Mt 5

From Biblia: Os Quatro Evangelhos e os Salmos
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III
O ANÚNCIO DO REINO
(5,1-25,46)


Discurso da montanha:
5,1-7,29[1]


As bem-aventuranças (Lc 6,20-26) – 1Ao ver as multidões, subiu ao monte e, tendo-se sentado, vieram ter com Ele os seus discípulos[2]; 2e, tomando a palavra[3], ensinava-os, dizendo:

3«Felizes os pobres[4] no espírito, porque deles é o reino dos céus.

4Felizes os que se lamentam[5], porque eles serão consolados.

5Felizes os mansos, porque eles herdarão a terra.

6Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão saciados.

7Felizes os misericordiosos, porque para eles haverá misericórdia[6].

8Felizes os puros de coração, porque eles verão Deus.

9Felizes os que fazem a paz, porque eles serão chamados filhos de Deus.

10Felizes os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus.

11Felizes sois quando vos insultarem, vos perseguirem e mentindo disserem todo o mal contra vós por causa de mim. 12Alegrai-vos e exultai, porque a vossa recompensa é grande nos céus, pois do mesmo modo perseguiram os profetas antes de vós».


O sal da terra e a luz do mundo (Mc 9,50; Lc 14,34s) – 13«Vós sois o sal da terra. Mas se o sal se tornar insípido, com que se salgará? Para nada mais serve, senão para ser lançado fora e ser pisado pelos homens.

14Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada no cimo de um monte; 15nem se acende uma candeia e se a coloca debaixo do alqueire, mas no candelabro, pois assim brilha para todos os que estão na casa. 16Deste modo brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai que está nos céus».


Jesus e a Lei – 17«Não penseis que vim abolir a Lei ou os Profetas. Não vim abolir, mas cumprir[7]. 18Amen vos digo: até que passe o céu e a terra, não passará uma só letra[8] ou um só traço da Lei, até que tudo aconteça. 19Aquele, pois, que quebrar um destes mandamentos, por mais pequeno que seja, e assim ensinar os homens, será chamado o mais pequeno no reino dos céus; mas aquele que os praticar e os ensinar será chamado grande no reino dos céus[9].

20Digo-vos pois: se a vossa justiça não superar a dos doutores da lei e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus».


Não matarás. Juízo e reconciliação (Lc 12,58s) – 21«Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás, e aquele que matar será réu no juízo[10]. 22Mas Eu digo-vos: todo aquele que se irar contra o seu irmão será réu no juízo; e aquele que disser a seu irmão "Imbecil!" será réu no sinédrio[11]; e aquele que lhe disser "Louco!" será sujeito[12] à Geena do fogo[13]. 23Portanto, se, ao apresentares a tua oferta sobre o altar, aí te lembrares que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, 24deixa aí a tua oferta diante do altar e vai reconciliar-te primeiro com o teu irmão, e então virás apresentar a tua oferta. 25Sê benévolo com o teu adversário, sem demora, enquanto estás com ele no caminho, não aconteça que o adversário te entregue ao juiz, e o juiz ao guarda, e sejas lançado na prisão. 26Amen te digo: não sairás de lá até que restituas o último cêntimo».

Sobre o adultério – 27«Ouvistes que foi dito: Não cometerás adultério. 28Mas Eu digo-vos: todo aquele que olhar para uma mulher para a cobiçar já cometeu adultério com ela no seu coração[14]. 29Se o teu olho direito é para ti motivo de escândalo, arranca-o e atira-o para longe de ti, pois é melhor para ti que se perca um dos teus membros do que todo o teu corpo ser lançado na Geena[15]. 30Se a tua mão direita é para ti motivo de escândalo, corta-a e atira-a para longe de ti, pois é melhor para ti que se perca um dos teus membros do que todo o teu corpo vá para a Geena».


Sobre o divórcio (Lc 16,18) – 31«Também foi dito: Quem repudiar a sua mulher, dê-lhe um documento de divórcio[16]. 32Mas Eu digo-vos: todo aquele que repudia a sua mulher – a não ser em caso de promiscuidade – faz com que ela incorra em adultério, e aquele que se casar com uma repudiada, comete adultério»[17].


