e livra-os das mãos dos inimigos.

11Uma luz desponta para o justo,

e a alegria para os retos de coração[588].

12Alegrai-vos, justos, no Senhor,

e celebrai a memória do seu nome santo.


98(97)Hino ao rei do universo


1Salmo.


Cantai ao Senhor um cântico novo[589],

porque Ele fez maravilhas!

A sua mão direita e o seu santo braço

lhe deram a vitória[590].

2O Senhor anunciou a sua vitória,

revelou a sua justiça aos olhos dos povos.

3Lembrou-se da sua misericórdia e fidelidade

para com a casa de Israel.

Todos os confins da terra viram

a salvação do nosso Deus[591].

4Aclamai o Senhor, terra inteira,

gritai, rejubilai e cantai.

5Cantai ao Senhor, ao som da harpa,

ao som da harpa e da lira.

6Com as trombetas e ao som do cornetim,

aclamai na presença do Senhor, que é rei.


7Ressoe o mar e tudo o que ele contém[592],

o mundo e os que nele habitam.

8Que os rios batam palmas,

em coro, as montanhas gritem de alegria,

9diante do Senhor, que vem julgar a terra!

Ele julga o mundo com justiça

e os povos com retidão.


99(98)Rei supremo e santo


1O Senhor é rei[593], tremam os povos[594]!

O seu trono é sobre os querubins[595].

Que a terra inteira estremeça.

2O Senhor é grande em Sião

e é excelso sobre todos os povos.

3Que eles louvem o teu nome, grande e terrível,

porque ele é santo!

4A força de um rei está em amar a justiça.

Ora, Tu estabeleceste a equidade,

o direito e a justiça em Jacob.

Tu é que o realizaste.


5Exaltai o Senhor, nosso Deus,

prostrai-vos junto ao estrado dos seus pés,

pois Ele é santo.

6Moisés e Aarão estão entre os seus sacerdotes[596]

e Samuel, entre os que invocam o seu nome.

Invocavam o Senhor e Ele respondia-lhes.

7De uma coluna de nuvem Deus falava;

eles guardaram os seus preceitos

e a lei que lhes tinha dado.


8Senhor, nosso Deus, Tu respondeste-lhes;

foste um Deus indulgente para com eles,

mesmo castigando as suas maldades[597].


9Exaltai o Senhor, nosso Deus,

prostrai-vos junto da sua montanha santa,

pois o Senhor, nosso Deus, é santo.


100(99)Hino de ação de graças


1Salmo. Para ação de graças.


Aclamai o Senhor, terra inteira[598]!

2Servi ao Senhor com alegria,

ide à sua presença com júbilo!

3Sabei que só o Senhor é Deus;

foi Ele que nos fez e a Ele pertencemos[599];

somos o seu povo e o rebanho de que Ele é pastor.

4Entrai nas suas portas em ação de graças,

nos seus átrios com hinos de louvor;

agradecei-lhe e bendizei o seu nome.

5Pois o Senhor é bom;

é eterna a sua misericórdia[600],

e a sua fidelidade continua de geração em geração.


101(100)O rei ideal


1De David. Salmo.


Quero cantar a misericórdia e a justiça[601].

Para ti, Senhor, dirijo o meu canto.

2Quero compreender bem o caminho da honestidade.

Quando virás ao meu encontro[602]?

Caminharei na integridade do meu coração,

no interior da minha casa.

3Não porei diante dos meus olhos coisas indignas[603];

odeio os que praticam perversidades,

não se hão de ligar a mim.

4O coração perverso ficará longe de mim;

não quero saber do homem mau.

5Aquele que em segredo difama o seu próximo,

reduzi-lo-ei ao silêncio.

O que tem olhar altivo e coração ambicioso,

esse eu não suportarei[604].


6 </nowiki>Os meus olhos estão com a gente fiel da terra,

para poder habitar comigo.

Aquele que segue pelo caminho da honestidade,

esse estará ao meu serviço.

7Dentro da minha casa não habitará

aquele que comete o engano.

Aquele que profere mentiras

não se aguentará diante dos meus olhos.

8Cada manhã[605], reduzirei ao silêncio

todos os malfeitores da terra,

para eliminar da cidade do Senhor

todos os que praticam a iniquidade.


102(101)Oração de um aflito


1Oração de um aflito que, a desfalecer, expôs diante do Senhor o seu lamento.


2Senhor, escuta a minha oração[606],

e chegue junto de ti o meu clamor!

3Não escondas de mim o teu rosto,

no dia em que eu estiver em aflição.

Inclina para mim o teu ouvido;

no dia em que eu gritar, responde-me depressa!


4Pois os meus dias se desvanecem como fumo,

e os meus ossos ardem como um braseiro.

5Como erva cortada, o meu coração está ressequido;

até me esqueço de comer o meu pão.

6De tanto gritar e gemer,

os meus ossos colaram-se-me à carne[607].


7Estou parecido com um mocho do deserto,

sou como uma coruja das ruínas.

8Não consigo dormir e assim fico[608]

como um pássaro solitário no telhado.

9Os meus inimigos insultam-me todo o dia,

os que me louvavam amaldiçoam-me[609].

10Em vez de pão, tenho comido cinza[610];

e misturo a minha bebida com lágrimas.


11Foi por causa da tua indignação e do teu furor,

pois levaste-me ao alto e a seguir deitaste-me fora.

12Meus dias são como sombra que se prolonga,

e eu vou secando tal como a erva.


13Tu, porém, Senhor, permaneces para sempre,

e a tua memória por todas as gerações.

14Levanta-te e tem compaixão de Sião;

é tempo de lhe perdoares, chegou a hora.

15Os teus servos querem muito às suas pedras

e têm pena das suas ruínas.


16Os povos hão de temer o nome do Senhor,

e os reis da terra a tua glória.

17Quando o Senhor tiver reconstruído Sião

e se manifestar na sua glória[611],

18há de voltar-se para a oração do indigente

e não desprezará as suas súplicas.

19Que isto fique escrito para a geração futura,

e os que ainda hão de nascer louvarão o Senhor[612].

20Pois o Senhor observa do alto do seu santuário,

lá do céu fixa os olhos na terra,

21para escutar os gemidos dos prisioneiros

e abrir as portas aos que estão condenados a morrer;

22para anunciar em Sião o nome do Senhor

e o seu louvor em Jerusalém,

23quando se reunirem os povos e os reinos,

para juntos servirem o Senhor.


24Ele esgotou-me as forças no caminho

e abreviou os meus dias.

25E eu disse: «Não me leves, meu Deus, a meio dos meus dias!».

Os teus anos duram por todas as gerações[613].

26Ao princípio, assentaste os fundamentos da terra

e os céus são obra das tuas mãos.

27Eles perecerão, mas Tu permanecerás;

como um tecido, todos se desgastam.

Como se muda de vestido Tu os mudarás e desaparecerão.

28Tu, porém, és o mesmo;

os teus anos não acabarão.

29Os filhos dos teus servos terão onde viver,

e os seus descendentes estarão firmes diante de ti.


103(102)Hino à misericórdia de Deus


1De David.


Bendiz, ó minha alma, o Senhor[614],

e todo o meu íntimo bendiga o seu santo nome.

2Bendiz, ó minha alma, o Senhor,

e não esqueças nenhum dos seus benefícios.

3É Ele quem perdoa as tuas culpas,

quem cura todas as tuas enfermidades.

4É Ele quem resgata do túmulo a tua vida

e te coroa de misericórdia e ternura.

5É Ele quem sacia de bens a tua existência[615]

e renova como a águia a tua juventude.


6O Senhor garante justiça

e direito para todos os oprimidos.

7Deu a conhecer os seus caminhos a Moisés

e os seus prodígios aos filhos de Israel[616].

8O Senhor é bondoso e compassivo,

paciente e cheio de misericórdia[617].

9Não está continuamente a repreender,

nem a sua ira dura para sempre.

10Não nos tratou conforme os nossos pecados,

nem nos pagou de acordo com as nossas culpas.

11Pois tal como o céu está bem alto acima da terra,

assim é forte a sua misericórdia para os que o temem.

12Como o Oriente está afastado do Ocidente,

assim Ele afasta de nós os nossos pecados.

13Como um pai se compadece dos filhos,

assim o Senhor se compadece dos que o temem.

14Pois Ele conhece a nossa inclinação,

lembrando-se de que somos pó[618].


15Para um ser humano, os seus dias são como a erva[619];

como a flor do campo, também ele floresce.

16Quando o vento lhe passa por cima, desaparece,

e já nem se reconhece o seu lugar.


17Mas a misericórdia do Senhor é de sempre e para sempre

para aqueles que o temem;

e a sua justiça é também para os filhos dos seus filhos.

18Ela é para os que guardam a sua aliança

e se lembram de cumprir os seus preceitos.

19O Senhor estabeleceu nos céus o seu trono,

e a sua realeza domina tudo o que existe.


20Bendizei o Senhor, vós, os seus anjos[620],

poderosos mensageiros que executais as suas ordens,

sempre atentos à sua palavra.

21Bendizei o Senhor, todos os seus exércitos,

servidores e executores da sua vontade.

22Bendizei o Senhor, todas as suas obras,

em todos os lugares do seu domínio.

Bendiz, ó minha alma, o Senhor!


104(103)Hino ao criador do universo


1Bendiz, ó minha alma, o Senhor[621]!

Senhor, meu Deus, como Tu és grande!

Estás revestido de esplendor e majestade.

2És aquele que está envolto de luz como de um manto,

que estende os céus como um toldo;

3aquele que armazena de água as suas altas moradas[622];

aquele que faz das nuvens o seu carro

e caminha sobre as asas do vento;

4aquele que faz dos ventos os seus mensageiros

e dos relâmpagos, seus servidores;

5aquele que fundou a terra sobre as suas bases,

para não vacilar jamais.

6Tu a cobriste com o manto do oceano,

e as águas mantinham-se por cima das montanhas.

7Com a tua ameaça, elas fugiram;

ao fragor do teu trovão, precipitaram-se.

8Subiam para as montanhas e desciam às profundezas,

conforme o lugar que lhes preparaste.

9Estabeleceste um limite para as águas não ultrapassarem

e não voltarem a cobrir a terra.

10És Tu que envias a água das nascentes para os rios,

que correm por entre as montanhas.

11Eles dão de beber a todos os animais do campo;

ali matam a sede os burros selvagens.

12Por cima dos rios moram as aves do céu

e de entre as ramagens entoam o seu canto.


13És aquele que rega as montanhas desde as tuas altas moradas.

A terra fica saciada com o fruto das tuas obras.

14És o que faz brotar a erva para o gado

e as verduras para benefício dos homens,

para assim fazerem brotar da terra o seu pão

15e o vinho que alegra o coração dos humanos.

Assim obtém azeite para fazer brilhar o seu rosto

e pão que lhe reconforta o ânimo.


16Ficam satisfeitas as árvores do Senhor,

os cedros do Líbano que Ele plantou.

17Ali fazem os pássaros o seu ninho;

dos cedros faz a cegonha a sua casa[623].

18Os altos montes são para as cabras,

os penhascos são o refúgio dos roedores.


19A Lua procede conforme os tempos,

e o Sol conhece o seu ocaso.

20Tu estendes a escuridão e faz-se noite[624];

nela vagueiam todos os animais da selva.

21Os leões rugem em busca da presa,

pedindo a Deus o seu alimento.

22Nasce o Sol, logo se retiram,

para se recolherem nos seus refúgios.

23Sai o homem para a sua tarefa,

para o seu trabalho até ao anoitecer.


24Como são numerosas as tuas obras, Senhor!

Tudo fizeste com sabedoria;

a terra está cheia das tuas criaturas.

25Eis ali o mar, grande e de vastas extensões,

onde se agitam, sem número,

animais pequenos e grandes.

26Por ali andam os navios e o Leviatan,

monstro que formaste para com ele brincar[625].

27Todos esperam por ti,

para lhes dares o alimento a seu tempo.

28Tu lhes dás e eles recolhem;

abres a tua mão e ficam saciados de bens.

29Se deles escondes o teu rosto[626], ficam perturbados;

se lhes retiras o alento, expiram

e voltam ao pó de onde saíram.

30Se lhes envias o teu espírito[627], são de novo criados.

E assim renovas a face da terra.


31Que a glória do Senhor seja para sempre!

Que o Senhor se alegre nas suas obras!

32Ele observa a terra e ela estremece[628],

toca nos montes e eles fumegam.

33Quero cantar ao Senhor, enquanto eu viver;

tocarei para o meu Deus, enquanto existir.

34Que o meu poema lhe seja agradável,

pois no Senhor está a minha alegria.

35Desapareçam da terra os pecadores[629]!

E não existam mais os malfeitores!

Bendiz, ó minha alma, o Senhor!

Aleluia[630]!


105(104)Deus e a história de Israel


1Louvai o Senhor, aclamai o seu nome[631],

dai a conhecer entre os povos os seus prodígios.

2Cantai, entoai hinos em sua honra,

proclamai todas as suas maravilhas.

3Gloriai-vos no seu santo nome;

alegre-se o coração dos que procuram o Senhor.

4Recorrei ao Senhor e ao seu poder,

buscai continuamente a sua face.

5Recordai as maravilhas que Ele fez,

os seus prodígios e as sentenças da sua boca[632],

6vós que sois descendentes de Abraão, seu servo,

e filhos de Jacob, seu escolhido.

7Ele é o Senhor, nosso Deus,

por toda a terra vigoram as suas sentenças.

8Ele lembra-se eternamente da sua aliança[633],

da palavra que estabeleceu por mil gerações,

9do pacto que fez com Abraão

e do juramento que fez a Isaac.

10Ele confirmou-a como lei para Jacob,

como aliança eterna para Israel.

11Pois disse: «A ti darei a terra de Canaã,

como parte que vos cabe em herança».


12Eles eram, então, um pequeno número[634],

poucos e estrangeiros naquela terra;

13iam vagueando de povo em povo[635]

e de um reino para outra nação.

14Ele não permitiu que ninguém os oprimisse

e castigou reis por causa deles:

15«Não toqueis nos meus ungidos,

não maltrateis os meus profetas».


16Depois, chamou a fome sobre aquela terra,

destruindo todas as searas de pão.

17Enviou à frente deles um homem

que fora vendido como escravo, José.

18Prenderam-lhe os pés com grilhões

e o pescoço, numa argola de ferro,

19até ao tempo em que se realizou a sua palavra

e a declaração do Senhor lhe deu razão.

20Enviou então um rei, para que o soltassem[636],

e um soberano de povos, para lhe abrir a porta.

21Este nomeou-o senhor da sua casa

e governador de todos os seus bens,

22para instruir por si mesmo os seus príncipes

e tornar sábios os seus anciãos[637].


23Foi então que Israel entrou para o Egito,

Jacob foi como imigrante para o país de Cam.

24Deus fez frutificar grandemente o seu povo

e tornou-o mais forte do que os seus adversários.

25Mudou o coração dos outros e passaram a odiar o povo de Deus,

tratando com artimanhas os seus servos.


26Enviou então o seu servo Moisés

e Aarão, que foi o seu escolhido.

27Estes realizaram maravilhas entre os egípcios

e prodígios no país de Cam[638].

28Enviou as trevas e tudo escureceu[639],

mas eles não fizeram caso das suas palavras.

29Converteu as suas águas em sangue

e fez morrer todos os seus peixes.

30Encheu de rãs todo o seu país,

até nos aposentos do seu rei.

31Deus ordenou e chegaram nuvens de insetos

e mosquitos, por todo o seu território.

32Em vez das chuvas deu-lhes granizo

e línguas de fogo por todo o país.

33Destruiu as suas vinhas e figueiras[640]

e destroçou as árvores do seu território.

34Deu ordens e chegaram os gafanhotos

e larvas, em número incalculável;

35devoraram toda a verdura dos campos

e comeram os frutos das suas terras.

36Feriu de morte todos os primogénitos do país,

as primícias de todo o seu vigor.


37Fê-los[641] sair levando prata e ouro,

e ninguém fraquejou entre as suas tribos[642].

38Alegrou-se o Egito com a saída deles,

pois recaíra sobre eles o medo dos israelitas.

39Estendeu uma nuvem de proteção

e um fogo para os iluminar à noite.

40Pediram-lhe e chegaram as codornizes,

e saciou-os com pão do céu.

41Abriu o rochedo e brotou água,

que corria pelo deserto como um rio.

42Pois Ele lembrou-se da sua palavra sagrada

para com Abraão, seu servo,

43e fez sair o seu povo com alegria

e os seus escolhidos com gritos de júbilo.


44Entregou-lhes as terras de outros povos

e eles recolheram as riquezas das nações,

45com o propósito de guardarem os seus preceitos

e observarem as suas leis[643].

Aleluia!


106(105)Infidelidades de Israel


1Aleluia!

Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom[644],

porque é eterna a sua misericórdia.

2Quem poderá contar os feitos do Senhor

e apregoar todos os seus louvores?

3Feliz daquele que observa o direito

e cumpre a justiça em todo o tempo.


4Lembra-te de mim[645], Senhor, pelo bem do teu povo,

vem visitar-me com a tua salvação,

5para que eu veja a felicidade dos teus escolhidos,

para me alegrar com a alegria do teu povo

e me sentir feliz com a tua herança.


6Nós pecámos, tal como os nossos pais,

cometemos crimes e maldades.

7Os nossos pais, no Egito,

não compreenderam as tuas maravilhas;

não se lembraram da grandeza da tua misericórdia

e revoltaram-se junto ao mar, no Mar Vermelho.


8Mas Ele salvou-os, para honra do seu nome

e para manifestar o seu poder.

9Ameaçou o Mar Vermelho e ele secou

e fê-los caminhar nas profundezas como num deserto.

10Salvou-os das mãos dos que os odiavam

e resgatou-os da mão do inimigo.

11As águas cobriram os seus adversários;

de modo que nem um só deles sobreviveu.

12Então acreditaram nas suas palavras

e cantaram o seu louvor.


13Mas eles depressa esqueceram as suas obras

e não confiaram no seu projeto.

14No deserto, deixaram-se vencer pelos seus apetites

e puseram Deus à prova, no descampado.

15Deus concedeu-lhes o que pediam

e expulsou das suas almas o definhamento[646].


16Porém, tiveram inveja de Moisés no acampamento;

e de Aarão, o consagrado do Senhor.

17Abriu-se, então, a terra e engoliu Datan

e fechou-se sobre a seita de Abiram;

18o fogo consumiu os seus partidários,

e as chamas devoraram os malvados.


19Construíram um bezerro no monte Horeb

e prostraram-se diante de uma estátua.

20Trocaram o seu Deus glorioso

pela imagem de um touro que remói erva.

21Esqueceram a Deus, que os salvara,

realizando prodígios no Egito,

22maravilhas no país de Cam,

coisas tremendas junto ao Mar Vermelho.

23Deus declarou que os ia aniquilar,

se não fosse Moisés, o seu escolhido:

este colocou-se como barreira diante de Deus,

para impedir que a sua ira os destruísse.


24Mostraram desprezo pela terra deliciosa[647],

não acreditaram na sua palavra.

25Murmuraram nas suas tendas

e não escutaram a voz do Senhor.

26Por isso, ergueu a sua mão contra eles,

jurando que os faria cair no deserto,

27que faria cair os seus filhos entre os povos,

dispersando-os por entre as nações.


28Depois, ligaram-se ao deus Baal de Peor[648]

e comeram de sacrifícios em honra dos mortos.

29Provocaram-no com as suas iniquidades,

e a peste irrompeu no meio deles.

30Fineias ergueu-se, para garantir o direito,

e então a peste acabou.

31A sua ação foi-lhe reconhecida como justa,

por todas as gerações e para sempre.


32Eles irritaram a Deus, junto das águas de Meribá,

e Moisés teve de sofrer por causa deles[649],

33porque lhe amarguraram o espírito

e ele proferiu desatinos com seus lábios.


34Não exterminaram os povos[650]

que o Senhor lhes tinha indicado.

35Pelo contrário, misturaram-se com esses povos

e aprenderam os seus costumes.

36Prestaram culto aos seus ídolos,

que foram para eles uma armadilha.

37Ofereceram em sacrifício os seus filhos[651]

e as suas filhas aos demónios.

38Derramaram o sangue inocente,

o sangue dos seus filhos e filhas,

que sacrificaram aos ídolos de Canaã;

e a terra ficou manchada com o sangue.


39Deixaram-se contaminar com as suas obras[652]

e prostituíram-se[653] com os seus crimes.

40Por isso, o Senhor se indignou com o seu povo

e sentiu desgosto pela sua herança.

41Então entregou-os nas mãos dos povos,

e foram dominados por aqueles que os odiavam.

42Os seus inimigos oprimiram-nos,

e foram submetidos ao seu poder.

43Muitas vezes Ele os libertou,

mas eles mostraram-se rebeldes nas suas ideias

e cada vez mais se afundavam na sua maldade.


44Contudo, Ele olhou para eles na aflição,

ao ouvir os seus lamentos.

45Lembrou-se da sua aliança para com eles

e compadeceu-se deles, na sua imensa misericórdia.

46Fez com que eles fossem tratados com benevolência

por parte dos seus conquistadores[654].


47Salva-nos, ó Senhor, nosso Deus,

e volta a reunir-nos de entre os povos[655],

para darmos graças ao teu santo nome

e celebrarmos os teus louvores.


48Bendito seja o Senhor, Deus de Israel,

desde sempre e para sempre.

E diga todo o povo: «Amen!»

Aleluia[656]!


107(106)Deus salva de todos os perigos


1Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom[657],

porque é eterna a sua misericórdia.

2Que o digam os resgatados pelo Senhor[658],

os que Ele resgatou da mão do inimigo,

3aqueles que Ele reuniu de entre as nações,

do Oriente e do Ocidente, do Norte e do mar a sul[659].


4Andavam errantes pelo deserto e descampado[660],

sem encontrar o caminho de uma cidade onde habitar[661].

5Andavam esfomeados e sedentos;

e o seu ânimo já lhes desfalecia.


6Mas, na sua angústia, clamaram ao Senhor,

e Ele livrou-os das suas aflições.

7Encaminhou-os por um caminho direito,

para chegarem a uma cidade onde habitar.


8Que eles deem graças ao Senhor, pela sua misericórdia

e pelas suas maravilhas em favor dos humanos.

9Pois Ele matou a sede aos sequiosos

e aos que tinham fome encheu de bens.


10Eles jaziam na escuridão e nas trevas[662],

prisioneiros da aflição e dos ferros,

11por se terem revoltado contra as ordens de Deus

e desprezado os desígnios do Altíssimo.

12Abateu-lhes o coração com dificuldades;

tropeçavam e ninguém os socorria.

13Mas, na sua angústia, clamaram ao Senhor,

e Ele salvou-os das suas aflições.

14Fê-los sair das trevas e da escuridão

e despedaçou as suas cadeias.


15Que eles deem graças ao Senhor, pela sua misericórdia

e pelas suas maravilhas em favor dos humanos.

16Ele despedaçou as portas de bronze

e quebrou as barras de ferro!


17Enfraquecidos pelos seus caminhos de pecado[663]

e aflitos por causa das suas culpas,

18qualquer alimento lhes causava náuseas

e já chegavam às portas da morte.


19Mas, na sua angústia, clamaram ao Senhor,

e Ele salvou-os das suas aflições.

20Deus enviou a sua palavra para os curar

e para os livrar das suas chagas[664].


21Que eles deem graças ao Senhor, pela sua misericórdia

e pelas suas maravilhas em favor dos humanos.

22Ofereçam sacrifícios de ação de graças

e anunciem as suas obras com júbilo.


23Os que vão para o mar com os seus navios[665],

fazendo negócio pela imensidão das águas,

24esses viram as obras do Senhor

e as suas maravilhas no alto mar.


25Ele falou e ergueu-se um vento de tempestade

que levantou as ondas do mar.

26Os marinheiros subiam até aos céus e desciam às profundezas,

com a alma desfeita pela desgraça;

27rodavam e cambaleavam como ébrios

e toda a sua perícia se tornava inútil.


28Mas, na sua angústia, clamaram ao Senhor,

e Ele tirou-os das suas aflições.

29Transformou a tempestade em leve brisa,

e acalmaram-se as ondas do mar.

30Eles alegram-se quando as ondas ficam calmas,

e Ele guia-os para o seu porto desejado.


31Que eles deem graças ao Senhor pela sua misericórdia

e pelas suas maravilhas em favor dos humanos.

32Que o exaltem na assembleia do povo[666]

e o louvem no conselho dos anciãos.


33Ele transformou os rios em deserto

e as fontes de água em terra árida;

34transformou a terra fértil em chão salgado,

pela maldade dos que nela habitavam;

35mudou o deserto em lago de água

e a terra árida em nascentes de água,

36para fazer habitar ali os famintos,

e eles estabelecerem uma cidade para habitar.


37Semearam campos e plantaram vinhas

e tiveram uma colheita abundante.

38Abençoou-os e cresceram em grande número

e não deixou que os seus rebanhos ficassem reduzidos.


39Ficaram reduzidos e abatidos,

por causa da opressão, da maldade e da angústia.

40Porém, aquele que derrama desprezo sobre os poderosos

e os faz vaguear pelo vazio, sem caminhos,

41Ele mesmo levanta o pobre da angústia[667]

e multiplica as famílias como um rebanho.


42Os íntegros veem isto e alegram-se,

e toda a maldade fica de boca fechada.

43Aquele que for sábio guardará estas coisas

e todos compreenderão as misericórdias do Senhor.


108(107)Hino e súplica


1Cântico. Salmo. De David.


2O meu coração está firme, ó Deus[668],

o meu coração está firme!

Quero cantar e salmodiar! Anima-te, minha alma[669].

3Despertai, harpa e lira,

que eu quero despertar a aurora!

4Hei de louvar-te entre os povos, Senhor,

hei de cantar-te salmos entre as nações;

5pois a tua misericórdia é mais alta que os céus

e a tua fidelidade chega até às nuvens.

6Ó Deus, ergue-te acima dos céus

e enche a terra inteira da tua glória!

7Para que os teus amigos sejam libertados,

mostra a tua direita salvadora e responde-me[670].


8Deus falou no seu santuário:

«Com alegria repartirei Siquém[671]

e medirei o vale de Sucot!

9É minha a terra de Guilead e de Manassés;

Efraim é o capacete da minha cabeça e Judá, meu cetro real.

10Moab é a bacia em que me lavo;

sobre Edom ponho a minha sandália

e cantarei vitória sobre os filisteus».


11Quem me conduzirá à cidade fortificada?

Quem me guiará até Edom?

12Quem senão Tu, ó Deus, que nos rejeitaste

e já não sais, ó Deus, com os nossos exércitos!

13Concede-nos ajuda contra o inimigo,

porque é vã a salvação que vem do homem.

14Com Deus, havemos de fazer proezas:

e Ele calcará aos pés os nossos inimigos.


109(108)Prece contra os inimigos


1Ao diretor. De David. Salmo.


Ó Deus, não sejas surdo ao meu louvor[672]!

2Pois contra mim abriram a boca,

a sua boca cheia de maldade e traição,

e falaram de mim com língua mentirosa.

3Com palavras de ódio me cercaram

e me combatem sem razão.

4Em paga do meu amor, acusam-me;

e eu, em oração.

5Retribuem-me com o mal em paga do bem,

e com o ódio em paga do meu amor.


6«Seja nomeado contra ele um malvado[673]

e que à sua direita esteja um acusador.

7Quando for julgado, que ele saia condenado

e o seu pedido seja mais um crime.

8Que os seus dias de vida sejam limitados

e que outro se apodere da sua função!

9Que os seus filhos fiquem órfãos,

e a sua mulher fique viúva.

10Que os seus filhos andem errantes a mendigar

e a procurar por entre as suas ruínas.

11Que o credor lhe retire todos os seus haveres,

e os estranhos o despojem do fruto do seu suor.

12Que ninguém tenha compaixão dele

nem se compadeça dos seus filhos órfãos.

13Seja exterminada a sua descendência,

e o seu nome apagado na geração seguinte.

14Que a culpa de seus pais seja recordada ao Senhor

e jamais se apague o pecado da sua mãe.

15Que o Senhor os tenha sempre presentes

e extermine da terra a sua memória».


16Visto que não se lembrou de agir com misericórdia,

mas perseguiu o pobre e o desvalido

e o de coração atribulado, para os matar.

17Preferiu a maldição: que ela venha sobre ele!

Não procurou a bênção: que ela se afaste dele!

18Que ele se vista de maldição como um manto;

que ela entre como água para o seu interior

e como óleo penetre nos seus ossos.


19Seja como a roupa que o envolve,

como a cinta com que se aperta sempre.

20É isto que o Senhor faz aos meus acusadores,

aos que dizem calúnias contra mim.

21Mas Tu, ó Senhor, trata bem de mim,

para honra do teu nome, Senhor.

Salva-me, pela tua bondade e misericórdia!

22Pois estou pobre e desvalido

e dentro de mim tenho o coração angustiado.


23Vou passando como sombra que se prolonga;

vejo-me enxotado como um gafanhoto.

24Os meus joelhos vacilam de tanto jejuar

e o meu corpo definha de magreza.

25Tornei-me para eles um objeto de escárnio;

olham para mim e abanam a cabeça.

26Socorre-me, Senhor, meu Deus;

salva-me, pela tua misericórdia.

27Que eles saibam que isto é da tua mão,

que Tu, Senhor, o fizeste.

28Eles podem amaldiçoar, mas Tu abençoas.

Levantem-se os meus inimigos e sejam envergonhados

e que o teu servo se regozije.

29Que os meus inimigos se cubram de vergonha;

que eles se cubram da sua confusão como de um manto.

30Com a minha boca, darei muitas graças ao Senhor

e louvá-lo-ei no meio da multidão.

31Pois Ele coloca-se à direita[674] do pobre,

para o salvar dos que o condenam à morte.


110(109)Promessa de Deus ao seu ungido


1De David. Salmo.


Oráculo do Senhor para o meu senhor[675]:

«Senta-te à minha direita

que Eu farei dos teus inimigos um assento,

um estrado para os teus pés»[676].

2De Sião, o Senhor estenderá o cetro do teu poder.

Domina os teus inimigos no combate!

3A tua estirpe é de nobreza,

no dia do teu poder!

Entre esplendores de santidade,

das entranhas da madrugada

como orvalho te fiz nascer[677].

4O Senhor jurou e não se arrepende:

«Tu és sacerdote para sempre,

segundo a ordem de Melquisedec»[678].

5O Senhor está à tua direita;

Ele há de esmagar reis, no dia da sua ira.

6Ele ditará a justiça entre as nações, amontoará cadáveres,

esmagará cabeças pela vastidão da terra.

7No caminho, beberá da torrente;

e assim erguerá bem alto a cabeça[679].


111(110)Hino às obras de Deus


1Aleluia!

Alef

Louvarei o Senhor de todo o coração[680],

Bet

no conselho dos justos e na assembleia[681].

Guimel

2Grandes são as obras do Senhor,

Dalet

dignas de meditação para quem as ama.

He

3As suas obras têm majestade e esplendor

Wau

e a sua justiça permanece para sempre.

Zain

4Tornou memoráveis as suas maravilhas;

Het

o Senhor é compassivo e bondoso.

Tet

5Dá sustento aos que o temem

Yod

e lembra-se da sua aliança para sempre.

Kaf

6Mostrou ao seu povo o poder das suas obras[682],

Lamed

entregando-lhes a herança de outros povos.

Mem

7As obras das suas mãos são verdade e justiça;

Nun

são firmes todos os seus preceitos.

Samec

8Foram estabelecidos para séculos e séculos

Ain

e estão feitos de verdade e retidão.

Pe

9Enviou a libertação ao seu povo,

Sadé

estabeleceu a sua aliança para sempre;

Qof

santo e tremendo é o seu nome.


Resh

10O princípio[683] da sabedoria é o temor do Senhor;

Sin

têm bom entendimento aqueles que os praticam[684].

Tau

O seu louvor permanece para sempre.


112(111)Elogio do homem honrado


1Aleluia!

Alef

Feliz o homem que teme o Senhor[685]

Bet

e muito se compraz nos seus mandamentos.

Guimel

2A sua descendência será poderosa sobre a terra,

Dalet

é bendita a geração dos que são honestos.

He

3Na sua casa haverá abundância e riqueza

Wau

e a sua justiça durará para sempre.

Zain

4Nas trevas, brilha uma luz para os honestos;

Het

Ele é generoso, compassivo e justo.

Tet

5É bom o homem que se compadece e empresta,

Yod

pois administra os seus bens com justiça.

Kaf

6Esse jamais vacilará;

Lamed

o justo terá memória eterna.

Mem

7De más notícias não terá medo;

Nun

o seu coração está firme e confiante no Senhor.

Samec

8O seu coração está seguro e nada teme

Ain

até ver o fim dos seus inimigos.

9Reparte e dá aos necessitados,

Sadé

a sua justiça permanece para sempre

Qof

e a sua frente se erguerá em glória.

Resh

10O malfeitor vê e fica furioso,

Sin

e rangendo os dentes, desfalece.

Tau

O desejo dos malfeitores fracassará.

113(112)A misericórdia de Deus


1Aleluia!

Louvai, ó servos do Senhor[686],

louvai o nome do Senhor.

2Bendito seja o nome do Senhor,

desde agora e para sempre.

3Desde o nascer do Sol até ao seu ocaso,

seja louvado o nome do Senhor.

4O Senhor ergue-se acima de todos os povos,

acima dos céus está a sua glória.


5Quem é como o Senhor, nosso Deus,

que está entronizado nas alturas?

6Ele inclina-se para observar

o que acontece nos céus e na terra.

7Ele levanta do pó o indigente

e ergue das cinzas o necessitado,

8para o fazer sentar com os nobres,

com os nobres do seu povo.

9Ele faz com que a estéril se sente em casa[687],

como mãe feliz de muitos filhos.

Aleluia!


114(113,1-8) Hino sobre a saída do Egito


1Quando Israel saiu do Egito[688]

e a casa de Jacob, do meio de um povo estranho,

2Judá tornou-se seu santuário[689]

e Israel, os seus domínios.


3O mar[690] viu e afastou-se,

o Jordão[691] voltou para trás.

4Os montes saltaram[692] como carneiros,

as colinas como cordeirinhos.

5Que tens, ó mar, para assim fugires?

E tu, Jordão, porque voltas para trás?

6Ó montes, porque saltais como carneiros

e vós, colinas, como cordeirinhos?


7Em presença do Senhor, treme, ó terra[693],

em presença do Deus de Jacob.

8Pois Ele transforma rochedos em lagos

e as pedras, em fontes de água[694].

115(113,9-26)Deus verdadeiro e único


1Não a nós, ó Senhor, não a nós[695],

mas ao teu nome dá glória,

pela tua misericórdia e fidelidade.

2Porque hão de perguntar os povos:

«Onde está o seu Deus?».

3O nosso Deus está nos céus;

tudo o que lhe agrada, Ele o faz.

4Os ídolos deles são prata e ouro,

obra das mãos dos homens:

5têm boca, mas não falam;

têm olhos, mas não veem;

6têm ouvidos, mas não ouvem;

têm nariz, mas não cheiram;

7têm mãos, mas não tocam;

têm pés, mas não caminham;

e da sua garganta não emitem qualquer som.

8Sejam como eles aqueles que os fazem

e todo aquele que neles confia.

9Ó Israel, confia no Senhor,

pois Ele é para todos ajuda e proteção.

10Vós, casa de Aarão[696], confiai no Senhor,

pois Ele é para todos ajuda e proteção.

11Vós que temeis o Senhor, confiai no Senhor,

pois Ele é para todos ajuda e proteção[697].

12O Senhor lembrou-se de nós e nos abençoará,

abençoará a casa de Israel,

abençoará a casa de Aarão,

13abençoará os que temem o Senhor,

os pequenos junto com os grandes.

14Que o Senhor vos acrescente prosperidade

a vós e aos vossos filhos.

15Que sejais abençoados pelo Senhor,

que fez o céu e a terra!

16Os céus, esses são para o Senhor,

mas a terra, deu-a aos seres humanos.

17Não são os mortos que louvam o Senhor,

nem os que descem ao mundo do silêncio[698].

18Nós é que louvaremos o Senhor,

desde agora e para sempre.

Aleluia!


116(114-115)Hino de ação de graças


1Foi por amor de mim[699] que o Senhor escutou[700]

a minha voz, a minha súplica.

2Pois Ele inclinou para mim o seu ouvido

nos dias em que o invocava.

3Envolviam-me os laços da morte,

alcançaram-me as angústias do abismo;

encontrava-me aflito e angustiado.

4Mas invoquei o nome do Senhor:

«Por favor, Senhor, salva a minha alma!».


5O Senhor é benevolente e justo,

o nosso Deus é compassivo.

6O Senhor guarda os simples;

eu estava sem forças e Ele veio salvar-me.

7Volta, ó minha alma, ao teu repouso,

porque o Senhor foi generoso para contigo.

8Pois tu, minha alma, foste libertada da morte[701],

os meus olhos, das lágrimas e os meus pés, da queda.

9Hei de caminhar na presença do Senhor,

na terra dos vivos[702].


10Eu acreditei, mesmo quando dizia:

«É muito grande a minha aflição!».

11Na minha perturbação, dizia:

«Todos os homens são mentirosos!».

12Como hei de retribuir ao Senhor

todos os seus benefícios para comigo?

13Erguerei o cálice da salvação

e invocarei o nome do Senhor[703].


14Pagarei as minhas promessas ao Senhor,

e que seja diante de todo o seu povo.


15É preciosa aos olhos do Senhor[704]

a morte dos que lhe são fiéis.

16Por favor, Senhor! Eu sou teu servo,

sou teu servo, filho da tua serva;

Tu abriste as minhas cadeias.

17A ti oferecerei sacrifícios de louvor,

invocando o nome do Senhor.

18Pagarei as minhas promessas ao Senhor,

e que seja diante de todo o seu povo,

19nos átrios da casa do Senhor,

no meio de ti, Jerusalém!

Aleluia!


117(116)Louvor ao Senhor


1Louvai ao Senhor, todos os povos[705],

glorificai-o, todas as nações!

2Pois é poderosa[706] sobre nós a sua misericórdia,

e a fidelidade do Senhor é para sempre.

Aleluia!


118(117)Cântico triunfal de ação de graças


1Louvai o Senhor, porque Ele é bom[707],

porque é eterna a sua misericórdia.

2Que o diga a casa de Israel[708]:

«É eterna a sua misericórdia!».

3Que o diga a casa de Aarão:

«É eterna a sua misericórdia!».

4Que o digam os que temem o Senhor:

«É eterna a sua misericórdia!».


5Do meio da angústia, clamei ao Senhor;

o Senhor respondeu, pondo-me a salvo.

6O Senhor está comigo, nada temo.

Que mal me pode fazer o homem?

7O Senhor está comigo para minha ajuda,

e eu hei de ver o fim dos meus inimigos.

8É melhor refugiar-se no Senhor

do que confiar no homem.

9É melhor refugiar-se no Senhor

do que confiar nos grandes.


10Todos os povos me cercavam,

mas, em nome do Senhor, eu os enfrentei.

11Voltaram de novo a cercar-me,

mas, em nome do Senhor, eu os enfrentei.

12Cercavam-me como enxames de vespas;

a sua fúria crepitava como fogo entre os espinhos,

mas, em nome do Senhor, eu os enfrentei.

13Empurraram-me[709] com violência para cair,

mas o Senhor socorreu-me.

14O Senhor é a minha força e o meu cântico de júbilo;

foi Ele a minha salvação.


15Há vozes de alegria e de vitória

nas tendas dos justos[710]:

«A direita do Senhor fez prodígios!

16A direita do Senhor foi excelsa,

a direita do Senhor fez prodígios!».


17Eu não hei de morrer. Vou viver

e vou contar as obras do Senhor.

18O Senhor castigou-me com dureza,

mas não me entregou à morte.


19Abri-me as portas da justiça[711];

quero entrar por elas e darei graças ao Senhor.

20Esta é a porta que leva ao Senhor;

os justos entrarão por ela.

21Eu te louvo, porque me respondeste

e foste para mim a salvação.

22A pedra que os construtores rejeitaram

tornou-se a pedra angular[712].

23Isto aconteceu da parte do Senhor;

é maravilhoso aos nossos olhos.

24Este é o dia em que o Senhor atuou[713],

cantemos e alegremo-nos nele.

25Por favor, Senhor, faz com que sejamos salvos[714]!

Senhor, faz com que prosperemos, por favor!


26Bendito seja aquele que vem em nome do Senhor[715]!

Da casa do Senhor, nós vos abençoamos.

27O Senhor é Deus; Ele nos ilumina.

