Difference between revisions of "Evangelho segundo São Lucas"

From Biblia: Os Quatro Evangelhos e os Salmos
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O evangelho de Lucas é o terceiro, na ordem canónica, e o primeiro, na extensão em número de versículos. Tem a sua continuidade no livro dos Atos dos Apóstolos, com o qual constitui uma unidade literária e temática, à boa maneira da historiografia da época. As duas partes começam de modo semelhante (cf. Lc 1,1-4 e At 1,1-3), apresentam muitas palavras, expressões e temas comuns (por exemplo, a conclusão de Lc 24,44-52 é retomada em At 1,4-11), o que nos permite falar de uma certa homogeneidade de linguagem, temática e pensamento.  
 
O evangelho de Lucas é o terceiro, na ordem canónica, e o primeiro, na extensão em número de versículos. Tem a sua continuidade no livro dos Atos dos Apóstolos, com o qual constitui uma unidade literária e temática, à boa maneira da historiografia da época. As duas partes começam de modo semelhante (cf. Lc 1,1-4 e At 1,1-3), apresentam muitas palavras, expressões e temas comuns (por exemplo, a conclusão de Lc 24,44-52 é retomada em At 1,4-11), o que nos permite falar de uma certa homogeneidade de linguagem, temática e pensamento.  

Latest revision as of 19:18, 23 December 2019

INTRODUÇÃO


O evangelho de Lucas é o terceiro, na ordem canónica, e o primeiro, na extensão em número de versículos. Tem a sua continuidade no livro dos Atos dos Apóstolos, com o qual constitui uma unidade literária e temática, à boa maneira da historiografia da época. As duas partes começam de modo semelhante (cf. Lc 1,1-4 e At 1,1-3), apresentam muitas palavras, expressões e temas comuns (por exemplo, a conclusão de Lc 24,44-52 é retomada em At 1,4-11), o que nos permite falar de uma certa homogeneidade de linguagem, temática e pensamento.


Autor, data, lugar e destinatários


Tendo em conta os dados do próprio texto e as informações do séc. II de Ireneu de Lião (Adv.Haer. III,1.1), é de crer que o autor seja mesmo Lucas, o caríssimo médico (Cl 4,14), discípulo de Paulo, um cristão da segunda geração (70-100), que não foi testemunha ocular de Jesus (cf. Lc 1,1-4).

Este evangelho foi provavelmente escrito pela década de 80, talvez em Antioquia da Síria. Para a sua composição, o autor apoiou-se no Evangelho segundo S. Marcos e na hipotética Quelle (fonte de ditos de Jesus, usada também por Mateus), assim como em fontes próprias da tradição escrita e oral (cf. 1-2; 7,1-17; 7,36-50; 10,29-37; 15,11-32; 19,1-10; 24,13-35), trabalhando-as no que respeita à ordem, ao vocabulário e ao estilo.

Tudo leva a crer que tenha sido destinado a cristãos de cultura grega (sem excluir uma minoria judeo-cristã), como o atestam a língua, o cuidado em explicar a geografia e usos da Palestina, a omissão das discussões judaicas e a consideração que manifesta para com os gentios (louva a fé do centurião em 7,1-10 e exalta a atitude de um samaritano em 10,25-37).

A preocupação é sobretudo reavivar a fé dos crentes (cf. Lc 1,4), que se encontraria em estado de letargia ou até de retrocesso (cf. Lc 18,8), por força da rotina e do retardamento da parusia (última vinda de Jesus, que se cria estar para breve).


Linguagem e estilo literário


Lucas reflete uma grande elevação, sensibilidade, sobriedade e cuidado literários que bem atestam o seu grande talento e delicadeza, assim como a preocupação pela ordem e clareza. A sua linguagem é versátil e o grego que usa é considerado por muitos o melhor dos quatro evangelhos, atingindo, nalguns casos, o nível do melhor grego clássico (cf. Lc 1,1-4). O vocabulário é abundante, cuidado e elegante, ao mesmo tempo que a gramática é rica.

O evangelista usa recursos literários e estilísticos semitas e helenistas, domina as técnicas da vivacidade literária e as principais figuras de estilo e de organização literária. Neste ponto, destacam-se os paralelismos com que o autor, mesmo comparando, pretende sublinhar a superioridade de Jesus Cristo em relação a qualquer outro personagem (o exemplo mais evidente está no paralelismo entre Jesus e João Batista, Lc 1-2), assim como a dialética ignorância-reconhecimento (com especial mestria no encontro de Jesus com os discípulos de Emaús, Lc 24,13-35).

Relevante, ainda, é o facto de Lucas adequar a linguagem à matéria narrada ou a cada um dos personagens, conforme a sua maior ou menor instrução. Tudo isto confere diversidade e plasticidade à narrativa. Não admira, por isso, que celebrações litúrgicas de grande relevo, como o Natal, a Ascensão de Jesus ou o Pentecostes, se apoiem em textos deste autor.

Todas estas caraterísticas estilísticas e literárias permitem concluir que o autor só pode ser de língua e cultura gregas.