Sobre o juramento – 33«Também ouvistes que foi dito aos antigos: Não jurarás em falso, mas cumprirás com os teus juramentos ao Senhor. 34Mas Eu digo-vos: não jureis de todo, nem pelo céu, porque é o trono de Deus; 35nem pela terra, porque é o estrado dos seus pés; nem por Jerusalém, porque é a cidade do grande Rei. 36Nem jures pela tua cabeça, porque não podes tornar branco ou preto um só dos teus cabelos. 37Mas seja a vossa palavra: "Sim, sim", "Não, não"; o que for além disto vem do Maligno».


Sobre a retribuição (Lc 6,29s) – 38«Ouvistes que foi dito: Olho por olho e dente por dente[18]. 39Mas Eu digo-vos: não resistais ao que vos fizer mal[19]; pelo contrário, àquele que te bate na face direita apresenta-lhe[20] também a outra[21]. 40E àquele que te quer levar a tribunal para te tirar a túnica, deixa-lhe também a capa. 41E aquele que te forçar a caminhar uma milha, vai com ele duas. 42Dá a quem te pede, e a quem te quiser pedir emprestado, não voltes as costas».


Amor aos inimigos (Lc 6,27s.32-36) – 43«Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo[22]. 44Mas Eu digo-vos: amai os vossos inimigos e rezai por aqueles que vos perseguem, 45para vos tornardes filhos do vosso Pai que está nos céus, porque Ele faz despontar o seu sol sobre maus e bons e faz chover sobre justos e injustos. 46Pois, se amardes os que vos amam, que recompensa tereis? Não fazem os publicanos também o mesmo? 47E se saudardes apenas os vossos irmãos, o que fazeis de extraordinário? Não fazem os pagãos também o mesmo[23]? 48Portanto, sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito».