Entrançai ramagens de festa[716],

até aos ângulos do altar!


28Tu és o meu Deus e eu te dou graças.

Tu és o meu Deus e te exaltarei.

29Louvai o Senhor, porque Ele é bom,

porque é eterna a sua misericórdia.


119(118)Grandeza e mistério da lei de Deus


Alef

1Felizes os que seguem um caminho íntegro[717],

que caminham segundo a lei do Senhor.

2Felizes os que cumprem os seus preceitos

e o procuram de todo o coração,

3que não praticam a maldade,

mas andam nos caminhos do Senhor.

4Tu estabeleceste os teus preceitos,

para serem cumpridos fielmente.

5Oxalá os meus passos sejam firmes,

para cumprir os teus decretos.

6Então não terei de me envergonhar, prestando atenção

a todos os teus mandamentos.

7Poderei louvar-te de coração sincero,

instruído pelas tuas justas sentenças.

8Hei de cumprir as tuas leis;

não me abandones jamais.


Bet

9Como poderá um jovem manter íntegro o seu caminho?

Guardando as tuas palavras.

10Eu procuro-te com todo o meu coração;

não me deixes desviar dos teus mandamentos.

11Guardo no meu coração as tuas palavras,

para não pecar contra ti.

12Bendito sejas, Senhor!

Ensina-me as tuas leis.

13Com os meus lábios tenho anunciado

todos os decretos da tua boca.

14Tenho mais alegria em seguir as tuas ordens

do que com todas as riquezas.

15Meditarei nos teus preceitos

e prestarei atenção aos teus caminhos.

16Nas tuas leis estão as minhas delícias;

não esquecerei as tuas palavras.


Guimel

17Concede um favor ao teu servo:

que eu viva e guarde a tua palavra!

18Abre os meus olhos para que eu veja

as maravilhas da tua lei.

19Eu sou um peregrino nesta terra[718],

não escondas de mim os teus mandamentos.

20Desfalece a minha alma,

no desejo das tuas sentenças, a toda a hora.

21Tu repreendes os orgulhosos[719];

malditos são os que transgridem os teus mandamentos.

22Afasta de mim insultos e desprezos,

porque tenho observado os teus ensinamentos.

23Ainda que os grandes se sentem a conspirar contra mim,

o teu servo meditará nos teus decretos.

24Sim. Os teus preceitos são as minhas delícias;

são eles os membros do meu conselho.


Dalet

25A minha alma está colada ao pó[720];

restitui-me a vida segundo a tua palavra.

26Contei-te os meus caminhos e Tu respondeste-me;

ensina-me as tuas leis.

27Faz-me compreender o caminho dos teus preceitos,

para meditar nas tuas maravilhas.

28A minha alma chora de tristeza;

reconforta-me segundo a tua palavra.

29Afasta de mim os caminhos da mentira

e concede-me a graça da tua lei.

30Escolhi o caminho da fidelidade

e dei preferência às tuas sentenças.

31Apeguei-me aos teus ensinamentos, Senhor,

não deixes que fique envergonhado.

32Quero correr pelo caminho dos teus mandamentos,

porque dás largueza ao meu coração.


He

33Ensina-me, Senhor, o caminho das tuas leis,

que eu quero guardá-las como recompensa[721].

34Dá-me entendimento para eu cumprir a tua lei;

hei de obedecer-lhe de todo o coração.

35Faz-me caminhar pela senda dos teus mandamentos,

porque neles sinto satisfação.

36Inclina o meu coração para os teus ensinamentos,

e não para a cobiça.

37Desvia os meus olhos daquilo que é falso[722];

faz com que eu viva nos teus caminhos.

38Confirma ao teu servo a tua promessa,

destinada àqueles que te temem.

39Afasta de mim a afronta que eu temo,

pois são agradáveis as tuas sentenças.

40Vê como tenho desejado os teus preceitos;

faz-me viver segundo a tua justiça.


Vau

41Venha sobre mim, Senhor, a tua misericórdia,

venha a tua salvação, conforme a tua promessa.

42Darei, então, resposta àqueles que me insultam,

porque confio na tua palavra.

43Não retires jamais da minha boca a palavra da verdade,

porque pus a minha esperança nas tuas sentenças.

44Guardarei continuamente a tua lei

para todo o sempre.

45Andarei por caminhos espaçosos,

pois procurei as tuas instruções[723].

46Diante de reis, falarei dos teus preceitos

e não me envergonharei.

47Ponho as minhas delícias nos teus mandamentos,

que eu muito amo.

48Eu hei de levantar as minhas mãos

pelos teus mandamentos que eu amo

e meditarei nas tuas leis.


Zain

49Lembra-te da palavra dada ao teu servo,

da qual fizeste a minha esperança.

50A minha consolação na minha angústia

é que a tua palavra me dê vida.

51Os orgulhosos zombaram muito de mim,

mas não me desviei da tua lei.

52Recordo-me dos teus decretos de outrora;

neles encontro a consolação, ó Senhor.

53Domina-me a indignação contra os malfeitores,

que rejeitam a tua lei.

54Os teus decretos são os meus cânticos

na casa do meu peregrinar.

55De noite, lembro-me do teu nome, Senhor,

e guardo vigília com a tua lei[724].

56Uma coisa contou sempre para mim:

o guardar os teus preceitos.


Het

57Eu disse: a minha herança é o Senhor,

é pôr em prática as tuas palavras.

58De todo o coração eu te imploro:

tem piedade de mim, segundo a tua promessa.

59Refleti sobre os meus caminhos

e volto a dirigir os meus passos pelos teus preceitos.

60Apressei-me e não me deixei esmorecer

em cumprir os teus mandamentos.

61Cercaram-me as redes dos malfeitores,

mas não me esqueci da tua lei.

62A meio da noite levanto-me para te louvar,

por causa das tuas sentenças de justiça.


63Sou amigo de todos os que te temem

e dos que cumprem as tuas ordens.

64Ó Senhor, a terra está cheia da tua bondade;

ensina-me as tuas leis.


Tet

65Trataste com bondade o teu servo,

segundo a tua palavra, Senhor.

66Ensina-me o bom senso e o conhecimento,

pois confio nos teus mandamentos.

67Antes de ter sido humilhado, eu era transgressor;

mas agora cumpro a tua palavra.

68Tu és bom e fazes o bem,

ensina-me as tuas leis.

69Os soberbos forjam mentiras contra mim,

mas eu cumpro as tuas instruções de todo o coração.

70O seu coração ficou pesado[725] e insensível;

quanto a mim, na tua lei estão as minhas delícias.

71Foi bom para mim ter sido afligido,

pois assim aprendi as tuas leis.

72É melhor para mim a lei da tua boca

do que milhões em ouro e prata.


Yod

73As tuas mãos me criaram e formaram;

dá-me inteligência para aprender os teus mandamentos.

74Ao verem-me, hão de alegrar-se os que te temem,

porque pus a minha esperança na tua palavra.

75Senhor, eu sei que as tuas sentenças são justas

e é com verdade que me humilhas.


76Peço que a tua misericórdia me sirva de conforto,

como prometeste ao teu servo.

77Que a tua compaixão venha sobre mim e viverei,

porque na tua lei estão as minhas delícias.

78Sejam confundidos os soberbos

que com falsidades me desorientam,

enquanto eu medito nos teus preceitos.

79Voltem para mim os que te temem

e que conhecem os teus preceitos.

80Que o meu coração seja perfeito nas tuas leis,

e deste modo não ficarei envergonhado.


Caf

81A minha alma consome-se à espera da tua salvação:

confio na tua palavra.

82Consomem-se os meus olhos pela tua promessa,

perguntando quando virás reconfortar-me.

83Estou como quem chora por causa do fumo[726],

mas não me esqueci dos teus preceitos.

84Quantos dias de vida terá o teu servo?

Quando farás justiça contra os que me perseguem?

85Os orgulhosos abriram covas para mim;

isso não condiz com a tua lei.

86Todos os teus mandamentos são verdade;

perseguem-me sem razão. Ajuda-me!

87Por pouco não me eliminaram da terra,

mas eu nunca abandonei os teus preceitos.

88Dá-me a vida pela tua misericórdia

e cumprirei as ordens da tua boca.


Lamed

89Senhor, a tua palavra permanece para sempre,

mais estável do que os céus.

90De geração em geração dura a tua fidelidade;

estabeleceste a terra e ela continua firme.

91Os teus decretos ainda hoje se mantêm,

porque todos eles são obra tua[727].

92Se eu não tivesse na tua lei as minhas delícias,

já teria sucumbido na minha aflição.

93Jamais esquecerei os teus preceitos,

pois é por eles que me dás a vida.

94Eu sou teu: salva-me,

pois sempre tenho procurado os teus preceitos!

95Os malfeitores esperam pela minha perdição,

mas eu presto atenção às tuas ordens.

96Para toda a perfeição eu vi limites;

mas a largueza dos teus mandamentos é grande.


Mem

97Quanto amo, Senhor, a tua lei!

Nela medito durante todo o dia.

98O teu mandamento faz-me mais sábio que os meus inimigos,

porque está sempre comigo.

99Tornei-me mais instruído que todos os meus mestres,

porque os teus preceitos são a minha meditação.

100Tenho mais entendimento que os anciãos,

porque tenho cumprido as tuas instruções.

101Desviei os meus pés de todo o mau caminho,

para obedecer à tua palavra.

102Não me tenho desviado das tuas sentenças,

pois foste Tu que me instruíste.


103Como é doce para o meu paladar a tua palavra!

Mais doce do que o mel para a minha boca.

104Dos teus preceitos recebi entendimento;

por isso detesto qualquer caminho de mentira.


Nun

105A tua palavra é lanterna para os meus passos

e luz para os meus caminhos.

106Eu jurei e vou mesmo cumprir;

vou observar os teus justos decretos.

107Sinto-me profundamente angustiado,

dá-me a vida, Senhor, segundo a tua palavra.

108Aceita, Senhor, os louvores[728] da minha boca

e ensina-me os teus decretos.

109A minha alma está nas mãos do eterno[729],

e não esqueço a tua lei.

110Os malfeitores armaram-me uma cilada,

mas nunca me afastei dos teus preceitos.

111As tuas ordens são minha herança para sempre,

pois são elas a alegria do meu coração.

112Orientei o meu coração para cumprir as tuas leis:

esta é a recompensa para sempre[730].


Samec

113Detesto espíritos fingidos

e amo a tua lei.


114Tu és o meu refúgio, meu escudo protetor;

na tua palavra pus a minha confiança.

115Afastai-vos de mim, perversos,

pois quero cumprir os mandamentos do meu Deus.

116Ampara-me, segundo a tua promessa, e viverei;

e não me deixes envergonhado por causa da minha esperança.

117Ajuda-me e assim serei salvo;

e estarei sempre atento aos teus decretos.

118Tu repudias todos os que se desviam das tuas leis,

porque os seus projetos são de mentira.

119Consideras como lixo todos os malvados da terra;

por isso, eu amo os teus preceitos.

120O meu corpo estremece com medo de ti

e as tuas sentenças infundem-me temor.


Ain

121Tenho praticado o direito e a justiça;

não me entregues aos meus opressores.

122Sê fiador do teu servo para o bem;

que não me oprimam os orgulhosos.

123Os meus olhos consumiram-se, à espera da tua ajuda

e da justiça que prometeste.

124Trata o teu servo conforme a tua misericórdia

e ensina-me as tuas leis.

125Eu sou teu servo, dá-me entendimento,

para que eu conheça os teus preceitos.

126Já é tempo de agires, Senhor;

eles desprezaram a tua lei.

127É por isso que eu amo os teus mandamentos

muito mais que o ouro, o ouro fino.

128Por isso, eu segui a direito todos os teus preceitos

e detesto os caminhos da mentira.


129Os teus preceitos são admiráveis;

por isso a minha alma os tem cumprido.

130A explicação das tuas palavras ilumina,

dá inteligência aos simples.

131Abro com avidez a minha boca,

porque tenho fome dos teus mandamentos.

132Volta-te para mim e trata-me com bondade,

como é tua norma com os que amam o teu nome.

133Dá firmeza aos meus passos, segundo a tua promessa;

não permitas que me domine qualquer maldade.

134Livra-me dos que oprimem os humanos

e guardarei os teus preceitos.

135Que o teu rosto se ilumine para o teu servo;

e ensina-me as tuas leis.

136Dos meus olhos descem rios de água,

porque a tua lei não está a ser cumprida.


Sadé

137Tu és justo, ó Senhor,

e as tuas sentenças são retas.

138Estabeleceste os teus preceitos com justiça

e com inteira fidelidade.

139O meu zelo me consome,

porque os meus inimigos desprezam as tuas palavras.

140A tua promessa foi comprovada;

por isso o teu servo lhe tem amor.

141Eu sou ainda jovem e pouco estimado,

mas não me esqueço dos teus preceitos.

142A tua justiça é justiça para sempre

e a tua lei é a verdade.

143A aflição e a angústia atingiram-me,

mas as minhas delícias estão nos teus mandamentos.


144A justiça das tuas ordens é para sempre;

ajuda-me a compreendê-las e viverei.


Qof

145Eu clamo por ti, Senhor, com todo o coração;

responde-me, pois quero cumprir os teus decretos.

146Clamo por ti, salva-me,

e cumprirei os teus preceitos.

147De manhã cedo vou implorar o teu auxílio,

porque tenho confiança na tua palavra.

148Os meus olhos antecipam as vigílias da noite,

para meditar na tua promessa.

149Ouve a minha voz, Senhor, pela tua misericórdia,

dá-me vida, conforme a tua sentença.

150Aproximam-se os que correm atrás da iniquidade

e se afastam da tua lei.

151Tu estás próximo, Senhor,

e todos os teus mandamentos são verdade.

152Desde muito cedo conheço os teus preceitos;

pois Tu os estabeleceste para sempre.


Resh

153Vê a minha aflição e livra-me,

pois não esqueci a tua lei.

154Defende a minha causa e resgata-me;

dá-me vida, segundo a tua promessa.

155A salvação está longe dos malfeitores,

porque não procuram os teus decretos.

156Grande é a tua compaixão, Senhor,

dá-me vida, conforme a tua sentença.

157Muitos são os inimigos que me perseguem,

mas eu não me desvio dos teus preceitos.

158Vi os traidores e fiquei desgostoso,

porque não guardaram a tua palavra.

159Vê como eu amo os teus decretos:

Senhor, dá-me vida pela tua misericórdia.

160A verdade é o princípio da tua palavra;

são eternos os decretos da tua justiça.


Sin

161Os poderosos perseguem-me sem razão,

mas o meu coração só teme a tua palavra.

162Sinto-me tão feliz com a tua promessa,

como quem encontrou grandes despojos.

163Detesto e abomino a mentira,

mas tenho muito amor à tua lei.

164Sete vezes por dia eu te louvo[731]

pelos teus decretos de justiça.

165Grande paz espera os que amam a tua lei;

não há nada onde possam tropeçar.

166Aguardo a tua salvação, Senhor,

e cumpro os teus mandamentos.

167A minha alma observa os teus preceitos,

e amo-os profundamente.

168Observo os teus preceitos e as tuas leis,

pois todos os meus caminhos estão diante de ti.


Tau

169Senhor, que o meu clamor se aproxime da tua presença,

dá-me entendimento, conforme a tua palavra.

170Que a minha súplica chegue à tua presença;

livra-me, conforme a tua promessa.

171Dos meus lábios brota o louvor,

pois tu me ensinas os teus preceitos.

172Que a minha língua responda à tua palavra,

porque todos os teus mandamentos são de justiça.

173Esteja a tua mão pronta para me ajudar,

pois eu escolhi os teus preceitos.

174Anseio pela tua salvação, Senhor!

Na tua lei estão as minhas delícias.

175Que a minha alma tenha vida e possa louvar-te,

e que os teus decretos me ajudem.

176Andei errante, como ovelha perdida[732];

vem procurar o teu servo,

pois não me esqueci dos teus mandamentos.


120(119)Súplica contra os maldizentes


1Cântico das peregrinações


Na minha angústia, clamei ao Senhor[733],

e Ele me respondeu.

2Livra a minha alma, Senhor,

dos lábios de mentira e das línguas de traição.

3Que é que Deus te há de dar em paga

e que te há de acrescentar[734], ó língua traiçoeira?

4São setas agudas de guerreiro

com carvões acesos de giesta!


5Ai de mim, que vivo como estrangeiro em Méchec,

acampado junto às tendas de Quedar[735]!

6Há muito que a minha alma vive

entre gente que odeia a paz.

7Por mim é a paz e assim o proclamo;

mas por eles é apenas a guerra.


121(120) Deus, auxílio e proteção


1Cântico das peregrinações.


Levanto os meus olhos[736] para as montanhas[737]:

de onde me pode vir o auxílio?

2O meu auxílio vem do Senhor,

que fez o céu e a terra.


3Ele não vai permitir que o teu pé tropece;

aquele que te guarda não se deixa adormecer.

4Pois não vai dormir nem dormitar

aquele que é guarda de Israel.

5O Senhor é quem te guarda,

o Senhor é tua sombra protetora:

está presente ao teu lado direito.

6Durante o dia, o Sol não te fará mal,

nem a Lua, durante a noite[738].

7O Senhor guarda-te de todo o mal;

é Ele que guarda a tua alma.

8O Senhor guarda as tuas saídas e as tuas entradas[739],

desde agora e para sempre.


122(121)Em louvor de Jerusalém


1Cântico das peregrinações. De David.


Exultei com quantos[740] me diziam[741]:

«Vamos para a casa do Senhor!».

2Os nossos passos paravam finalmente

às tuas portas, Jerusalém!

3Jerusalém, construída como uma cidade,

toda ela bem articulada[742].


4Para lá sobem as tribos, as tribos do Senhor,

como é de norma em Israel,

para louvar o nome do Senhor[743].

5Ali foram instalados os tribunais da justiça[744],

os tribunais da casa de David.


6Desejai paz a Jerusalém[745]:

«Estejam em segurança os que te amam.

7Haja paz dentro das tuas muralhas,

segurança nos teus palácios».

8Por bem dos meus irmãos e dos meus amigos,

proclamo que haja paz dentro de ti.

9Por bem da casa do Senhor, nosso Deus,

peço para ti o bem-estar.


123(122)Oração de confiança em Deus


1Cântico das peregrinações.


Para ti levanto os meus olhos[746],

para ti, que estás entronizado nos céus.

2Como os olhos dos servos nas mãos dos seus senhores,

como os olhos da serva nas mãos da sua senhora,

assim os nossos olhos estão postos no Senhor[747], nosso Deus,

até que tenha piedade de nós.

3Tem piedade de nós, Senhor, tem piedade de nós,

porque estamos saturados de desprezo.

4Saturada está também a nossa alma,

com o escárnio dos arrogantes e o desprezo dos orgulhosos.


124(123)Libertação de Israel


1Cântico das peregrinações. De David.


Se não fosse o Senhor, que estava por nós[748],

que o diga agora Israel[749];

2se não fosse o Senhor, que estava por nós,

quando os homens se levantaram contra nós,

3ter-nos-iam, então, engolido vivos[750],

quando a sua fúria ardia contra nós.

4Então as águas ter-nos-iam submergido[751],

a torrente teria passado sobre nós.

5Então, sim, teriam passado sobre nós

as águas turbulentas!


6Bendito seja o Senhor,

que não nos entregou

como presa para os seus dentes!

7A nossa alma foi resgatada,

como um pássaro do laço dos caçadores;

o laço foi quebrado e nós fomos libertados.

8O nosso auxílio está no nome do Senhor,

que fez os céus e a terra.


125(124)Confiança em tempo de opressão


1Cântico das peregrinações.


Aqueles que confiam no Senhor são como o monte Sião[752]

que não vacila e está firme para sempre.

2Jerusalém tem as montanhas à sua volta;

assim o Senhor se mantém à volta do seu povo,

desde agora e para sempre.

3O cetro do malfeitor não pesará sobre o lote dos justos,

para que os justos não estendam as mãos para a maldade.


4Sê bondoso, Senhor, para com os que são bons

e para os que são retos em seus corações.

5Mas aos que se desviam por seus atalhos tortuosos,

que o Senhor os expulse com os que praticam o mal[753].

Haja paz em Israel.


126(125)Cântico de restauração


1Cântico das peregrinações.


Quando o Senhor restabeleceu o destino de Sião[754],

estávamos como que a sonhar.

2A nossa boca encheu-se de sorrisos,

e a nossa língua de canções de júbilo.

Até se dizia entre os povos:

«O Senhor fez por eles grandes coisas!».

3Sim. O Senhor fez por nós grandes coisas;

por isso exultamos de alegria.

4Restabelece, Senhor, o nosso destino[755]

como as torrentes no deserto do Négueb[756].

5Aqueles que semeavam entre lágrimas[757]

hão de recolher com alegria.

6Ao ir, ele vai caminhando a chorar,

carregando e lançando a semente;

ao regressar, vem com canções de júbilo,

carregando os seus feixes de espigas.


127(126)A Providência divina


1Cântico das peregrinações. De Salomão.


Se o Senhor não edificar a casa[758],

em vão se esforçam os construtores.

Se o Senhor não guardar a cidade,

em vão vigiam os guardas.

2De nada vos serve levantar mais cedo e deitar mais tarde,

para comerem o pão das canseiras,

pois Ele o dá ao seu amigo, enquanto dorme[759].

3Olhai! os filhos são herança do Senhor[760];

o fruto das entranhas é recompensa.

4Como flechas na mão de um guerreiro,

assim são os filhos da juventude.

5Feliz o homem que deles encheu a sua aljava!

Esses não se envergonharão,

quando tiverem que discutir em tribunal

com os seus adversários, à porta da cidade[761].


128(127)Bênçãos da família


1Cântico das peregrinações.


Feliz todo aquele que teme o Senhor[762]

e anda pelos seus caminhos.


2Comerás do trabalho das tuas mãos.

Feliz e afortunado és tu!

3A tua esposa será como videira produtiva

na intimidade do teu lar.

Os teus filhos serão como rebentos de oliveira

ao redor da tua mesa.

4É assim que há de ser abençoado

o homem que teme o Senhor.

5Que o Senhor te abençoe de Sião,

e possas ver a prosperidade de Jerusalém,

todos os dias da tua vida.

6Possas tu ver os filhos dos teus filhos!

Haja paz em Israel!


129(128)O libertador de Israel


1Cântico das peregrinações.


Muito me atacaram desde a minha juventude[763].

Que o diga Israel agora[764].

2Muito me atacaram desde a minha juventude[765],

mas não conseguiram vencer-me.

3Sobre as minhas costas lavraram os lavradores

e prolongaram os seus sulcos[766].

4Mas o Senhor, que é justo, libertou-me

das cadeias dos malfeitores.

5Sejam humilhados e obrigados a retroceder

todos os que odeiam Sião.

6Sejam como a erva dos telhados,

que, antes de ser arrancada, já está seca[767],

7de modo que não dá uma mão cheia para o ceifeiro,

nem um braçado para quem ata os feixes.

8Nem poderão dizer os que passam pelo caminho[768]:

«Que a bênção do Senhor desça sobre vós;

nós vos abençoamos em nome do Senhor».


130(129)Cântico de esperança


1Cântico das peregrinações.


Do fundo do abismo[769] clamo a ti, Senhor[770].

2Senhor, ouve a minha voz!

Estejam os teus ouvidos atentos

à voz da minha súplica.

3Se Tu, Senhor, tiveres em conta os pecados,

ó Senhor, quem poderá resistir?

4Pois junto de ti está o perdão;

por isso é que infundes temor[771].

5Eu espero no Senhor. Sim, a minha alma espera!

E confio na sua palavra!

6A minha alma volta-se para o Senhor,

mais do que as sentinelas para a manhã[772].

Mais do que as sentinelas esperam pela manhã,

7que Israel ponha a esperança no Senhor.

Pois é junto do Senhor que há misericórdia

e com Ele é abundante a redenção.8É Ele que há de redimir Israel

de todos os seus pecados.


131(130)Oração de humilde confiança


1Cântico das peregrinações. De David.


Senhor, o meu coração não é orgulhoso[773]

nem os meus olhos são altivos.

Não corro atrás de grandezas

ou coisas demasiado grandiosas para mim.

2Pelo contrário! Estou sossegado e de alma tranquila.

Como criança saciada ao colo da mãe

está a minha alma saciada no meu colo[774].

3Que Israel espere no Senhor,

desde agora e para sempre.

132(131)Promessas de Deus a David


1Cântico das peregrinações.


Senhor, lembra-te de David[775]

e de todos os seus trabalhos.

2Ele fez um juramento ao Senhor,

um voto ao Poderoso de Jacob[776]:

3«Não entrarei no abrigo da minha casa,

nem subirei para o meu leito de repouso;

4não concederei sono aos meus olhos

nem descanso às minhas pálpebras,

5enquanto não encontrar um lugar para o Senhor,

uma digna morada[777] para o Poderoso de Jacob».


6Ouvíamos dizer que a arca[778] estava em Efrata[779],

encontrámo-la nos campos de Jaar.

7Entremos na sua morada!

Prostremo-nos junto ao estrado dos seus pés!


8Levanta-te e vem, Senhor, para o teu lugar de repouso,

Tu e a arca do teu poder!

9Que os teus sacerdotes se revistam de justiça,

e os teus fiéis exultem de alegria.

10Por amor de David, teu servo,

não deixes de acolher o teu ungido[780].


11O Senhor fez um juramento a David[781],

promessa firme, da qual não volta atrás:

«Será um dos teus descendentes

que Eu hei de colocar no trono por ti.

12Se os teus filhos guardarem a minha aliança

e os preceitos que Eu lhes ensino,

também os filhos deles, para sempre,

hão de sentar-se no trono por ti».


13Pois o Senhor escolheu Sião

e desejou que fosse ali a sua morada:

14«Este será para sempre o meu lugar de repouso,

aqui hei de habitar, porque assim o desejei.

15Abençoarei, sim, abençoarei as suas provisões,

saciarei de pão os seus pobres.

16Revestirei de esplendor[782] os seus sacerdotes,

e os seus fiéis hão de exultar de alegria.

17Ali farei germinar o poder de David[783],

pois preparei uma lâmpada[784] para o meu ungido.

18Aos seus inimigos cobrirei de vergonha,

mas sobre ele florirá o seu diadema[785]».


133(132)A união fraterna


1Cântico das peregrinações. De David.


Eis como é bom e agradável[786]

viverem os irmãos bem unidos!

2É como óleo perfumado sobre a cabeça,

que desce pela barba, a barba de Aarão,

que desce pela gola das suas vestes.

3É como orvalho do monte Hermon,

que desce pelas colinas de Sião.

É ali que o Senhor estabelece a sua bênção,

a vida para a eternidade.


134(133)Convite ao louvor de Deus


1Cântico das peregrinações.


Vinde! Bendizei o Senhor[787],

todos vós, os servos do Senhor

que permaneceis na casa do Senhor,

durante as vigílias da noite.

2Erguei as vossas mãos para o santuário

e bendizei o Senhor!

3Que o Senhor te abençoe de Sião,

Ele que fez os céus e a terra.


135(134)As maravilhas de Deus


1Aleluia!

Louvai o nome do Senhor[788];

louvai-o, ó servos do Senhor,

2vós que permaneceis no templo do Senhor,

nos átrios da casa do nosso Deus.

3Louvai o Senhor, porque o Senhor é bom;

cantai ao seu nome, porque é agradável.

4Pois o Senhor escolheu para si Jacob,

escolheu Israel como sua propriedade.


5Sim, eu sei que o Senhor é grande,

o nosso Senhor é mais que todos os deuses.

6Tudo aquilo que o Senhor quer, Ele o faz,

nos céus e na terra, nos mares e em todos os abismos.

7Dos confins da terra, faz subir as nuvens;

com os relâmpagos produz a chuva

e dos seus reservatórios faz sair o vento.

8Foi Ele que atingiu os primogénitos do Egito[789],

tanto dos homens como dos animais.

9Enviou sinais e prodígios para dentro de ti, ó Egito,

contra o faraó e todos os seus servos.

10Foi Ele que atingiu grandes nações

e matou reis poderosos:

11Seon, rei dos amorreus, e Og, rei de Basan,

e todos os reinos de Canaã.

12E entregou a terra deles como herança,

como herança a Israel, seu povo.


13Ó Senhor, o teu nome é para sempre,

a tua memória, Senhor, de geração em geração.


14Pois o Senhor defende a causa do seu povo[790]

e deixa-se compadecer em favor dos seus servos.

15Os ídolos dos povos são apenas prata e ouro[791],

são obra das mãos do homem.

16Têm boca, mas não falam;

têm olhos, mas não veem;

17têm ouvidos, mas não ouvem;

nem sequer há sopro na sua boca.

18Sejam iguais a eles aqueles que os fazem

e todo aquele que neles confia.


19Casa de Israel, bendizei o Senhor[792]!

Casa de Aarão, bendizei o Senhor!

20Casa de Levi, bendizei o Senhor!

Vós que temeis o Senhor, bendizei o Senhor!

21Bendito seja o Senhor, de Sião,

Ele que habita em Jerusalém!

Aleluia[793]!


136(135) Hino de ação de graças


1Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom[794],

porque é eterna a sua misericórdia!

2Dai graças ao Deus dos deuses,

porque é eterna a sua misericórdia!

3Dai graças ao Senhor dos senhores,

porque é eterna a sua misericórdia!

4Pois só Ele faz grandes maravilhas,

porque é eterna a sua misericórdia!

5Ele fez os céus com sabedoria,

porque é eterna a sua misericórdia!

6Estendeu a terra sobre as águas,

porque é eterna a sua misericórdia!

7Fez os grandes luzeiros,

porque é eterna a sua misericórdia!

8Fez o Sol para governar o dia,

porque é eterna a sua misericórdia!

9Fez a Lua e as estrelas para governar a noite,

porque é eterna a sua misericórdia!

10Ele atingiu o Egito nos seus primogénitos[795],

porque é eterna a sua misericórdia!

11Fez sair Israel do meio dos egípcios,

porque é eterna a sua misericórdia!

12Atuou com mão forte e braço estendido,

porque é eterna a sua misericórdia!

13Dividiu o Mar Vermelho em duas partes,

porque é eterna a sua misericórdia!

14Fez passar Israel pelo meio do mar,

porque é eterna a sua misericórdia!

15E precipitou o faraó e o seu exército no Mar Vermelho,

porque é eterna a sua misericórdia!

16Fez caminhar o seu povo pelo deserto,

porque é eterna a sua misericórdia!


17Ele atingiu grandes reis[796],

porque é eterna a sua misericórdia!

18E deu morte a reis poderosos,

porque é eterna a sua misericórdia!

19Seon, rei dos amorreus,

porque é eterna a sua misericórdia!

20E Og, rei de Basan,

porque é eterna a sua misericórdia!

21E deu a terra deles como herança,

porque é eterna a sua misericórdia!

22Como herança a Israel, seu servo,

porque é eterna a sua misericórdia!

23Pois lembrou-se de nós, na nossa pequenez[797],

porque é eterna a sua misericórdia!

24E livrou-nos dos nossos inimigos,

porque é eterna a sua misericórdia!

25Ele dá alimento a todos os seres vivos,

porque é eterna a sua misericórdia!

26Dai graças ao Deus dos céus[798],

porque é eterna a sua misericórdia!

137(136)Junto aos rios da Babilónia


1Junto aos rios da Babilónia[799],ali mesmo nos sentámos e chorámos,ao lembrar-nos de Sião[800].

2Dos salgueiros, no meio dela,

suspendemos as nossas harpas.

3Pois os que ali nos tinham cativos pediam-nos um cântico;

e os nossos opressores[801], uma canção de alegria:

«Cantai para nós algum cântico de Sião».

4Como poderíamos cantar um cântico do Senhor,

numa terra estrangeira?


5Se eu me esquecer de ti, Jerusalém[802],

fique esquecida a minha mão direita.

6Fique a minha língua colada ao paladar,

se eu não me lembrar de ti,

se eu não elevar Jerusalém

acima da minha felicidade.

7Lembra-te, Senhor, como os filhos de Edom[803]

gritavam no dia de Jerusalém:

«Arrasai-a! Arrasai-a

até aos seus alicerces!».

8Ó cidade da Babilónia devastadora,

feliz de quem te retribuir a ti

as maldades com que nos trataste a nós[804].

9Feliz de quem agarrar e despedaçar

as tuas criancinhas contra um rochedo!


138(137)Hino de ação de graças


1De David.


Eu te dou graças, Senhor, de todo o meu coração[805],

na presença dos anjos, cantarei para ti[806].

2Inclinar-me-ei diante do teu santo templo

e darei graças ao teu nome,

pela tua misericórdia e pela tua fidelidade,

pois com a tua promessa ultrapassas a fama do teu nome.

3No dia em que te invoquei, logo me respondeste

e aumentaste-me as forças da alma.


4Todos os reis da terra te darão graças, Senhor,

porque escutaram as palavras da tua boca.

5Celebrarão os caminhos do Senhor, dizendo:

«É grande a glória do Senhor!».

6Pois o Senhor é excelso, mas repara no humilde

e desde longe reconhece quem é soberbo.


7Quando caminho no meio dos perigos, conservas-me a vida.

Estendes a mão contra a fúria dos meus inimigos,

e a tua mão direita me salva.

8O Senhor fará tudo por mim.

A tua misericórdia é eterna, ó Senhor!

Não abandones a obra das tuas mãos!


139(138)A sabedoria de Deus


1Ao diretor. De David. Salmo.


Tu me examinaste, Senhor, e me conheces[807].

2Tu sabes quando me sento e quando me levanto[808];

de longe, percebes os meus pensamentos.

3Distingues o meu caminho e o meu descanso,

estás atento a todos os meus passos.

4Pois ainda a palavra não está na minha língua,

já Tu, Senhor, a conheces por inteiro.

5Tu me envolves por detrás e pela frente

e colocas sobre mim a tua mão.

6É uma sabedoria demasiado profunda para mim,

tão sublime que não tenho capacidade para ela.


7Para onde poderia eu ir, longe do teu espírito?

Para onde poderia fugir da tua presença?

8Se subir até aos céus, Tu ali estás;

se me deito no mundo dos mortos, ali estás.

9Se me erguer nas asas da aurora

e for viver para além do mar,

10também ali a tua mão desceria sobre mim

e a tua direita me seguraria.

11Se pedir à escuridão para me esconder

ou à luz para ser noite à minha volta[809],

12para ti a escuridão não é escura

e a noite brilhará como o dia;

a escuridão é como a luz.

13Pois Tu formaste as minhas entranhas,

teceste-me no ventre de minha mãe.


14Dou-te graças, ó Altíssimo,

que me impressionas com tantas maravilhas;

são maravilhosas as tuas obras.

Tu conheces profundamente a minha alma[810].

15Nenhum dos meus ossos estava escondido de ti,

quando estava a ser formado em segredo,

entretecido nas profundezas da terra.

16Os teus olhos viram-me ainda em embrião[811];

os meus dias estavam descritos no teu livro.

Todos eles estavam modelados,

antes mesmo de um só deles existir.

17Como são preciosos para mim os teus desígnios!

Como é profundo o seu sentido, ó Deus!

18Se os contasse, seriam mais numerosos que a areia.

Despertei e ainda estou contigo[812]!


19Ó Deus, oxalá desses a morte ao malfeitor,

e os homens sanguinários se afastassem de mim!

20Pois eles acusam-te sem motivo

e erguem-se contra ti[813] sem ter razão.

21Não haveria eu de odiar os que te odeiam, ó Senhor?

Não haveria de aborrecer os que se erguem contra ti?

22Tenho por eles um ódio implacável,

e tornaram-se meus inimigos.


23Examina-me, ó Deus, para conheceres o meu coração;

põe-me à prova para conheceres as minhas preocupações.

24Vê se existe em mim algum rasto de ídolos

e conduz-me pelo caminho da eternidade.

140(139)A ajuda contra os maus


1Ao diretor. Salmo. De David.


2Livra-me, Senhor, do homem malvado[814];

protege-me dos homens violentos.

3Eles planeiam maldades no seu coração

e todos os dias provocam discórdias.

4Eles afiam a sua língua como serpentes

e têm veneno de víbora nos seus lábios[815].

5Guarda-me, ó Senhor, das mãos do malfeitor;

livra-me dos homens violentos,

que planearam armadilhar meus passos.

6Os insolentes esconderam laços contra mim

e os perversos estenderam uma rede;

colocaram-me tropeços ao longo do caminho.


7E eu disse ao Senhor: «Tu és o meu Deus;

escuta, Senhor, a voz da minha súplica.

8Ó Senhor, meu Senhor, minha força e salvação,

Tu me protegeste a cabeça no dia do combate.

9Não concedas, Senhor, aos malfeitores o que desejam;

não deixes que os seus planos tenham êxito.

10Ao erguerem a cabeça aqueles que me cercam,

recaia sobre eles a perfídia dos seus lábios.

11Amontoem-se sobre eles carvões em brasa,

que os atirem ao fosso para não mais se erguerem.

12Que quem é de má língua não subsista na terra[816];

e que a desgraça persiga o violento até à ruína.


13Eu sei que o Senhor há de fazer cumprir

o direito do oprimido e a justiça dos pobres.

14Por isso, os justos louvarão o teu nome

e os honestos habitarão na tua presença.


141(140)Súplica na adversidade


1Salmo. De David.


Por ti eu clamo, Senhor, vem depressa junto a mim[817];

escuta a minha voz, quando te invoco.

2Seja a minha oração como incenso na tua presença[818],

e as minhas mãos erguidas como a oferta da tarde.

3Põe, Senhor, uma guarda à minha boca

e uma defesa à porta dos meus lábios.

4Não deixes que o meu coração se incline para coisas más,

nem se envolva em delitos de malfeitores.

Que eu não me junte com criminosos,

nem tome parte em seus lautos banquetes.

5Castigue-me aquele que é justo,

e aquele que é piedoso me repreenda.

Mas que o óleo dos maus não me perfume a cabeça;

e que, ao fazerem o mal, eu permaneça em oração.

6Quando forem atirados para as mãos duras dos seus juízes,

hão de ouvir como são amáveis as minhas palavras.

7Como quando se cava e se lavra a terra,

os seus ossos[819] dispersos foram engolidos pela morte[820].

8É para ti, Senhor, que se voltam os meus olhos;

Senhor, em ti me refugio, não desampares a minha alma.

9Guarda-me do laço que estenderam contra mim,

das armadilhas dos que praticam a iniquidade.

10Que os malfeitores caiam nas suas ciladas,

enquanto eu vou prosseguindo o meu caminho.


142(141)Oração de um justo perseguido


1Poema. De David, quando estava na caverna[821]. Oração.


2Com a minha voz, eu clamo ao Senhor[822];

com a minha voz, ao Senhor eu suplico.

3Exponho diante dele o meu lamento,

diante dele apresento a minha angústia.

4É então que o meu espírito desfalece dentro de mim,

mas Tu conheces os meus passos.

Neste caminho por onde avanço,

esconderam armadilhas contra mim.

5Olha para a direita e repara

que não há ninguém meu conhecido[823].

Qualquer refúgio se acabou para mim,

ninguém se interessa pela minha vida!


6Por ti eu clamo, Senhor, e digo:

«Tu és o meu refúgio,

a minha herança na terra dos vivos!»[824].

7Presta atenção à minha súplica,

pois estou reduzido a grande miséria.

Livra-me dos meus perseguidores,

que são muito mais fortes do que eu.

8Liberta a minha alma desta prisão,

a fim de dar graças ao teu nome.

Os justos farão roda em torno a mim[825],

porque foste bondoso para comigo.

143(142)Súplica na aflição


1Salmo. De David.


Escuta, Senhor, a minha oração[826],

pela tua fidelidade, atende a minha súplica;

responde-me, pela tua justiça.

2Não leves o teu servo a julgamento,

pois ninguém[827] é justo na tua presença.


3O inimigo perseguiu a minha alma

e atirou a minha vida para a terra;

obrigou-me a habitar na escuridão

como os mortos de há muito tempo[828].

4O meu espírito desfalece dentro de mim;

o meu coração está desolado no meu peito.

5Recordo os dias de outrora,

medito em todas as tuas ações

e penso na obra das tuas mãos.

6Estendo para ti as minhas mãos;

como terra seca, a minha alma tem sede de ti.


7Senhor, responde-me depressa;

o meu espírito está a definhar.

Não escondas de mim a tua face,

pois eu seria como os que descem à sepultura.

8Deixa-me ouvir pela manhã a tua misericórdia,

porque é em ti que eu confio.

Dá-me a conhecer o caminho que hei de seguir,

porque para ti elevo a minha alma.

9Livra-me, Senhor, dos meus inimigos;

é junto de ti que eu me refugio.