Estrutura literária


Do ponto de vista da organização literária, a novidade maior prende-se com o prólogo (1,1-4), pois é o único evangelho a começar deste modo, e a forma como estrutura a secção do caminho (9,51 – 19,27[28]). Além disso, aparece bem vincada a narrativa da infância (Lc 1-2), assim como a paixão, morte e ressurreição de Jesus (Lc 23-24). Com base nestas constatações, apresentamos o esquema ou estrutura literária que se segue, a partir da dinâmica salvífica que o habita e da progressão geográfica que o enforma (os tempos e os lugares da história da salvação):

Prólogo (1,1-4). Assinala-se o sujeito, o método e a finalidade da obra.


I. O Salvador entra na história (1,5-2,52, conhecido por narrativa da infância), com uma síntese introdutória da condição messiânica de Jesus, em que a luz do Ressuscitado já ilumina a manjedoura de Belém, um verdadeiro prólogo cristológico (cf. Jo 1,1-18).


II. O prelúdio da missão salvífica de Jesus (3,1-4,13). João Batista é, para Lucas, o último grande profeta, um anunciador da conversão (3,3.8). O batismo, a genealogia e as tentações de Jesus (3,21 – 4,13) investem e credibilizam Jesus e apresentam a preparação da sua missão salvífica.

III. Jesus inicia a sua pregação na Galileia (4,14 – 9,50). Após o discurso programático na sinagoga de Nazaré (4,14-30), o evangelho apresenta diversos ensinamentos e milagres de Jesus, divididos em três partes: 4,31 – 6,11; 6,12 – 7,50; 8,1 – 9,50).


IV. O caminho de Jesus para Jerusalém (9,51-19,28). Moldura literária e teológica, é a parte mais original do Terceiro Evangelho. Tudo quanto se passa a caminho de Jerusalém manifesta uma salvação em ato e, por isso, o advérbio de tempo hoje (9,23; 12,28; 13,32.33; 19,5) reveste-se de uma grande importância e força expressiva. Esta unidade pode subdividir-se em três partes, começando cada uma delas do mesmo modo (cf. 9,51; 13,22; 17,11) e todas terminando com, pelo menos, uma parábola (cf. 13,18-21; 17,7-10; 19,11-28):

– promessa do reino (9,51 – 13,21);
– condições para entrar no reino (13,22 – 17,10);
– entrada no reino (17,11 – 19,27).


V. A realização salvífica em Jerusalém (19,29 – 24,53). A entrada e o magistério de Jesus, em Jerusalém (19,29 – 21,38), preparam o relato da sua paixão, morte e ressurreição (22-23; 24). Jesus morto e ressuscitado é a realização e superação de todas as promessas messiânicas e a luz que ilumina todos os acontecimentos do evangelho.


Aspetos teológicos


É verdade que, no prólogo, Lucas se apresenta como um historiador que, sem deixar de o ser, é sobretudo um teólogo que procura descobrir o sentido mais profundo dos acontecimentos, tendo em vista a compreensão e fundamentação da fé.

São muitos os seus temas teológicos: alegria, caminho, comensalidade, solidariedade, oração, misericórdia e perdão (Dante Alighieri chama-lhe scriba mansuetudinis Christi, o escriba da mansidão de Cristo), primazia do Espírito, entre outros. Todos eles se inscrevem na dinâmica da história da salvação, de que Lucas é o evangelista por excelência.

A salvação aparece centralizada em Jerusalém; começou em Israel (AT), atingiu a sua plenitude em Jesus Cristo (Evangelho de Lucas) e continua a expandir-se na e pela Igreja (Atos dos Apóstolos). A salvação acontece no quotidiano, destina-se a todos, mas preferencialmente aos pobres, doentes, excluídos, pecadores, mulheres, crianças, etc. Excluídos da sociedade e das suas prerrogativas, são por Jesus Cristo incluídos no processo salvífico, dado que a salvação é para todos e Jesus Cristo afirma-se como o salvador universal. A salvação obedece, assim, a quatro procedimentos essenciais:

Escuta da Palavra. Maria, mãe de Jesus (1,26-38), e Maria, irmã de Marta e Lázaro (10,38-42), são propostas como modelos de escuta;
Desapego dos bens terrenos, em ordem a seguir Jesus (14,33);
Oração insistente, atitude de Jesus a que Lucas dá um especial relevo (3,21; 6,12; 9,18.28-29);
– Demanda ou consciência da cruz e da glória. O evangelho está repleto de viagens e verbos de movimento que ajudam a perceber que o caminho para a glória da ressurreição exige a passagem pela cruz, como acontece com Jesus Cristo. Exemplo possível e eloquente é o texto dos discípulos de Emaús, no qual Jesus pergunta: Não era necessário que o Cristo sofresse estas coisas, para entrar na sua glória? (24,26).






Capítulos

Lc 1 Lc 2 Lc 3 Lc 4 Lc 5 Lc 6 Lc 7 Lc 8 Lc 9 Lc 10 Lc 11 Lc 12 Lc 13 Lc 14 Lc 15 Lc 16 Lc 17 Lc 18 Lc 19 Lc 20 Lc 21 Lc 22 Lc 23 Lc 24