  1. As bem-aventuranças são anúncio e proposta de felicidade, central em toda a Bíblia. O grego makários (feliz) aparece 50 vezes no NT, das quais 28 nos Sinópticos. Na origem aplicava-se às divindades. Jesus declara felizes os que participam no reino de Deus por Ele iniciado, por duas razões, correspondentes às duas partes em que se dividem: 1º, porque, na sua indigência, se confiam a Deus (vv. 3-6); 2º, porque, com a energia dele recebida, se entregam aos outros (vv. 7-9). É uma felicidade já presente (vv. 3 e 9: deles é o reino dos céus) e a consumar no futuro (vv. 4-8, com o tempo verbal futuro). Das nove de Mt (a 9ª concretiza a 8ª), quatro são, na temática, comuns a Lc e, por isso, provenientes da fonte (Quelle) comum.
  2. Inicia-se aqui o primeiro de cinco grandes discursos de Jesus. Este prolonga-se até ao fim do cap.7 e aborda as temáticas da justiça e do reino de Deus. Por se iniciar num monte, ficou conhecido como o sermão da montanha. É também chamado a magna carta do reino. Depois do exordium (introdução) que são as bem-aventuranças (5,1-12), seguem-se três partes: uma sobre a justiça (5,13-48), outra sobre as boas obras (6,1-18) e outra com várias advertências (cap.7).
  3. Lit.: abrindo a sua boca.
  4. Os pobres aqui são os 'anāwîm, os pobres de Javé também referidos em 1QM 4,17; 1QH 14,3 e 2Hen 42,6-14, aqueles cujo espírito está livre e disponível para acolher o Senhor: cf. Pr 15,13; 16,19; 29,23; Hab 4,4.10; Sl 34,19; Is 29,24.
  5. Mt usa um verbo derivado de pénthos, que em grego designa uma pena muito intensa, uma aflição provocada por calamidades ou tragédias, um grande desgosto.
  6. Lit.: serão «misericordiados». Da misericórdia fazem parte as atitudes e obras referidas nos vv. 8-10.
  7. Começa aqui uma secção diatríbica contra os fariseus. Mt recorre aqui às diatribes rabínicas e respetivas fórmulas de confronto nos escritos judaicos sapienciais: TestLev 16,4; TestRub 1,7; TestBenj 9,1.
  8. Lit: um só iota.
  9. Mt segue aqui a sensibilidade judaica (mAvot 2,1; 3,18) e considera que os pormenores da Lei continuam importantes e válidos.
  10. Citação das leis apodíticas (máximas incontestáveis) de Ex 20,13 e Dt 5,17.
  11. Para o sinédrio, cf. 2,4 nota. O insulto raqa parece ser uma transliteração do aramaico reyqa': cf. Sir 34,21.
  12. Lit.: será réu para a Geena do fogo.
  13. A expressão hebraica Gē-ben-hinnom (Vale do Filho de Hinom) ou o aramaico gey-hinnam darão origem à palavra Geena, um vale situado a oeste e sudoeste da colina de Jerusalém. Era o lugar onde uma fogueira ardia de modo permanente, a fim de queimar os lixos da cidade de Jerusalém. Era o oposto do lugar paradisíaco do jardim das delícias na literatura intertestamentária (cf. 4Esd 7,36; 1Hen 90,26).
  14. Ex 20,17. Esta radicalidade encontra eco no judaísmo palestinense e na própria literatura sapiencial: Sir 26,9.11; TestIss 7,2; SlSal 4,4; TestBenj 8,2; mKel 1; LevR 23,122; Jub 20,4; 1QS 1,6; bYoma 29; mas também existe uma exegese rigorista do sexto mandamento na literatura peritestamentária.
  15. Jesus usa aqui Dt 25,11-12 para alertar para as consequências do pecado. Esta forma hiperbólica de expressar uma ideia era uma técnica muito usada na antiguidade para a gravar na memória dos ouvintes.
  16. No tratado sobre o divórcio na Michná (recolha escrita da tradição oral judaica, no final do séc. II d.C.), estão atestadas as posições mais ou menos livres da tradição judaica representada nas escolas de Chamai e de Hillel (cf. mGitt 9,10), para as quais o mais pequeno motivo era razão suficiente para repudiar a mulher. Jesus não só se opõe radicalmente à banalização do get (o libelo de divórcio), como ao divórcio per se.
  17. Jesus coloca em causa aqui o princípio da Torá oral mais tarde incorporada no Pentateuco (Dt 24,1-4), de que os fariseus tantas vezes se serviam para justificar a sua prática da expulsão da mulher e sobrepor este texto a Lv 18,6-18.20. Este tema será retomado em 19,1-9.
  18. Jesus desafia a ir além da lei de talião, expressão de uma justiça meramente retributiva (cf. Gn 9,1-17; Ex 21,23-25; Lv 24,17-21; Dt 19,21; 2Sm 14,7; Sb 11,16-24; Ez 35,6s).
  19. Lit.: ao malfeitor/ao malvado.
  20. Lit.: volta-lhe também a outra.
  21. Dar a outra face era considerado desonroso e vergonhoso no judaísmo rabínico (cf.mBabQam 8,6).
  22. O tratamento dos inimigos é abordado favoravelmente, entre inúmeras passagens e contextos, em Ex 23,4s; Jb 31,29 e Pr 25,21s; odiarás os teus inimigos não se encontra em todo o AT, apesar de Lv 19,18 e Dt 23,3-6 se aproximarem bastante deste dito. Além disso, em Qumran, na 1QS 1,3-10 parece subsistir essa condenação de ódio para os filhos das trevas e de Belial – inimigos dos filhos da luz; por outro lado, a posterior tradição midráchica vai em sentido contrário (cf. mAvot I.6), e a tradição talmúdica relê este tipo de afirmação à maneira semita, na qual odiarás tem o sentido de menosprezar (cf. mYeb 23; AvotRN 23; mBer 4,7).
  23. No mundo oriental, uma saudação significa o desejo de bênção a alguém (cf. mAvot 4,15).



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