10Ensina-me a cumprir a tua vontade,

pois Tu és o meu Deus.

Que o teu espírito bondoso me conduza

por terrenos planos.


11Para honra do teu nome, Senhor, dá-me a vida!

Pela tua justiça, tira a minha alma da angústia!

12Pela tua fidelidade esmaga os meus inimigos;

leva à perdição todos os que angustiam a minha alma,

porque eu sou o teu servo.


144(143)Ação de graças pela vitória


1De David.


Bendito seja o Senhor, meu rochedo[829],

que exercita as minhas mãos para a luta

e os meus dedos para o combate.

2Ele é meu aliado fiel e minha fortaleza,

o meu baluarte e meu refúgio;

Ele é o meu escudo e nele confio,

é Ele que submete os povos aos meus pés[830].


3Que é o homem, Senhor, para te preocupares com ele?

O que é um ser humano, para nele pensares?

4O homem é semelhante a um sopro;

os seus dias são como a sombra que passa.


5Senhor, abaixa os teus céus e desce;

toca nos montes e que eles fumeguem.

6Faz brilhar os relâmpagos e espalha-os,

prepara as tuas setas e dispara-as.

7Do alto, estende a tua mão: salva-me e livra-me

das águas ameaçadoras e da mão dos estranhos.

8A sua boca profere mentiras

e com a sua mão direita juram falsidade.


9Quero cantar-te, ó Deus, um cântico novo;

e tocar para ti com a harpa de dez cordas.

10Tu és aquele que dá aos reis a vitória,

aquele que livra David, seu servo[831].

11Livra-me da espada cruel,

liberta-me da mão dos estranhos.

A sua boca profere mentiras

e com a sua mão direita juram falsidade.


12Sejam os nossos filhos como plantas novas,

que vão crescendo desde a sua juventude.

Que as nossas filhas sejam colunas bem talhadas[832],

como na construção de um palácio.

13Que os nossos celeiros estejam repletos,

a transbordar de uma ponta à outra.

Multipliquem-se por milhares os nossos rebanhos,

por dezenas de milhar nos nossos campos.

14Que os nossos bois venham bem carregados;

e não haja brechas nem fugas,

nem gritos de alarme nas nossas praças.

15Feliz o povo a quem assim acontece!

Feliz o povo, cujo Deus é o Senhor!


145(144)Louvor ao rei providente


1Hino. De David.


Alef

Eu quero enaltecer-te, ó meu Deus e rei[833],

e bendizer o teu nome para sempre.

Bet

2Todos os dias te hei de bendizer;

e louvarei o teu nome para sempre.

Guimel

3O Senhor é grande e digno de todo o louvor,

e a sua grandeza é insondável.


Dalet

4Uma geração transmite à outra o louvor das tuas obras,

e todos proclamam os teus prodígios.

He

5Eles aclamam o esplendor da tua majestade[834],

e eu meditarei sobre as tuas maravilhas.

Wau

6Eles falam do poder dos teus prodígios impressionantes,

e eu anunciarei a tua grandeza.

Zain

7Assim exprimem a memória da tua imensa bondade

e cantam a tua justiça.


Het

8O Senhor é clemente e compassivo,

é paciente e cheio de misericórdia.

Tet

9O Senhor é bom para com todos,

e a sua compaixão envolve todas as suas criaturas.


Yod

10Louvem-te, Senhor, todas as tuas criaturas[835];

que todos os teus fiéis te bendigam.

Kaf

11Difundam a glória do teu reino

e proclamem as tuas proezas,

Lamed

12dando a conhecer aos humanos as proezas de Deus

e o glorioso esplendor do seu reino.

Mem

13O teu reino é um reino para todos os séculos,

e o teu domínio estende-se por todas as gerações.


Samek

14O Senhor ampara todos os que caem[836]

e reanima todos os abatidos.

Ayin

15Todos têm os olhos postos em ti,

e Tu lhes dás o alimento, a seu tempo.

Pe

6Tu abres a tua mão

e sacias todos os seres vivos com generosidade[837].


Sadé

17O Senhor é justo em todos os seus caminhos

e fiel para com todas as suas obras.

Qof

18O Senhor está perto para todos os que o invocam,

para todos os que o invocam em verdade.

Resh

19Ele realiza a vontade dos que o temem;

escuta os seus gritos e salva-os.

Shin

20O Senhor guarda todos os que o amam,

mas extermina todos os malfeitores.


Tau

21Que a minha boca proclame os louvores do Senhor,

e todo o ser vivo bendiga o seu santo nome,

por toda a eternidade.


146(145)Hino ao Deus de misericórdia


1Aleluia.


Louva, ó minha alma, o Senhor[838]!

2Hei de louvar o Senhor na minha vida

e cantar ao meu Deus, enquanto existir.

3Não confieis nos poderosos,

num ser humano que não dispõe de salvação.

4Mal sai dele o seu espírito, regressa à terra que é sua,

e nesse mesmo dia se desfazem os seus projetos.


5Feliz de quem tem o Deus de Jacob como seu auxílio

e cuja esperança está no Senhor, seu Deus.

6Ele fez os céus e a terra,

o mar e tudo o que neles existe.

Ele guarda fidelidade para sempre.

7Faz justiça aos oprimidos, dá pão aos famintos,

o Senhor liberta os prisioneiros.

8O Senhor abre os olhos aos cegos,

o Senhor levanta os abatidos,

o Senhor ama os justos.

9O Senhor guarda os forasteiros,

ampara o órfão e a viúva,

mas barra o caminho aos malfeitores.


10O Senhor reinará eternamente,

o teu rei, ó Sião, reinará de geração em geração.


Aleluia!


147(146-147)Maravilhas de Deus por Israel


1Aleluia!


Louvai o Senhor[839],

porque é bom cantar ao nosso Deus,

porque é agradável e justo o seu louvor.

2O Senhor reconstrói Jerusalém

e faz regressar os dispersos de Israel.

3Ele cura os de coração despedaçado

e liga as suas feridas.

4Ele estabelece um número para as estrelas

e dá um nome a cada uma delas[840].

5Grande é o nosso Senhor e todo-poderoso,

a sua sabedoria não tem limites.

6O Senhor ampara os humildes,

mas rebaixa os malfeitores até ao chão.


7Cantai ao Senhor em ação de graças,

entoai hinos ao nosso Deus, ao som da lira.

8Ele cobre de nuvens os céus

e para a terra prepara a chuva,

que faz brotar as ervas nos montes[841].

9Ele dá aos animais o seu alimento

e aos filhotes dos corvos[842], quando gritam.

10Não é o vigor do cavalo que Ele mais aprecia[843],

nem dá valor aos músculos no homem.

11O Senhor aprecia aqueles que o temem,

aqueles que confiam na sua misericórdia.


12Glorifica, Jerusalém, o Senhor[844];

louva o teu Deus, ó Sião.

13Pois Ele reforçou os ferrolhos das tuas portas

e abençoou os teus filhos dentro de ti.

14Ele coloca em paz as tuas fronteiras

e alimenta-te com a flor da farinha.


15Ele envia a sua mensagem para a terra[845]

e a sua palavra corre sempre veloz[846];

16Ele concede a neve como se fosse lã,

espalha a geada como cinza.

17Atira o seu granizo como se fossem migalhas.

Com o seu frio, quem pode resistir?

18Ele envia a sua palavra e o gelo derrete;

faz soprar o seu vento e as águas correm.

19Ele anuncia os seus planos a Jacob,

os seus preceitos e as suas ordens a Israel.

20Não fez assim com nenhum outro povo,

não lhes deu a conhecer as suas ordens[847].


Aleluia!

148Louvor do universo


1Aleluia!


Louvai o Senhor do alto dos céus[848],

louvai-o nas alturas!


2Louvai-o, todos os seus mensageiros;

louvai-o, todos os seus exércitos[849]!

3Louvai-o, Sol e Lua;

louvai-o, todos os astros luminosos!

4Louvai-o, alturas dos céus

e águas que estais acima dos céus[850]!

5Louvai o nome do Senhor,

pois Ele deu uma ordem e todos foram criados.

6Ele os estabeleceu nos seus lugares para todo o sempre;

estabeleceu uma lei que não passará.


7Desde a terra, louvai o Senhor,

monstros do mar e todos os abismos;

8raios de fogo e granizo, neve e nevoeiro,

vento da tempestade que realiza a sua palavra;

9montanhas e todas as colinas,

árvores de fruto e todos os cedros;

10animais selvagens e todo o gado,

répteis e aves que voam.


11Louvai-o, reis da terra e todos os povos,

príncipes e todos os governantes da terra;

12os jovens e também as donzelas,

os velhos com as crianças!


13Louvem todos o nome do Senhor,

porque só o seu nome é excelso,

e a sua majestade está acima da terra e dos céus.

14Ele engrandece o poder do seu povo[851].

Isto é honra para todos os seus fiéis,

para os filhos de Israel, povo que lhe é próximo.


Aleluia!


149Hino de vitória


1Aleluia!


Cantai ao Senhor um cântico novo[852];

esteja o seu louvor na assembleia dos fiéis!

2Alegre-se Israel pelo seu criador;

que os filhos de Sião se regozijem pelo seu rei!

3Louvem o seu nome com danças;

cantem-lhe ao som de tambores e harpas!

4Pois o Senhor quer o bem do seu povo

e honra os humildes com a salvação.

5Que os fiéis celebrem a sua glória

e cantem jubilosos em seus leitos[853]!


6Na sua garganta estejam as grandezas de Deus,

nas suas mãos, espadas de dois gumes[854],

7para realizarem a vingança contra as nações

e darem o castigo aos povos;

8para prenderem os seus reis com correntes,

e os seus nobres, com algemas de ferro;

9para lhes aplicarem a sentença registada[855].

Ele é glória para todos os seus fiéis[856].


Aleluia!


150Louvor final


1Aleluia!


Louvai a Deus no seu santuário[857];

louvai-o no firmamento do seu poder[858].

2Louvai-o pelos seus prodígios;

louvai-o na medida da sua imensa grandeza!

3Louvai-o ao som da trombeta[859];

louvai-o com a harpa e a lira!

4Louvai-o com tambores e danças;

louvai-o com instrumentos de corda e flautas!

5Louvai-o com címbalos sonoros;

louvai-o com címbalos de aclamação!

6Tudo o que respira[860]

louve o Senhor!


Aleluia!




  1. Este salmo é uma meditação de modelo sapiencial, que sugere um discernimento do caminho a escolher e seguir. Entendido sob esta perspetiva, ele propõe o discernimento como um elemento integrante da oração de Israel. Ele é também o espelho dos caminhos de vida e dos resultados a que conduzem, na certeza de que Deus reconhece só o caminho dos justos. O termo inicial feliz, em hebraico felicidades do homem, representa um tema que atravessa toda a narrativa bíblica e que tem uma das suas expressões mais reconhecida no texto das Bem-aventuranças (Mt 5,3s). O salmo 2,12 termina com esta mesma expressão.
  2. Ou: não vai ao conselho.
  3. O salmista distingue três grupos que aludem a diferentes facetas do agir malvado: o malfeitor ou criminoso cujas ações resultam num prejuízo importante para os outros; o pecador que indica uma diversidade de comportamentos errados de uma forma generalizada; e o maldizente ou caluniador que causa danos por palavras injustas e falsas.
  4. Sempre que, nesta tradução, Senhor aparece assim, em versaletes, equivale, no texto hebraico, ao tetragrama, YHWH, o nome divino que provavelmente se pronunciava Javé. O respeito por esse nome levou o judaísmo antigo a substitui-lo por Adonai (Senhor), uma prática adotada pelos LXX e continuada pela Vg e a NVg.
  5. Heb.: sussurra. A meditação sobre a Lei fazia-se frequentemente recitando o texto em voz baixa, opondo-se ao grito da prece (cf. Js 1,7s; Sl 35,28; Sir 14,20s).
  6. O termo hebraico michpat exprime a maneira que Deus tem de intervir na história para julgar e sancionar os comportamentos humanos; neste sentido é muito frequente na literatura bíblica. Poderá, no entanto, significar igualmente alguma referência a um julgamento de caráter mais global, conclusivo e definitivo, semelhante ao que, mais tarde, se veio a chamar o juízo final. A tradução de os malfeitores não se levantarão no julgamento enquadra-se bem nestas duas perspetivas. Numa sessão de julgamento forense, faz referência ao facto de os acusados se levantarem quando eram inocentes; no último julgamento os malfeitores não se levantarão para a vida. O sonho da imortalidade ou ressurreição para uma vida eterna parece andar latente no imaginário do homem bíblico, particularmente nos salmos (Sl 16,11; 21,5; 27,13; 56,14; 69,29; 116,8s; 133,3; 142,6). Por isso, nesta assembleia dos justos imortais não entram pecadores.
  7. Este salmo articula-se com diversos aspetos que, ao longo de toda a Bíblia, aparecem conotados com a realeza. Tal como o Sl 110, pode enquadrar-se bem nos ritos e festividades destinados à entronização real. A envolver a visão esperançosa e entusiasta sobre as funções que o rei é chamado a exercer, paira a garantia divina de manter uma ordem universal justa. As sugestivas ideias de caráter messiânico sintonizam profundamente com as perspetivas deste salmo. Por isso ele é interpretado no NT, sublinhando de forma explícita as ressonâncias messiânicas nele contidas (At 4,25; 13,33; Heb 1,5; 5,5).
  8. Fazer de povos e reis os autores desta conspiração contra o povo de Deus sublinha a dimensão de sobrevivência que se reclama neste salmo e justifica a sua associação com a instituição real de Israel e com o tema da realeza divina.
  9. Lit.: o seu messias (Ex 30,25; 1Sm 2,10; 10,1). Este termo hebraico pertence ao contexto da consagração quer do sacerdote quer do rei. A palavra significa ungido e dele deriva o título de messias que se aplica ao próprio rei. Os LXX traduziram-no por Khristós e no NT será aplicado a Jesus, transformando-se para Ele, primeiro, num título e, depois, num verdadeiro nome.
  10. Esta frase mostra que a sublevação de reis e povos não representa um ataque, mas uma revolta contra um poder superior cujo centro se encontra em Jerusalém. Não é certamente uma situação real de domínio político por parte da realeza israelita, mas a afirmação de um poder de alcance superior, que abarca o mundo (Sl 149,7s).
  11. O termo utilizado para consagrar (nasak) significa derramar óleo sobre a cabeça do rei a entronizar. Corresponde à cerimónia do ungir, no v. 2.
  12. Ou: pois Eu hoje te gerei (cf. Sl 110,3 nota). O hoje sublinha o momento da consagração real que é, ao mesmo tempo, um dia de nascimento. O título de meu filho que aqui se refere ao rei entronizado pode também referir-se a todo o povo (Ex 4,22-23). Por isso a relação que o salmo descreve entre Deus e o rei pode entender-se também como extensiva a todo o povo. No entanto, os poderes de soberania e domínio concedidos têm diretamente a ver com as funções do rei. Por isso a sua figura se destaca tão claramente neste salmo.
  13. Reorganizando elementos do texto hebraico entre o final do v. 11 e o início do v. 12, é possível encontrar aqui uma expressão oriental, nachqu beraglaw, que significa beijai os seus pés e fazia parte do cerimonial de homenagem aos reis.
  14. Este salmo representa uma situação individual de súplica, onde se equilibram, num clima espiritual de confiança, a descrição dos perigos e dificuldades com a certeza da ajuda divina. O facto de estar referido ao rei David atribui algum destaque a esta oração e mais acentua ainda a sua validade universal, a qual aparece sublinhada em conclusão.
  15. A expressão hebraica selah é um termo técnico que significa uma pausa; destinava-se a marcar um intermédio. Assim o entenderam os LXX. Para além de alguns salmos, é usado no cântico de Habacuc (2,10).
  16. O escudo é uma metáfora bastante frequente para exprimir a proteção de Deus, como se vê em Sl 18,3.31.36; 28,7; 84,12; 119,114 e em muitas outras passagens.
  17. Este salmo constitui uma exortação de teor sapiencial, apelando à confiança em Deus que se exprime através de práticas e convicções de fé. O intenso diálogo e partilha de experiências relativamente a estas questões fundamentais exprimem bem o quanto esta preocupação é entendida como algo que diz respeito a todos.
  18. Com base numa leitura diferente do texto hebraico consonântico, os LXX traduzem tereis um coração pesado? Esta leitura é preferida por algumas traduções atuais.
  19. A referência à glória (de Deus) e este vocabulário sobre o que é inútil e falso podem constituir uma referência aos ídolos (Am 2,4).
  20. Com outra leitura do texto consonântico hebraico, alguns traduzem: Quem nos fará ver a felicidade? Ergue sobre nós a luz da tua face, ó Senhor!
  21. O trigo e o vinho novo são as riquezas que os hebreus mais apreciam na sua terra (Gn 27,28.37; Dt 33,28). Além desta razão de satisfação o trigo e o vinho representam também bens em nome dos quais os hebreus se podem eventualmente sentir atraídos pelo fascínio provocado pelas divindades cananaicas da fertilidade (Os 2,10-17).
  22. Viver em segurança é a imagem de uma felicidade tranquila (Dt 12,10; 33,12.28).
  23. Misturando oração, meditação e exortação, este salmo individual de súplica toma como contexto uma oração matinal no templo e propõe uma reflexão sobre os objetivos esperados e sobre as condições éticas exigidas para que tal oração seja realizada de forma correta e consiga alcançar a eficácia desejada.
  24. O contexto para esta oração matinal pode ser a apresentação oficial de um holocausto diário (Lv 6,1-5).
  25. O objeto desta apresentação pode ser a súplica ou uma oferta ou as duas em simultâneo, se este salmo for de facto uma oração que acompanha um ritual litúrgico.
  26. O pedido para que Deus castigue os inimigos é um tema frequente nos salmos: 10,15; 31,18; 54,7; 58,7; 59,12; 69,23-29; 79,12; 83,10-19; 104,35; 109,6-20; 125,5; 137,7-9; 139,19-22; 140,10-12. Esta oração coloca as vivências no mais autêntico da experiência pessoal, com sentimentos e emoções em total liberdade. E é a partir dessa zona de realidade e verdade que o diálogo com Deus ganha expressão. Este castigo não se justifica por serem inimigos pessoais, mas por serem desobedientes a Deus, que se preocupa com o bem-estar do homem justo.
  27. Este salmo associa o tema da súplica individual com os conteúdos e o espírito de um salmo penitencial. A razão desta dupla vertente é exprimir a consciência das suas próprias culpas e a lamentação pelas ameaças que tantos inimigos lhe provocam. A exclamação final de libertação e de alívio exprime a superação dos dois tipos de contrariedades, as culpas próprias e os inimigos. Este é o primeiro da série de salmos penitenciais: 32; 38; 51; 102; 130; 143.
  28. A alma, em hebraico néfech, tem a ver com a respiração que suporta a vida. É conotada principalmente com as narinas por onde se inspira o ar (Gn 2,7) e também com a garganta onde se percebe o ar a circular. A sua importância leva a que a alma seja considerada um equivalente do ser humano enquanto vivo, podendo ser traduzida por qualquer pronome ou substantivo como eu ou a minha vida (Sl 7,3). Até os animais podem ser designados como alma viva. Porém, em textos como os salmos faz sentido manter, em certos contextos, a tradução de alma, porque sublinha um reduto íntimo da pessoa e da experiência humana, onde o homem se coloca face a face com a sua própria consciência, como quem se confronta com outra pessoa. É uma espécie de heterónimo de si mesmo, que permite ao homem manter consigo mesmo um diálogo interior e uma especial cumplicidade. Estes sentidos expressivos do conceito de alma (psykhê) mantiveram-se vivos na linguagem do NT.
  29. O mundo dos mortos, em hebraico Cheol, é concebido como um mundo subterrâneo em continuidade com a sepultura, onde os humanos sobreviviam em condições muito limitadas (Nm 16,33ss). A possibilidade de se lembrar de Deus e de se dirigir a Ele bem como o entusiasmo de ir ao seu templo eram algumas das alegrias que mais lamentam, ao imaginar-se naquele estado. Cf. ainda Sl 30,10; 88,6.11-13; 115,17; Is 38,18.
  30. Esta declaração de que o Senhor escutou a sua oração é uma maneira confiante de dar resposta aos seus inimigos.
  31. Esta personagem é desconhecida, mas há quem estabeleça comparação com o episódio relatado em 2Sm 18,21ss. As traduções antigas leram aqui um nome igual ao do pai de Sofonias, Cuchi (Sf 1,1).
  32. O salmista ou o crente cujos sentimentos este salmo retrata sente-se sob ameaça de um inimigo e dirige-se a Deus neste salmo individual de súplica, declarando solenemente a sua inocência (vv. 2-6); invoca a sua justiça (vv. 7-10) e, confiante, pede o castigo que é devido aos inimigos (vv. 11-17). O termo que aparece no título do salmo, usado aqui e em Hab 3,1, parece sugerir que se trata de uma lamentação.
  33. Se o salmo tiver realmente a ver com David, a hipótese de ter tratado bem a quem lhe fez mal espelha bem o relacionamento de David para com o rei Saul, conforme aparece em 1Sm 24,11; 26,9.
  34. Lit.: persiga a minha alma. Este v. é um bom exemplo para mostrar como as expressões alma e vida são usadas como sinónimas uma da outra, pois ocupam na primeira e na segunda parte do v. uma função absolutamente paralela.
  35. Ou: a minha glória. A expressão aqui usada para significar minha honra ou minha glória (kabod) aparece na Bíblia com o significado de alma e de vida (Sl 16,9; Gn 49,6).
  36. O texto consonântico hebraico permite esta leitura e foi realmente esta que os LXX assumiram e as traduções têm seguido de uma maneira geral, incluindo a NVg. No entanto, a tradução pedida por Pio XII ao Pontifício Instituto Bíblico e que esteve em uso litúrgico desde 1945 seguiu a interpretação massorética e traduziu: Et surge pro me in iudicio, quod indixisti, "e ergue-te em meu favor no julgamento que ordenaste".
  37. O texto hebraico não exprime de forma clara se o sujeito dos vv. 13-14 é Deus ou o malvado. Há quem interprete os vv. 13-14 como tendo o ímpio por sujeito. A NVg segue esta interpretação. No entanto, considerar Deus como sujeito destas frases parece enquadrar-se no contexto de uma forma mais coerente.
  38. A mesma metáfora sobre a gestação do mal no interior de cada ser humano se encontra em Is 59,4; Jb 15,35.
  39. Pode tratar-se de um instrumento musical ou eventualmente de uma melodia associada com a cidade de Gat na região dos filisteus. Gat também significa lagar e aqui poderia estar mais um contexto possível para esta referência.
  40. Pela sua grandiosidade e sobriedade, este salmo pode ser considerado um modelo daquilo que é um hino dirigido a Deus, como resultado da contemplação das maravilhas do mundo. Para além do louvor endereçado a Deus como autor destas maravilhas, o hino concentra-se sobre a imagem feliz da realidade humana. Começando pela contemplação do mundo acaba por se concentrar sobre uma consciência feliz de si mesmo. A riqueza de matizes que os hinos envolvem como expressão das vivências religiosas encontra-se aqui bem representada e definida.
  41. Reagrupando duas palavras separadas no TM, a tradução recupera a leitura de um verbo chrt, no sentido de servir, adorar, com a primeira pessoa indicando o orante ou salmista como sujeito. Desde a antiguidade as opções mais frequentes têm sido: a tua majestade eleva-se acima dos céus; elevaste a tua majestade acima dos céus; ou ainda: o teu nome repete a tua majestade mais alta que os céus.
  42. Ou: um louvor.
  43. O texto hebraico usa realmente a palavra 'elohim, que significa deus. Na Bíblia é principalmente usado para designar Deus, mas também se usa para designar os deuses das outras religiões, nomeadamente a de Canaã. Em sentido mais amplo, usa-se para referir seres considerados de condição superior como seriam os anjos ou mesmo homens que exerciam funções de tipo superior como os chefes políticos. As traduções têm tido a tendência de traduzir por anjos. Por outro lado, um sentido genérico e metafórico de um deus traduz bem o nível de dignidade em que o ser humano é colocado. Este modo de o apresentar condiz bem com as referências às caraterísticas que sublinham o estatuto do humano como imagem de Deus.
  44. É esta função de domínio que faz com que o homem seja algo de elevado, enquanto imagem de Deus (Gn 1,26-28).
  45. Como acontece com outras fórmulas nestes títulos de salmos também esta expressão se torna difícil de definir e traduzir.
  46. Tal como foi explicado na introdução, este salmo, no texto hebraico, é apenas metade de um salmo que englobava os Sl 9-10. Nota-se isso, porque ao longo dos dois salmos as letras iniciais dos versos vão seguindo a ordem alfabética hebraica. Os LXX e a Vg fazem dos atuais dois salmos um só, com o número 9. Por isso, daqui em diante e até ao Sl 148, as edições litúrgicas costumam levar um número menos na contagem. Outros casos de salmos que, no hebraico, ordenam alfabeticamente os versos são 25; 34; 37; 111; 112; 119; 145. Quanto ao género literário trata-se de um hino de ação de graças, por parte de alguém que, sentindo-se pobre e oprimido, descobriu que a proteção de Deus voltou a dar-lhe coragem para enfrentar tudo e todos. Enquanto o salmo 9 parece dar voz ao conjunto do povo, o salmo 10, por seu lado, parece mais um pedido de ajuda por parte de um indivíduo.
  47. Estes episódios de hegemonia sobre povos vizinhos podem constituir memórias literárias do tempo em que os hebreus exerceram alguma soberania, tal como aconteceu no reinado de David (2Sm 8,10). O desaparecimento definitivo desses povos vencidos tem ressonâncias de tipo apocalíptico.
  48. O paralelismo da poesia hebraica faz com que conhecer o nome do Senhor e procurar a Deus se apresentem de algum modo como sinónimos. Procurar a Deus significa ser fiel às modalidades de culto que lhe são dirigidas e cumprir os deveres para com Ele.
  49. O termo usado aqui para designar os seres humanos ('enoch) sublinha as caraterísticas de fragilidade e mortalidade.
  50. Este salmo dá continuidade ao anterior hino de ação de graças pela proteção divina dispensada aos desprotegidos. O facto de não se encontrar neste caso o habitual título que aparece à cabeça de cada salmo é mais um indício de que este constituía uma unidade com o anterior, que acabou por aparecer separado no atual texto hebraico.
  51. A tradução de blasfema baseia-se no entendimento da raiz barak, que normalmente significa abençoar, como antífrase. É desta mesma maneira que pode ser reconhecida em Jb 2,9. Este recurso à antífrase pode considerar-se em hebraico um piel privativo, em que a intensidade da conjugação reverte numa inversão de sentido para a raiz verbal. Ou: felicita-se, desprezando o Senhor.
  52. A convicção do malvado, de que Deus não vai intervir contra ele, é expressa de um modo semelhante no v. 11. A ausência de Deus interpretada como ocasião de liberdade para os malvados aparece também em 14,1; 36,2; 78,11; Jr 5,12; Sf 1,12.
  53. De entre as variadas maneiras conhecidas na Bíblia para designar os seres humanos, a que o texto aqui usa é a de 'enoch, que sublinha a dimensão da fragilidade que os carateriza.
  54. Ou: Que mais nenhum homem da terra se torne um tirano.
  55. Este salmo individual de confiança exprime a atitude de alguém que, aconselhado a fugir das ameaças dos poderosos, opta, ao contrário, por se refugiar na proteção de Deus, proclamando que a sua justiça governa com eficácia. Os acontecimentos narrados em 1Sm 19,26 poderiam servir de pano de fundo a estas ideias.
  56. As guerras assediavam sobretudo as cidades. Daí que a fuga para os montes era uma hipótese que se levantava sempre que o perigo ameaçava (Jz 6,2; 1Mac 2,28; 9,40; Mt 24,16).
  57. Uma taça que se tem de beber é a metáfora de um destino que pode significar um castigo incontornável ou uma herança duradoura (Sl 16,5).
  58. Ver a face de Deus é sempre uma expressão de satisfação e felicidade, que pode acontecer em várias circunstâncias. Pode ser o saborear a presença de Deus no santuário (Sl 27,4; 42,3; 63,3) ou o sentir a proximidade de um ser divino (Gn 16,13; 32,31; Jz 13,20-22). Pode ser inclusivamente a esperança de se encontrar com Deus numa condição de vida eterna, como aparece sublinhado no Sl 17,15.
  59. Este salmo de súplica coletiva integra um oráculo de intervenção divina e uma declaração final de confiança em Deus, que defende e protege contra as insídias de uma sociedade que é dominada por injustiças, conspirações e calúnias.
  60. Este salmo de súplica individual constitui um pedido urgente de auxílio. Daí a insistente repetição do até quando?. O desfecho é, mais uma vez, positivo, porque a súplica implica uma atitude profunda de confiança.
  61. Quando Deus mostra a sua face é sinal de bom acolhimento (Sl 4,7); quando a esconde é sinal de descontentamento e de recusa em conceder os seus favores.
  62. A tradução dos LXX acrescenta: celebrarei o nome do Senhor, o Altíssimo, que pode vir de Sl 7,18.
  63. Este salmo pertence ao género da exortação profética, interpelando o povo sobre o seu comportamento. Primeiro descreve a corrupção existente; depois, define a providência de Deus sobre o povo; e finalmente apresenta uma súplica para que Deus manifeste de novo a sua salvação a Israel. Sem tomar em consideração a ideia de que Deus está presente e intervém no agir humano, não existe maneira de garantir a justiça entre os homens.
  64. O contexto desta declaração, aqui e no Sl 53,2, é o de uma mentalidade e de uma prática, onde Deus não se encontra como critério de valor e de comportamento. Na paráfrase das traduções targúmicas em aramaico foi entendida a especificidade do contexto e da afirmação. Cf. Sl 10,4.11.13; Jr 5,12; Sf 1,12.
  65. Esta malfeitoria é particularmente grave quando os que têm responsabilidade de pastorear e proteger as ovelhas se permitem devorá-las (Am 4,1; Mq 3,1-3). Este tratamento encontra-se naturalmente referido a opressores estrangeiros (Sl 79,7; Is 9,11; Jr 10,25).
  66. Este é um bom exemplo dos salmos que tomam como tema a liturgia e se servem dela para propor uma meditação de modelo sapiencial sobre as condições morais e espirituais de uma piedade vivida segundo os ideais representados pelo templo.
  67. A expressão os que temem o Senhor representa de uma forma geral o comportamento religioso mais correto e honesto entre os hebreus. Na época do helenismo foi este rótulo que serviu para identificar aqueles que, sendo de origem não judaica, se mostravam simpatizantes e de algum modo atraídos pelas conceções religiosas judaicas.
  68. Emprestar bens com algum rendimento é uma prática económica normal na antiguidade oriental e também na Bíblia. Encontram-se, por vezes, contudo, casos ideais em que se recomenda a generosidade de emprestar sem cobrar juros (Lv 25,35-38).
  69. A prática moral de acordo com estas normas exigentes garante uma experiência feliz e consistente (Sl 10,6; 16,8; 30,7).
  70. Este salmo designa Deus pelo termo genérico El, que era muito conhecido na região, pois era com ele que em toda aquela região se designava a divindade que se encontrava acima de todo o panteão. Este título, que a Bíblia aplica naturalmente a Deus, volta a encontrar-se nos salmos 10,11-12; 17,6. No saltério é, portanto, bem menos frequente que outros nomes ou títulos para designar Deus, como sejam 'elohim, Javé ou Adonai. Com efeito, este salmo está concentrado numa confissão entusiasta da fé em Javé, em contraste com práticas de alguns seus contemporâneos hebreus que se apressavam a correr atrás de outras divindades (vv. 3-4).
  71. Este salmo individual de confiança é uma profissão de fé em Deus como supremo bem, contrariamente a outras divindades conhecidas no país e procuradas por muitos seus contemporâneos. A sua confiança não cobre apenas os problemas desta vida, mas prolonga-se igualmente sobre os enigmas de depois da morte.
  72. Lit.: santos.
  73. No seu conjunto, o texto hebraico dos vv. 3-4 é de difícil interpretação. Sobre essas dificuldades de tradução dão testemunho tanto as versões antigas como as mais recentes. As alternativas de leitura são ou referência às divindades pagãs então conhecidas ou aos santos, i.e., os fiéis a Deus que existiam em Israel. Os termos usados e o contexto de todo o salmo e particularmente do v. seguinte favorecem a primeira interpretação, apresentada em texto. O sentido da segunda via de interpretação pode ver-se na alternativa proposta pela NVg para o v. 3: In sanctos qui sunt in terra, inclitos viros, omnis voluntas mea in eos (Para os santos que existem no país, pessoas insignes, toda a minha boa vontade vai para eles).
  74. Lit.: as cordas destinaram-me sorte. Tirar à sorte usando umas cordas como método de escolha era um modo de proceder à partilha e distribuição de bens (Js 17,5).
  75. Lit.: os meus rins. Rins e coração são, segundo o modo de pensar semita, a sede dos sentimentos, dos pensamentos e das decisões (Sl 7,10; 26,2; Jr 11,20, etc.).
  76. Lit.: o meu fígado. Segundo a antropologia dos hebreus, o fígado é uma das referências que servem para representar a pessoa por inteiro, como acontece com a alma.
  77. Os dois últimos vv. exprimem de forma clara os dois caminhos que se apresentam para este mundo e para a vida depois dele: de um lado o Cheol, o mundo dos mortos, e do outro a vida eterna junto de Deus (Sl 17,15; Pr 2,18-19; 15,24).
  78. O título de oração quadra bem com este salmo individual de súplica: alguém que, sabendo que está inocente, vê que está a ser injustamente acusado. Por isso espera que a justiça lhe venha da intervenção de Deus. A serenidade, no final, é descrita como a felicidade de contemplar a face de Deus. Esta esperança pode conotar a experiência de paz no santuário, junto de Deus, como se ali vivesse dia e noite e despertasse pela manhã.
  79. Aceita-se como provável que ħelbamo corresponde a ħeleb libbamo, por ditografia. Os LXX já entenderam o texto hebraico com o significado de: A sua gordura tornou-os fechados.
  80. Mais uma vez, os vv. 14-15 contrapõem as metas de satisfação e felicidade limitadas a este mundo e as expetativas que animam o justo de se saciar com a presença de Deus, ao despertar ou ressuscitar.
  81. Trata-se de um salmo real de ação de graças; o sofrimento do rei é expresso como as angústias da morte; Deus revela-se-lhe e socorre-o, tendo em consideração os seus méritos, concedendo-lhe o dom da realeza e das vitórias. Poderia eventualmente ser do tempo de David. Verifica-se, de facto, que em 2Sm 22 aparece um salmo análogo a este, como hino de ação de graças que David eleva a Deus por tê-lo salvo de numerosos perigos e favorecido continuamente nas vicissitudes da sua vida agitada. Na primeira parte (vv. 2-31) refere os perigos a que David esteve exposto da parte de Saul (1Sm 18-29) e relata uma teofania divina com grandes fenómenos da natureza; na segunda (vv. 32-51) lembra o triunfo de David sobre inimigos nacionais e estrangeiros e termina com a visão de um futuro garantido pela promessa messiânica.
  82. O abismo da morte é, em hebraico, o Cheol, lugar da morte sem esperança. Os laços referidos são redes com que se imagina que os poderes do mundo dos mortos prendem os que a ele descem. Morte, Cheol e Belial aparecem nos vv. 5-6 como entidades que personificam o mundo dos mortos.
  83. Lit.: de Belial. A palavra pode significar coisa sem valor e pode também significar sem se poder subir. Facilmente pode aparecer conotado com aspetos de teor demoníaco.
  84. Nos vv. 8-16 são referidos os mais impressionantes fenómenos atmosféricos, onde se mostra o poder de Deus. Esta epifania do poder divino vista nos prodígios da natureza é caraterística da linguagem religiosa do mundo de Canaã, e a Bíblia faz-se eco dessa mesma linguagem para falar de Deus.
  85. O trovão é a metáfora mais conhecida para exprimir a voz de Deus no discurso religioso desta região, ao longo de milénios. O exemplo mais expressivo disso é o Sl 29.
  86. Lit.: pelos meus lugares altos.
  87. Este salmo é um hino à glória de Deus, representada em dois planos: o poder e sabedoria de Deus que se manifesta na ordem geral do universo (vv. 1-7), especialmente no céu (8,2-7), e a perfeição da lei de Deus e da sua ação (vv. 8-12). Os seres da natureza e mesmo os dias e as noites são tratados como personificações de um salmista que com a sua voz canta os louvores de Deus. O final é uma súplica, pedindo a capacidade de pôr em prática essa lei (v. 13-15).
  88. A principal metáfora desta voz de Deus que enche de glória e de louvor o universo é o próprio sol, cujo percurso diário é uma completa liturgia de luz e de louvor.
  89. Com a palavra lei traduz-se aqui o termo torah, que significa ensino, instrução e significa toda a espécie de lições e ensinamentos; poderíamos dizer que abarca todo o conteúdo do AT, apesar de a expressão de Lei de Moisés se ter tornado uma referência específica aos primeiros cinco livros da Bíblia.
  90. Para exprimir este conceito o hebraico usa um termo no plural, zedim, que tanto poderia referir-se aos orgulhosos como significar uma atitude de espírito em que o plural sublinha a multiplicidade de matizes. O plural é usado em hebraico para exprimir ideias abstratas ou conceitos que representam dimensões de variada complexidade, como acontece com as idades da vida.
  91. Este salmo tem como tema a realeza, a qual é de grande significado em todas as culturas do Antigo Oriente. O enquadramento cultual ou litúrgico não aparece muito definido. Alguns traços poderiam fazer lembrar as guerras de David contra os amonitas e os sírios (2Sm 8,15; 10,6-19). O salmo foi sendo usado para intenções mais gerais da monarquia. Vários tipos de celebrações poderiam prestar-se a estes temas: celebrações regulares como a festa do Ano Novo e outras celebrações por ocasião de acontecimentos relevantes para a vida do povo.
  92. Havia um género de sacrifícios que constituíam uma preparação espiritual para a guerra e dos quais se esperava ajuda para alcançar a vitória (1Sm 7,8-10; 13,9-12).
  93. O principal dos contextos em que aparece enquadrado o conceito de salvação é justamente o da guerra. É por isso muito frequente a tradução de salvação como triunfo ou vitória, como podia ser o caso também aqui.
  94. Esta é a tradução deste v. segundo o texto hebraico atual em que o verbo é nidgol, derivado de um substantivo que significa bandeira, estandarte. A tradução dos LXX pressupõe um texto hebraico com o significado de e engrandeceremos o nome do nosso Deus. Esta tradução pressupõe apenas uma troca fácil de posição entre duas letras seguidas, ficando o verbo a ler-se nigdol.
  95. Esta confiança não é apenas retórica de cariz religioso. A modéstia política e económica de Israel quase só lhe permitiam formular este desejo de que, sentindo a proteção de Deus, isso lhes garantisse a razão e a justiça a que se julgavam com direito. Na verdade, as memórias de guerra dos hebreus prendem-se mais com a situação de invadidos do que com a de invasores.
  96. Este salmo real manifesta a esperança que a função do rei suscita em Israel e a confiança de que ele seja uma garantia da proteção de Deus. As manifestações entusiastas de alegria repetidas ao longo do salmo podem sugerir a sua utilização em celebrações da realeza no santuário. Este salmo faz pendão com o anterior, porque representa a ação de graças depois da vitória conseguida na guerra.
  97. O rei não somente parece estar presente na celebração onde é proclamado este salmo, mas, mais do que isso, parece estar no centro de uma cerimónia de entronização. Deve também sublinhar-se que, mesmo tendo o rei e as suas funções como destinatários diretos, este salmo é também de grande significado para todo o povo.
  98. Este pedido de vida muito prolongada condiz bem com as sensibilidades com que se encarava a função da realeza. Pela sua natureza e pelo seu significado era caraterizada como realeza eterna. Estas expressões constavam já na linguagem da Mesopotâmia a respeito da realeza. Tais metáforas de tempo eterno enquadram-se bem com as conotações de messianismo que sempre se articularam com as da realeza terrena.
  99. Ou: Fizeste dele uma ocasião de bênçãos.
  100. As metáforas que descrevem a ação sobre os inimigos, com as proezas descritas entre os vv. 9-13, correspondem a uma linguagem normalmente referida a Deus, mas podem também referir-se à ação do rei.
  101. Temos aqui um bom exemplo de um salmo individual de súplica. Os pormenores com que se descreve a experiência de sofrimento e o sentido que lhe é atribuído fazem dele a expressão acabada de uma profunda vivência religiosa do sofrimento. As primeiras palavras são colocadas na boca de Jesus no relato evangélico da paixão (Mt 27,46; Mc 15,34). Outras passagens do mesmo aparecem noutros passos da narração da paixão de Jesus (Mt 27,35.43.46). Isto mostra que os autores do NT se serviram deste salmo para definir a cristologia, i.e., a função messiânica de Cristo. Por estas razões, o cristianismo fez deste salmo um texto de ressonâncias intensamente messiânicas, valorizando a ideia do sofrimento de uma forma que não transparecia tão claramente nas conceções tradicionais.
  102. Ou: Mas Tu moras no santuário; / és a glória de Israel.
  103. Basan é uma região situada a oriente do Jordão, conhecida na época bíblica pela sua grande fertilidade. Os ataques dos seus touros fortes tornavam-se particularmente perigosos e como tal eram reconhecidos.
  104. Pelo texto hebraico atual deveria traduzir-se a minha força, opção seguida em várias traduções. O contexto, no entanto, sugere como muito provável que duas letras hebraicas da mesma palavra, o kaf e o het, se encontrem em posições trocadas, obtendo-se assim a tradução referida acima, a qual é assumida em muitas traduções.
  105. Traduções antigas sugerem para o texto hebraico consonântico a leitura reduziram-me, e outras traduções mais atuais sugerem Tu me reduzes. A tradução proposta acima baseia-se no entendimento da morte personificada como sujeito da frase.
  106. Lit.: A minha única.
  107. A última palavra do v. levanta problemas de interpretação desde as traduções antigas até às atuais. A tradução responde-me corresponde a um perfeito precativo do verbo 'anah. A tradução alternativa tu respondeste-me considera o perfeito hebraico como narrativo.
  108. Ou: De ti vem o meu louvor.
  109. Segundo as versões antigas. Lit.: diante de ti.
  110. Lit.: Comerão e se prostrarão.
  111. Ou: Mas a minha alma por Ele viverá.
  112. Este salmo é um exemplo maior de um salmo individual de confiança em Deus. Para exprimir o cuidado e a proteção que Deus vota ao seu povo, serve-se de uma metáfora particularmente bem enquadrada no modo de vida tradicional dos hebreus. Estes tinham vivido sobretudo dedicados à pastorícia. O seu caráter idílico e enternecedor envolve, no entanto, uma perspetiva teórica bem profunda e representativa da função de cuidar estendida a todo o povo. É que esta mesma metáfora serve para descrever a função dos reis, cujo governo se exprime também com o título de pastor. Este era o entendimento que se fazia das funções do rei entre os povos do antigo Oriente. O prólogo e o epílogo do código de Hamurábi documentam de forma clara este modo de pensar e na própria Bíblia os governantes são tratados frequentemente com a metáfora de pastores. Atribuir esse cuidado igualmente a Deus significa que, se o rei não cuidar suficientemente, Deus o fará.
  113. O nome define e representa a pessoa. Os atributos que definem a nossa conceção de Deus exprimem o modo como Ele se relaciona e intervém na vida humana.
  114. A partir dos significados sugeridos pela metáfora do pastor, o salmista descreve os cuidados pessoais e sociais mais significativos que o Deus pastor proporciona, nomeadamente satisfação face aos inimigos, felicidade e presença nas celebrações do templo.
  115. Ou: e voltarei à casa do Senhor.
  116. O teor solene deste salmo faz dele um caraterístico salmo litúrgico. O apanhado de temas concentrado neste pequeno texto exprime bem a capacidade de síntese que é própria da literatura litúrgica: afirma a soberania universal de Deus (vv. 1-2), trata das exigências relativas aos que tomam parte no culto (vv. 3-6) e proclama a ressonância e o simbolismo dos momentos mais solenes do ritual (vv. 7-10).
  117. A conceção cosmológica que aqui está pressuposta é a de que a terra assenta por meio de fortes colunas sobre um oceano inferior, onde se encontram também em ação fortes correntes, como nos mares superiores.
  118. Lit.: não transporta a sua alma para aquilo que é vão. É uma referência ao culto dos falsos deuses que durante muito tempo atraiu o povo dos hebreus.
  119. Lit.: os que procuram a tua face, ó (Deus de) Jacob. Ou: os que procuram a tua face, como Jacob.
  120. Este cerimonial solene de entrada parece espelhar as ressonâncias de um quadro semelhante ao descrito em 2Sm 6,11-17 sobre a entrada da arca de Deus no santuário. O texto hebraico acentua o lado retórico, dirigindo-se às portas e intimando-as a levantarem-se, como se fossem seres animados e responsáveis. Estranhando isso, o grego traduz: Príncipes, erguei as vossas portas.
  121. É um salmo individual de súplica, motivada por uma experiência de grande aflição. A súplica desenvolve-se num ritmo de meditação, o que faz dele um salmo de forte marca sapiencial. Quanto à forma literária adotada, trata-se de um salmo alfabético. O autor compraz-se em o construir seguindo verso a verso a ordem das letras no alfabeto hebraico (cf. Sl 9 nota b). Esta forma rebuscada de redação mostra que os indícios de urgência que o tema poderia sugerir não levaram a que o salmo tenha sido escrito de forma apressada. O ordenamento alfabético dos versos, ou acróstico, implica um processo de escrita moroso e pormenorizado.
  122. Esta expressão de elevar a alma sublinha o desejo e a atração por Deus (Sl 86,4; 143,8; Jr 22,27; 44,14).
  123. Além da recompensa que o pensamento ético hebraico associa sempre com algum benefício a receber neste mundo, esta ideia de tomar posse da terra deve integrar também as naturais esperanças dos que regressavam do exílio de voltarem a sentir-se donos da terra. Neste sentido a terra seria o seu espaço de habitação, o seu país. Ampliar esta posse da terra ao horizonte do mundo todo abre já para ressonâncias de esperança messiânica (Sl 37,9).
  124. O termo hebraico traduzido por segredo pode significar também fundamento, mistério, intimidade (Sl 73,28; Ex 33,20; Jb 29,5; Pr 3,32; Sb 2,22). O paralelismo com o tema do conhecimento no segundo hemistíquio está, portanto, justificado (Jr 16,21; 31,34; Os 6,6).
  125. O texto hebraico atual usa um verbo para , que não começa pela consoante qof. Possivelmente teria anteriormente estado ali um outro sinónimo do verbo ver que seria qechob e assim teríamos a seriação alfabética correta.
  126. Este v. está fora da seriação alfabética. Pode ser um sinal de que foi um verso acrescentado ao salmo, eventualmente para melhor o integrar no conjunto dos textos a utilizar na liturgia (Sl 34,23).
  127. Salmo individual de súplica, pronunciado por alguém que se declara cumpridor de todas as regras de boa conduta, segundo os critérios reconhecidos. Na sua confissão negativa de pecados possíveis, que não cometeu, podemos descobrir alguns dos pontos mais sensíveis da moral de um israelita. Mesmo assim, ele dispõe-se a ser examinado por Deus, de modo que as exigências de pureza pedidas a quem se apresta a entrar no santuário não sejam deficientes.
  128. Os rins são vistos como uma localização dos sentimentos e afetos; o coração era a localização da atividade mental dos pensamentos e das decisões. São espaços cujo significado implica e compromete toda a atividade da pessoa.
  129. Os LXX traduzem a beleza, a tradução siríaca diz o serviço.
  130. Provavelmente com base num texto onde a última letra de abarek estava repetida (abarekeka), os LXX traduzem eu te bendirei, Senhor.
  131. Este pode ser um salmo individual de confiança ou de súplica. Nos vv. 1-6 trata de uma situação de grande aflição, exprimindo sobretudo confiança. Nos vv. 7-14, a atitude é de súplica. No v. 6 faz-se referência a um sacrifício no templo, que poderia representar algum enquadramento litúrgico para o salmo.
  132. Esta metáfora terá certamente a ver com o atacar e destruir a pessoa, eventualmente por meio de acusações falsas e calúnias que agridem e destroçam.
  133. O encanto dos acontecimentos do templo é uma maneira de contemplar Deus. É uma experiência feita com base em realidades mediadoras, pois ver a Deus tem várias limitações (Ex 24,11; Sl 11,7; 17,15; 63,3).
  134. Alguns sacrifícios desenrolavam-se com rituais mais solenes, nomeadamente com acompanhamento de sons de vozes e de instrumentos musicais (Lv 23,24). Estas aclamações coincidem com as vozes de estimulação e de celebração que os guerreiros fazem em momentos especiais de um combate.
  135. O final deste salmo sublinha mais uma vez o sonho da vida eterna, por meio da contemplação de Deus numa situação ou lugar a que chama terra dos vivos. Quando o judaísmo passou a referir-se à vida futura de forma mais direta e explícita este texto era interpretado neste sentido.
  136. Este salmo individual de súplica coloca em contraste a situação do orante que solicita atenção e proteção da parte de Deus e a dos pecadores, cujo castigo se pede em contrapartida. Esta parte parece que suscita mesmo mais interesse do que a súplica inicial em causa própria. A intenção de meditação profético-sapiencial condiz ainda com a conclusão da secção final que liga esta meditação à totalidade do povo governado e presidido pelo rei ungido. A intenção não se ficava, por conseguinte, pelo simples caso individual; alargava-se ao sentido e aos valores de toda a comunidade, e é esta representatividade para o coletivo que torna significativas as situações individuais.
  137. Na tradição litúrgica da Mesopotâmia, com a qual os hebreus partilhavam muitos aspetos culturais e religiosos, havia uma categoria de orações designadas de "elevação das mãos".
  138. Na experiência dos habitantes da Palestina, sofrer destruição era uma realidade bem conhecida, porque as guerras assolavam com frequência aquela região situada entre potências demasiado ambiciosas. A verdadeira desgraça ou castigo consistiria em ser destruído e não chegar a ser reconstruído (cf. Jr 1,10; 24,6; 31,28; Sl 52,7).
  139. Lit.: Fui socorrido.
  140. Este salmo é um hino em que o louvor endereçado a Deus se fundamenta principalmente na maneira como ele personifica a glória e a força, a reverência e o medo que os fenómenos celestes e meteorológicos incutem nos humanos. É um sistema metafórico que marca a experiência das populações de Canaã, onde as trovoadas atemorizam, mas também são elas que anunciam a chegada da chuva e com ela a promessa de fertilidade. Além do nome do Senhor, o fio condutor do salmo é a palavra voz. Esta justifica-se pela importância do trovão neste contexto e pela associação que sugere para significar a voz divina, que governa o universo de forma eficaz até às profundezas da terra. A presença de Deus balança, de forma continuada, entre os domínios da totalidade cósmica e as realidades do quotidiano político.
  141. A expressão filhos de Deus nas culturas cananaicas poderia significar deuses, e há quem continue a traduzi-la desta maneira. A intensa tonalidade cananaica que este salmo apresenta pode dar alguma probabilidade a esta hipótese. Traduzida literalmente como filhos de Deus pode aplicar-se a seres superiores entendidos como situados acima do humano, por vezes algo semelhante a anjos (Gn 6,2.4; Jb 1,6; 2,1; 38,7; Sl 89,7). A expressão é também usada para significar personagens a exercer funções com algum destaque na comunidade como são os levitas, cujas funções justificam que se apresentem revestidos de ornamentos sagrados (1Cr 16,29; 2Cr 20,21). O contexto do salmo parece aludir a funções litúrgicas solenes dos levitas (v. 2).
  142. Lit.: no esplendor de santidade. Poderia entender-se como o espaço do santuário, como entende a tradução dos LXX; poderia também entender-se como descrevendo o momento de uma manifestação esplendorosa de Deus.
  143. Ou: contra as águas. O teor geral do salmo sugere um confronto de Deus com algumas realidades transcendentes da natureza; este contexto poderia justificar a tradução contra. Com esta tradução mais se explicitariam as referências à literatura cananaica anterior à Bíblia sobre a vitória de Baal contra o mar.
  144. A voz de Deus, que é a metáfora mais usada neste salmo para identificar Deus, está representada pelo trovão. Por entre a variedade de realidades da natureza, é ele que mais diretamente marca a presença e a intervenção de Deus.
  145. As águas caudalosas podem ser uma alusão ao tema do dilúvio, que na linguagem bíblica assume a ressonância das águas do caos dominado por Deus com o seu poder.
  146. Sírion era o nome que os cananeus e fenícios davam ao monte Hermon (Dt 3,9). Este v. apresenta em paralelismo os montes do Líbano e do Anti-Líbano.
  147. O discurso cultural cananaico e seguidamente o bíblico tendem a sublinhar algum paralelismo entre as águas do oceano e o deserto, para representar as forças de caos que oferecem resistência à intervenção dominadora de Deus.
  148. O paralelismo do v. sugere esta tradução. Segundo a vocalização massorética, poderia ser: faz abortar as gazelas.
  149. Para além do pressuposto no relato do dilúvio (Gn 6,9), pode haver aqui restos de uma conceção sobre a existência de um oceano nos céus, acima do qual estaria assente o trono de Deus.
  150. Ou: com a paz.
  151. Na sua forma literária, este é um salmo individual de ação de graças. Celebra a cura conseguida, depois de uma doença que deixara o orante às portas da morte. A tradição judaica acabou por associar esta oração à festa da reconsagração do templo, a Hanuká, depois da profanação no tempo dos Selêucidas (1Mac 4,36-59). Isto atribuiu-lhe uma projeção que a simples história relatada como justificação para a ação de graças poderia não traduzir por completo.
  152. Lit.: poderosas montanhas.
  153. Lit.: do meu sangue.
  154. O TM vocalizou com o significado de glória o termo que o hebraico consonântico usava com o significado de meu fígado. Tal como alma, coração e rins, o fígado é também uma forma equivalente para designar a totalidade do ser humano.
  155. Este salmo é uma oração de cariz individual que recobre os temas de súplica, confiança e ação de graças. A concluir transforma-se num hino de louvor e não deixa de endereçar uma interpelação de sabor profético e sapiencial à comunidade inteira de Israel. Verifica-se mais uma vez como os temas e a intencionalidade dos salmos se movimentam das tonalidades mais pessoais até aos horizontes mais comunitários.
  156. A expressão o meu espírito (ruḥi) representa a totalidade da vida que se entrega nas mãos de Deus; não se associa explicitamente à respiração como acontece em Gn 2,7, se bem que esteja também associada com o vento, como em Gn 1,2. Esta parte do homem é algo de divino que está presente no homem vivo, e com a morte se entrega de novo a Deus. Esta é a frase citada por Lc 23,46, onde Jesus entrega o seu espírito ao Pai.
  157. Ou, segundo as antigas versões: Tu detestas.
  158. O termo que aqui se traduz por ilusões é o mesmo que no Coélet se traduz por ilusão. O significado que a linguagem bíblica sugere é o de uma referência aos ídolos falsos, vistos mais como um sistema de referências culturais e normas de vida. Por isso o verbo que se usa para exprimir a relação com eles é seguem (chomerim), que não traduz tão explicitamente a adoração votada a uma entidade divina. O impacte destas divindades era mais uma questão de influência cultural que de piedade ou devoção.
  159. O termo do texto hebraico consonântico permitiria traduzir: com a minha iniquidade. O TM vocalizou neste sentido, mas as traduções antigas e o contexto apontam para a opção assumida nesta tradução.
  160. Lit.: do Cheol (cf. Sl 6,6).
  161. É igualmente possível traduzir pois o Senhor guarda fidelidade. O contexto, na verdade, permite os dois tipos de tradução e o TM parece apontar mais nesta direção.
  162. Este salmo individual de súplica é sobretudo uma meditação a respeito do valor da felicidade que consiste em saber arrepender-se. O ensinamento que parece transmitir a respeito do que deve ser uma atitude de arrependimento pode ficar bem enquadrado com o título de maśkîl ou poema didático que lhe foi atribuído pela tradição.
  163. O termo hebraico aqui traduzido por instruir (hiśkîl) é o mesmo que dá origem ao termo que, no título do salmo, se traduz por poema (maśkîl) (cf. Sl 42; 44-45; 52-55; 74; 78; 88-89; 142). No Sl 47,8 o termo maśkîl parece indicar uma maneira especial de salmodiar. Com estas tonalidades de elaboração literária e intenção instrutiva, este salmo faz parte do grupo dos chamados penitenciais.
  164. Este salmo pertence ao género literário dos hinos. A grandiosidade do tema tratado, i.e., a obra de Deus como criador e organizador do universo, sugere um contexto celebrativo de grande solenidade. Neste texto litúrgico com a ressonância de um autêntico tratado são referidos alguns dos temas teológicos mais clássicos da literatura bíblica. Nota-se que, apesar desta densidade de temas, não lhe foi atribuído qualquer título, quando são frequentes as indicações em muitos outros salmos. Percebem-se igualmente diferenças de tema e de estilo relativamente a outros salmos. Daqui se pode concluir que houve uma intenção específica na colocação de títulos a certos salmos.
  165. A harpa de dez cordas era um instrumento musical bastante utilizado na música religiosa dos hebreus (1Sm 10,5; 2Sm 6,5; 1Rs 10,12).
  166. A criação realizada pela simples palavra e sopro da boca de Deus, com referência ao relato da criação em Gn 1-2, sublinha a dimensão de autoridade que se define como voz de comando e, ao mesmo tempo, a naturalidade, que a emissão de palavra e sopro representam.
  167. Lit.: todos os seus exércitos.
  168. O termo traduzido por correntes do abismo é o plural de tehom que representa a primeira totalidade do mundo no percurso inicial da criação (Gn 1,2) e que nas culturas semíticas, tanto as da costa mediterrânica como as do interior mesopotâmico, representa uma espécie de oceano originário. Essa realidade é tratada neste v. como um tesouro de promessa e de vida. São as fontes da água mãe de tudo, que alimentam tanto os mares como os rios.
  169. O poder de intervenção de Deus afirmado no processo de criação prossegue com o seu domínio sobre os acontecimentos ao longo da história das sociedades humanas (cf. Sl 2,1-5).
  170. Toda esta visão harmónica do mundo e da história se concentra naturalmente na consciência que Israel tem de si mesmo e da sua relação com Deus. Sentir-se povo eleito é o seu modo de tomar consciência de si, do seu tempo e das suas circunstâncias e expetativas.
  171. O pensamento expresso nos vv. 16-19 traduz a convicção profunda que atravessa toda a Bíblia e se acentua na sensibilidade apocalíptica da sua época final. Esta convicção consiste em que as esperanças de salvação não são garantidas pelo recurso à força e capacidades humanas. A esperança assenta, antes, na certeza de que a justiça e a razão são uma exigência justificada que a providência divina garante sempre. A última estrofe do hino de ação de graças da liturgia cristã, conhecido como Te Deum, retoma a atitude de fé e confiança expressa no v. 22 deste salmo.
  172. Este é um salmo de ação de graças individual, que segue um estilo sapiencial. Assim, o mostra o facto de ter sido construído segundo o estilo de um acróstico alfabético, que corre entre os vv. 2-22, iniciando cada v. com uma letra do alfabeto hebraico. O v. 1 dá um enquadramento histórico que é, de algum modo, extratextual e se refere ao que é narrado em 1Sm 21,11-22,1; o último verso está fora da sequência alfabética e serve de conclusão. O quadro traçado é o mais evidente para as convicções religiosas bíblicas: Deus encontra-se do lado dos pobres e atribulados, cuidando deles e protegendo-os. Isto é, Deus é quem garante e realiza a justiça, a qual, no horizonte bíblico, significa a moralidade fundamental. Está implícito que estes são bons e confiam naturalmente em Deus. Quanto aos maus, Deus deixa que o seu destino seja traçado pelo percurso e pelas leis que fazem parte integrante da sua própria maldade e a transformam numa autêntica engrenagem justiceira.
  173. Gloriar-se no Senhor é uma expressão que se repete ao longo de toda a Bíblia e significa a consciência de que a Ele se devem os motivos de regozijo e de satisfação.
  174. Na seriação alfabética este seria o lugar da letra Vau. Por qualquer razão, que até pode ter sido propositada, não foi usada. Este pobre parece referir-se ao próprio salmista. Poderia também referir-se a outra pessoa no sentido de certo pobre. O primeiro caso é mais enfático, mas ambos são possíveis.
  175. Os anjos representam uma forma de mediação entre Deus e os humanos que pode ter diversos objetivos, como sejam garantir comunicação ou proteção (Heb 1,14). Esta função mediadora de anjos protetores pode ser exercida por seres humanos ou mesmo realidades da natureza. Veja-se em 2Rs 19,35, onde o anjo que desce do céu se refere provavelmente a uma epidemia que terá dizimado o exército dos assírios.
  176. Lit.: Os leões ... A tradução grega, no entanto, entendeu os ricos, a qual se pode justificar, a partir de um texto hebraico onde, em vez de kefirim, estivesse kebedim (poderosos) ou kebirim (grandes), deslizamentos de letras que são bastante fáceis de compreender em história textual.
  177. O hebraico não explicita aqui o sujeito. O contexto e o entendimento da tradução grega dos LXX parecem sugerir que se trate dos justos, mas outros entendem que sejam os maus, a demonstrar arrependimento e aceitação por parte de Deus.
  178. Diversas razões podem explicar o facto de, como no Sl 25, este último verso ficar de fora da seriação alfabética. A função de conclusão pode ser uma dessas razões.
  179. Este é um salmo individual de súplica, em que o salmista se lamenta das perseguições que lhe são movidas por parte dos que ele tratara como seus amigos. Esta oração oferece ao salmista a oportunidade de fazer uma reflexão sobre a reciprocidade na prática do bem e sobre as consequências do comportamento humano, pois tanto o bem como o mal exigem a respetiva sanção. O salmista pede insistentemente a Deus que intervenha neste conflito de comportamentos.
  180. A seguir à primeira metáfora que pertence aos ambientes de citação em tribunal, e apesar de se tratar de conflitos entre pessoas, o resto dos primeiros três vv. está recheado com metáforas de guerra, onde se inclui a própria referência à salvação, que é a vitória concedida. A associação do salmo com David pode oferecer algum contexto para esta escolha. Com efeito, David foi um rei guerreiro, frequentemente envolvido em guerras (1Cr 28,3; 1Rs 5,3).
  181. Cf. Sl 34,8 nota.
  182. Lit.: Todos os meus ossos proclamarão. É mais uma maneira de representar a totalidade da pessoa por meio de uma das suas partes mais significativas.
  183. Lit.: de saco, tecido grosseiro para exprimir luto e penitência (Gn 37,34).
  184. Lit.: a minha única.
  185. É no templo que se reúnem estas grandes assembleias solenes (Sl 22,23; 30,5).
  186. Como é habitual num salmo individual de súplica, a reflexão sobre a experiência humana é a oportunidade para tecer considerações de modelo sapiencial sobre a maneira como a prática do mal se instala e domina os comportamentos humanos. A fé em Deus é o caminho pelo qual se abre a possibilidade de ultrapassar esse círculo vicioso. O salmo põe em contraste a corrupção de um coração sem temor de Deus (vv. 2-5) e a imensa bondade com que Deus concede os seus benefícios aos seus fiéis (vv. 6-12).
  187. Ou: Ele ilude-se a si próprio, não vendo a sua culpa para a rejeitar.
  188. Lit.: as montanhas de Deus. Trata-se de uma expressão idiomática hebraica para significar o superlativo (cf. Sl 68,16; 80,11).
  189. O cimo das montanhas e as profundezas do abismo representam os pontos extremos do espaço terrestre e do mundo, que funcionam aqui como medida da grandeza de Deus. O abismo profundo é o tehom, o abismo oceânico que é referido em Gn 1,2.
  190. A casa de Deus é aqui a amplidão total do universo, onde todos os seres coabitam com Ele e podem beneficiar dos dons que Deus a todos concede.
  191. O termo hebraico aqui utilizado tem assonâncias com o paraíso do Éden, cujo significado sugere a ideia de delícias (Gn 2,8).
  192. A fonte e a luz são duas importantes metáforas da vida. A fonte de água viva (Jr 2,13; 17,13) jorrará de Jerusalém e do templo dando vida a toda a terra (Jl 4,18; Ez 47; Zc 14,8). A luz que vem de Deus é igualmente uma fonte de vida (Sl 4,7; 27,1; 43,3; 44,4; 80,4.8.20). Ambos os temas se encontram abundantemente referidos no NT (cf. Jo 4,14; 8,12; 9,5; 12,46; 1Jo 1,5; Ap 22,1).
  193. O advérbio cham, normalmente traduzido por ali, parece ser, neste caso, uma expressão equivalente a eis aí como. A referência mais definida a um lugar não parece pertinente no contexto concreto deste salmo.
  194. A opção pelo ordenamento dos versos em sequência alfabética (cf. Sl 9 nota) dá a entender que se está diante de um salmo de modelo sapiencial onde se procede a uma meditação sobre a prática do bem e do mal e sobre a maneira como a fé em Deus se enquadra neste horizonte de grande relevância. O correr da reflexão segundo o modelo de um diálogo entre mestre e discípulo é mais uma caraterística do estilo sapiencial. O destino dos maus, mesmo bafejado por sucessos no imediato, está sujeito a uma fragilidade e a uma precariedade que lhes retira qualquer expetativa séria de continuidade. A razão e a justiça encontram-se do lado daqueles que adotam um comportamento bom e justo. A confiança em Deus é a garantia de que esta atitude está justificada e, como tal, garantida por Ele.
  195. Lit.: Habita na terra e pastoreia a fidelidade. O matiz específico do verbo chakan que significa estabelecer morada, montar a tenda, ajuda também a entender terra no sentido do próprio país. Haveria aqui um conselho a permanecer no país e aí procurar manter-se fiel. Mudar de terra poderia ser sempre uma ocasião de abandono da fidelidade a Javé (1Sm 26.19ss).
  196. A relação de posse com a terra prometida implicava exigências de qualidade e um nível elevado de espiritualidade. Por isso esta expressão foi ganhando ressonâncias cada vez mais ideais e universais até passar a significar o reino de Deus (Mt 5,4).
  197. É o dia do malfeitor e refere-se ao dia em que ele terá de pagar pelos males que praticou.
  198. Esta é mais uma referência ao sistema de ideias morais segundo o qual o castigo faz parte de uma lógica implicada na própria maldade (Sl 7,15-17; 14,10; 94,24).
  199. Aparece mais uma vez a referência a uma morada estável na terra prometida com o mesmo verbo chakan, que ocorria no v. 3 e no v. 9 era objeto de especiais exigências.
  200. Esta agressividade exprime a reação do mau pelo incómodo e interpelação que o comportamento do justo provoca no seu espírito (Sb 2,12-16).
  201. Esta recomendação resume os temas essenciais tratados neste salmo: as exigências de comportamento que garantem permanência na terra prometida e confiança de que vencerão finalmente os ideais de bem e de justiça.
  202. O texto dos LXX diz: erguendo-se como os cedros do Líbano. Esta leitura pressupõe um texto hebraico ligeiramente diferente.
  203. A tradução dos LXX lê: passei ali e eis que... Esta leitura mantém a primeira pessoa nos três verbos dos vv. 35-36.
  204. Este salmo individual de súplica e de espírito penitencial faz parte da lista tradicionalmente designada como salmos penitenciais. O sofrimento de que o salmista ou o orante padeceu é descrito como tendo-o deixado em estado de aniquilamento, tanto no corpo como no espírito. A referência do título a um memorial poderia conter alguma relação com o sacrifício memorial de que se fala em Lv 2,2-9 e 24,7s. Neste caso, seria uma oração destinada a ser recitada durante o referido sacrifício. Qualquer oração tem sempre algum sentido de comemoração espiritual relativa a experiências marcantes.
  205. As enfermidades a que se alude nos vv. 4,6 e 9 são entendidas como golpes recebidos da mão de Deus. Está implícita a ideia de que tudo o que acontece no mundo vem da mão de Deus, mesmo quando se trata de coisas incómodas e difíceis de compreender.
  206. Os vv. 4-5 descrevem a lógica pressuposta neste salmo. O salmista reconhece que o peso excessivo do seu sofrimento se deve aos seus pecados e que foram estes que provocaram a ira de Deus.
  207. As várias dimensões de sofrimento aqui descritas assemelham-se às referidas em Jb 19,13-21. A necessidade de manter esta distância levou S. Jerónimo a entender que esta ferida poderia ser de lepra. O teor literário do texto não exige uma definição tão rigorosa.
  208. Considerando o paralelismo com Sl 35,19 e 69,5, poderia sugerir-se também ler no texto hebraico ḥinnam (sem motivo) em vez de ḥayyim (vivos). Daí resultaria a seguinte tradução: Os meus inimigos reforçam-se sem motivo.
  209. Retribuir com o mal quando se recebeu o bem é o cúmulo da maldade (Sl 35,12).
  210. Alguns mss. gregos antigos e o saltério que aparece nos comentários de S. Agostinho acrescentam a este v.: Eles rejeitaram-me, a mim o dileto, como um morto que inspira horror, associando esta referência a Jesus crucificado. A versão copta acrescenta ainda: Eles cravaram a minha carne. Estas leituras são provavelmente de origem cristã e sublinham o sentido de algumas passagens deste salmo associadas com a figura de Jesus. Na sua totalidade, porém, este salmo penitencial não tem sido especialmente aplicado a Jesus.
  211. Salmo individual de súplica. O salmista descreve a sua experiência de sofrimento e dela retira a conclusão de que a sua vida lhe parece extremamente passageira, sem com isso cair num pessimismo completo e desesperado. Pela referência que ocorre no título, o salmo está associado com o nome de Jedutun, tal como acontece com os Sl 62 e 77. Este nome designa o chefe de um grupo de levitas encarregados do canto e das portas do templo (1Cr 25,1ss; 2Cr 5,12ss). A passagem de 1Cr 15,17 parece referir-se a ele com o nome de Etan.
  212. A sensação de brevidade da vida deriva da consciência que se tem de elevados desejos e expetativas e sobretudo da confrontação com a grandeza da eternidade de Deus.
  213. Sendo Deus o único dono da terra prometida, os hebreus sempre afirmaram a consciência de serem hóspedes e peregrinos numa terra que não é sua, desde o tempo dos antigos patriarcas (Gn 23,4; Ex 12,45; Lv 22,10; 25,23).
  214. Idênticos sentimentos exprime Job (7,16,21; 10,20-22; 14,6-16), mesmo mantendo as suas expetativas de vida imortal (Jb 10,13-19; 14,13-17).
  215. Ou: Ansiosamente esperei pelo...
  216. Este é principalmente um salmo individual de ação de graças. A confiança com que pede ajuda para os problemas com os quais se confronta (vv. 13-18) assenta essencialmente na gratidão que sente por outras ajudas recebidas de Deus em tempos passados (vv. 2-12). A parte final (vv. 14-18) aparece como texto completo de um outro salmo, com o número 70. Vários temas tratados fazem pensar na figura do Servo do Senhor no livro de Isaías. Por isso este salmo é especialmente referido no NT e algumas das suas expressões acabaram por ganhar ressonâncias cristológicas.
  217. As metáforas da cova e do atoleiro são tradicionalmente equivalentes do mundo dos mortos. Em contrapartida, o rochedo é o lugar de resgate e de salvação, evitando o afogamento.
  218. Este parece ser o título especial com que o salmista designa o hino dos vv. 5-11.
  219. O termo traduzido por idólatras parece ter algo a ver com o monstro mítico chamado Raab, que aparece na Bíblia como a expressão de uma das forças do caos que Deus vence e domina (Sl 89,11; Jb 9,13).
  220. Os vv. 7-9 exprimem uma hierarquia de valores religiosos em que os méritos do bom comportamento são classificados acima dos que se exprimem através do ritual litúrgico (1Sm 15,22; Is 1,10-20; Jr 7,3s; Os 6,6; Mq 6,6-8; Zc 1,6; Sl 50; 51,19; 69,31s; 141,2; Pr 21,3; Sir 34,18; 35,10). No NT estes textos são aplicados a Jesus Cristo (Jo 4,34; 8,38; Heb 10,6-8).
  221. Ou: aqueles que me dizem: «Ah! Ah!».
  222. Este salmo tem caraterísticas de um salmo de lamentação, mas também de ação de graças e até de súplica. A descrição do sofrimento é feita com tonalidades bastante dramáticas, como é habitual neste género literário. A doxologia final concluída com um duplo Amen pode dar a entender que se chegou a considerar que este salmo marcava o fim de uma secção do livro.
  223. A tradução dos LXX e o targum aramaico dizem: ao pobre e ao indigente.
  224. Lit.: uma coisa de Belial (cf. Dt 13,14s; Sl 18,5).
  225. Ou: ergueu sobre mim o calcanhar. Este texto é por vezes associado com 2Sm 15,12; 17,23 e ainda 12,19. A tradução que chegou ao evangelho de João (13,18): levantou contra mim o seu calcanhar, mesmo não sendo exatamente igual ao texto dos LXX, mantém a ideia de erguer sobre mim o calcanhar.
  226. Ou: em perfeita saúde.
  227. Esta doxologia ou pequeno hino pode não pertencer propriamente ao texto do Sl 41, mas ser uma fórmula para encerrar a primeira parte do Saltério. Sendo assim, o salmo termina precisamente com uma confissão de fé na imortalidade junto de Deus.
  228. Este salmo individual de súplica apresenta como motivo não uma situação de doença mas, sim, o estado de ansiedade e tristeza que a saudade das celebrações do templo lhe provoca; e recorda como vivia de maneira entusiasmada essas festas. Essas recordações condizem com a menção dos filhos de Coré, que aparece no título, pois estes eram levitas votados ao serviço do templo. Esta referência aos agentes de culto faz com que o sentido do salmo possa perfeitamente ser aplicado ao sentir de toda a comunidade. Com este alargamento à experiência coletiva o próprio tema se amplia e, no final, acolhe já outras razões de preocupação que os salmos frequentemente tratam, como sejam as ameaças de inimigos. O designativo de poema, que lhe é dado no título, sugere o seu caráter sapiencial e didático; e este modelo sapiencial condiz com o significado referido.
  229. Este hemistíquio é de uma imensa síntese. O simples verbo entrar traz consigo toda a ressonância que significa entrar no templo. E o ver a face de Deus é uma metáfora densa que exprime não uma visão real de Deus que era impossível conseguir (Ex 33,20), mas a proximidade com tudo aquilo que manifesta a sua presença. O pudor em afirmar que se vê a Deus levou a que a vocalização massorética, à semelhança de outras leituras antigas, tivesse optado pelo sentido passivo de ser visto na presença de Deus.
  230. Lit.: e derrama-se em mim a minha alma.
  231. Lit.: Ele é a salvação do meu rosto. Esta frase encontra-se como refrão no v. 12, de uma forma mais clara.
  232. As terras do Hermon situam-se no norte da Palestina, a uma distância de Jerusalém que é já realmente significativa.
  233. Esta montanha estava provavelmente situada nas proximidades do monte Hermon e, por conseguinte, próximo das nascentes do rio Jordão.
  234. A abundância de fontes e cascatas na região montanhosa que é referida e o estado de sofrimento em que se encontra o salmista parecem levá-lo a associar ressonâncias mitológicas ligadas às águas do caos, sugeridas pelas vagas e pelas torrentes. Senti-las passar por cima dele é uma experiência diluviana de afogamento.
  235. A preposição lamed pode ter um sentido vocativo, com o qual, neste caso, se define melhor a invocação a Deus. Uma alternativa de tradução seria: Quero dizer a Deus.
  236. Refrão já usado no v. 6.
  237. O facto de este, bem como o Sl 42, partilharem o mesmo refrão (42,6.12; 43,5) e tratarem do mesmo tema dá a entender que possivelmente eles constituíam uma única unidade literária e formavam de início um só salmo. Este é, portanto, um salmo individual de súplica à semelhança do anterior. Essa poderá ser também a razão para que este salmo não tenha os habituais títulos.
  238. Ou: a tua fidelidade. O termo hebraico 'amiteka tem os dois sentidos. Se for luz é para guiar; se for fidelidade é para garantir o regresso.
  239. Da tradução grega dos LXX e, depois, da Vg veio uma tradução que era muito usada na liturgia em latim: do Deus que alegra a minha juventude.
  240. Ou: Ele é a salvação do meu rosto.
  241. É um salmo coletivo de súplica. Começa com um hino de louvor a Deus pelas maravilhas realizadas em favor dos antepassados (vv. 2-9); segue-se uma lamentação por causa de desgraças que deixaram toda a nação humilhada diante de outros povos (vv. 10-17) e conclui com uma queixa do povo, por causa do abandono que tudo aquilo parecia significar da parte de Deus (vv. 18-27). A intensidade dos problemas coletivos que aqui se espelham faz pensar numa época de particular aperto e insegurança como aquela que se seguiu à morte de Josias (2Rs 23,20-24,3). Com maior razão ainda se poderia ligar a origem deste salmo à destruição de Jerusalém em 587. O mesmo acontece com os salmos 74; 79; 80.
  242. De um modo geral, a metáfora de acompanhar os protegidos é uma forma de exprimir a proteção que se lhe oferece. A ideia de Deus sair com os exércitos de Israel pode lembrar aqueles relatos em que a arca da aliança de Javé era levada para o acampamento dos israelitas (1Sm 4,4s; 2Sm 11,11).
  243. A entrega das ovelhas para o abate, a dispersão e exílio por terras estrangeiras e a venda do povo ao desbarato como escravos são metáforas que as práticas de guerra na antiguidade tornavam muito reais e frequentes (Jl 3,6; Am 1,6.9).
  244. É muito viva a maneira como os salmos costumam exprimir o sofrimento moral e psicológico e a vergonha de todo um povo, por causa dos maus tratos que lhe são infligidos, por efeito das guerras.
  245. Uma certa lógica de causa e efeito a ligar os maus comportamentos e os insucessos de todo o povo era admitida em virtude dos compromissos da aliança (Ex 19,38; Dt 5,2ss). Por isso, a experiência de uma desgraça leva com frequência ao reconhecimento de pecados cometidos. Este texto intensifica o drama teológico ao declarar que não foram cometidos pecados que justificassem. Há aqui algo do drama teológico que se verifica em Job.
  246. A metáfora pode designar o estado devastado em que se encontra o país (Is 34,13; Jr 9,10) ou um deserto, terra de chacais, para onde se refugiaram os judeus perseguidos (1Mac 2,29; 9,23).
  247. Estender as mãos para um deus estranho significa dirigir-se a ele em atitude de reconhecimento e oração.
  248. Ou: Contra a tua vontade. A generalidade das traduções têm entendido esta expressão hebraica no sentido de por causa de ti, mesmo que se torne algo difícil e subtil perguntar-se exatamente o que é que está aí em causa. No entanto, o texto hebraico poderia também ser entendido no sentido alternativo sugerido, i.e., que os maus tratos infligidos pelos povos são contrários àquilo que Deus quer.
  249. As expressões usadas para referir esta falta de intervenção de Deus são uma espécie de adormecimento ou uma atitude de rejeição e esquecimento, relativamente às quais o salmista pede a Deus que reconsidere e se volte de novo para o seu povo.
  250. Ou: A nossa garganta.
  251. Salmo real, com um caráter festivo e solene. Poderia ser um poema lírico de casamento. As leituras que dele se fazem orientam-se frequentemente num sentido messiânico, associando esta celebração nupcial com a metáfora do casamento simbólico de Deus ou do messias com a comunidade dos fiéis, segundo a famosa imagem do profeta Oseias. Os traços descritivos são por alguns associados com o rei Salomão, eventualmente por ocasião do casamento deste com alguma princesa estrangeira (vv. 3-15). Qualquer rei representa uma função suficientemente importante para poder ser representado por estas descrições, numa qualquer das festas em que o rei ocupava o centro das atenções.
  252. Ou: dos filhos do homem.
  253. Ou: por causa da verdade, da mansidão e da justiça.
  254. Ou: atingindo no coração os inimigos do rei.
  255. Ou: O teu trono, ó Deus,... Os LXX, a Vg e a NVg optam por entender Deus como um vocativo. Este vocativo poderia ser referido a Deus diretamente, mas pode também ser referido ao rei. Com efeito, as personagens que exercem certas funções importantes, nomeadamente a de reis, aparecem designados como deuses (Ex 4,16; 7,1; 22,6; Sl 82,6; Zc 12,8). O contexto sugere, no entanto, que o "tu" em todo este v. seja entendido como referido ao rei. Por outro lado, o trono real aparece também designado como trono de Deus (1Cr 28,5; 29,23).
  256. O nome de Ofir ficou na Bíblia associado de forma indelével ao tipo de ouro mais precioso. Tradicionalmente pensava-se que a sua localização seria para sul de Israel, de algum modo relacionado com as regiões do Mar Vermelho. Mas não é impossível que a sua localização se encontre para os lados do Mar Mediterrâneo.
  257. O facto de os presentes estrangeiros oferecidos ao rei estarem ligados com a cidade de Tiro, e serem feitos num ambiente festivo, parece dar a entender que o salmo poderia vir de um tempo razoavelmente antigo, em que Tiro era a expressão do êxito internacional desta região próxima da monarquia hebraica.
  258. Cf. 1Cr 15,20; Sl 68,26.
  259. Este salmo é o primeiro da lista dos salmos de Sião (48; 76; 84; 87; 122). O nome de Sião é um nome alternativo para a cidade de Jerusalém. Este nome estava fortemente carregado de dimensões simbólicas, articuladas com o facto de Jerusalém ser vista como a cidade onde Javé tem a sua morada e onde se concentravam memórias e referências religiosas que os hebreus herdaram dos anteriores habitantes de Canaã, quando assumiram a sua língua e com ela muito da sua cultura. Esta é uma das muitas outras razões pelas quais Jerusalém é vista como inexpugnável. Este salmo parece ser a expressão de uma nova cosmogonia que Deus realiza a partir de Jerusalém.
  260. Segundo a conceção cósmica bíblica as montanhas têm os seus fundamentos no coração de mares inferiores.
  261. A cidade é Jerusalém. O rio e os seus canais são ingredientes simbólicos que procuram ver a cidade como uma fonte cósmica de nascentes de vida, à semelhança da visão apresentada no livro de Ezequiel, cujos caps. 47 e 48 poderiam quase ser considerados como um comentário ao presente v. deste salmo. O ponto de partida real e humilde para esta referência simbólica pode ser a nascente do Cédron, que brota debaixo do monte do templo.
  262. Alguns associam este v. com os relatos constantes em 2Rs 18-19; referem-se às invasões assírias na Palestina, das quais Jerusalém conseguiu sair ilesa.
  263. Lit.: até aos confins da terra. Poderia referir-se ao país, mas a referência aos confins e o tom cosmogónico de todo o texto sugere como mais plausível pensar nos confins do mundo.
  264. Este salmo é um hino à realeza de Javé, tema que carateriza igualmente uma lista de outros salmos, nomeadamente, Sl 93,96,97,98 e 99. Nele se afirma a soberania universal de Javé e se convidam todos os povos a acorrer para um louvor unânime. Este salmo de realeza de Javé foi possivelmente atraído para este espaço pelo facto de com o salmo anterior se ter dado início ao conjunto de cânticos designados como salmos de Sião, onde convergem os temas da criação e da realeza.
  265. Lit.: do chofar. O chofar é um chifre de carneiro, tradicionalmente usado pelos hebreus para lançar o som pregoeiro das grandes festas. O tema da subida apoteótica de Deus é a ideia nuclear desta última estrofe do salmo. O verbo subir ('alah) representa o itinerário religioso dos humanos para o templo. Para Deus, a subida é para o trono nas alturas (v. 9). E o seu título de soberano (v. 10 ) é derivado desta mesma raiz e significa lit. o que está elevado.
  266. Seguindo o atual texto hebraico na leitura massorética alguns traduzem: Os grandes dos povos juntaram-se; é o povo do Deus de Abraão.
  267. É o segundo salmo de Sião (cf. Sl 46 nota). Continuando a aproveitar a linguagem simbólica tradicional de Canaã, proclama que Sião se encontra nos píncaros do monte Safon. Esta era uma montanha de grande simbolismo religioso situada perto da cidade de Ugarit e considerada a habitação celeste do deus Baal (Is 14,13; 37,24). Nos tempos mais antigos dos hebreus na Palestina ainda não se notava o conflito entre a religiosidade dirigida a Javé e a que é votada a Baal. Os ataques descritos contra a cidade protegida por Deus podem conter referências a acontecimentos reais de guerra ou simplesmente fazer parte do género literário utilizado para este tipo de cânticos. Há quem veja como contexto histórico plausível para este hino o ataque dos reis de Damasco e da Samaria em 734 a.C. (2Rs 16,5; Is 7,1).
  268. A linguagem aqui implícita é a que descrevia o deus Baal no discurso religioso de Canaã como o grande rei. Por isso Sião não é declarada como a cidade, mas sim a fortaleza, castelo ou cidadela (qiryat).
  269. As dores de parto aparecem na literatura bíblica como a grande metáfora da dor e do sofrimento (Is 13,8; 21,3; Jr 6,24; 22,27; etc.).
  270. As naus de Társis eram os navios de grande porte adequados às mais arriscadas viagens ao longo do Mediterrâneo (1Rs 10,22; 2Cr 20,36). Pelo que o texto diz, eram os ventos de leste o risco que estes navios fenícios mais temiam.
  271. As coisas prodigiosas que em Israel mais se faziam ouvir eram os relatos sobre a saída do Egito. A presente libertação de Sião era uma realidade comparável que se podia ter o privilégio de ver.
  272. Os vv. 10-11 combinam dois pares de conceitos importantes: a grandeza do nome de Deus e a amplidão do louvor que lhe é votado, por um lado; e o padrão que preside à intervenção de Deus que é simultaneamente de misericórdia, pelo que exprime de relação com o povo crente, e de justiça, pela maneira como repõe as coisas na sua devida ordem.
  273. Lit.: as filhas de Judá. Esta designação exprime localidades integradas numa região ou dependentes de uma cidade principal (Nm 21,25.32; Js 15,45).
  274. A última expressão do salmo ('lmwt) é vocalizada pelos massoretas como significando para / sobre a morte; alguns acham que seria uma indicação semelhante às que ocorrem nos títulos dos salmos (donzelas), i.e., para sopranos; a tradução dos LXX diz pelos séculos, sentido que se acolhe para esta tradução.
  275. Este é um salmo sapiencial, onde se nota a maneira caraterística e habitual neste género literário para convidar os ouvintes a escutar a meditação que a seguir é desenvolvida. A meditação sapiencial, neste caso, incide sobre a sorte que espera tanto ricos como pobres, opressores e oprimidos, perante o destino comum a todos, a morte. Nessa perspetiva, interroga-se sobre o sentido dos bens terrenos, da prosperidade e do bem-estar. A questão intrigante suscitada pela experiência é a de saber porque é que os maus têm tanto sucesso? Esta questão preocupava bastante o homem bíblico (Sl 73; Jr 12,1; Abd 1,3). A resposta é a de que esse sucesso dos maus se limita a este mundo. No mundo dos mortos, o Cheol, nada de bom podem esperar (vv. 6-15.17-21). A esperança do salmista é a de ter um destino diferente na outra vida. É isso que ele declara de forma breve e explícita no v. 16.
  276. Lit.: não chega a passar a noite.
  277. Ou: que ficam mudos.
  278. Lit.: ao Cheol. Todo o conjunto do v. 15 apresenta dificuldades várias de tradução.
  279. Lit.: Cheol.
  280. É com este verbo que se exprime o modo como são resgatados Henoc (Gn 5,24) e Elias (2Rs 2,9s), bem como David que é recolhido na corte de Saul (1Sm 18,2; Sl 18,17).
  281. Este salmo pertence ao género da exortação profética; constitui uma espécie de homilia sobre o cumprimento da lei e da aliança. Como noutros casos de meditação profético-sapiencial, esta reflexão está enquadrada num contexto litúrgico. Apesar disso chama-se a atenção para não se pensar que os rituais são aquilo que tem maior valor. Aquilo que realmente vale é o espírito com que esses atos são vividos. Sob este aspeto, o salmo lembra a mais autêntica pregação dos profetas (cf. Is 1,11-17; Jr 6,20; 7,21-23; Os 6,6; Am 5,21-25; Mq 6,6-8). Esta maneira de mostrar Deus a dirigir interpelações aos vários grupos do povo é também um sinal distintivo da literatura profética.
  282. Apesar de se tratar de um julgamento que incide diretamente sobre os comportamentos do povo de Israel, todo o universo é considerado uma verdadeira câmara de legitimidade. Daí falar-se de maneira insistente sobre uma convocatória dotada de toda esta amplitude. Este julgamento não se processa à porta fechada ou no interior delimitado das consciências. A sua objetividade exige o testemunho do universo inteiro.
  283. Cf. Ex 19,20.
  284. Dos mandamentos (Ex 20,14-16; Dt 5,18-20) são principalmente lembrados aqueles que têm a ver com obrigações relativas aos humanos. Este é um padrão claro e incisivo ao longo da Bíblia.
  285. A vocalização massorética lê: e estabelece o caminho.
  286. Este é um salmo individual de súplica que ficou conhecido como o Miserere. Esta é a palavra com a qual começa a sua tradução latina. É, por isso, o mais reconhecido dos salmos penitenciais. O conjunto do salmo pode enquadrar-se bem no conhecido episódio da vida de David, que é recordado no título (2Sm 12,1-13). Os últimos vv., no entanto, terão de ser considerados mais tardios. Isto deve ser um sinal de que o seu uso lhe dava cada vez mais capacidade para ser utilizado com outros sentidos e noutros contextos, para além do episódio a que se alude em título. Esta amplificação de sentidos para um texto é uma realidade que deverá ter acontecido com muitos salmos, se não mesmo com todos.
  287. Não existem na Bíblia indícios para se pensar que possa estar ligado algum pecado ao ato de conceber um novo ser humano. Pelo contrário. Esta expressão significa a fragilidade que marca a condição humana e que, como tal, se encontra presente no ser humano desde a etapa mais embrionária, desde o primeiro momento da sua existência (cf. Jb 15,14; Pr 20,9). Ora, para o homem semita a origem é o equivalente da essência ou estrutura. A condição humana é, por conseguinte, frágil e deficiente por essência.
  288. O hissope é um arbusto, usado para vários rituais de aspersão com água (Ex 12,22; Lv 14,4-6; Nm 19,18; Heb 9,19).
  289. Lit.: Não me expulses da tua presença. Estar na presença de Deus é um privilégio (Sl 11,7; 41,13; 140,14), que o salmista como pecador temeu perder.
  290. Fica em aberto a hipótese de se tratar de crimes cometidos ou, pelo contrário, serem sofridos pelo próprio.
  291. Esta tradução reflete bem o texto hebraico consonântico. Ela coincide com uma tradução latina dos salmos aprovada por Pio XII e que esteve em uso na liturgia ainda antes do concílio Vaticano II. As dificuldades linguísticas não são grandes, mas as traduções, desde as mais antigas, têm hesitado na sua interpretação.
  292. Estes dois últimos vv. deixam claramente a impressão de terem sido acrescentados ao salmo já em época posterior ao exílio, numa altura em que este salmo penitencial servia já para os hebreus se penitenciarem sobre os pecados de toda a nação, que tinham provocado a grande catástrofe.
  293. Embora aqui apareçam misturados vários géneros literários, neste salmo parecem sobressair as caraterísticas de uma exortação profética. Como tal, pretende desmascarar a maldade dos maus e louvar o comportamento dos justos. Os contextos litúrgicos para este género literário podem ser numerosos, tais como as ocasiões propícias para celebrar a aliança. Na introdução ao salmo é referida uma personagem cujos comportamentos negativos se refletem no texto. Trata-se de um edomita chamado Doeg, referido em 1Sm 21,8 e 22,9. O salmo refere os castigos (vv. 3-7) e as lições (vv. 8-11) que se devem retirar daqueles episódios.
  294. Este salmo pode igualmente ser classificado no género das exortações proféticas. É muito semelhante ao Sl 14, o qual, no entanto, usa o nome Javé, enquanto este usa simplesmente 'elohim, i.e., Deus. A referência à restauração depois do exílio indicia que este salmo é testemunho de uma época de composição mais tardia e da maneira como um poema litúrgico se ia acomodando à mudança das circunstâncias históricas. A mensagem essencial é a de que a fé em Deus constitui a base de qualquer sobrevivência.
  295. Cf. Sl 14,1 nota.
  296. O tema de um Deus que atemoriza, que afasta e desbarata os atacantes inimigos é um tópico caraterístico da literatura bíblica. Existem, no entanto, nas páginas da Bíblia referências históricas que correspondem mais diretamente a estas imagens, nomeadamente os ataques contra a Samaria e contra Jerusalém (2Rs 7,3-16; 19,35s; 2Cr 20,22-24). Uma das diferenças significativas entre este v. 6 e o Sl 14,5s e ainda o Sl 53,6 na leitura do hebraico consonântico atual, é que este está a dirigir-se a alguém que faz parte do grupo dos resgatados, possivelmente um representante dos mesmos. Em ambos os casos há problemas textuais que levaram as traduções antigas a apresentarem alternativas de leitura.
  297. Trata-se de um salmo individual de súplica. Nele se pede a ajuda de Deus contra os inimigos que colocam em perigo a sua vida (vv. 3-6), prometendo oferecer um sacrifício de ação de graças pelo auxílio que espera da parte de Deus. O acontecimento referido no v. 2 do título é relatado em 1Sm 23,19-29; 26,1s. Isto parece sugerir que David teria sido o autor deste salmo ou, pelo menos, que o tema se adapta àquela situação histórica reconhecida. A localidade de Zif encontrava-se na região sul de Judá. Apesar da sua brevidade, este salmo contém todos os pontos importantes que integram normalmente os salmos de súplica: invocação, exposição, súplica, confiança e ação de graças.
  298. Traduções antigas apontariam mais para orgulhosos que o paralelismo com o segundo hemistíquio justificaria. No entanto, a tradição hebraica, vista no texto e em traduções targúmicas, aponta para o sentido de estrangeiros, o qual pode traduzir alguma adaptação a preferências semânticas do tempo dos conflitos contra o helenismo.
  299. Ou: O Senhor está entre os que sustentam a minha vida.
  300. Sacrifícios espontâneos são os que não derivam de um calendário ritual obrigatório, mas são voluntariamente apresentados (Ex 35,29; Lv 22,17-25).
  301. Lit.: e nos meus inimigos viram os meus olhos. Esta é uma expressão idiomática frequente nos salmos (cf. Sl 92,12; 112,8; 118,7), para significar a vitória conseguida sobre eles.
  302. Neste salmo individual de súplica, com o desgosto que o aflige, o salmista sente vontade de fugir para o deserto. O sofrimento de que se queixa parece dever-se à traição de um amigo muito próximo, envolvido num ambiente de grandes desavenças na cidade. Para além de afirmar a sua confiança em Deus, não descura retirar as conclusões morais da experiência vivida. Podem perceber-se ressonâncias dos conflitos relatados em torno a David em 2Sm 15,6-15, com uma linguagem parecida à de Jr 6,6-15.
  303. Cf. Gn 11,1-9.
  304. Lit.: ao Cheol. O facto de descerem vivos ao Cheol significa um castigo mais drástico do que a própria morte, como no caso dos companheiros de Coré (Nm 16,31-32).
  305. Ou: Ele colocou em paz a minha alma; / resgatou-me dos muitos que me faziam guerra.
  306. Tradução plausível segundo o texto hebraico consonântico.
  307. Trata-se de um salmo individual de súplica, no qual são retomados os temas mais frequentemente tratados em textos deste género, tais como inimigos poderosos, confiança e perseverança e a certeza de que brevemente Deus ouvirá a sua súplica. Pressente-se no conjunto a ideia de que estes sentimentos são igualmente aplicáveis a todo o povo, que tem semelhantes razões de queixa relativamente a inimigos seus. O episódio histórico a que o título alude é contado em 1Sm 21,11-16 (cf. Sl 3 e 27).
  308. Ou: no campo dos vivos. Cf. Sl 27,13; 116,9. O salmo termina contrapondo as duas perspetivas de vida para além da morte, a mais corrente no Cheol e a extraordinária, numa privilegiada proximidade de Deus. O termo consonântico hebraico wr, vocalizado or significa luz; vocalizado ur significa campo. A tradução dos LXX optou por usar aqui o termo khṓra (terra, região). Para designar o enquadramento da imortalidade junto de Deus, ambas as semânticas da forma consonântica wr são pertinentes. Com efeito, em vez deste termo, usa-se também terra ou terras para exprimir o mesmo espaço da imortalidade (Sl 27,13; 116,8).
  309. O episódio é narrado em 1Sm 24.
  310. É um salmo individual de súplica, contendo uma lamentação seguida de ação de graças. O contexto que se deduz é o de uma oração no templo. É esse contexto ritual, de algum modo já celebrativo, que justifica a justaposição de duas fases diferenciadas e contrastantes da experiência, uma concentrada no momento negativo da lamentação (vv. 2-6) e a outra de exultação no momento positivo da ação de graças (vv. 8-12). Fica implícito o ponto intermédio, o da resposta à lamentação apresentada. As duas fases explícitas no texto resumem o ciclo completo de uma experiência. O refrão repetido marca com clareza as duas partes referidas. É ali que o salmista espera ouvir a sentença de Deus a dar-lhe razão.
  311. A misericórdia e a fidelidade são dois atributos de Deus que aqui se apresentam como que personificados e a serem enviados como autênticos mensageiros e mediadores da ação divina (Sl 43,3; 89,15). Esta é a linguagem de mediação que se utiliza para os anjos, por exemplo.
  312. O v. 7, situado entre as duas partes paralelas do salmo, representa uma síntese de pensamento hebraico relativo ao ciclo do comportamento ético que constitui um ato humano completo, onde já vai implícita a sanção. Por isso a sanção é descrita como sendo aplicada com os mesmos meios usados no ato praticado. O nome de lei de talião, que na Idade Média foi aplicado a esta espécie de ricochete ético, é uma formulação mais simplificada.
  313. Este salmo tem caraterísticas de um salmo coletivo de súplica. Todo o povo expõe as suas queixas relativas ao mau estado da justiça no país. Pode, no entanto, ter igualmente sentido visto como lamentação individual, por injustiças recebidas da parte das autoridades. No Sl 82 aparece de novo o tema da justiça praticada pelos seus responsáveis. Os poderosos interpelados no início de ambos os salmos são designados como deuses, que é um tipo de metáfora que se encontra com alguma frequência na Bíblia (cf. Sl 45,7s e Ex 21,6; 22,7).
  314. Esta maneira de projetar as maldades cometidas para o início da vida é um modo de mostrar que a prática do mal é de tal modo profunda que marca de maneira essencial a vida dos malfeitores. Este modo de exprimir o essencial com a imagem das origens aparece igualmente no Sl 51,7. Cf. a respetiva nota.
  315. Ou: Que, ao armarem o arco, encontrem as flechas quebradas.
  316. Lit.: Como aborto humano.
  317. O estado atual do texto hebraico torna difícil uma tradução mais segura.
  318. Ou: E lavará os seus pés do sangue dos malfeitores.
  319. Ou: Há realmente deuses que fazem justiça sobre a terra. Este plural poderia ser entendido no sentido metafórico usado no v. 2.
  320. Este salmo faz parte da categoria dos coletivos de súplica. Tal como outros, ele aproveita o título para criar ligações com a personagem e com a história de David. O acontecimento histórico a que se alude encontra-se em 1Sm 19,11-17. Tal como acontece com outros salmos deste género, vão sendo intercalados os motivos de súplica, lamentação e ação de graças em conclusão. Estes são os ingredientes que mais naturalmente se costumam encontrar nos textos de oração. As duas partes do salmo estão bem claras com um refrão conclusivo em cada parte (vv. 10 e 18). Uma espécie de refrão da maldade aparece em cada secção (vv. 7 e 15), ajudando a marcar ainda mais o ritmo entre as duas partes.
  321. Apresentada sem introdução, esta frase é interpretada como sendo um desafio blasfemo dirigido a Deus. No entanto, ela poderia igualmente representar uma interrogação angustiada do salmista, perante aquele panorama de maldade.
  322. Ou: é por ti que eu vigio.
  323. Lit.: O meu Deus de misericórdia.
  324. Ou: põem-se a rosnar.
  325. Este salmo coletivo de súplica tem como pano de fundo atividades militares múltiplas, por onde se justifica o tom de experiência coletiva e de incitação ao encorajamento. Tendo sofrido grandes derrotas em batalha, o povo pede socorro e vitória contra os inimigos. A geografia de guerra sugerida no próprio salmo dá-lhe um sentido bastante amplo. A imagem deste território faz pensar no espaço político dos inícios da monarquia davídica. Nos pormenores e no vocabulário, o salmo está repleto de referências históricas implícitas. Como todos os salmos de súplica, também este junta os motivos de lamentação, súplica e confiança. O acontecimento que é referido e resumido no próprio título encontra-se em 2Sm 8,2.5-13; 10,13-18. Os vv. 7-14 deste salmo encontram-se também no Sl 108.
  326. Ou: Dá aos que te temem um sinal.
  327. Siquém é uma localidade na Samaria; Sucot é a região central do lado oriental do Jordão.
  328. Guilead e Manassés são regiões centrais da Palestina, situadas, a primeira a oriente do Jordão e a segunda de ambos os lados do rio.
  329. Efraim representa a região norte da Palestina, enquanto Judá representa o sul. São expressões de totalidade.
  330. Moab é a região sul, além do Jordão. Edom representa a região a oriente e a sul do Mar Morto. A Filisteia é a região sul na costa mediterrânica.
  331. Trata-se possivelmente da cidade de Bosra, nas regiões do sul ligadas aos edomitas.
  332. O género deste texto é o de um salmo individual de súplica. O sujeito orante tem as caraterísticas de um rei, podendo tratar-se de um rei em condições de perigo político ou simplesmente preocupado com o seu destino ou com a sua função. Qualquer destas preocupações afeta sempre a sorte de toda a comunidade. O salmista parece encontrar-se longe, de modo físico ou simbólico. Alguns indícios, nomeadamente no v. 6, podem dar a entender que se trata realmente de um rei. Estas conotações mais transcendentes da função real fazem com que neste salmo se possam apreender ressonâncias de tipo messiânico (cf. Sl 20,10; 72; 89).
  333. Clamar desde os confins da terra não significa propriamente a oração de um exilado. Esta lonjura significa provavelmente sentir-se distante de Deus; a atitude de oração acentua naturalmente esses sentimentos.
  334. Como acontece noutros casos (cf. Sl 57,4), a misericórdia e a fidelidade de Deus são personificadas e encarregadas de uma missão como mediadoras de Deus. Neste sentido, o termo man traduzido por manda é o imperativo da raiz manah, que significa ordenar, governar.
  335. Cf. Sl 29,1.
  336. Este salmo individual de confiança em Deus declara primeiramente essa convicção (vv. 1-9) e desenvolve-a em seguida numa meditação segundo o estilo sapiencial (vv. 10-13). Como é frequente acontecer em salmos deste género, começa em estilo de oração e prossegue em atitude de contemplação. O conteúdo tem alguma analogia com os assuntos do Sl 4. Os que aplicam este salmo a David ligam-no aos episódios da revolta do seu filho Absalão (2Sm 15).
  337. Lit.: uma vez falou Deus, duas eu escutei. Esta expressão, por vezes designada «provérbios numéricos», é muito do gosto da literatura sapiencial. É um recurso de sentido superlativo, progressivo ou intensivo, que se usa com gradações de diversos números (cf. Jb 40,5; Sir 23,16; 25,7; 26,19; Pr 6,16;30,18.21.29; Am 1,3).
  338. Este salmo pode ser classificado como num salmo individual de súplica. O primeiro motivo da confiança proclamada parece estar relacionado com a proximidade do santuário. No final, as preocupações individuais de uma oração deste género aparecem, entretanto, alargadas ao bem-estar do rei e de todo o povo. O próprio facto de uma oração ser feita no santuário favorece naturalmente este alargamento das preocupações e das intenções. A oração tende a ser solidária e universal. Pelo assunto, este salmo é análogo aos Sl 42 e 43. Possíveis contextos de comparação com a história de David podem encontrar-se em 1Sm 23,14 ou 2Sm 15,23.28. Estas referências possíveis a David podem pertencer à origem do salmo ou ter acontecido por ocasião de releituras do mesmo.
  339. Lit.: É por ti que eu madrugo!
  340. Lit.: a minha carne.
  341. Pode ser uma referência à arca da aliança (cf. Sl 29,1; 78,61).
  342. O gesto de elevar as mãos andava associado com determinadas modalidades de oração, mesmo na prática religiosa da Mesopotâmia.
  343. Em última análise, o ele a quem se dirige o juramento pode ser Deus e também o rei. Esta ambivalência entre ambos aparece igualmente no Sl 28,8.
  344. É um salmo individual de súplica de alguém que se encontra em angústia e pede a proteção de Deus contra os que lhe dirigem acusações graves (vv. 2-7). A justiça neste conflito está colocada na mão de Deus, cuja intervenção se espera. E assim, mais uma vez, a súplica relativamente a um problema se transforma em ocasião para uma síntese sobre o comportamento humano e suas consequências.
  345. Ou: escondem bem os seus planos. Esta leitura consta em alguns mss..
  346. A flecha de Deus, neste v., é como que uma resposta de Deus à flecha dos maus, no v. 4.
  347. O género literário deste salmo é claramente o de um hino coletivo de ação de graças. A maneira como engloba vários temas da relação de Deus com o universo e com Israel torna-o particularmente adequado para as grandes solenidades. A festa das colheitas, do ano novo, ou da entronização de Javé poderiam ser hipóteses plausíveis. O governo de todo o universo e a fertilidade do solo estão associados com a presença de Deus no seu santuário de Jerusalém.
  348. Ou: Para ti, ó Deus, o silêncio é louvor, em Sião.
  349. Lit.: toda a carne se aproxima.
  350. Ou: Um rio de Deus.
  351. Este é um salmo coletivo de ação de graças. A primeira parte é um hino recordando os prodígios realizados por Deus em tempos antigos (vv. 1-7). É aqui que se encontra a garantia de segurança frente aos inimigos. A ação de graças coletiva (vv. 8-12) volta a lembrar a vitória alcançada numa batalha. Outra parte de ação de graças aparece na primeira pessoa do singular, embora esteja envolvida pelo sentido coletivo que principalmente marca as duas partes anteriores (vv. 13-20).
  352. A travessia do Mar Vermelho e a travessia do Jordão para entrar na terra prometida servem frequentemente para recordar e resumir para os hebreus todo o passado prodigioso que Deus lhes providenciou (cf. Sl 74,15; 114,3.5; Ex 14,16; Js 3,13; Is 44,27; 50,2).
  353. Se alguma referência a experiências históricas se pode dar como implícita neste texto, poderia ser a das ameaças dos assírios relatadas em 2Rs 18,13-19,26; Is 36,1-37,37.
  354. As metáforas usadas nos vv. 10-12 fazem parte dos recursos literários frequentes na Bíblia para descrever experiências de sofrimento e de catástrofe.
  355. As traduções desde a antiguidade e as edições críticas dividem-se entre aceitar o texto consonântico hebraico como está agora (rwyh) ou pressupondo uma ligeira diferença inicial (rwḥh). Os matizes semânticos partilhados pelas duas leituras apontam para largueza, folga, respiração, satisfação. Qualquer destes matizes servem como solução para a experiência negativa anteriormente relatada.
  356. Desde aqui até ao fim do salmo o texto está centrado numa única pessoa que fala em nome próprio. Faz sentido que quem toma de ora em diante a palavra seja uma personagem com capacidade de continuar a representar os interesses comuns de todo o povo. Há quem pense que a figura do rei Ezequias poderia ser significativa para assumir esta representação. Verifica-se, com efeito, que nos salmos o foco de interesse se desloca naturalmente entre o que interessa ao povo e o que diz respeito ao rei.
  357. Este é um salmo coletivo de ação de graças. É possível que esta ação de graças estivesse integrada num cântico próprio da festa das colheitas, uma vez que refere os produtos da terra como o sinal da bênção de Deus (vv. 7-8). No final do salmo e como é frequente neste género, a atenção amplia-se na contemplação da soberania de Deus sobre o mundo inteiro. É o processo natural de alargamento do olhar que a atitude de oração desenvolve. A referência sublinhada aos outros povos pode ter a ver com memórias de guerras passadas e celebradas na literatura bíblica, como é, por exemplo, a relatada em 2Rs 19, ou simplesmente como a maneira de proclamar a soberania de Deus sobre todo o mundo.
  358. Este v. serve-se de uma fórmula tradicional de bênção usada na liturgia (cf. Ex 6,24-26).
  359. Os caminhos de Deus são os padrões e princípios de comportamento que devem ser seguidos e também os modos que Deus tem de intervir no mundo e na história. A sua salvação são as vitórias e os êxitos que Ele garante àqueles a quem ajuda.
  360. O que justifica a soberania de Deus proclamada sobre o mundo é o facto de essa soberania se traduzir no reconhecimento e na gestão equitativa dos interesses e direitos de cada povo.
  361. Este salmo parece claramente um salmo coletivo de ação de graças. O que nele aparece como motivo para o agradecimento não são tanto ajudas individualizadas e concretas. É, antes, uma síntese de todos os benefícios realizados por Deus em favor de Israel ao longo da sua história. Esta espécie de epopeia religiosa da história de Israel poderia eventualmente servir como hino especial para uma festa de celebração da aliança. Daí o facto de aparecerem bem sublinhadas as referências ao Sinai e as repercussões benéficas que a proteção de Deus garante para a vida quotidiana dos israelitas.
  362. O texto dos vv. 8-10 está composto a imitar de algum modo o do cântico de Débora em Jz 5,4s.
  363. Lit.: o teu vivente, no sentido coletivo.
  364. Possível referência ao texto de Jz 5,16.
  365. A pomba é uma imagem que aparece como representando o próprio Israel (Sl 74,19; Os 7,11). Os despojos de combate servem para eles se ornamentarem (Js 22,8; Jz 8,48-49).
  366. Lit.: chadday. Como nome de Deus, El-Chadai era usado com frequência no tempo dos patriarcas (Gn 17,1; 49,25). As traduções costumam substitui-lo por nomes equivalentes, tais como Todo Poderoso, Soberano, etc..
  367. Salmon é um monte de localização hoje desconhecida que deveria estar localizado a norte da margem oriental do rio Jordão.
  368. Lit.: Montanha de Deus. Esta expressão é usada em hebraico com sentido de superlativo.
  369. A montanha de Basan, situada na região norte da margem oriental do Jordão, era conhecida pela sua produtividade. Este destaque faz com que Basan apareça com muita frequência referenciada na literatura bíblica.
  370. O monte Sião é a montanha desejada por Deus para sua morada.
  371. Na Bíblia são famosos os carros de Salomão (1Rs 10,26), mas a alusão mais provável aqui deve ser aos carros divinos da visão de Eliseu (2Rs 6,17; Is 66,15).
  372. Lit.: duas miríades.
  373. O texto hebraico atual significaria: O Senhor está neles, o Sinai é no santuário. É possível ver aqui indícios de releitura posterior, tendente a sublinhar que Sião é o Sinai, no sentido de valorizar a festa de Pentecostes como festa da entrega da Lei.
  374. Lit.: Adonai.
  375. A tradução dos LXX pressupõe um texto consonântico com uma preposição diferente, resultando numa tradução alternativa para o segundo hemistíquio: farei voltar às profundezas do mar. Como se refere a uma maneira de tratar os inimigos, a alternativa faz sentido.
  376. Lit.: nas convocatórias, porque as solenidades eram objeto de uma «convocatória» e foi esta designação que ficou no texto hebraico.
  377. Ou: em duas filas. Benjamim e Judá seguem na frente do cortejo, uma vez que fazem parte do Reino do Sul, onde o templo se encontra integrado (Js 15,8-63; 18,16; Jz 1,21). Zabulão e Neftali são duas tribos situadas na região setentrional do Reino do Norte, ou Samaria (Jz 4,6; Is 8,23).
  378. Numa festa da Páscoa do tempo de Ezequias é referida a presença das tribos do Norte (2Cr 30).
  379. Esta tradução pressupõe cortar diferentemente o texto hebraico de lhyk como elohay kî. Este tem função de ênfase, significando claramente, como o termo da segunda parte do v..
  380. Cf. Is 60,1-14; Ag 2,7-10; Tb 13,11.
  381. Vários termos hebraicos deste v. têm levantado dificuldades de tradução desde a antiguidade.
  382. Lit.: Dai a Deus o poder.
  383. Tal como no v. 29, também aqui o conjunto consonântico hebraico mmqdchyk deveria ser cortado como mimmiqedachyô (do seu santuário), lendo o restante como pois, a iniciar a frase seguinte.
  384. Neste salmo individual de súplica, o salmista lamenta o sofrimento que tem de suportar por causa de Deus e pede-lhe proteção contra os inimigos, prometendo agradecer essa ajuda. As tonalidades sapienciais de meditação que aqui se encontram contêm conotações análogas a algumas passagens de Job. Tem igualmente semelhanças com o Sl 22. Tendo em conta a maneira como as releituras cristãs do messianismo valorizaram o sofrimento do justo, é natural verificar que este salmo foi muito apreciado por parte dos primeiros cristãos. Como em muitos outros salmos, verifica-se também aqui uma referência à restauração do povo, a servir de conclusão. Isto pode sugerir que a data de composição do salmo é posterior ao exílio ou também que o tema importante da restauração foi sendo introduzido como complemento e atualização em textos de oração de época anterior.
  385. As situações de grande ameaça e sofrimento são expressas com metáforas derivadas dos mitos do caos e do mar. Cf. Sl 12,5.
  386. Lit.: O ciúme da tua casa me consome. Antigos comentadores entendem aqui os ciúmes que os estrangeiros sentem do salmista por causa do santuário. O sentido de paixão como sentimento do próprio salmista é mais verosímil.
  387. Este salmo individual de súplica retoma essencialmente os temas e a forma literária que integram a parte final do Sl 40,14-18 (cf. notas seguintes). A separação desta parte deveu-se provavelmente ao facto de constituir uma oração perfeita para pedir auxílio a Deus. O primeiro v. é utilizado na liturgia para dar início a todas as horas canónicas.
  388. Ao copiar-se esta parte do Sl 40,14-18, ficou de fora o imperativo inicial: "Digna-te".
  389. O Sl 40,16 diz: fiquem desolados.
  390. O Sl 40,16 acrescenta: contra mim.
  391. No Sl 40,17, em vez de Deus, é usado o nome de Javé (Senhor).
  392. O Sl 40,18 usa aqui Senhor (Adonai).
  393. O Sl 40,18 diz: cuida de mim.
  394. O Sl 40,18 usa: meu Deus.
  395. Este salmo individual de súplica descreve a situação de alguém que se encontra sujeito a dolorosas perseguições, mas reafirma toda a sua confiança em Deus. Devido talvez a este clima de confiança, verificamos que neste salmo não aparecem os ataques contra os inimigos que habitualmente se encontram em textos deste género. A imagem do salmista é a de um piedoso ancião (vv. 9 e 18), cuja vida se desenrolou no cumprimento dos seus deveres religiosos. Este salmo não apresenta em título nenhuma das referências que constam habitualmente no texto hebraico. Em contrapartida, na tradução grega dos LXX está escrito como título: De David. Dos filhos de Jonadab e primeiros exilados.
  396. O termo hebraico entendido como pertencendo à raiz gzz poderia significar como o que corta o cordão umbilical, oferecendo ao recém-nascido o primeiro acolhimento. O termo paralelo no Sl 22,10 também não é muito mais claro. Nos textos de Qumrân foi lido com 'ozzî (minha força). Não se trata da mesma raiz, mas serve como perceção de sentido segundo o contexto.
  397. Colocar em paralelo o conceito de justiça e o de salvação significa que se está a sublinhar neste conceito a dimensão radical de generosidade e exigência, muito para além da ideia limitada de dar o seu a seu dono.
  398. O verbo entrar sugere que o contexto é o de um espaço delimitado, onde vai praticar um ato de piedade. As fortalezas é uma metáfora para indicar o templo, edifício de uma funcionalidade variada e complexa que justificava o plural, segundo o uso cananaico. A mesma relação entre entrar e tuas fortalezas reaparece, logo a seguir, no v. 18.
  399. Lit.: Adonai.
  400. Esta referência à velhice pode aplicar-se ao indivíduo orante, mas também a um Israel envelhecido. Os profetas e os textos bíblicos servem-se frequentemente destas categorias de idade como expressão do acumular histórico de esperanças, desilusões e experiências.
  401. Lit.: o teu braço. O braço é a metáfora caraterística para exprimir a intervenção de Deus realizada no êxodo.
  402. O texto hebraico consonântico diz: voltarás a dar-nos vida. A nota marginal massorética recomenda que se leia no singular.
  403. O hebraico usa, no plural, o mesmo termo que em Gn 1,2 é usado para designar o abismo ou caos inicial (tehom). O conceito de morte e mundo dos mortos associa todas estas conotações.
  404. Este título não significa que Salomão seja autor do salmo; significa que a imagem do grande rei ficou bem marcada na memória dos hebreus (1Rs 3,9.12.28; 4,20; 10,1-29; 1Cr 22,9). A tradição judaica e cristã viu nele a figura do messias, o qual leva também o título de Filho de David.
  405. Este é um salmo real que, segundo o título, é atribuído a Salomão, tal como acontece com o Sl 127. Por isso aparece com frequência utilizado em contextos messiânicos. Pode presumir-se que, pelo seu conteúdo, seja um salmo realmente composto durante o tempo da monarquia. Mas os traços bastante idealizados que o caraterizam podem também sugerir outras épocas possíveis de composição, mesmo quando Israel já não tinha reis. Segundo este salmo, as caraterísticas do rei ideal são a justiça no sentido pleno que a Bíblia lhe dá (vv. 1-4), universalidade e eternidade (vv. 5-11), cuidado dos pobres (vv. 12-15), prosperidade e esplendor (vv. 16-17). Neste sentido, o conteúdo deste salmo converge com o ideal de governação apresentado em Is 9,5; 11-15; Zc 9,9s.
  406. A justiça da governação é completa, se a ela corresponder um bem-estar no mundo.
  407. A lógica sequencial do texto faz com que este v. se deva entender como aplicado ao rei. Na verdade, a antiga tradução grega dos LXX vai nesse sentido. Para tal, costuma propor-se ler o termo hebraico yr'wk como y'ryk, que ele prolongue, em vez do primeiro, que eles te vejam. A atual vocalização massorética daria como sentido: Que eles te vejam como o Sol.
  408. Lendo assim, o texto hebraico parece estar a sublinhar um sentido mais messiânico. As versões antigas leem justiça, mantendo assim um sentido mais em aberto.
  409. A Lua faz aqui pendão com o Sol que aparecia no v. 5. A duração de ambos os astros é o padrão de duração para o tempo messiânico.
  410. Este rio deverá referir-se ao Eufrates, que era considerado como um dos pontos de referência para os limites da Palestina ideal. Cf. Jz 20,1s.
  411. A expressão criaturas do deserto designa animais ou demónios que representam uma ameaça e servem de pendão aos outros inimigos (Is 13,21; 34,14; Jr 50,39; Ez 34,28).
  412. Társis indica o extremo ocidente mediterrânico (Sl 48,5).
  413. Sabá é uma região situada no sul da península da Arábia, famosa pelos seus produtos exóticos.
  414. A falta de sujeito explícito faz com que este texto se possa interpretar também como sendo o rei a interceder e a abençoar o povo.
  415. Os vv. 18-19 constituem uma doxologia que encerra a segunda coleção de salmos, tal como no Sl 41,14. O v. 20 é um colofão para o grupo de salmos davídicos (Sl 51-72). Mais adiante aparecem, no entanto, mais salmos atribuídos a David (101; 108-110; 138-145).
  416. Asaf foi o chefe de um dos grupos da música do templo (1Cr 16,5-7.37; 25,1s). O seu nome aparece no título da série de salmos entre 73 e 83.
  417. Este salmo tem as caraterísticas de uma meditação sapiencial. Trata de questões candentes do comportamento humano, particularmente a questão do prémio e do castigo, que nem sempre parecem acontecer da maneira considerada mais justa. A solução que se propõe é a de reforçar a confiança em Deus (Jr 12,1-6; Hab 1,13; Ml 3,15). A posição de fundo que aqui aparece é, no geral, mais confiante do que aquela que frequentemente transparece no livro de Job.
  418. Aproveitando a sugestão implícita na tradução grega dos LXX, parece mais provável ler wnmw, a sua iniquidade, em vez de ynmw, os seus olhos.
  419. Ou: Por isso, estão sentados no alto / e a enchente não os atinge. Este v. levanta muitas dificuldades para uma tradução segura.
  420. O hebraico pode traduzir-se literalmente: os santuários de Deus, ou de deus ou de El, o chefe do panteão de Canaã. O que está em causa é saber se está em questão uma ida ao santuário de Deus em Jerusalém (e nesse caso o plural santuários justifica-se pela grandeza das construções) ou se se trata de uma ida a santuários pagãos que motivou a reflexão que vem a seguir.
  421. Ou: Tu os desprezarás na cidade dos fantasmas. Esta alternativa assenta na leitura do texto hebraico consonântico ṣlmm como um plural (ṣelamim – imagens ou fantasmas), significando com esta metáfora de cidade dos mortos, o mundo inferior, i.e., o Cheol. Esta alternativa possível de leitura oferece um interessante paralelo para o v. 24, segundo o qual aquele que é fiel será recebido por Deus na glória.
  422. O hebraico diz Behemot, que poderia sugerir a figura monstruosa das mitologias de criação. Neste contexto parece mais que o salmista compara a sua insensatez e incapacidade de compreender à de um animal (cf. Jb 40,15).
  423. Ou: Guiaste-me para o teu conselho. Entender aqui o termo 'aşat como assembleia, reunião, conselho, como alguns veem no Sl 1,1, oferece um bom paralelo para a glória, no segundo hemistíquio.
  424. Lit.: aquele que se prostitui contra ti. Esta metáfora da infidelidade a Deus é frequente entre os profetas (cf. Os 1,2s).
  425. A imagem conclusiva que fica deste tratado de ética e de escatologia resume-se na fórmula final dos que ficam longe de Deus e daqueles que ficam perto dele.
  426. A tradução dos LXX, a Vg e a NVg acrescentam: às portas da filha de Sião, expressão que pode vir do Sl 9,15.
  427. Salmo coletivo de súplica, onde se lamenta uma ofensa de alguns inimigos contra o santuário do Senhor. Lembra os prodígios que Deus realizou por ocasião da saída do Egito e da entrada na terra de Canaã, como motivo perene de confiança. No que diz respeito aos ataques referidos contra o santuário, eles podem ser muito variados, se bem que possamos tomar sempre como referência maior a destruição do mesmo pelos conquistadores neobabilónicos em 587 ou 586 ( 2Rs 25,9; Lm 1,4-10; 2,5-9); outra referência pode ser a profanação do templo por ordem de Antíoco IV, em 170 a.C., acontecimento que provocou a revolta dos Macabeus.
  428. Ou: Pareciam lenhadores a brandir o machado / numa floresta espessa. O hebraico deste v. torna difícil uma tradução segura. As portas do templo foram despedaçadas pelos soldados babilónicos (Lm 1,4; 2,9) e no tempo dos Macabeus foram queimadas pelos selêucidas (1Mac 4,38).
  429. Em qualquer das duas datas de ataque referidas, os hebreus tinham apenas um templo. Os inimigos podem estar a fazer um exagero ou generalização como opção retórica, atitude com que pretenderiam atingir o país inteiro (cf. Is 10,11).
  430. Referência à travessia do Mar Vermelho (Ex 14,15).
  431. Leviatan é o nome para um dos monstros marinhos na mitologia de Canaã. Na literatura de Ugarit era descrito como tendo sete cabeças (Is 27,1; Sl 104,26; Jb 3,8; 11,25ss.)
  432. Lit.: luzeiro e sol.
  433. Ou: dos teus fiéis. Oseias compara Israel a uma pomba: Os 7,11; 11,11 (cf. Ct 5,2).
  434. Este salmo tem as caraterísticas próprias de uma exortação profética. Trata do julgamento que Deus há de realizar sobre o mundo. O tempo em que isso irá acontecer parece ser percebido como já próximo. Os adversários que aqui aparecem a ser condenados são aqueles que não reconhecem que a justiça de Deus é o único critério que servirá para julgar o mundo.
  435. Ou: O teu nome está próximo dos que contam os teus prodígios.
  436. A imagem da taça aparece frequentemente na Bíblia: Sl 11,6; Jr 25,11; 48,26; 49,12; 51,17s; Ez 23,31; Ap 14,10.
  437. Este salmo faz parte do conjunto designado como salmos ou cânticos de Sião. Nele se nota o eco de alguma vitória obtida pelos israelitas. Vários acontecimentos históricos poderiam ter contribuído para enriquecer os temas e as metáforas pertinentes, como, por exemplo, as imagens da batalha relatada em 2Sm 5,17-24. Mas estas referências ao passado que servem para criar a linguagem reconhecível transformam-se, na verdade, em paradigmas de futuro. Um outro acontecimento político e militar que seguramente está em condições de poder servir de referência a este salmo é o assédio de Senaquerib a Jerusalém no ano de 701 a.C. (2Rs 18,13-19,36).
  438. Salém, estando em paralelo com Sião, refere-se evidentemente a Jerusalém. É possível que o mesmo nome seja o que aparece em Gn 14,18; Jdt 4,4; e que Heb 7,1s refere. O conteúdo do salmo celebra a vitória sobre os exércitos invasores e a destruição das suas armas. O autor do salmo pode estar a aproveitar, para contraste, o significado de «paz» (chalom) que a literatura bíblica se habituou a associar com o nome de Jerusalém.
  439. O tema da destruição das armas de guerra é frequente na Bíblia (Sl 46,10; Is 2,4; Ez 39,9; Os 2,8; Zc 9,10).
  440. As metáforas dos vv. 5-7 podem aludir à catástrofe que atingiu o exército de Senaqueribe, quando pretendia atacar Jerusalém, conforme consta em 2Rs 19,35.
  441. Ou: e com os que sobrevivem à ira farás uma cintura. Esta imagem significaria a união entre Deus e os sobreviventes da ira (Jr 13,11; Sl 109,19).
  442. Já na antiguidade houve quem entendesse a expressão acima traduzida como ao que é temível (lammora') por uma alternativa: ao dador da lei (lammoreh).
  443. Cf. Sl 39,1.
  444. Trata-se de um salmo coletivo de súplica. Começa com as referências explícitas aos gestos e atitudes de uma súplica dirigida a Deus. Entretanto, surgem queixas e experiências que parecem traduzir a sensação de algum abandono por parte de Deus, tanto mais que o ponto de comparação são os prodígios dos tempos antigos que soam já demasiado distantes.
  445. A expressão literal hebraica fechar as suas entranhas é equivalente a fechar o seu coração.
  446. Sobre as diferenças que se podem verificar no modo de agir de Deus (cf. Jr 18,1-12).
  447. Hebraico consonântico: Lembrarei os prodígios. As traduções antigas e a vocalização massorética (qere') consideram que é o próprio salmista que se recorda. Esta é a opção que vai em texto. Segundo o texto hebraico consonântico (ketib) o que se afirma é a intenção do salmista em lembrar aos outros.
  448. As memórias evocadas neste salmo concentram-se na saída do Egito. Por isso os antepassados nomeados são os de Jacob, que seguiram com ele de Canaã para o Egito, e os de José, que já lá estavam com ele (Gn 46,26-27; Ex 1,1-5).
  449. Alguns destes prodígios são reflexos da literatura oriental sobre a luta contra o caos que envolve o mar e outras forças cósmicas. Estas manifestações do poder de Deus aparecem aplicadas ao período de transição radical que medeia entre o Egito e o Sinai (Sl 68,8s; Jb 7,12s; Ex 19,16-18).
  450. Este salmo histórico propõe uma longa exposição sobre o significado do passado de Israel, segundo o modelo sapiencial. O convite a prestar bem atenção, feito logo ao início, é um sinal claro deste gosto sapiencial. A visão da história passada que se propõe divide-se entre a grandeza dos prodígios de Deus, a marcar as etapas decisivas da vida do povo, e os pontos baixos do comportamento do mesmo povo, que se revolta e desobedece às diretivas vindas da parte de Deus. Estão inclusivamente presentes os ecos de lutas e problemas ocorridos entre as várias tribos dos hebreus. É referida, em concreto, uma rejeição da tribo de Efraim por parte de Deus, daí resultando a primazia atribuída à tribo de Judá. Com esta particular maneira de analisar e sintetizar a história de Israel, este salmo partilha posições semelhantes àquelas que encontramos no Deuteronómio e na historiografia bíblica que nele se inspira.
  451. Lit.: a minha lei. O termo usado é mesmo torah, que é a mais importante das palavras usadas para designar lei, mas que significa realmente instrução. Neste lugar, a palavra dá a todo o salmo um estatuto equivalente a um tratado normativo sobre a fé de Israel.
  452. Não temos outros dados históricos concretos sobre um episódio que esteja por trás deste texto. Eventualmente, pode tratar-se de atribuir a Efraim, como principal tribo do Reino do Norte, a responsabilidade dos males que aconteceram a Israel.
  453. É a cidade egípcia de Tânis, situada num dos canais orientais do delta do Nilo, zona habitualmente associada com a estadia dos hebreus no Egito (Ex 5-11).
  454. As águas do grande abismo cósmico que aqui se chama tehom, tal como em Gn 1,2 não têm só conotações negativas como caos e ameaça. Também são fonte de vida. Nesse abismo não só há as águas salgadas, mas também as doces.
  455. As difíceis condições de vida no deserto fizeram com que se aprofundasse a memória de um produto alimentar específico daquele ambiente, que os beduínos continuaram a usar. O próprio nome de maná tem raízes mais ligadas ao árabe que ao hebraico. O seu sabor a mel era outro aspeto que contribuía para construir a memória de um alimento providencial e milagroso (Ex 16,13-21; Nm 11,7-9).
  456. Ou: dos anjos, conforme a interpretação que vem da tradução dos LXX e continuou na Vg. Estes fortes representam as personagens poderosas que, na cultura religiosa semítica, fazem parte da corte divina (Sl 103,20; 105,40).
  457. Nos vv. 26-29 é recordado o episódio das codornizes que caíram à volta do acampamento para alimento dos israelitas (Ex 16,13; Nm 11,31-34).
  458. Em Nm 11,33, este episódio é relatado quase com as mesmas palavras.
  459. Ou: e de novo, madrugando, o procuravam. Os atos de culto no templo tendem a privilegiar as horas mais matinais. Por outro lado, estes ciclos de pecado e arrependimento estão bem espelhados no livro dos Juízes (Jz 2,11-23; 3,7-15; etc.).
  460. O termo para redentor é go' el, que designa aquele que, segundo a lei do levirato, tem capacidade e obrigação de resgatar ou redimir a mulher viúva e sem filhos que caía numa condição social desprotegida (Dt 25,5s).
  461. Nos vv. 43-50, aparecem resumidas as várias pragas que Deus fez cair sobre os egípcios (Ex 7-11).
  462. Os primogénitos que morreram (Gn 49,3; Dt 21,17) são considerados descendentes de Cam, porque este, na Bíblia, é declarado como segundo filho de Noé e como pai de Misraim, que é o Egito (Gn 10,6).
  463. O território da terra prometida é identificado como se fosse uma única montanha. O significado desta identificação é múltiplo: os hebreus identificavam-se sobretudo com a parte montanhosa da Palestina; a montanha de Sião era simbolicamente o coração da terra e a montanha (Ex 15,17) é sempre a metáfora preferida para morada simbólica de Deus.
  464. Lugares altos é o nome que se dá aos santuários das religiões de Canaã que continuaram a existir, depois de os hebreus ali se terem instalado (1Sm 9,12; 1Rs 3,2).
  465. É uma alusão à captura da arca da aliança que estava em Silo. A arca era considerada a morada de Deus e não voltaria mais a Silo (1Sm 4,3-7,1; Jr 7,12-15).
  466. A sua fortaleza é a arca da aliança que funciona como morada de Deus.
  467. Alude ao castigo contra os filisteus (1Sm 5,6.9).
  468. Os vv. 67-68 referem-se ao facto de a arca da aliança ter deixado de estar em Silo, que se encontrava na tribo de Efraim e pertencia à família de José, tendo sido definitivamente transportada para o território da tribo de Judá.
  469. Com tonalidade compreensível de lamentação por situações de ataque contra Jerusalém (Sl 74), este é um salmo coletivo de súplica. O pedido consiste principalmente em que os males e desgraças infligidos à cidade pelos inimigos sejam vingados por uma intervenção do próprio Deus. Como fundo histórico para acontecimentos deste género, pode pensar-se em 2Rs 24-25 e Ez 36,5. Mais uma vez a destruição do templo em 587 ou 586 pelo exército neobabilónico e a sua profanação pelos selêucidas em 170 a.C. são os contextos de grande catástrofe que se prestam a servir de pano de fundo para estes salmos.
  470. Herança, templo e Jerusalém têm muito de sinónimo entre si. Com níveis de pertinência diferentes, o conceito de herança de Deus pode aplicar-se a cada um deles (Ex 15,17; Sl 74,7; Jr 51,51).
  471. A razão da ira de Deus e o pedido de castigo não é por não conhecerem a Deus. A razão é a dos maus tratos a que sujeitam a «morada de Jacob».
  472. O termo hebraico que significa seus domínios (nawehu) serve para indicar vários tipos de propriedade, sejam campos, pastagens ou residências.
  473. A conceção moral de que as culpas dos pais poderiam motivar castigos contra os filhos (Ex 20,5; Lm 5,7) era recebida com alguma incomodidade.
  474. Neste salmo coletivo de súplica, o contexto que justifica o pedido deverá ser algum perigo que ameaça o reino do Norte. Com efeito, o grupo humano que sofre ameaça e por causa dela dirige a Deus este pedido aparece representado pela menção das três principais tribos daquele reino, nomeadamente Efraim, Benjamim e Manassés. A data de composição plausível, nesta perspetiva, teria sido nas proximidades da invasão assíria que acabou por pôr fim ao reino da Samaria, em 721 a.C..
  475. O título de pastor é também aplicado a Deus (Sl 23,1s; Is 40,11).
  476. José representa sobretudo o grupo de tribos da Samaria, Efraim e Manassés. No entanto, numa leitura segundo o interesse dos israelitas em geral, José poderia ter alguma representatividade e sentido para o povo todo, pelo destaque que tem na associação com o patriarca Jacob e pelo ascendente que a memória da estadia no Egito lhe deixou.
  477. Estas tribos são as três descendentes de Raquel, i.e., estamos na linha preferida da descendência de Jacob (Nm 2,17-24; Jr 31,15).
  478. O pedido para que Deus volte é utilizado neste salmo à maneira de um refrão (vv. 4,8,15,20). Há quem traduza esta expressão como faz-nos voltar. No entanto, a tradução proposta, sendo inteiramente justificada do ponto de vista gramatical, parece enquadrar-se bem melhor no contexto e na dinâmica de pensamento do salmo.
  479. A alegoria da videira, que serve para suportar a exposição entre os vv. 9 e 18, é bastante comum na literatura profética (cf. Is 5,1-5; Jr 2,21; 12,10; e ainda Mc 12,1-12; Jo 15,1-8). A passagem do Egito para a terra prometida é vista metaforicamente como se a videira fosse transplantada (Ex 23,31; Dt 4,37-38).
  480. Lit.: Os cedros de Deus. A expressão tem o valor de um superlativo.
  481. O mar aqui referido é seguramente o Mediterrâneo e o rio deve ser o Eufrates, visto como uma espécie de fronteira ideal de Israel: Gn 15,18; Dt 11,24; 2Rs 24,7; Zc 9,10. Isto significa que os israelitas integram na sua imagem de identidade cultural a Síria até ao Eufrates, que nunca lhes pertenceu como realidade política.
  482. Estes animais ameaçadores são metáforas das nações, as mais poderosas como a Assíria ou a Babilónia, ou as vizinhas mais modestas, cuja força e ambições colocam Israel continuamente em perigo (Sl 83,7s; 137,7; Abd 11).
  483. Mesmo continuando a desenvolver a metáfora da videira, o texto acaba por se referir explicitamente a Israel, tratando-o como filho.
  484. Como o salmo tem a atenção concentrada na Samaria, este homem da tua direita pode ser uma maneira de se referir a Benjamim, cujo nome significa filho da direita. Com esta expressão pode estar a tomar a parte pelo todo, i.e., a tribo de Benjamim pela totalidade do reino do Norte, ao qual esta tribo pertence. Associando esta expressão com o Sl 110,1, em que quem está à direita de Deus é o rei, poderia perceber-se aqui alguma ressonância de tipo messiânico. O salmo dá a entender que se trata de uma personalidade concreta muito importante. A referência poderia ser para Zorobabel (Esd 3,2; Ag 1,1).
  485. Este salmo obedece às caraterísticas de uma exortação profética. Começa com um hino (vv. 1-6), convidando para a festa, e integra seguidamente um oráculo divino (vv. 7-17), que recorda os mandamentos e as experiências vividas pelo povo no deserto.
  486. Lit.: o chofar, trombeta feita de um chifre de carneiro e utilizada pelo sumo-sacerdote para anunciar as festas de grande solenidade.
  487. A lua nova e a lua cheia eram os dois momentos mais significativos do movimento mensal da lua e representavam os dias festivos mais importantes do mês. Elas definiam um ciclo quinzenal de festas, num mês dividido pelas fases da lua em quatro semanas (Lv 23,33-34; Nm 28,11-15; 29,12-39; Am 8,5).
  488. Os salmos de Asaf manifestam especial atrativo pela personagem de José (Sl 77,16; 78,67; 80,2). Pelo que diz respeito a este salmo, esse facto poderia sugerir alguma intencionalidade de convite destinado à população do norte de Israel.
  489. Desde as mais antigas traduções se tem sentido a dificuldade em saber se esta última frase do v. 6 pertence ou não ao discurso direto que preenche todo o resto do salmo. O facto de nesta frase os verbos estarem já na primeira pessoa parece apontar para esse entendimento. Assim, toda a secção final seria uma espécie de declaração ou testemunho posto na boca de Deus como mensagem a conservar desde a saída do Egito. A opção de deixar esta primeira frase fora do discurso de Deus é mais habitual, mas é também mais difícil de enquadrar na sequência do texto.
  490. O texto pretende sublinhar que antes de Deus ter escolhido Israel como seu povo, enquanto estava no Egito era como se o não conhecesse. É isso que dá a entender o texto de Am 3,1s.
  491. Ou: Então Eu os alimentaria com a flor da farinha / e os saciaria com o mel dos rochedos. Esta tradução colocando o segundo hemistíquio na terceira pessoa do plural já aparece na tradução dos LXX e é seguida na Vg e na NVg.
  492. Este é um salmo coletivo de súplica. Além do pedido que formula, tem dados que o assemelham a uma exortação profética. Deus é apresentado como um juiz que preside ao funcionamento do universo como presidente supremo de uma corte divina, segundo a conceção geral das culturas de Canaã. Nas religiões semíticas a corte divina é formada por todos os deuses.
  493. As várias tradições religiosas da região de Canaã tinham como caraterística comum o facto de representarem os deuses como formando uma assembleia presidida por um deus supremo. De acordo com este quadro, Deus é aqui apresentado numa posição de superioridade e autoridade acima dos restantes deuses (Sl 86,8; 136,2; Ex 18,11; Dt 10,17). Isto parece, no entanto, uma imagem para justificar a interpelação aos que têm de administrar a justiça, para o fazerem com inteira equidade (v. 2). Quem se encontra aqui debaixo de mira são muito provavelmente reis, governantes e chefes responsáveis por que seja assegurada justiça no exercício das suas funções. E estas autoridades são metaforicamente designadas por deuses (v. 6; Sl 45,7; 58,2 e ainda Ex 21,6; Jo 10,33-36).
  494. Esta interpelação aos responsáveis pela justiça é frequente nos profetas: Is 1,17ss; Jr 5,28; 21,12; 22,3; Ez 22,27.29; Mi 3,1-11; Za 7,9s; cf. Jb 29,12; Pr 18.5; 24,11s.
  495. Segundo a Bíblia, a importância do conceito de justiça ultrapassa a simples ordem social; ela é de tal modo abarcante e profunda que lhe cabe assegurar a consistência de todas as coisas.
  496. Esta frase também poderia ser lida como uma interrogação para sublinhar a crítica.
  497. Este salmo coletivo de súplica dirige-se a Deus para que proteja o povo de Israel. O inimigo principal cujas ameaças se pressentem poderiam ser os assírios. Na verdade, o salmo dá indícios de ter sido composto antes do exílio. Como acontece sistematicamente com textos deste género, os argumentos e imagens aduzidos para justificar a proteção de Deus consistem numa revisão dos prodígios realizados por Ele no passado. O que serve para processar esta recordação são os nomes dos inimigos que sofreram as consequências da intervenção divina.
  498. Nos vv. 7-9 aparece a lista dos inimigos ordenados em vários grupos. O primeiro é caraterizado como gente das tendas. São povos a sul da Palestina, vários deles ainda nómadas, tais como edomitas, ismaelitas, agarenos, descendentes de Agar, guebalitas e amalecitas. Os filhos de Lot já não são conhecidos em tempo histórico dos hebreus, mas seriam mais um grupo do sul. Outro grupo é o dos filisteus e fenícios de Tiro que viviam na costa do Mediterrâneo.
  499. A quantidade de povos referidos nos vv. 7 a 9 serve para configurar a variedade de inimigos que se contrapõem a Deus e ao seu povo. Trata-se de um aglomerado simbólico em que se sintetizam todas as recordações de guerra com os povos seus vizinhos que os israelitas conservavam. A associação dos assírios com os filhos de Lot, que seriam os moabitas e amonitas, não nomeados no texto, pode servir o aspeto simbólico pretendido. Este conjunto de povos também poderia sugerir leituras para uma época mais recente, como a dos selêucidas. Nesse caso, o nome de assírios poderia fazer lembrar os sírios, pois o reino selêucida situava-se na Síria.
  500. Os acontecimentos e as personagens referidas nos vv. 10-12 correspondem ao que vem relatado em Jz 4,7s. Estes nomes recordam grandes vitórias ocorridas no passado e que aqui servem como modelo para desenhar as coordenadas da intervenção divina que se solicita.
  501. Ou: os melhores campos.
  502. Este é mais um dos salmos de Sião (cf. Sl 46,2 nota). Nele se manifesta o enlevo que produz sobre o peregrino o facto de pensar no santuário do Senhor, em Sião. A morada de Deus no santuário é descrita com recurso a palavras no plural, como no v. 2, o qual, na tradição de Canaã, sublinha a grandeza de quem ali habita e a amplidão dos palácios. Assim se usava engrandecer os palácios dos reis no antigo Oriente. Ora, Deus é aqui apresentado como um rei em Sião (1Rs 6). A referência às primeiras chuvas no v. 7 poderia ser uma alusão ao tempo da festa das Tendas que ocorria no início do outono. Tem algumas semelhanças com os salmos de peregrinação, que acompanhavam a viagem para as grandes festas a celebrar em Jerusalém (Ex 23,17; Dt 16,16).
  503. A referência ao vale do pranto pode corresponder ao vale de Gué Hinom, situado a oeste de Jerusalém, por onde os peregrinos entravam na cidade e onde se encontravam os caminhos vindos do norte, do sul e do oeste. Se o salmo se enquadra na festa das Tendas, esta entrada acontece no outono, que é realmente o tempo das primeiras chuvas.
  504. A referência ao escudo e ao ungido sugerem que uma proteção especial de Deus era pedida para o rei, personagem a quem aqueles dois conceitos correspondem de forma especial. Se o salmo for de depois do exílio, o ungido pode ser o sumo-sacerdote, uma vez que se tornara o centro da comunidade e do templo. Aos retornados está reservada uma espécie de paz messiânica prometida por Isaías e Zacarias.
  505. Ou: em lugar por mim escolhido. Há quem leia baħarti como início da frase seguinte: Já escolhi.
  506. Este salmo coletivo de súplica procura valorizar todos os sinais possíveis de recuperação e de esperança. Este espírito e estas expetativas parecem adequar-se particularmente bem a um tempo de recomeço, depois do exílio. De qualquer maneira, estes sentimentos podem ter lugar em qualquer época da história, segundo a conceção bíblica.
  507. Ou: fizeste regressar Jacob do exílio.
  508. Ou, segundo os LXX: aos que se voltam para Ele de coração.
  509. Ou: porque a sua glória habita na nossa terra. Se o salmo se enquadrar em tempo de regresso do exílio, seria a própria glória de Deus que regressa, depois de ter abandonado o templo ao ser destruído (Ez 11,23; 43,2; Ag 2,9).
  510. Duas duplas de conceitos caraterizam neste v. o agir de Deus e o mundo ideal. Deus é misericórdia e verdade; a perfeição do mundo humano é paz e justiça. O ideal é encontrarem-se e funcionarem juntas.
  511. Entre o céu e a terra, o divino e o humano, a norma de funcionamento é de perfeita harmonia.
  512. Ou: e a paz pelo caminho dos seus passos. Há quem proponha esta tradução alternativa, com base na associação entre justiça e paz no v. 11. A tradução dos LXX sugere uma tradução mais fiel ao estado atual do texto hebraico. Em conclusão, toda a prioridade é atribuída à justiça.
  513. Este salmo individual de súplica refere motivos de perigo e perseguição, alguns dos quais aparecem iguais em outros salmos ( v. 14 e Sl 54,5), mas concentra-se principalmente em manifestar sentimentos de serenidade e em recolher motivos de esperança. Parece até preocupado em juntar neste género literário tudo o que sejam motivos de confiança. A promessa de ação de graças, natural neste tipo de orações, ocupa a parte central do salmo. Em suma, é um salmo prestável para ser rezado em muitas ocasiões.
  514. A convicção generalizada entre os profetas de que todos os povos hão de reconhecer o seu Deus quer dizer que o significado que atribuem a Deus e a maneira como veem a sua relação com ele é prestável para a generalidade dos humanos. O sentido com que o fazem é de harmonia universal. Quando está articulado com a correção de injustiças cometidas por outros povos, envolve conotações de castigo infligido por Deus contra as más ações.
  515. Lit.: do Cheol.
  516. Este salmo parece ser um caso característico dos cânticos de Sião (Cf. Sl 46). Nele ressoam os oráculos proféticos sobre a grandeza de Jerusalém. A realeza universal de Deus que dali se afirma faz com que Sião seja vista como a meta de peregrinação, e mais ainda se afirme como sendo a origem dos mais variados povos do mundo. Parece ressoar neste salmo um certo espírito da festa de Pentecostes, por ocasião da qual se juntavam muitos peregrinos de longe em Jerusalém. O que o salmo proclama é o entusiasmo vivido por todos os que consideram Sião como capital espiritual do mundo.
  517. Raab é um dos nomes dados a um monstro marinho identificado com o caos, tal como acontece com outros monstros (Sl 89,11; Is 51,9; Jb 9,13; 26,12). Aqui deve referir-se ao Egito (Is 30,7), que partilha a mesma imagem, ainda que neste salmo não pareça tão negativo.
  518. Lit.: Cuche. Era uma população africana situada a sul do Egito, na região que depois se chamou Etiópia.
  519. A tradução dos LXX com alguns mss. leem: Tanto príncipes como crianças.
  520. Sobre Heman, o ezraita, pode ver-se Sl 89,1; 1Rs 5,11; 1Cr 6,18. Ezraíta significa nativo, autóctone.
  521. Este salmo individual de súplica descreve de uma forma ampla, pormenorizada e intensa as queixas que sustentam o seu pedido. São males que o apoquentam desde muito jovem e que o deixam às portas da morte. Pela modalidade quase biográfica que mostra do sofrimento e da sua interferência na vida espiritual do orante, este salmo bem como o salmo 39 apresentam fortes analogias com o caso de Job. O título do salmo parece ter sofrido alguma duplicação.
  522. Este abismo da morte traduz o termo Cheol, espaço imaginário onde se localiza a referência aos mortos. Cf. v. 6; Sl 6,6; 9,18; 86,13; Nm 15,33; Am 9,1-4.
  523. Os vv. 5-7 e 11-13 exprimem bem o que os hebreus sentem relativamente às condições dos humanos no mundo do Cheol.
  524. Por este v. se pode avaliar qual a sensação com que a cultura dos semitas, de que os hebreus fazem parte, olhava para a condição dos mortos e o tipo de vida desvalorizada que lhes restava no Cheol. Ali, estavam longe de Deus.
  525. Último traço da descrição do mundo dos mortos, este termo de perdição ('abaddon) não significa a ideia de condenação, mas tem o sentido de ruína, destruição e quase aniquilamento. Cf. Jb 26,5; 28,22; Pr 15,11.
  526. Etan era um sábio (1Rs 5,11), cujo nome andava ligado aos domínios da música no templo de Jerusalém (cf. 1Cr 6,27-29; 15,17-19). O qualificativo ezraíta significa nativo, autóctone.
  527. Este salmo real começa por celebrar o próprio Deus como rei do universo e de Israel. Recorda-se em discurso direto (vv. 4-5) a aliança que Deus estabelecera com a casa de David (2Sm 7), prometendo que a tornaria firme para sempre. Daí a classificação de salmo messiânico que se lhe atribui. Este entusiasmo não anula o tom de lamentação e de súplica com que o salmo termina (vv. 39-53). Isto significa que a época em que o salmo foi composto estava marcada por acontecimentos trágicos, vividos no presente ou relembrados do passado. As imagens da destruição de Jerusalém parecem pairar no seu horizonte.
  528. Ou nos céus.
  529. Este discurso direto poderia originalmente ter como introdução: Tu disseste, que, no texto hebraico atual, aparece no início do v. 3 e que desde a antiguidade sempre deixou a impressão de que o contexto pediria uma segunda pessoa (Deus) e não uma primeira (salmista).
  530. Esta assembleia dos santos é uma expressão para designar o conjunto dos deuses, segundo a tradição religiosa de Canaã. Os hebreus acabaram por aproveitar a expressão para diversos usos metafóricos e, mais tarde, para designar a assembleia de Deus com os seus anjos (Jb 1,6; 5,1; 15,15; Dn 4,14; Zc 14,5).
  531. Lit.: filhos de Deus.
  532. Os vv. 10-14 tratam do poder que Deus exerce sobre o mundo e sobre as principais forças da natureza.
  533. Raab é um monstro mítico que personifica o caos (Sl 87,4; Jb 7,14; 9,13; Is 51,9). Tal como no Sl 87,4, aqui poderia referir-se ao Egito e, sendo assim, a referência histórica vai para o tema omnipresente da saída do Egito. Mas pode simplesmente tratar-se de uma referência geral à vitória de Deus sobre as forças do caos.
  534. Os montes Tabor e Hermon são montanhas famosas no norte de Israel que tinham grande simbolismo religioso (Sl 42,7; Os 5,1).
  535. Temos aqui a hierarquização dos atributos de Deus: a sua essência é justiça e retidão; a verdade e a misericórdia são critérios prioritários na aplicação da justiça.
  536. Os vv. 20-30 propõem uma explicação ampliada da promessa que os vv. 4-5 continham em forma essencial.
  537. Esta declaração parece ter sido feita ao profeta Natan e ao juiz Samuel, que tiveram papel significativo na ascensão de David ao trono (Sl 2,7; 18,31; 22,11; 1Sm 16,1; 2Sm 7,3-5.12-17.27).
  538. Se se tomar em consideração o paralelismo do v. 40, que parece fazer pendão com este v., poderíamos traduzir: Coloquei uma coroa na cabeça de um herói.
  539. Ou: O inimigo não o há de surpreender.
  540. Do mar Mediterrâneo ao rio Eufrates e afluentes é o espaço do Israel ideal, que aparece associado ao reino de David e provavelmente nunca passou de um ideal para os hebreus.
  541. Os vv. 39-52 tratam de uma situação completamente diferente. O destino do povo e do seu rei encontra-se numa fase de angústia. Preocupações semelhantes se encontram em Sl 39,5s; 79,5; 80,13-17.
  542. O salmista preocupa-se com o destino do povo como uma criança que ele traz ao colo, interiorizando uma expressão usada pelo próprio Moisés em diálogo com Deus: Nm 11,12.
  543. Este v. é uma doxologia com a qual termina o terceiro livro dos salmos (cf. Sl 41,14; 72,19).
  544. Esta atribuição a Moisés pode dever-se às analogias do texto deste salmo com algumas passagens do Génesis e especialmente com o cântico de Moisés em Dt 32.
  545. Este salmo coletivo de súplica está composto segundo o espírito e os modelos dos salmos sapienciais. Vários dos seus temas apontam para o domínio da meditação sapiencial. Os temas mais concretos que costumam enquadrar as orações de súplica são aqui menos notórios. A situação espelhada é uma expressão mais genérica da experiência humana. O facto de recolher vários temas do passado poderia eventualmente sugerir uma data de composição razoavelmente recente.
  546. Poderia perceber-se aqui uma referência a Gn 3,19.
  547. A vigília é uma terça parte da noite, marcada pela mudança de turno das sentinelas: Jz 7,19.
  548. Dadas as dificuldades de sintaxe reconhecidas neste texto, vemos em lbb a preposição le (para) e o termo bab, conhecido no semítico geral como porta ou pórtico. Poderia ser a porta da casa onde a sabedoria acolhe e recebe aqueles que a procuram (Pr 9,1-6). A tradução alternativa tradicional é: para chegarmos ao coração da sabedoria.
  549. Este é um salmo de modelo sapiencial, com o qual se propõe uma meditação sobre o que pressupõe e significa a confiança em Deus. O modelo de vida sobre o qual incide esta meditação é o de alguém que vive acolhido no templo (vv. 1-2). Alguém que tem por missão propor as verdades da sabedoria, segundo a relação mestre-discípulo, dirige-se a ele na segunda pessoa, pormenorizando o que significa encontrar-se sob proteção de Deus (vv. 3-13). No final, há uma espécie de oráculo em que Deus confirma e acentua o pensamento que o mestre de sabedoria tinha exposto (vv. 14-16). O destinatário desta lição de sabedoria é literariamente uma pessoa singular, mas o espírito que se incute projeta-se sobre a experiência da nação inteira.
  550. A estrofe constituída pelos dois primeiros vv. junta quatro maneiras de designar a Deus: Altíssimo ('elyon), Omnipotente (el-chadday), Senhor (yahweh) e Deus (elohim).
  551. As consoantes do hebraico que os massoretas vocalizaram para significar flagelo ou peste podem igualmente ser vocalizadas como dabar, significando palavra ou coisa. E assim foi entendida por algumas traduções antigas, bem como por outras modernas.
  552. Os termos da expressão flagelo que devasta ganharam na tradição hebraica conotações demoníacas. Por isso, algumas traduções antigas entendiam o demónio do meio dia.
  553. Os anjos são personagens superiores encarregadas de determinadas funções em nome de Deus. Aqui é a função de proteger os seres humanos.
  554. Conhecer o nome de Deus significa reconhecer e aceitar os seus atributos e a sua intervenção.
  555. Este salmo tem os recortes de um hino de ação de graças individual. Com efeito, os benefícios agradecidos são referidos na primeira pessoa. O título hebraico do salmo sublinha que se trata de um cântico destinado ao sábado. Um cântico de ação de graças no templo poderia sempre alcançar ressonâncias nacionais, válidas para todo o povo. O facto de no v. 11 se fazer referência a uma unção com óleo perfumado poderia acentuar mais este sentido nacional, vendo ali uma referência ao rei. No entanto, o termo em hebraico não é o que se usa tecnicamente para a unção de consagração real. O tom geral didático sobre os comportamentos humanos dá-lhe igualmente algumas ressonâncias sapienciais.
  556. Os dois hemistíquios deste v. podem ler-se em paralelo, dirigindo-se ambos a Deus na segunda pessoa. Lendo um lamed vocativo em layawheh o primeiro hemistíquio seria: Como é bom dar graças, ó Senhor.
  557. Os dois tempos maiores de oração eram a manhã e o fim da tarde. No entanto, o hebraico usa para o segundo momento baleylot, que se pode traduzir como nas vigílias da noite. Esta leitura é possível aqui e ainda nos Sl 16,7 e 134,1. Com efeito, esta última passagem parece referir-se a um programa de oração que se prolonga ao longo da noite.
  558. Na Bíblia, o búfalo é símbolo de força e coragem (Nm 23,22).
  559. Ou: as desventuras.
  560. A palmeira e o cedro do Líbano, altos e vicejantes, exprimem o entusiasmo do justo, contrastando com a pequenez do mau referida no v. 8.
  561. Este salmo é uma fórmula concentrada de hino sobre a realeza de Javé. Outros hinos semelhantes aparecem até ao Sl 100. Os Sl 93,97 e 99 iniciam igualmente com a proclamação de que Javé é rei. Esta era uma fórmula de aclamação para um novo rei (2Sm 15,10; 2Rs 9,13). Tal realeza extravasa o tempo histórico e manifesta-se no domínio sobre o universo e sobre as forças de caos que resistem ao seu crescimento ordeiro e eficaz. A visão do mundo que representa as culturas de Canaã está aqui retomada e integrada na conceção do Deus único que se define na Bíblia.
  562. O poder de Deus que governa o mundo é o que lhe dá consistência e solidez.
  563. Ou: O teu trono está firme desde o início, / que a tua casa seja um espaço de santidade, / ó Senhor, por longos dias sem fim. Com uma ou outra alternativa de tradução, este v. olha para o templo e para a história do povo que nele se concentra como uma realidade estável e persistente.
  564. O texto tem as caraterísticas de um salmo individual de súplica. No entanto, a amplidão das situações de injustiça que aparecem lamentadas e a grande ressonância que, desde início, é atribuída à ação de Deus como vingador de todo o mal podem sugerir que se trate de uma súplica de interesse coletivo perante uma desgraça nacional. A convicção essencial aqui expressa é claramente a de uma confiança inabalável em que a justiça, exercida por Deus, é a norma de convívio entre todos e a garantia da plena satisfação dos direitos de cada um.
  565. Literalmente, a expressão hebraica significa: Deus das vinganças. O conceito de vingança tem na Bíblia a conotação forte de uma justiça devida que é aplicada diretamente e de forma eficaz por alguém a quem se reconhece o direito e o dever de a exercer. Essa função compete a alguém que para isso tem especiais relações de solidariedade para com o ofendido. Por isso se evita o termo de Deus vingador, por vezes usado neste contexto.
  566. As malfeitorias descritas nos vv. 5-6 são o resumo essencial dos males que podem ofender a qualidade da vida social e que os profetas vituperam com frequência (Is 1,23; 10,1s; Ez 22,7; Zc 7,10).
  567. Neste v. e no v. 12, o Senhor aparece expresso sob a forma de Yah, mais abreviada do que o habitual Yahweh.
  568. A palavra aqui traduzida por ilusão é a mesma que aparece quase como um refrão ao longo do livro do Coélet ou Eclesiastes.
  569. A lei é, neste caso, designada com a expressão mais nobre que se conhece na Bíblia, a torah.
  570. A justiça exercida por Deus não se foca exclusivamente nas necessidades de um indivíduo, mas enquadra-se nos interesses que dizem respeito a todo o povo.
  571. Ou: O justo voltará a ser tratado com justiça.
  572. O silêncio é aqui uma expressão equivalente ao Cheol, i.e., o lugar onde residem os mortos (Sl 88,11; 115,17).
  573. Lit.: e condenam o sangue inocente.
  574. Este salmo de exortação profética exprime igualmente uma grande intencionalidade litúrgica. O hino inicial sublinha que os motivos para louvar a Deus são o seu domínio absoluto sobre o universo, a sua transcendência criadora e a sua aliança com o povo de Israel (vv. 1-7). O final é um oráculo divino, no sentido de despertar atitudes de fé e docilidade à voz de Deus. A estreita ligação com a piedade litúrgica é o motivo que justifica o frequente uso deste salmo como introdução a diversos ofícios litúrgicos e também a outros exercícios de piedade individual.
  575. Além da referência genérica à proteção de Deus, este rochedo, tendo em conta a parte final do salmo, pode ser uma referência ao rochedo de onde, no deserto, brotaram águas providenciais, numa calamidade de sede (Ex 17,1s).
  576. Com a metáfora do pastoreio para exprimir o governo do povo, o salmista está, para maior garantia, a colocar nas mãos de Deus a função de governar eficazmente o mesmo povo, tarefa que na vida quotidiana devia ser bem exercida pelos reis e outros responsáveis (Sl 74,1; 79,13; 80,1; 100,3).
  577. O hoje sublinha a intenção do salmista em sugerir que os hebreus seus contemporâneos mostrem melhor acolhimento aos planos de Deus que os seus antepassados no deserto. O texto dos vv. 8-11 aparece como discurso direto de Deus a repropor uma meditação sobre aquilo que se tinha passado no deserto.
  578. Meribá, que significa discussão e Massá, provocação, são uma imagem da rebeldia contra as orientações e planos de Deus (Nm 20,1-13; Ex 17,1-7; Dt 6,16; 9,22; 33,8; Sl 81,8). Esta imagem vem de uma época emblemática da história bíblica, e aquilo que o salmista pretende é que o povo não volte a repetir a mesma rebeldia.
  579. Os quarenta anos são o tempo apontado para a permanência dos hebreus no deserto, depois da saída do Egito (Nm 14,34).
  580. A expressão hebraica dá a entender que se trata de um lugar que é de Deus e serve de repouso para o povo. A terra prometida é aqui a alusão mais provável. Haveria ainda a hipótese de ser uma referência ao templo como lugar de repouso de Deus.
  581. Este salmo da realeza de Javé é todo ele um hino litúrgico, muito bem enquadrado no contexto do templo de Jerusalém e provavelmente num período já posterior ao do exílio na Babilónia. O seu conteúdo assemelha-se ao do Sl 47 e o seu texto aparece quase por inteiro no livro das Crónicas (1Cr 16,8-36). O contexto ali descrito é o do transporte da arca da aliança para Jerusalém.
  582. A ideia que distingue Javé dos outros deuses é a de que este, pelo facto de ter criado os céus que significam a totalidade do universo, mostra ser um Deus eficaz e não um simples ídolo.
  583. Beleza e poder é por alguns entendida como referência à arca da aliança (Sl 71,8; 78,61).
  584. Este é mais um salmo da realeza de Javé. O hino apresenta em primeiro lugar a entrada solene do grande rei (vv. 1-6). As consequências da sua instalação no templo são a derrota de todos os outros deuses com os seus seguidores e uma confiança imensa por parte dos que são justos e fiéis a Deus.
  585. Os vv. 2-5 descrevem a entrada de Deus com o seu cortejo na qualidade de juiz universal. Os grandes fenómenos da natureza são a expressão da sua intervenção e as realidades cósmicas reagem com respeito e temor a tão portentosa manifestação de poder.
  586. Os vv. 6-7 exprimem a ambivalência de posicionamentos que resulta da intervenção soberana de Deus. Os céus transformam-se em porta-voz da gloriosa manifestação e os deuses que representavam a alternativa contraposta de poder saem envergonhados do confronto.
  587. Os vv. 8-9 mostram que para os hebreus o espetáculo é de triunfo e de regozijo (Sl 48,12).
  588. Se, em vez de or (luz), se ler ur (campo) poderia traduzir-se por: Há uma terra fértil (lit.: de semente) para o justo / e a felicidade para os retos de coração. Qualquer das leituras poderia conter a alusão a uma visão de um além de imortalidade, diferente daquele que se perspetiva no mundo dos mortos.
  589. Este é mais um salmo da realeza de Javé, que mantém grandes pontos de analogia com o Sl 96. Os temas sublinhados são, mais uma vez, a ideia de que Deus é rei e, de todo o universo, povos e nações se juntam em grande festa. É grande o entusiasmo universalista e pode traduzir o novo espírito que marca o regresso do exílio.
  590. Os hebreus gostam de sublinhar que a obra de salvação conseguida por Deus é uma vitória exclusivamente sua (Is 59,16; 63,5; cf. Lc 1,54; 3,6).
  591. O tema desta primeira estrofe, em que o braço de Deus realiza uma vitória que faz exultar todos os confins da terra, ressoa em grande sintonia com o texto de Is 52,7-10, em que se anuncia solenemente o regresso dos exilados.
  592. Na última estrofe do salmo (vv. 7-9), é toda a natureza que toma parte na manifestação religiosa, como em Is 35,1s; 44,23; 55,12; cf. Sl 96,11-13).
  593. Cf. Sl 96,10.
  594. Este salmo encerra a lista dos hinos que tratam da realeza de Javé e mantém-se fiel aos temas mais caraterísticos deste grupo, nomeadamente: a realeza divina, a importância de Sião, a participação dos povos, o papel da justiça, o temor e o respeito, a festa e a recordação das principais figuras da história de Israel. Sublinha de um modo particular a santidade de Deus, reiterada à maneira de refrão, no final de cada estrofe (vv. 3,5,9).
  595. Os querubins aparecem ainda noutros textos da Bíblia para indicar o lugar onde Deus tem o seu trono (Sl 80,2). Trata-se muito provavelmente de seres superiores que se encontravam representados na cobertura da arca da aliança (Ex 25,18-22; cf. 1Sm 4,4; 2Sm 6,2; 1Rs 8,6; 18,11).
  596. Sobre estes grandes intercessores, cf. Sl 106,23; Ex 32,11; Nm 17,11-13.
  597. Pode referir-se às maldades do povo em geral ou às cometidas pelo grupo dos intercessores (Nm 20,12.24; 27,14; Dt 1,37; 3,23-27).
  598. Este é um hino de ação de graças, que convida todos os povos a louvarem a Deus no santuário (cf. Is 2,3; 56,6s). Do ponto de vista do conteúdo doutrinal, este convite apoia-se em algumas afirmações essenciais a respeito de Deus: Ele criou o seu povo e a sua bondade e misericórdia são eternos. Com este salmo fica encerrada a série de salmos da realeza de Javé, que se iniciou com o Sl 91. Poderia ser um hino de entrada, por ocasião dos sacrifícios de comunhão (cf. Lv 7,11s).
  599. O texto hebraico consonântico das edições críticas normalmente aceites diz: Foi Ele que nos fez e não nós. A tradução dos LXX e outras versões antigas leram desta maneira, no que foram seguidas pela Vg. No entanto, esta leitura parece depender de uma troca de escriba entre (para ele) e lo' (não). Alguns mss. hebraicos antigos testemunham esta versão textual. A tradução latina aprovada por Pio XII, a NVg e as traduções atuais, de uma forma geral, seguem esta leitura.
  600. Este refrão parece ser bastante apreciado entre os hebreus (Jr 33,11) e muitas vezes usado nos salmos como entrada ou como refrão. O caso mais expressivo é o do Sl 136. Aparece ainda citado em 2Cr 5,13; 7,3; 20,21; Jdt 13,21 Vg; 1Mac 4,24.
  601. Este salmo é por muitos considerado um salmo real, apesar de nenhuma das suas expressões estar exclusivamente ligada aos temas da realeza. O que o salmo apresenta é uma espécie de declaração de princípios destinados a guiar a conduta do rei como figura central e como modelo para o comportamento coletivo. Esta oração tinha provavelmente lugar numa cerimónia litúrgica e poderia até representar um juramento que o rei deveria fazer no dia da sua entronização. Por isto e porque o texto contém ressonâncias de definição para uma sociedade ideal, este salmo aproxima-se dos horizontes do messianismo. O ritmo litúrgico de elegia parece sugerir uma composição tardia.
  602. Os tradutores sentem alguma dificuldade em definir o enquadramento para esta pergunta. Uma alternativa seria lê-la como afirmativa e não interrogativa: Compreendo bem o caminho da honestidade, / quando Tu vens ao meu encontro.
  603. Lit.: coisas de Belial. Podem ser comportamentos não recomendáveis ou práticas religiosas ilegítimas dedicadas a deuses ou outras entidades não reconhecidas (cf. Sl 18,5; Na 2,1).
  604. A versão dos LXX traduz este texto como: Eu não comerei com ele.
  605. O tempo matinal era propício para receber os favores divinos (cf. Sl 17,15ss); era também o tempo para aplicar a justiça (Sl 46,6; 73,14; 2Sm 15,2; Jb 7,18; Is 33,2: Jr 21,12; Sf 3,5).
  606. Este salmo é uma súplica individual em espírito de penitência. No entanto, os vv. 13-23 representam uma súplica coletiva preocupada com o destino de Sião. Isto significa que todo o conjunto do salmo pode representar tanto experiências e preocupações de um indivíduo como as de toda a comunidade. Desta amplitude de sentidos decorre a apetência do salmo para uso litúrgico. A parte relativa à súplica por Sião parece ainda sugerir tonalidades de pós-exílio, sensivelmente análogas àquelas que podemos encontrar em Is 40-66. É, como muitos outros, um salmo de múltiplos sentidos e épocas.
  607. A doença grave que atinge os ossos é uma metáfora bem expressiva do extremo sofrimento a que se está sujeito (Jb 30,30; Lm 1,13).
  608. Por comparação com o Sl 77, a tradução latina aprovada por Pio XII e como ela outras recentes traduzem: Não consigo dormir e suspiro.
  609. Lit.: servem-se de mim como maldição. O sentido pode ser: usam o meu nome como maldição (cf. Is 65,15; Jr 29,22).
  610. Cinza e lágrimas são referências simbólicas de luto e dor (Is 61,3; Lm 3,16).
  611. Cf. Is 41,14-20; 44,24-28; 59,17-21.
  612. O hebraico usa aqui a forma abreviada Yah.
  613. A eternidade de Deus é uma referência que na consciência do homem bíblico serve de comparação e contraste com a brevidade da vida humana (Sl 90,4s). Este olhar comparativo parece também implicar algum desejo de beneficiar ou participar nessa eternidade (cf. Sl 16,11; 21,5; 36,10; 116,8s).
  614. Este salmo apresenta as caraterísticas de um hino em honra de Deus, marcado por um estilo muito pessoal e íntimo que se exprime numa espécie de meditação em diálogo com a própria alma. O texto que agora conhecemos pode ter tido a sua origem num hino de ação de graças individual. Os motivos do louvor dirigido a Deus consistem no seu amor eterno, compassivo e misericordioso. Poderia dizer-se que temos aqui um verdadeiro Te Deum do AT. Neste sentido, o final do salmo estende o convite para um hino universal que deverá ser entoado pelos anjos, pelos astros do céu e por todas as obras de Deus.
  615. A tradução dos LXX entendeu a tua existência como os teus desejos. A palavra hebraica, no entanto, parece ter algo a ver com o advérbio 'od, o qual se refere à duração, neste caso, da vida, como acontece no Sl 104,33.
  616. Cf. Ex 33,13.
  617. Estes são os atributos de Javé declarados a Moisés (Ex 34,6s), que os salmos desenvolvem sublinhando a misericórdia e a bondade (cf. Sl 17,18 com Ex 20,6).
  618. Esta palavra sugere variados matizes: o pó de que Deus formou o homem (Gn 2,7), as intenções próprias dos humanos (Is 26,3; 1Cr 29,18), os homens maus (Gn 6,5; 8,21; Dt 31,21) e ainda as más inclinações, sugeridas pelo termo yṣr no primeiro hemistíquio (Sir 15,14; cf. 21,11).
  619. A ideia da brevidade e fragilidade da existência humana (Sl 90,5s; Jb 14,2; Is 40,6-8; 51,12) é sublinhada em contraste com a consistência das obras divinas, expressa nos vv. 17-19.
  620. Nas culturas religiosas de Canaã, os deuses tinham ao seu serviço para efeitos de comunicação e mediação figuras quase-divinas a quem encarregavam de missões específicas. Estas conceções continuam a aparecer na linguagem bíblica e acabam por coincidir em muitos sentidos com aquilo que posteriormente se integra no conceito bíblico e teológico de anjos. Alguns matizes posteriores da ideia de anjos, no entanto, não se encontram ainda explícitos nos textos bíblicos mais antigos (cf. Sl 148,2; Lc 2,13; 2Pd 2,11; Ap 5,11).
  621. Este salmo consiste num hino em forma de meditação sapiencial. Ele descreve de maneira pormenorizada como a vida quotidiana do universo é percebida, em resultado da ação e do cuidado com que Deus o governa. Esta leitura compreensiva do significado da vida quotidiana é pedra fundamental da espiritualidade espelhada nas culturas religiosas do antigo Oriente. Estes sentimentos podem encontrar-se de modo muito semelhante em outras literaturas religiosas daquele tempo. Um hino muito semelhante é aquele que o faraó Amenófis IV do Egito, também conhecido como Akenaton, dedicou ao seu deus solar Aton. Ambos os hinos exprimem um fundo de espiritualidade comum das religiões do antigo Oriente.
  622. Os povos do antigo Oriente pensavam que sobre as nuvens do céu havia um grande oceano que, em princípio, seria de água doce, pois era dele que caía a chuva (Gn 1,7; Sl 148,4). São os armazéns de Deus, acima dos quais se encontra a sua morada superior.
  623. Ou: no seu cimo tem a cegonha a sua casa.
  624. Este salmo apresenta o dia como o espaço natural da vida dos seres humanos. Os vv. 20-22 sugerem que o tempo da noite é o contexto natural de vida para os animais selvagens e outros seres semelhantes a eles.
  625. Leviatan, que aparece na literatura de Ugarit como Lotan, é um monstro mitológico do mar, com sete cabeças. Representa o caos primitivo ou as forças de caos que continuam a resistir ao esforço de criação. Na literatura de Canaã e na Bíblia, assume várias formas: serpente tortuosa e fugidia (Jb 25,12-13), dragão do mar (Is 27,1), crocodilo (Jb 40,25-41,26), e pode evocar o Egito como inimigo de Israel (Ex 32,2-8). Em Ap 12,3, aparece como dragão, simbolizando todos os inimigos dos cristãos (cf. Sl 74,14; Jb 3,8; 40,25-26; Is 27,1).
  626. Do rosto de Deus sai a luz que mantém vivos os seres que beneficiam de um espírito de vida.
  627. O espírito de Deus era um elemento essencial na composição do ser vivo, para além do corpo e da alma. O que carateriza este elemento, o espírito, é que ele se encontra sempre em ligação e dependência de Deus. Ele coloca-o num ser para lhe dar vida, mas também o pode retirar e então é a morte.
  628. O salmo integra nesta epifania da vida os grandes fenómenos cósmicos que são os tremores de terra e os vulcões.
  629. O salmo apresenta a visão do mundo e a vida dos humanos com um horizonte de otimismo e felicidade. É quase como uma espécie de esconjuro que surge o desejo final. Num mundo assim equilibrado e feliz não deveriam aparecer aqueles que destoam deste espírito e chocam com o seu bem-estar.
  630. A expressão Aleluia, que significa louvai a Javé, aparece a concluir vários salmos: 105; 106; 113; 115; 116; 117; 135; 146-150. Aparece também no início dos salmos 146-150 e torna-se uma espécie de refrão litúrgico. No NT aparece apenas em Ap 19,1.3.4.6. Acabou por se tornar uma das mais frequentes fórmulas de aclamação na linguagem litúrgica, tanto do judaísmo como do cristianismo.
  631. Este é um salmo didático que se apresenta como uma meditação teológica e sapiencial sobre a experiência histórica dos israelitas. O seu espírito é o de um hino, tal como acontece com o Sl 78. Parte deste salmo, nomeadamente os vv. 1-15 aparecem em 1Cr 16,8-22 e este facto sugere que o salmo era utilizado na liturgia em ligação com a transferência da arca da aliança para o monte Sião. O salmo está quase inteiramente focado nos acontecimentos que marcam a memória dos hebreus e são provenientes da sua história. Os temas principais são: os patriarcas (8-15), José (16-23), Moisés (24-27), as pragas do Egito (28-36) e a chegada a Canaã (44-45). O que se pretende é inculcar a convicção de que é na fidelidade de Deus que assenta a grandeza de toda esta história e só pela fidelidade o povo se pode mostrar digno destes e de outros favores divinos. As referências aos episódios da história relembrada encontram-se nos lugares paralelos indicados para este mesmo salmo.
  632. Referência antecipada à narrativa sobre as pragas do Egito e outros inimigos de Israel nos vv. 28-36.
  633. Os vv. 8-10 resumem o tema da aliança com os patriarcas Abraão (Gn 12,7; 15,18), Isaac (Gn 26,3) e Jacob (Gn 28,13). Esta aliança com os patriarcas apresenta-se como o fundamento da aliança entre Deus e o povo de Israel.
  634. Sobre o tempo em que os patriarcas eram um pequeno número e considerados como estrangeiros, cf. Gn 34,30; 23,4; Heb 11,9.13.
  635. Nos vv. 13-15 há um resumo da vida seminómada dos patriarcas (Gn 12,26) e do castigo aplicado ao faraó (Gn 12,17), bem como a Abimélec (Gn 20,3; 26,11). A importância atribuída aos patriarcas faz com que sejam considerados ungidos ou consagrados a Deus e profetas, que são títulos de grande significado na religião bíblica.
  636. Ou: Um rei mandou que o soltassem. A leitura mais tradicional deste v. é a que se apresenta em nota. Esta interpretação faz do rei ou faraó o sujeito do verbo mandar/enviar. Parece, no entanto, que o sentido que se recolhe do original hebraico é o de que o verbo chalaḥ, que inicia a frase nos vv. 17,20,26,28 e tem sempre Deus como sujeito, o qual, nos momentos cruciais da história, envia agentes seus com uma missão específica, nomeadamente José, o rei-faraó, Moisés e finalmente as trevas. Exprimindo-se desta maneira o salmista está a declarar que todo o desenrolar desta história depende da intervenção de Deus. Com isto, toda a história se transforma em teologia.
  637. Os exegetas estão de acordo em que as narrativas sobre a personagem de José no Génesis têm a intenção de apresentá-lo como uma figura de sábio. Este salmo traduz a mesma perspetiva. Este pormenor é importante porque os próprios hebreus conheciam a fama de que o Egito era um povo de sábios.
  638. Segundo a nova geografia do mundo, repovoado depois do dilúvio, o Egito, que na Bíblia se chama Misraim, é também o nome de um dos filhos de Cam, segundo filho de Noé (Gn 10,6), tal como o próprio Canaã.
  639. O resumo das pragas do Egito segue a narrativa de Ex 7-11, mas numa ordem diferente. Começa pela nona e omite a quinta e a sexta (cf. também Sl 78,43-51).
  640. O sublinhar de vinhas e figueiras como sendo os piores estragos causados pelo granizo parece representar uma sensibilidade palestinense sobre os prejuízos que a referida praga costuma provocar.
  641. Refere-se aos israelitas que estão sempre implícitos no sentido do salmo (cf. Ex 12,35-36).
  642. Cf. Dt 8,4; 29,15.
  643. A conclusão (vv. 44-45) deste hino sobre a experiência histórica é que as obrigações implicadas na aliança (v. 8) foram cumuladas de benefícios pelas riquezas recebidas.
  644. Este é um salmo coletivo de súplica, onde se faz uma revisão dos pecados cometidos pelo povo ao longo da sua história. Daí que se apresente como uma continuação natural da exposição histórica feita no Sl 105 e à semelhança do que acontece também no Sl 78. Sublinha especialmente as vicissitudes dos quarenta anos no deserto (vv. 13-33). A confissão das próprias culpas, passadas e presentes, oferece ao salmista a oportunidade para exaltar a infinita misericórdia de Deus. O v. 6 dá ao salmo o teor de uma confissão pública (cf. Ne 9). Os últimos vv. situam-se provavelmente depois do exílio, concluindo-se com uma doxologia que encerra a quarta parte do saltério.
  645. A tradução grega, alguns mss. antigos e a Vg, seguida pela NVg, leem os pronomes dos vv. 4-5 no plural, referindo-se explicitamente ao povo todo como «nós».
  646. Ou: e enviou alimento para a sua fome. Referência ao episódio das codornizes (Nm 11,33).
  647. Este desprezo refere-se à desconfiança com que foram recebidas as informações prestadas pelos exploradores da terra de Canaã (Nm 13,25-14,38; Dt 1,22-46).
  648. Os vv. 28-31 referem-se aos factos narrados em Nm 25. Pela sua ação Fineias foi constituído sacerdote e, segundo a tradição bíblica, foi o antepassado de Sadoc e da geração de sumos sacerdotes.
  649. Por ter proferido palavras de impaciência e falta de confiança em Deus, Moisés ficou impedido de entrar na terra prometida (Nm 20,12).
  650. Os vv. 34-35 são referência aos episódios narrados em Ex 23,32-33; Dt 7,2-6; Jz 1,21-33; 2,1-3.
  651. Esta prática (Ex 16,20-21) era vista como sendo o máximo das abominações cometidas pelos cananeus (Dt 12,29-31; 18,9-14; cf. 2Rs 16,3; 21,6; Jr 7,31).
  652. Os vv. 39-43 resumem uma sequência de infidelidades de Israel seguidas de castigos da parte de Deus, muito semelhante ao que aparece no livro dos Juízes (Jz 2,11-19; 3,5-15, etc.).
  653. Esta prostituição é uma metáfora caraterística dos profetas para designar a infidelidade do povo de Israel quando se volta para divindades cananaicas (Sl 73,27; Os 1,2ss).
  654. Esta alusão a tratamentos benevolentes por parte de alguns conquistadores poderia ser aplicável a várias situações históricas, nomeadamente às mencionadas em 1Rs 8,50; 2Rs 25,27-29; Esd 1; 7; 9,9: Ne 2; Ne 9,5-31; Jr 42,10-12. Estas referências fazem com que esta parte do salmo possa estar ligada a épocas diferentes da história.
  655. Cf. Sir 36,13.
  656. A tradução grega entendeu que este aleluia constituía o início do salmo seguinte.
  657. Este salmo de ação de graças aparece num contexto de solene ambiente litúrgico. Tal solenidade é percetível na dupla série de refrões (vv. 6,13,19,28; e 8,15,21,31). Celebra a providência de Deus para com os hebreus, quando se encontravam perdidos no deserto, cativos, enfermos e errantes. Segue-se um hino com traços messiânicos, que complementa a satisfação pelo passado com uma expetativa esperançosa para o futuro. Estas ressonâncias apontariam para uma ação de graças coletiva. É, no entanto, frequente vê-lo classificado como salmo individual de ação de graças. Na verdade, a separação entre o individual e o coletivo em matéria de ação de graças, como noutros temas, não é fácil de fazer nem parece ser de grande utilidade.
  658. Esta referência ao regresso de exilados parece enquadrar-se bem com o final do salmo anterior.
  659. Os grandes testemunhos da tradição textual (LXX, TM, Vg e mesmo NVg) insistem em manter a leitura: do Norte e do mar. As traduções insistem em declarar que a lógica dos quatro pontos cardeais aqui suposta sugere uma complementaridade entre Norte e Sul. Não parece que seja necessário corrigir o texto hebraico, pressupondo yamîn (direita) em vez de yam (mar). A referência aos pontos cardeais parece beneficiar da precisão com que a sua lógica se impõe para se permitir alguma variedade no uso dos termos. É o que acontece em Is 43,5s; 49,12. Daí a tradução: e do mar a sul.
  660. O primeiro quadro simbólico parece descrever o exílio como um deserto inóspito.
  661. Neste e no v. 7 a expressão hebraica 'ir môchab poderia também ser traduzida por cidade habitada. De uma maneira ou de outra parece ser uma alusão a Jerusalém/Sião, cuja imagem fica tanto mais saliente quanto menos nomeada.
  662. O segundo quadro simbólico representa as trevas, que significam perigo, infelicidade e miséria (Is 9,2).
  663. O terceiro quadro simbólico mostra um estado de espírito deprimido que mais parece de agonia.
  664. Algumas traduções modernas interpretam: para os livrar do fosso (cova). Para tal precisam de fazer um correção desnecessária no hebraico. Desde sempre, as traduções entenderam que, segundo o paralelismo de curar, no primeiro hemistíquio se trataria de uma referência a doenças.
  665. O quarto quadro simbólico é o dos náufragos. Não sendo os israelitas muito experimentados em atividades de mar, elas eram bem conhecidas e tinham grande ressonância na cultura da região (Jn 1).
  666. A assembleia do povo era a ação litúrgica; o conselho dos anciãos era o espaço oficial da comunidade. Ambos os lugares são legítimos para a celebração do louvor a Deus pelos benefícios recordados.
  667. Ou: Ele mesmo protege o pobre no seu refúgio.
  668. Este é um salmo coletivo de súplica. Nele se apresenta o destino do povo sempre ligado com o destino da cidade de Jerusalém, representada pelo santuário do monte Sião, santuário de Deus. É dali que se afirma o seu domínio sobre as terras em volta. Os vv. 2-7 coincidem com o texto do Sl 57,8-12; e os vv. 8-14 aparecem no Sl 60,7-14. No entanto, o nome de Deus utilizado neste salmo é Elohim e não Javé, como nos Sl 57 e 60. Este facto significa que esta versão deve ser de um tempo mais tardio, quando o mundo hebraico tendia cada vez mais a não usar tanto o nome de Javé.
  669. Lit.: Anima-te, minha glória. A tradição que vem desde os LXX propõe a ideia de despertar já no v. 2. O termo hebraico kebodî pode referir-se à glória de Deus, à glória que sente aquele que salmodia e ainda ser um equivalente da alma do salmista. As simples consoantes do hebraico poderiam ainda ler-se kebedî (meu fígado), significando a pessoa humana. As traduções dividem-se entre estas alternativas.
  670. O texto correspondente do Sl 60,7 diz: responde-nos. E algumas traduções optam por aplicá-lo também neste salmo.
  671. Sobre o conteúdo dos vv. 8-14, cf. as notas aos vv. correspondentes do Sl 60.
  672. É um salmo individual de súplica, por parte de um inocente que apela à justiça divina. Refere as palavras dos seus inimigos no intuito de que elas sirvam de sentença segundo a qual eles devem ser castigados juntamente com as suas famílias. A maldição traduz uma consciência forte de que os comportamentos humanos deviam ser assumidos com seriedade e responsabilidade. A este nível emocional, o castigo dos males sofridos é algo no qual o suplicante põe toda a intensidade e urgência. Nos vv. 21-31 o salmista atinge o nível de serenidade numa oração que exprime a sua confiança em Deus.
  673. O discurso dos vv. 6-15 é normalmente entendido como sendo uma espécie de citação do que dizem os adversários do salmista orante. Contra isto, está o que pensa o salmista a partir do v. 16. O caráter sintético do texto e o jogo de contraposição entre os contextos podem consentir, entretanto, outras maneiras diferentes de compreender o seu alcance.
  674. Segundo o que está implícito no v. 6, à direita punha-se o acusador. Aqui é o Senhor que ocupa esse lugar, mas como defensor. O salmo é bastante sugestivo quanto a esta correção de situações (cf. Sl 16,8; 119,5; 121,5).
  675. Este é um salmo bem caraterístico da realeza. Nele aparecem profundamente articuladas as categorias da realeza com as conceções religiosas de Israel. A expressão meu senhor refere-se naturalmente ao rei. Quanto ao tempo da sua composição, é uma questão bastante difícil de declarar de forma taxativa. O seu teor institucional e formal, bem como algumas expressões arcaicas relativamente à linguagem corrente, poderiam sugerir uma composição bastante antiga, possivelmente dos inícios da monarquia, eventualmente aproveitando mesmo fórmulas de entronização vindas das culturas mais antigas de Canaã. Outros pensariam numa composição de época tardia, tendo em conta algumas ideias que parecem associar realeza, messianismo e sacerdócio. Este salmo foi muito utilizado nos primeiros tempos do cristianismo, pelas ressonâncias messiânicas evidentes que oferecia.
  676. Ou: enquanto Eu ponho os teus inimigos / como estrado para os teus pés. A leitura tradicional assenta na interpretação do termo ad como advérbio, significando enquanto. É reconhecido, no entanto, que o significado de «enquanto» não parece jogar bem com a dinâmica imediata de um oráculo de entronização real nem com a sintaxe da frase. Ora, da literatura cananaica de Ugarit conhecemos um termo com as mesmas consoantes, d, e o significado de assento, trono; esta hipótese dá a um oráculo solene e formal maior ritmo e ressonância. Ao tempo da tradução dos LXX este antigo vocábulo técnico de trono seria já desconhecido.
  677. Ou: como orvalho te gerei. Este salmo e particularmente este v. são muito importantes nas leituras, mas o texto hebraico apresenta dificuldades de tradução, reconhecidas desde a antiguidade. A vocalização massorética de yaldutêka (da tua juventude) parece ser uma maneira de evitar matizes teológicos considerados excessivos. No entanto, algumas traduções de renome seguem ainda esta leitura. A tradução dos LXX leu um verbo, yalad, o qual, quando o sujeito é feminino, se usa na conjugação qal e significa dar à luz; quando o sujeito é masculino como aqui, usa-se o hifil e significa tornar-se pai de alguém. A tradução com o verbo gerar corresponde ao que se usa nas genealogias do NT, onde o termo gerou corresponde ao hebraico holîd. Na fórmula de entronização trata-se de uma filiação adotiva.
  678. Melquisedec era uma figura de rei e sacerdote da cidade de Salém, nome associado com o de Jerusalém, e que aparece muito ligado à história do patriarca Abraão (Gn 14,18). No que diz respeito aos reis hebreus, não são vistos como sacerdotes, mas também é verdade que reis e sacerdotes partilham entre si a caraterística de serem ungidos, i.e., consagrados para uma função que tem sentido religioso. Nas conceções messiânicas do NT voltou a valorizar-se a figura de Melquisedec como sacerdote e rei (Heb 7,1-12).
  679. Ou: O Soberano o colocou no trono, / e assim lhe fará erguer a cabeça. A possibilidade de ler no termo drk mais um equivalente de trono, de algum modo sinónimo do termo 'd (assento) que aparece no v. 1, dá um sentido mais bem enquadrado no tema do salmo e ultrapassa as dificuldades que a leitura tradicional suscita.
  680. Este salmo de louvor é um hino dirigido a Deus pela maravilha que são as suas obras e que estão sobretudo representadas pelas grandezas da natureza e pelos prodígios realizados ao longo da história. Os motivos invocados, tal como acontece frequentemente nos salmos, incidem de modo especial nas memórias do Êxodo e nos episódios da entrada em Canaã. É um salmo alfabético tal como os Sl 9, 10, 25, 34, 37, 112, 119 e 145.
  681. Estes são os dois espaços mais nobres da comunidade (Sl 107,32; 149,1).
  682. Nos vv. 6-9 aparecem bastante sintetizados os acontecimentos da história de Israel, que fazem a ligação entre a saída do Egito e a entrada na terra prometida, concluindo com a chave da aliança.
  683. No pensamento semita, este conceito de princípio significa a essência. O temor de Deus aparece com frequência definido como a essência da sabedoria (Pr 1,7; 9,10).
  684. A tradução dos LXX leu quem a pratica, que segundo o teor do texto grego se refere à sabedoria.
  685. Este salmo constitui uma meditação sapiencial na qual se propõem as bases fundamentais e mais imediatas para uma vida feliz. Pertence ao género das bem-aventuranças, tal como acontece com o Sl 1 que serve de introdução ao conjunto do saltério. O motivo que presidiu à organização literária do salmo é a ordem das letras do alfabeto hebraico. Isto significa que a par da exposição doutrinal houve igualmente a preocupação de recurso estético com algum requinte lúdico (cf. Sl 9; 111).
  686. Este salmo de louvor é um hino dirigido a Deus, celebrando a sua misericórdia. Este é o primeiro salmo do chamado grupo do Halel, que se prolonga até ao Sl 118. Este conjunto é recitado pelos judeus nas grandes solenidades de peregrinação, nomeadamente na festa da Páscoa (Mt 26,30; Mc 14,26). O contexto que nele se revela é de cariz claramente litúrgico. Apresenta analogias com o cântico de Ana no livro de Samuel (1Sm 2,1-10) e ainda com o cântico de Maria, o Magnificat (Lc 1,46-55).
  687. O salmo aponta para uma reversão completa da situação da mulher hebraica quando se revelava estéril, a qual costumava ser menosprezada e até mesmo rejeitada pelo divórcio. Normalmente, a mulher não se sentava, mas ficava de pé a servir os outros. A esta acontece-lhe como a Sara (Gn 16,1; 17,15-21; 18,9-15; 21,1-7) e a Ana (1Sm 1-2).
  688. Este salmo de louvor é um hino de tema pascal particularmente festivo. Ele descreve a maravilhosa saída do Egito, a passagem do Mar Vermelho e do rio Jordão, assim como o milagre das águas tiradas do rochedo no deserto, em Meribá. O tema da água domina completamente os motivos deste salmo. O estilo é de grande teatralidade e mesmo de um virtuosismo jocoso, que quadra bem com o ambiente de festa em que se insere. Na liturgia judaica, este é o salmo cantado precisamente na oitava da Páscoa. A menção paralela de Israel e Judá para representar a dupla referência complementar da identidade hebraica bíblica parece sugerir que a sua composição se poderia situar antes de 721 a.C., data em que o reino do Norte, Israel, foi conquistado e desapareceu.
  689. Judá aparece aqui como sendo o principal centro de interesse do povo de Israel e é caraterizado sobretudo como um santuário. Este apresenta-se como o motivo essencial de ligação com Deus. O povo de Israel é cada vez mais uma comunidade religiosa.
  690. O Mar Vermelho: Ex 14-15.
  691. O rio Jordão: Js 3.
  692. O monte Sinai: Ex 19,18.
  693. Os vv. 7-8 dão a resposta da natureza às interrogações precedentes (cf. Sl 107,35).
  694. Alusão aos acontecimentos narrados em Ex 17,6; Nm 20,11.
  695. É um salmo coletivo de confiança. Nele se exprime a preocupação de que Deus manifeste aos outros povos as razões que os israelitas sentem para ter confiança em Deus (vv. 1-8; 9-11). É particularmente marcante a definição de contrastes entre o Deus dos hebreus e os outros deuses, sobretudo no modo de sublinhar a inutilidade dos ídolos (vv. 4-8). A crítica aos ídolos é dos temas mais importantes da Bíblia. Bem caraterística do ambiente litúrgico em que se enquadra o salmo é também a longa secção de bênçãos que ocupa os vv. 12-18.
  696. A casa de Aarão é a classe dos sacerdotes, por isso aparece destacada neste hino litúrgico.
  697. Os três grupos referidos nos vv. 9-11 são uma maneira de representar a totalidade daqueles que integram a comunidade religiosa de Israel (cf. Sl 118,2-4): o povo, os sacerdotes e os estrangeiros tementes a Deus. Estes últimos vivem integrados social e religiosamente com o povo de Deus.
  698. Silêncio é um termo que pode também representar o próprio mundo dos mortos. Por isso, não se pode esperar que venha de lá qualquer louvor a Deus, que é expressão de vivos.
  699. Este salmo individual de ação de graças encontra-se bem enquadrado no ambiente litúrgico. Num momento de perigo, o salmista prometeu a Deus um sacrifício de ação de graças (v. 14). O momento preciso do salmo é a altura em que ele se vai apresentar na assembleia litúrgica (vv. 14.18) e ali declara o seu agradecimento, proclamando as lições de fé que são válidas para todos (vv. 5.6.15) e assumindo os propósitos pessoais para o futuro (vv. 15-19). Os LXX e tradição deles derivada dividem o salmo em dois: 1-9 e 10-19.
  700. Ou: Eu amo o Senhor, porque Ele ouviu.
  701. Esta é a tradução segundo o texto consonântico. Alternativa: Pois Tu libertaste a minha alma da morte, a qual representa a tradução segundo a vocalização massorética do texto. Outra alternativa ainda seria: Pois Ele libertou a minha alma da morte. Esta tradução segue traduções antigas e é assumida pela NVg, mas não tem suporte textual consonântico nem vocálico.
  702. Lit.: nas terras dos vivos.
  703. Esta elevação do cálice tem a ver com uma cerimónia que consiste numa libação de vinho que é derramado sobre o altar, para agradecimento, em virtude da salvação que foi alcançada. Em 1 Cor 10,16 é referido um cálice de agradecimento bebido em comunidade de oração.
  704. A expressão hebraica de que é preciosa aos olhos do Senhor pode também ser interpretada como: é dolorosa aos olhos do Senhor.
  705. Este salmo, apesar de ser excecionalmente curto, contém em essência as caraterísticas de um hino dirigido a Deus, tendo como motivação a sua ação que atinge o mundo inteiro e de modo muito particular a história de Israel. É importante por representar um convite a todo o mundo para se associar no louvor a Deus. Este aspeto dá-lhe uma tonalidade messiânica.
  706. A mesma fórmula aparece no Sl 103,11. O sentido da raiz gabar que significa ser forte, ser herói sugere para a fórmula usada nos dois casos a ideia de que a misericórdia de Deus sobre nós é forte e poderosa.
  707. Este é um salmo coletivo de ação de graças e apresenta-se com uma esquematização literária que esboça um percurso ritual bastante pormenorizado. Nos vv. 1-18 o cenário situa-se fora do templo, com o desenvolvimento de uma procissão. Depois de ultrapassadas as portas da justiça (vv. 19-20), é proclamada a ação de graças (vv. 21-25), com uma explicitação bastante sintética dos motivos. Praticamente é o v. 22 o ponto central, com a declaração entusiasta de que uma pedra rejeitada foi colocada por Deus como pedra angular. Segue-se a bênção (vv. 26-27) e um solene convite final que renova o primeiro convite ao louvor com que o salmo se iniciou. O foco mantém-se, portanto, no domínio das ideias fundamentais. Há quem veja a festa de consagração das muralhas de Jerusalém em Ne 6,15; 8,13-18; 12,27-43 como um momento que condiz bem com o teor deste salmo (cf. Esd 3,4.11; Zc 14,16). Com este se termina o grupo de salmos chamados Halel iniciado com o Sl 113.
  708. O convite à intervenção de três coros (vv. 1-4) dirige-se aos israelitas e depois aos da família sacerdotal de Aarão, concluindo com os tementes a Deus.
  709. Literalmente, o hebraico poderia dar a seguinte tradução: Tu bem me empurraste, para eu cair. No entanto, desde as traduções mais antigas se tem optado por entender um sujeito indefinido com este verbo empurravam-me. Aparentemente não se conseguia definir uma identidade para o sujeito de segunda pessoa que o verbo hebraico ainda continua a insinuar. O salmista enfrenta-se em discurso direto com alguém que o empurrou. O paralelismo do v. 18 parece sugerir que se trata de um despique entre morte e salvação. E o salmista faz um relato direto da situação, tratando a morte por tu.
  710. As tendas dos justos pode ser uma metáfora de tipo geral, mas poderia também ser uma referência às tendas ou abrigos da festa das Tendas, que, segundo Ne 8,13-18, se seguiu à inauguração das muralhas de Jerusalém.
  711. Alusão a uma cerimónia de entrada no templo onde se fazia um pedido solene de que fossem abertas as portas (cf. Sl 24,7-10).
  712. Sobre a pedra angular, cf. Jr 51,26.
  713. Ou: Este é o dia que o Senhor fez. Apesar de não ter, no AT, especiais conotações messiânicas, estes dois vv. aparecem no NT com sentido messiânico e usados na definição da identidade cristológica de Jesus (Mt 21,42-44, Mc 13,10; Lc 20,17-18; At 4,11; 1Pd 2,4-7).
  714. É na fórmula hebraica deste grito de socorro («salva-nos, por favor») que tem origem a fórmula litúrgica do hossana, uma das expressões hebraicas que se mantém no vocabulário litúrgico tanto do judaísmo como do cristianismo (cf. Mt 21,9; Mc 11,9s).
  715. Ou: Bendito seja em nome do Senhor aquele que vem.
  716. A festa das Tendas, marcadamente campestre, era celebrada com desfiles em que se transportavam ramos de árvores, como ainda hoje acontece.
  717. Este salmo consiste numa longa meditação de modelo sapiencial. Trata-se realmente do mais longo dos salmos. O esquema literário que nele se desenvolve é razoavelmente sofisticado. As suas vinte e duas estrofes são compostas de oito versos cada uma e cada um desses versos começa com a mesma letra do alfabeto hebraico (cf. Sl 9; 25). Cada uma das estrofes constitui uma unidade literária onde se pode descobrir um tema específico. O tema geral do salmo é simultaneamente de meditação e louvor sobre a maneira como Deus, com a sua lei, definiu os caminhos para o comportamento humano. É sobretudo a dimensão pessoal da ética aquilo que mais se sublinha. A lei não é apenas um conjunto de regras; é principalmente a manifestação de todo o tipo de relações pessoais e subtis, normativas e afetivas entre Deus e o seu povo. A ressonância que é aqui sublinhada situa-se principalmente no íntimo da consciência de cada ser humano. Este núcleo de significados aparece diluído numa grande variedade de sinónimos: leis, mandamentos, preceitos, decretos, sentenças, promessas, palavras...
  718. Provavelmente o salmista não está a falar da vida humana em geral como sendo uma realidade passageira no mundo; o termo peregrino designa a condição de estrangeiro que reside numa terra que não é dele. A sua obrigação é informar-se sobre as leis com que deve governar-se nessa terra. Para o salmista a terra dos israelitas pertence a Deus. Todos eles são, portanto, estrangeiros e peregrinos.
  719. Neste salmo, são estes os grandes inimigos de Deus: vv. 51,69,78,85,122. (cf. Sl 19,14; 86,14; Is 13,11; Ml 3,19).
  720. Esta prostração pode ser entendida como estado de sofrimento ou como atitude de oração.
  721. Ou: guardá-las passo a passo.
  722. Ou: de ídolos vãos.
  723. O verbo procurar (darach) exprime uma preocupação de estudo e também de prática. Este termo está na origem do conceito de midrach, que é um método de estudo e aprofundamento das lições que a Bíblia propõe.
  724. Ou: e observo a tua lei.
  725. Lit.: ficou insensível de gordura. A metáfora da gordura é usada para exprimir insensibilidade ou insensatez e falta de compreensão (cf. Sl 17,10).
  726. Texto de difícil interpretação. Alternativa tradicional: Estou como um odre ao fumo.
  727. Ou: são servos teus.
  728. Estes louvores a Deus ditos naturalmente em palavras são metaforicamente expressos com o nome ritual de um sacrifício espontâneo (cf. Lv 7,16; Heb 13,15).
  729. Lit.: A minha alma está sempre na minha mão. Uma alternativa plausível como: A minha alma está sempre nas tuas mãos seria algo esperado e consoante o referido em Sl 31,6. Faltam, no entanto, evidências textuais claras para esta leitura. A tradução proposta entende tamîd como um adjetivo substantivado significando aquele que é perene e não o simples advérbio sempre.
  730. Cf. v. 33 e nota.
  731. Sete vezes significa, em termos bíblicos, a medida do que está completo ou perfeito (Pr 24,16; Mt 18,21-22). Na prática litúrgica da Igreja, as sete vezes acabaram por se transformar nas sete horas canónicas, número de vezes em que se distribui ao longo do dia a recitação do ofício divino.
  732. O tema profético da ovelha perdida (Is 53,6; Ez 34,5s; Mq 2,12-13; Zc 11,15-17) encontra-se aqui aplicado ao indivíduo.
  733. Este salmo é uma súplica individual, pela forma literária que assume. No entanto, o título de cântico de peregrinação sugere um significado que ultrapassa explicitamente o do simples indivíduo. Os motivos da súplica são apresentados de forma direta e concisa. Esta modalidade de síntese manifesta bem a experiência e sensibilidade coletivas que ele representava. Este é o primeiro de uma série de salmos que se designam como cânticos de peregrinação (Sl 120-134); eram usados na subida para o templo de Jerusalém por ocasião das grandes festas (cf. Ex 23,14-17; Lv 23,1). Em hebraico são designados como cânticos das subidas, porque a ida para o santuário é considerada sempre um caminho de subida, seja no sentido físico seja no sentido simbólico. Na liturgia católica chamava-se salmo gradual (do latim gradus: degrau, subida) a um salmo que se canta entre as leituras da missa. Estes salmos eram igualmente utilizados em situações muito variadas.
  734. Esta expressão alude a uma fórmula imprecatória em crescendo usada para pedir uma maldição contra alguém: Rt 1,17ss; 1Sm 3,17; 14,44; 20,13; 25,22.
  735. Este v. refere uma coexistência indesejada com grupos de gente muito distante e de estranhos costumes, como seriam os casos de Méchec, situado muito para o norte e onde pertence o mítico rei Gog (Gn 10,2; Ez 27,13; 38,2) e Quedar (Is 21,16), conjunto de tribos árabes que se tinham espalhado até à Síria.
  736. A forma e os conteúdos deste salmo são os de uma oração individual de confiança. Ele sublinha com grande intensidade a ideia de que é Deus quem guarda Israel. Esta metáfora vai sendo repetida como palavra refrão e sugere a ideia de que a confiança proclamada ultrapassa manifestamente o plano individual e abrange todo o povo. O seu conteúdo aproveita alguns dos temas bíblicos mais clássicos, tais como as ideias de criação, segurança, tranquilidade e proteção. A experiência espiritual própria de um texto de oração coletivo exprime-se na estrutura quase de diálogo em que alguém declara as suas preocupações e logo adianta a perspetiva de confiança (vv. 1-2), enquanto outra voz lhe responde longamente a confirmar essa perspetiva de esperança (vv. 3-8).
  737. As montanhas para as quais o salmista desesperado olha podem significar o horizonte distante de onde uma inesperada ajuda pode surgir. Seria a metáfora genérica da esperança distante. Porém, a própria Jerusalém é sentida como estando assente sobre as montanhas que a cultura anterior de Canaã enriquecia de ressonâncias simbólicas. Neste salmo, nem o monte de Sião nem sequer o templo são explicitamente referidos. Porém, o essencial da confiança vem do Senhor e este é amplamente recordado como fonte de auxílio e segurança.
  738. A cultura de Canaã tinha consciência de que o Sol era também causa de seca, morte e sofrimento (Sb 18,3; Is 49,10; Ap 7,16). A Lua serve para fazer paralelismo com o Sol, na construção equilibrada do v., mas também se acreditava que ela podia trazer certos malefícios e doenças, como o caso dos «lunáticos» (Mt 17,15).
  739. As entradas e as saídas representam a totalidade da vida humana (Nm 27,17; 31,2; Js 14,11).
  740. Ou: Exultei quando.
  741. Para além de ser um cântico de peregrinação para Jerusalém, a própria cidade constitui o centro de todo o texto. Sião é olhada com toda a ternura que suscita o facto de ser o lugar do santuário e o símbolo da organização que David deixou para o quotidiano dos hebreus. A beleza física da cidade é valorizada por todos estes aspetos simbólicos. O texto divide-se entre felizes descrições da cidade e convites à participação entusiasta por parte daqueles que se integram na peregrinação.
  742. Os pormenores descritivos da construção e da estética da cidade nem sempre se conseguem definir de forma clara. No entanto, no NT continuamos a encontrar referências ao efeito produzido pelo aspeto arquitetónico e simbólico de Jerusalém: Mc 13,1; 1Pd 2,5; Ap 21,10-27.
  743. Este v. refere-se ao costume, transformado em lei para os israelitas, de peregrinarem a Jerusalém para celebrar as grandes festas: Sl 81,5; Ex 23,14-17; 34,24; Dt 12,4-19; 16,16; Lc 2,41-42.
  744. Cf. 2Sm 15,2-6.
  745. Lit.: Pedi a paz de Jerusalém. Esta é uma fórmula caraterística de saudação, que se adapta bem ao momento da entrada dos peregrinos na cidade. Além disso, é possível que o salmista seja sensível à maneira como os hebreus sentiam o significado do nome de Jerusalém que na última parte (chalem) lhes lembrava o termo «paz» (chalom). O nome pode ter uma origem diferente, mas para a etimologia popular dos hebreus era daquela maneira que soava (Sl 76,3).
  746. Este salmo, que pode ser de súplica ou lamentação coletiva, começa, na verdade, com uma súplica em primeira pessoa do singular, mas abre imediatamente para uma situação coletiva, tanto na expressão da confiança em Deus como na súplica, para que Ele se mostre sensível à situação da comunidade. A situação descrita parece consistir em ameaças e desprezo por parte dos povos vizinhos, segundo o que se depreende dos vv. 3-4. A situação poderia fazer lembrar as referências de Ne 4,1-15.
  747. Pela força e intencionalidade dos olhos dos servos e da serva na mão dos seus senhores o salmista já não explicitou o fixar dos olhares dos piedosos israelitas na mão do Senhor: refere apenas o próprio Senhor, deixando implícito o significado da mão de Deus como metáfora de intervenção e salvação.
  748. Este é um salmo coletivo de ação de graças pela experiência passada. A história vivida é considerada muito positiva. Isso é atribuído ao facto de Deus ter estado ao lado do povo de Israel (v. 1). As fórmulas e o estilo são caraterísticos dos cânticos de peregrinação.
  749. Transparece aqui um convite a que a assembleia repita estas frases mais importantes (cf. Sl 118,2).
  750. Engolir vivo significa uma destruição rápida e total, sem deixar vestígios (cf. Sl 56,16; Nm 16,30; Pr 1,12; Is 5,13-14).
  751. As metáforas dos vv. 4-5 são clássicas na Bíblia para exprimir a catástrofe e o caos (cf. Sl 18,5.17; 69,2).
  752. Expressão de confiança coletiva, onde a segurança do justo é comparada com a do monte Sião, que não vacila e está firme para sempre (vv. 1-2). O salmo é composto ao modo de uma exortação profética, para incutir perseverança na fidelidade a Deus, para os tempos difíceis, marcados pela dominação estrangeira (v. 3). O contexto poderia ser aquele que se exprime em Ne 6.
  753. Esta pode ser uma referência aos israelitas que atraiçoaram o povo, segundo o referido em Ne 6,17-19.
  754. O tema do regresso do exílio e as dificuldades em retomar num ritmo satisfatório os trabalhos de restauração parece ser o contexto e o conteúdo que preenche este salmo coletivo de súplica. A esperança consiste em que Deus ajude a completar a obra de reconstrução encetada, de modo a aproximar-se dos níveis de sucesso que já tinham sido atingidos no passado (cf. Ne 5; Ag 1-2; Zc 3-4).
  755. Ou: Regressa, Senhor, com os nossos exilados.
  756. Négueb é o deserto situado ao sul da Palestina, região árida e seca. Ali não havia fontes de água para uma irrigação permanente. Uma torrente de repente provocada pela chuva surtia o efeito de um verdadeiro milagre (cf. Jb 6,15).
  757. A sucessão de metáforas expressivas de sofrimento e satisfação é uma maneira viva de contabilizar de forma positiva a longa experiência do exílio como sementeira de restauração.
  758. Este salmo segue o modelo de uma meditação sapiencial e celebra, em primeiro lugar, a maneira como Deus está presente por dentro do trabalho humano de criação (vv. 1-2). Tomando a metáfora mais à letra poderia ver-se aqui a dificuldade em reconstituir e reorganizar a comunidade depois do desastre do exílio (Ne 4,9-14; 7,4). Em seguida o salmo exalta a importância dos filhos, sobretudo criados em idade jovem (vv. 3-5). Tal como acontece com o Sl 72, o título classifica este salmo como sendo de Salomão. Neste caso, há quem pense que foi a referência ao seu amigo, no v. 2, que levou a que a referência a Salomão fosse explicitada em título (cf. 2Sm 12,25).
  759. Na sequência da menção de Salomão no título do salmo, há quem veja neste sono uma referência ao sonho de Salomão em Guibeon (1Rs 3,5).
  760. Se as preocupações de criatividade deste salmo tiverem a ver com a reconstrução de Jerusalém, os vv. 3-4 poderiam significar um incentivo ao repovoamento da cidade de Jerusalém (Ne 4,9-17; 11,1s).
  761. As discussões sobre direitos ou prejuízos entre cidadãos, de molde a tomar sobre isso decisões mais ou menos formais, costumavam decorrer em sessões de assembleia pública, que tinham lugar na praça pública, junto da entrada da cidade (cf. Gn 23,3; Rt 4,1; Pr 31,23.31).
  762. Tal como o anterior salmo, também este segue o modelo de composição sapiencial. Ele pretende demonstrar que seguir a lei de Deus é a melhor garantia para se assegurar uma vida próspera e feliz. O padrão de felicidade final referido é o bem-estar de Jerusalém, mas o enquadramento concreto desta harmonia entre bom comportamento e felicidade no quotidiano é o quadro de uma vida familiar em que todos os elementos mostram a sua forma natural de serem produtivos.
  763. Este cântico de confiança e de esperança descreve em primeira pessoa uma experiência que acaba por se alargar a todo o povo de Israel. Esta meditação de estilo sapiencial procura extrair as lições que decorrem da experiência vivida e exprime as aventuras sofridas, servindo-se de uma série de metáforas integradas num sistema de referências que nos remete para as experiências duras do trabalho agrícola.
  764. O convite para que Israel repita a declaração (cf. Sl 118,2) é cumprido logo no v. 2.
  765. As referências à juventude, nos vv. 1 e 2 referem-se aos problemas dos primeiros tempos, no Egito (Ex 1ss), e primeiros tempos na terra prometida (Jz 3; 4; etc.)
  766. Esta imagem, que exprime tradicionalmente o tratamento de escravatura aplicado a alguém, aplica-se bem ao facto de o dorso sobre o qual lavram os lavradores ser o de Israel, cujo solo humilhado por poderes estrangeiros é o motivo que parece ter suscitado este salmo. Cf. Is 50,6; Am 1,3; Hab 3,12.
  767. Ou: que o vento leste faz murchar.
  768. Na ocasião das colheitas, parecia ser costume que os que passavam perto saudavam os ceifeiros, celebrando a boa colheita (cf. Rt 2,4).
  769. Lit. Das profundezas. Este plural traduz os momentos de profundo sofrimento, mas para o exprimir abre a porta para as ressonâncias míticas desta imagem que exprimem o caos visto como o oceano profundo de todos os perigos.
  770. Este salmo individual de súplica integra-se no conjunto de salmos de espírito comunitário como são realmente os cânticos de peregrinação. Neles se encontram normalmente presentes os ingredientes caraterísticos de confiança e de festa. No entanto, o salmo trata de um tema bastante ligado com a experiência pessoal e o sentido expresso desde o princípio sugere um horizonte de grande angústia. Ao longo da história, tornou-se um texto muito representativo da liturgia dos defuntos, sendo conhecido como o De profundis, por causa das palavras iniciais do seu texto em latim, segundo a Vg. Este é um dos salmos penitenciais.
  771. Esta ligação entre o perdão e o temor de Deus é um bom elemento para definir como a ideia de temor de Deus tem na Bíblia conotações positivas.
  772. Trata-se das sentinelas que fazem vigilância na cidade durante a noite. Aquilo por que mais aspiram é começar a descortinar os primeiros sinais do amanhecer.
  773. Este salmo individual de confiança manifesta a serenidade de espírito por parte de alguém que se sente animado pelo Senhor (v. 3). O seu estado de alma, expresso com a metáfora de uma criança no colo da mãe depois de ser amamentada, situa o orante numa tranquilidade de infância espiritual e reconcilia-o consigo mesmo. Com este desdobramento entre si e a sua alma, o salmista está a identificar-se como sendo filho e mãe de si mesmo.
  774. Esta imagem de proteção maternal pode também ser referida a Deus, como acontece em Sl 32,20-22; 130,6s.
  775. Este salmo costuma ser incluído na categoria dos salmos reais. Com efeito, a figura central em todo ele é a do rei David. E isto, por vários motivos. Primeiro, porque tomou a decisão de procurar um lugar para estabelecer o santuário do Senhor. Em segundo lugar, porque Deus fez a promessa de lhe garantir em Sião uma dinastia perene de descendentes. A simbologia da realeza e dos seus agentes, tanto no culto como na política, está relacionada com a aliança entre Deus e o povo. A dúvida de saber se o diadema real, referido no último v., diz respeito a Deus ou ao rei tem marcado a história das traduções desde a antiguidade. Ambas as hipóteses podem fazer algum sentido, tendo em conta o pensamento hebraico e mesmo oriental sobre a realeza. É no realizar de forma eficaz e honesta as funções superiores do poder que o homem mostra ser imagem de Deus. Na fórmula criacional registada em Gn 1,26 os três sinónimos com que se define o humano são: homem, imagem nossa (de Deus), poder.
  776. O Poderoso de Jacob é um título equivalente a um nome de Deus, particularmente associado às tradições do patriarca Jacob (cf. Gn 49,24). O voto expresso nos vv. seguintes não aparece explicitamente na Bíblia, mas os factos referidos correspondem ao que é relatado em 2Sm 6-7 (cf. 1Cr 13-17).
  777. A digna morada é o templo, cuja ideia se atribui a David e cuja construção coube ao seu filho Salomão (cf. 1Cr 28,1-19; 2Cr 1,18-5,1).
  778. Lit.: ela.
  779. As palavras dos vv. 6-10 são postas na boca dos israelitas, seja dos contemporâneos de David seja dos que em qualquer época assumiam em oração este salmo, revivendo o espírito dos acontecimentos referenciados, numa viagem simbólica no interior do território de Efrata, que incluía Belém, terra natal de David (Gn 35,19; Rt 4,11) e Jaar, também conhecida como Quiriat-Iarim. Deste modo se refazia a viagem da arca da aliança, dali até Jerusalém (cf. 1Sm 7,1s; 2Sm 6,3). A viagem simbólica começa com um convite dirigido ao Senhor (v. 8) para aceitar a transferência para Jerusalém.
  780. Lit.: não desvies a face do teu ungido. Este pedido é mais urgente se, depois do fim da primeira monarquia, se referir a uma personagem nova como Zorobabel, para quem se volta a reclamar a linhagem de David (cf. Esd 3,2; Ag 1,1s.6.21; Zc 4).
  781. Esta promessa a David vem mais amplamente relatada em Sl 89,28-38; 2Sm 7.
  782. Lit.: de salvação. Este revestimento é uma bênção de Deus. Quando no v. 9 se convidam os sacerdotes a revestirem-se de justiça é da responsabilidade e da iniciativa deles.
  783. Lit.: um chifre de David. Podendo significar riqueza e abundância, o termo qeren significa principalmente o poder. Em Zc 6,12, Zorobabel é designado como rebento ou gérmen, termo que é da mesma raiz aqui usada para significar germinar.
  784. A lâmpada é símbolo de vida e prosperidade (cf. Sl 18,29; 2Sm 14,7; Pr 24,20).
  785. A tradução dos LXX diz: o meu diadema, o qual também se enquadra bem no simbolismo da ideologia real.
  786. Esta meditação sapiencial fixa-se na vida de Israel em comunidade, vendo-o como uma grande família de irmãos. As imagens do óleo e do orvalho sugerem a fertilidade da terra (Gn 27,28). A personagem de Aarão introduz neste quadro uma referência histórica de encantamento e solenidade; e o monte Hermon ajuda a erguer a modesta colina de Sião aos píncaros das altas montanhas do norte de Canaã, cobertas de antigos mitos e simbolismos religiosos que Israel assume.
  787. Este salmo parece uma simples fórmula de convite carateristicamente litúrgico para se louvar o Senhor. Convida à atitude de louvor, sem sequer introduzir motivações concretas como é costume em tais textos. Na verdade, louvar o Senhor não precisa de motivações; é natural e evidente. Este texto parece um daqueles refrões puramente funcionais de que as liturgias costumam servir-se como fórmulas de cerimónia. Mesmo assim foi integrado no grupo dos cânticos de peregrinação, talvez porque esta categoria recolhia também conotações deste tipo e fazia sempre sentido naquele contexto.
  788. Este salmo é um hino de grande intencionalidade litúrgica, não somente porque se concentra intensamente na ideia do louvor, onde está o sentido e o espírito da adoração e da liturgia, mas também porque apresenta a realidade do povo de Israel segundo as várias casas, com a sua representatividade institucional. Do ponto de vista do conteúdo, este hino está recheado dos mais importantes temas históricos e teológicos da tradição hebraica. A pedra de toque é o Deus que habita em Sião. Relativamente a este Deus, o hino celebra a supremacia sobre a criação (vv. 5-7) e o acompanhamento e defesa do seu povo ao longo da história (vv. 8-14), a partir do tempo do Egito. É ali que o salmo fundamenta a identidade do povo hebreu. E nisto se concentra toda a realidade e todo o sentido da vida. Outros deuses simplesmente não existem. O monoteísmo é assumido de uma forma feliz.
  789. Os vv. 8-9 tratam das pragas do Egito, vistas como sinais benfazejos para os hebreus.
  790. As injustiças e perigos sofridos pelos hebreus no relacionamento com os inimigos são assumidos por Deus como um caso de justiça que lhe diz respeito.
  791. Os vv. 15-18 são semelhantes aos do Sl 115,4-8.
  792. Os vv. 19-21 são uma antífona de gosto tradicional que serve de conclusão a todo o hino (cf. Sl 115,10-13; 118,2-4).
  793. O aleluia final, que também se encontra no Sl 104,35, foi transportado pela tradução dos LXX para o início do salmo seguinte.
  794. Este é mais um hino de louvor a Deus, onde a marca de enquadramento litúrgico se nota sobretudo no refrão que compõe a segunda metade de cada v.. Este refrão é, ele mesmo, um espelho da prática litúrgica de Israel que aparece testemunhada noutros lugares da Bíblia (cf. Sl 106; 107; 118; 2Cr 7,3; Esd 3,11). Os temas regressam aos lugares clássicos da história teológica dos israelitas, tratando da criação do universo e recapitulando, com grande pormenor, o itinerário que vai do Egito à entrada em Canaã, que já aparecia em esboço no salmo anterior (Sl 135,10-14). Com o seu estilo de grande solenidade, este salmo é chamado o «grande Hallel» (hino de louvor) e é cantado pelos judeus na festa da Páscoa. Os dois últimos vv. saem do esquema teológico de base histórica e situam-se num âmbito que é geral e fundamental ao mesmo tempo. Em conclusão, são recapituladas as razões mais práticas, pelas quais é de primeiro interesse para os humanos dar louvor a Deus.
  795. As referências bíblicas para o conteúdo dos vv. 10-16 encontram-se em Ex 17-19.
  796. Sobre estas vitórias contra os reis inimigos, cf. Nm 21,10-33; Dt 29,6s; cf. Sl 135,10-12.
  797. As referências a estes tempos intermitentes de depressão e ressurgimento poderiam trazer à memória períodos como os que são descritos em Jz e 1Sm.
  798. Este título de Deus dos céus é usado para Javé em Gn 24,3 e parece ter estado particularmente em voga a partir da época persa (cf. Esd 1,2; 7,12; Ne 1,4; Dn 2,18-19).
  799. Recorrendo às nomenclaturas mais convencionais de géneros literários, este salmo poderia ser rotulado como súplica coletiva. É claro que podemos enquadrá-lo no ritmo coletivo e geral das orações que se praticavam no templo reconstruído depois do exílio. Os motivos em que assenta a súplica são intensos e claramente circunstanciados. Os temas são a saudade e o desgarramento provocados pelo exílio longe de Jerusalém; a desolação de viver em terra estranha, onde estão impedidas as alegrias que só na terra natal fazem sentido. Os primeiros caps. do livro de Ezequiel, profeta que fez parte dos mesmos exilados, oferecem um contexto bem ilustrativo como pano de fundo para este salmo. A oração de conclusão, que costuma inspirar confiança e segurança, parece olhar para um tipo de castigo que se mistura ainda com sentimentos de vingança e impropério. Por isso, esta parte final não costuma ser transposta para uso coletivo na liturgia. De qualquer modo, este salmo está muito presente na história das literaturas e das artes, sobretudo musicais, como sendo um dos mais reconhecidos poemas da Bíblia.
  800. Ou: de ti, Sião. Esta leitura consta no Saltério Romano do séc. IV e permaneceu em textos litúrgicos.
  801. Ou: e os que zombavam de nós. O termo traduzido por opressores é tradicionalmente considerado um termo de uso único na Bíblia e, portanto, de difícil definição. No entanto, poderia pensar-se numa forma derivada da raiz hll¸ que pode significar «escarnecer». Daí a tradução alternativa.
  802. Todo o salmo aponta para uma incapacidade de cantar cânticos de Sião em terra estrangeira. Por isso o castigo referido nos vv. 5-6, para o caso de atraiçoarem a memória de Jerusalém, é o de ficar com a mão tolhida e a língua emudecida.
  803. Esta referência aos povos situados a sul de Judá e designados como filhos de Edom justifica-se não somente porque eles constituíam uma fonte contínua de insegurança para Jerusalém, mas também porque a eles se ligavam memórias de destruição semelhantes a esta, provocada pelos neobabilónicos (cf. Jr 49,7-22; Ez 35,5; Jl 4,19; Abd 2-14). Segundo Lm 4,21, os de Edom estavam entre os mais ferozes participantes no saque de Jerusalém, depois da conquista.
  804. O grito dos vv. 8-9, que não esconde reações de vingança, é na verdade um grito de dor e de protesto, pelo facto de os conquistadores babilónicos de Jerusalém terem adotado práticas selvagens (cf. 2Rs 8,12; Is 13,16; 14,22; Jr 51,22-25; Os 14,1; Lm 3,10-12). A dor dos hebreus leva-os a formular desejos de castigo em ricochete, segundo a medida do que se costuma designar como lei de Talião. As práticas brutais referidas aconteciam realmente por ocasião da conquista de cidades, como maneira radical de impedir que elas se restabelecessem (cf. Is 13,16; Os 14,1; Na 3,10).
  805. Na sua forma literária, este é um salmo individual de ação de graças. Eventualmente, o orante poderia representar a figura de um rei. No entanto, as referências ao rei e às causas que ele representa são preocupação frequente, mesmo em orações de simples orantes individuais.
  806. Ou: em frente dos deuses, significando recusa dos deuses e opção por Javé. A tradução dos LXX, a Vg e a NVg transmitem um texto que intercala entre estes dois hemistíquios um outro que diz: porque ouviste as palavras da minha boca. No último hemistíquio, percebe-se o deslisar de semânticas do termo elohim, podendo referir-se a deuses ou a outro tipo de seres superiores, mesmo humanos: deuses, anjos, potentados (cf. Sl 29,1; 58,2; 82,1; 86,8; 89,7; Jb 1,6). Desde a tradução grega seguida pela tradição latina, a escolha do termo anjos fixa evidentemente uma semântica. Outras traduções antigas optaram por traduzir reis ou juízes, valorizando as diferentes possibilidades semânticas do termo elohim.
  807. Este salmo apresenta a forma e os conteúdos que fazem normalmente parte dos salmos de súplica. No entanto, ele está construído segundo o modelo bem conhecido de uma reflexão sapiencial sobre a maneira como Deus governa e intervém na condução da vida humana. Ele mostra-se particularmente sensível aos misteriosos caminhos e fases que a vida humana vai percorrendo e bem assim aos dramas e males que a assolam. A atitude sugerida está, mais uma vez, de acordo com aquela que a sabedoria sugere, i.e., de total confiança e entrega, apesar do caráter inacessível dos mistérios implicados.
  808. Expressões polares como o sentar-se e levantar-se, sair e entrar, etc., representam a totalidade da vida humana (cf. Nm 27,17; Dt 31,2).
  809. Ou: E concluo que na escuridão Ele me observa / e de noite é luz à minha volta. Um texto de Qumrân pressupõe para a segunda parte e a noite é uma cintura (ezor, em vez de or) à minha volta.
  810. Ou: Tu conheces a minha alma, desde sempre.
  811. Ou: Os teus olhos viram os tempos da minha vida. / No teu livro, todos eles estavam inscritos. A tradução comumente recebida, que vem pela via dos LXX, Vg e NVg, depende da leitura de golem como significando embrião. Daqui derivou o tema literário da figura indefinida e lendária designada como Golem em certas tradições judaicas antigas e modernas. No entanto, tal palavra não existe em mais nenhum outro lugar da Bíblia e as ocorrências no hebraico posterior derivam exclusivamente da interpretação que se fez desta passagem. A leitura alternativa dada acima deriva de se entender o substantivo gil, que aparece em Dn 1,10 e é possível também ser lido em Sl 43,4. Nesta interpretação, o sufixo possessivo de primeira pessoa estaria com um mem enclítico. Deste modo, a sintaxe da segunda parte deste v. 16 fica sem problemas.
  812. Ou: Quando eu chegar ao fim, ainda estarei contigo, segundo a NVg.
  813. A tradução contra ti fundamenta-se na leitura de 'adêka, que muitos mss. trazem em vez do 'arêka do TM.
  814. Neste salmo individual de súplica, por motivo de perseguição, o salmista pede ajuda para ser libertado dos violentos e caluniadores, que armam emboscadas; ele invoca o Senhor, pede castigo e confia em que Deus guiará os justos. A convicção de que Deus garante justiça nos conflitos que ocorrem entre os humanos é o motivo mais profundo para o louvar. A confiança na justiça divina é o fundamento do olhar confiante com que se olha para a vida humana em sociedade.
  815. Estas metáforas são apreciadas para descrever calúnias e maldades (Sl 52,4; 57,5).
  816. Deve entender-se provavelmente que se refere à terra de Israel. Num sentido mais radical poderia também entender-se na terra como mundo.
  817. Neste salmo individual de súplica o choque entre o comportamento dos maus e a situação de perigo que isso representa para o salmista não são tratados somente como uma questão de agressão e de injustiça, mas sobretudo como uma confrontação entre modelos opostos de comportamento. Isso obriga o salmista a uma atitude de amabilidade, por um lado, e de resguardo e afastamento, por outro. O facto de o hebraico aqui usado parecer algo antigo torna difícil conseguir uma tradução mais explícita.
  818. A oração é aqui matizada com várias metáforas recolhidas da vida cultual do templo: o incenso usado em várias cerimónias, o ambiente interior do santuário, o gesto de erguer as mãos e o sacrifício da tarde (Ex 29,38-42; Lv 2,1s,15; Sl 28,2; 63,5; 66,15).
  819. Ou: os meus ossos. A maior dificuldade deste v. consiste em saber de quem são os ossos que descem ao mundo dos mortos. A NVg entende os seus ossos, mas a Vg e os LXX entendiam os nossos ossos. Na primeira hipótese funciona como descrição do castigo dos maus; na segunda, como o sofrimento profundo que atinge os bons. No entanto, em 11QPsª aparece como os meus ossos. Tendo em conta que todo o salmo está declarado na primeira pessoa do singular, a ocorrência de nossos ossos neste v. 7 parece pouco lógico. Normalmente, o estar à boca do abismo da morte faz parte da lamentação do salmista; a primeira pessoa poderia, neste caso, fazer sentido.
  820. Lit.: pelo Cheol. O texto dos vv. 6-7 é de molde a deixar sempre algumas hesitações na tradução.
  821. Esta referência à caverna pode aludir à caverna de Odolam (1Sm 22) ou de En-Guédi (1Sm 24).
  822. Este é um salmo individual de súplica, no qual o salmista não desce a muitos pormenores de descrição sobre as aflições a que se encontra sujeito. Há perseguição e prisão, bem como situações de abandono. Com a esperada intervenção de Deus, a situação final resulta em louvores e celebrações festivas, com muita gente à sua volta.
  823. O defensor de alguém em tribunal colocava-se à sua direita (cf. Sl 109,31; Is 63,12) e a ideia de ser seu conhecido significa que assumia a função de testemunhar em seu favor.
  824. Estas expressões densas sobre a terra dos vivos carregam sempre conotações que contêm alguma intencionalidade tensa entre as dimensões de vida neste mundo e outras mais transcendentes (cf. Sl 16,5; 27,13; 46,2; 52,7; 91,2).
  825. A solidariedade expressa para com quem foi tratado com justiça por parte de Deus é uma celebração festiva sobre o significado desse acontecimento (cf. Sl 64,11; 107,42).
  826. Salmo individual de súplica. Este é o último dos salmos penitenciais, assim chamados apesar de neles se tratar mais frequentemente de perigos que de pecados. Mais uma vez, as queixas sobre as quais está fundamentada a súplica são expressas de uma forma que não é muito concreta. O estado de espírito descrito é o de alguém que se sente às portas da morte. Estas fórmulas têm capacidade para representar uma grande variedade de experiências e de situações. O salmista está consciente de que o acolhimento do seu grito de socorro tem tudo a ver com o seu bom comportamento.
  827. Lit.: nenhum vivente.
  828. Lit.: como os mortos de eternidade.
  829. Trata-se de um salmo real, semelhante ao Sl 18. O seu conteúdo refere-se a aspetos variados das cerimónias que têm a ver com a realeza. A tonalidade geral corresponde ao modelo de meditação sapiencial sobre a precariedade da vida humana, dimensão que afeta igualmente o rei. Inclui uma súplica em favor do êxito das atividades do rei e dos seus empreendimentos. Neste salmo, David já é tratado como um rei que serve como referência e modelo. Depois do esboço de uma liturgia real (vv. 1-10), vem um pedido de bênçãos para toda a coletividade (vv. 11-15). Esta abertura às necessidades de toda a comunidade é uma preocupação que condiz bem com as próprias funções do rei. A variedade de temas focados poderia igualmente dar-nos a sensação de este salmo ser uma espécie de antologia de temas religiosos. Daí a impressão de nos depararmos com uma série de estrofes justapostas. A variedade de sujeitos a que os pronomes pessoais e possessivos se reportam pode ser um dos indícios desta multiplicidade de estrofes.
  830. A primeira pessoa usada nesta estrofe parece fazer do rei o sujeito e ator principal.
  831. A expressão David, seu servo tornou-se um título de cariz messiânico (Jr 33,21; Ez 34,23-24; 37,24).
  832. Na arquitetura dos palácios do Oriente, as colunas elegantes e belas eram um elemento decorativo importante. Nem é forçoso fazer uma ligação muito explícita com a tradição grega da construção de colunas com figuração humana, chamadas as cariátides.
  833. Este salmo é um hino no qual se proclamam os atributos de Deus e o seu reino (vv.11-13). A sua providência diz respeito a todos (vv. 14-17), mas incide muito especialmente sobre os justos. O salmo segue o modelo dos salmos acrósticos alfabéticos (cf. Sl 9; 119). O início dos vv., com efeito, começa por uma letra diferente das anteriores, seguindo a ordem alfabética do hebraico. Falta apenas o v. correspondente à letra nun. Este modelo de escrita condiz com um género literário de tipo sapiencial. Todo o salmo, com efeito, tem o aspeto de uma meditação e o próprio gosto sapiencial.
  834. Nos vv. 5-6 há um jogo de sujeitos entre a proclamação feita por cada grupo geracional e o próprio salmista que repete o eco daquelas vozes.
  835. O governo de Deus sobre o mundo é descrito com as caraterísticas de um reino (vv. 10-13).
  836. O cuidado de Deus em assistir cada criatura dá ao seu governo do mundo uma caraterística de meticulosa e atenta providência (vv. 14-16).
  837. Entende-se aqui o termo raşon como referido à generosidade com que Deus dá e não à sofreguidão daqueles que procuram alimento junto dele.
  838. Este salmo começa e termina com a proclamação de um aleluia, que lhe dá a conotação de um hino. Os salmos seguintes seguem o mesmo modelo e mantêm a mesma intencionalidade. Este Sl 146 sublinha que qualquer humano é demasiado fraco para nele se depositarem quaisquer esperanças de salvação. Só Deus tem possibilidade de responder aos anseios humanos. Os grandes temas do pensamento e da literatura bíblicos estão aqui amplamente representados, nomeadamente a debilidade e incapacidade humana (vv. 3-4) e as razões para olhar para Deus como base de toda a esperança (vv. 5-9). Com este salmo tem início o terceiro grupo de salmos chamados do Hallel (146-150), que os judeus recitam pela manhã. Sobre o termo aleluia, cf. Sl 104,35.
  839. Este salmo é um hino em que insistentemente se convida ao louvor a Deus (vv. 1,7, 12). Cada um destes convites ao louvor dá início a uma nova estrofe do salmo. De 1-6 o louvor a Deus tem como base os seus atributos; de 7-11 é a sua providência; de 12-20 são os benefícios concedidos a Jerusalém e, por ela, a todo o povo. Nos LXX e na Vg esta última estrofe constitui um salmo à parte. Este salmo apresenta-se, desta maneira, como um cântico destinado a manter o espírito e o entusiasmo que, em cada assembleia, o fiel é chamado a reviver. Mesmo apresentando uma intenção genérica, continua a ressaltar que os motivos para sublinhar o louvor, enquanto sentimento religioso fundamental, é a maneira como Deus preside e exprime o funcionamento ordenado do universo. O universo em que o salmista sente que está a viver é, precisamente por esse motivo, contemplado com satisfação, confiança e otimismo.
  840. Dar nome às estrelas é mostrar de que maneira Deus exerce a soberania naquela relação: a soberania significa a eficácia matizada da gestão a não força bruta de comando (cf. Is 40,26-28).
  841. A tradição hermenêutica que vai da tradução dos LXX até à NVg sentiu que a seguir à menção da erva nos montes faltava uma referência paralela ao serviço que esta fertilidade presta aos homens (cf. Sl 104,14) e completou com um hemistíquio que diz: e verdura para serviço do homem.
  842. Os filhotes dos corvos são tomados como exemplo de um ser que, por natureza, corre o risco de se encontrar ao desamparo (cf. Mt 6,26; Lc 12,24). Como seres vivos, eles sentem a falta de alimento e por isso gritam. O verbo gritar é o mesmo que se usa quando os humanos se dirigem a Deus em oração.
  843. O que está principalmente em apreço nestas referências é a agilidade e a velocidade que os cavalos são capazes de atingir (cf. Sl 33,16-18).
  844. É neste v. 12 que começa o Sl 147, segundo a numeração que passou da tradução dos LXX para a Vg e para os textos de uso litúrgico.
  845. Nesta última estrofe (vv. 15-20) a eficácia da gestão que Deus faz da vida do universo está expressa pelos pronomes possessivos que fazem com que todos os fatores ativos e intervenientes no funcionamento do universo sejam vistos como pertencendo a Deus e aparecendo a funcionar sob o seu comando direto.
  846. A palavra de Deus aparece aqui personificada como um dos seus mensageiros (cf. Sl 107,20; Is 55,10-11; Jo 1,14).
  847. A maneira como os hebreus se sentem conhecedores deste maravilhoso funcionamento do universo é um privilégio e uma mais valia que os torna felizes e que verificam não existir em outros povos.
  848. Este hino constitui um convite generalizado e pormenorizado a todas as criaturas do universo, no céu (vv. 1-6) e na terra (vv. 7-14), para que se juntem como um duplo coro a contracenar, e com todo o entusiasmo louvem a Deus. Uma grande parte dos vv. assenta diretamente sobre uma forma imperativa do verbo louvar. Como acontece geralmente nos hinos por todo o mundo bíblico, uma parte dos vv. constitui uma narrativa sobre as grandes obras de Deus, pelas quais o louvor se justifica. É a motivação e base essencial para os hinos, assentes na feliz contemplação do mundo.
  849. A qualidade de mensageiros e de exércitos de Deus é partilhada tanto por seres como os anjos como pelos astros do céu. Ambos se encontram na função de cumprir as tarefas que lhes são atribuídas (cf. 1Rs 22,19; Jb 38,7; Ne 9,6).
  850. Na conceção dos orientais o céu tinha vários níveis e as águas que de lá caíam como chuva vinham do armazenamento de águas situado acima do firmamento (cf. Gn 1,6-8; Sl 104,3).
  851. Ou: Ele faz subir a prosperidade do seu povo. O termo hebraico qeren (chifre) é uma metáfora que significa poder e também abundância.
  852. Este salmo é mais um hino que celebra a realeza de Deus em Sião. O contexto é o da máxima solenidade, i.e., a assembleia dos fiéis. O convite ao louvor é tão insistente que poderia deixar passar despercebida a parte narrativa que os hinos costumam integrar. Esta concentra-se principalmente nos vv. 7-9, em que os habitantes de Sião, sob o comando do seu rei divino, se sentem como que capacitados para exercer domínio e governar os poderosos que anteriormente os assolavam.
  853. Num hino que se movimenta entre a grandiosidade do louvor universal a Deus e as tarefas políticas de confrontação com as nações inimigas, esta recomendação para um solene louvor nos leitos, apesar do seu caráter inesperado, é uma indicação de que a grandiosidade de uma manifestação de fé mantém significado, mesmo quando transposta da grande assembleia dos fiéis para a intimidade doméstica. Há quem pense que poderia tratar-se de tapetes de oração, usados mesmo nas cerimónias. O Sl 4,5 poderia conter mais uma referência a este assunto.
  854. Mesmo que referidas de forma tão material e concreta, estas ações de domínio sobre outros povos (vv. 6-9) apresentam um matiz simbólico, que lhes vem do contexto de efusiva solenidade que o ambiente do salmo define. O paralelismo do v. 6 mostra bem a cumplicidade existente entre as duas dimensões: a do louvor e a do gesto militar.
  855. Esta referência a uma sentença registada coloca estas ações de domínio sobre os outros povos no lado de Deus. É portanto mais uma descrição da razão e da justiça, que Deus representa, e não tanto a referência a uma intervenção prática.
  856. Os salmos 148 e 149 terminam ambos com uma proclamação de orgulho e satisfação, que lhes vem da especial proximidade que têm com o santuário de Deus.
  857. Este salmo é um hino que se concentra exclusivamente no tema do convite universal ao louvor, insistindo repetitivamente no ato de louvor com recurso a um variado instrumental. Nem sequer se sente necessidade de esboçar a parte narrativa dos prodígios que justificariam todos estes convites ao louvor. Apenas o v. 2 faz alusão aos prodígios. Louvar é, aqui, de uma evidência absoluta; é o estado imediato e natural da própria relação com Deus. Este hino serve de doxologia final e apoteótica para todo o saltério, da mesma maneira que a meditação sapiencial (Sl 1), abrindo, de forma simples e ponderada, a reflexão sobre as coordenadas fundamentais para orientação da vida, lhe serviu de abertura.
  858. O templo em Jerusalém e a fortaleza no firmamento são os dois santuários de Deus. Esta coordenada do duplo santuário é um conceito que encontramos nas religiões orientais desde a Suméria até Canaã, onde a religião dos hebreus se enquadra de igual modo.
  859. Os instrumentos referidos são sobretudo de corda e percussão. Era sobretudo com eles que se compunha o instrumental de música, mostrando, portanto, um grande pendor para o ritmo.
  860. O louvor de Deus está na voz. Este último convite aberto a tudo o que respira não é no sentido de aumentar a lista de instrumentos de sopro. Tudo o que respira é convite à voz de seres vivos. O termo aqui usado, nechamah, é um dos que se usam para dizer alma, identificando o ser vivo com a sua voz.



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