Evangelho segundo São João

From Biblia: Os Quatro Evangelhos e os Salmos
Jump to navigation Jump to search
The printable version is no longer supported and may have rendering errors. Please update your browser bookmarks and please use the default browser print function instead.
INTRODUÇÃO


Destinatários e finalidade


Os livros do NT foram escritos de acordo com as necessidades concretas da comunidade a que se destinavam. A finalidade do Quarto Evangelho é expressa na sua primeira conclusão: Muitos outros sinais realizou Jesus diante dos seus discípulos, que não foram escritos neste livro. Mas estes foram escritos para que acrediteis que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, acreditando, tenhais vida no seu nome (Jo 20,30s). Dirige-se, portanto, a cristãos com uma cristologia deficitária, cujos efeitos têm consequências na unidade da comunidade. Daí a exortação a permanecer em Jesus (ou seja, na cristologia tal como foi testemunhada e transmitida pelo Discípulo Amado: 8,31.39; 14,21.23s; 15,4-10) e no amor mútuo (13,34s; 15,12.17). Assim, o autor pretende não apenas relembrar a vida e o ministério de Jesus, já conhecidos, mas também iluminar a situação vital da comunidade, convidando-a a fortalecer a fé em Jesus, tal como a recebeu.

Trata-se de uma comunidade complexa, com problemas internos e externos. A nível externo: a expulsão de membros seus das sinagogas judaicas, resultante de conflitos locais com o judaísmo farisaico, dominante depois da destruição de Jerusalém no ano 70 (situação a que parece fazer referência a expressão expulso da sinagoga de 9,22; 12,42; 16,2). A nível interno: a constituição da comunidade por cristãos provenientes do mundo cultural tanto judaico como helenista (7,35; 12,20s), duas culturas com efeitos na compreensão da pessoa e mensagem de Jesus. Entre os de origem judaica, havia quem tivesse dificuldade em aceitar a pré-existência de Jesus e o discurso eucarístico (6,60-71; 8,31-59), e outros que, por medo, não testemunhavam a fé (os chamados cripto-cristãos: 12,42). Entre os de cultura grega, a influência de filosofias helenistas levava a que se acentuasse de tal forma a divindade de Jesus, que a sua natureza humana ficava diluída. A uns e outros o evangelista recorda que é necessário receber um Jesus inteiro (cf. 19,23.33.36), na sua condição humana e divina, como Messias e Filho de Deus (20,30s); só assim se poderá manter a unidade da comunidade, condição para se poder receber os dons salvíficos (o Espírito Santo, a vida divina, que, no Quarto Evangelho, corresponde à salvação).

O Quarto Evangelho regista uma alta cristologia, que apresenta Jesus não apenas como o Cristo no qual se cumprem as Escrituras, mas também e sobretudo como o Filho de Deus, que redimensiona todas as expectativas veterotestamentárias, assim como o tempo e os espaços sacros de Israel, o que é percetível na própria estrutura do livro que apresentamos. Neste âmbito, este evangelho oferece-nos, ainda, o princípio de uma reflexão sobre o Espírito Santo e do seu papel na vida da Igreja.


Autor


Segundo 21,24, o autor é o Discípulo Amado (cf. 21,20), ou seja, aquele que está na origem da tradição presente na obra (não necessariamente o escritor). De modo explícito, fala-se dele pela primeira vez em 13,23, como o discípulo que reclinou a cabeça sobre o peito/seio de Jesus (cf. 21,20). A afirmação utiliza a mesma expressão de 1,18, mas aqui referida à relação única de Jesus com o Pai, criando um paralelismo óbvio: tal como Jesus revela o Pai, assim o Discípulo Amado revela Jesus, garantindo a verdade da mensagem teológica do seu evangelho. Esta garantia está fundamentada não só no seu testemunho ocular, como também na sua fidelidade. De facto, é o discípulo que se mantém fiel até ao fim, estando presente na cruz com a Mãe de Jesus e, com ela, constituindo a nova comunidade (19,25-27); é o primeiro a acreditar na ressurreição de Jesus (20,8), independentemente do testemunho da Escritura (20,9); é quem reconhece o Ressuscitado nas margens do lago de Tiberíades (21,7); provavelmente é a ele a referência em 18,15s e 19,35, bem como em 1,40, onde, dos dois discípulos de João Batista, só André é identificado, o que conduz o leitor à intuição de que o outro seja o Discípulo Amado.

Em suma, o Discípulo Amado terá sido alguém com as seguintes características: aparece sempre ligado a Pedro; acompanhou Jesus desde o início da vida pública, o que constitui, para a comunidade primitiva, um critério importantíssimo no testemunho acerca de Jesus (At 1,21s; 1Jo 1,1ss); foi sempre fiel, mesmo na paixão, assistindo a tudo o que se passou e garantindo, assim, a verdade do que transmite; é o revelador do verdadeiro mistério de Jesus, tal como este o é do Pai; é modelo de discípulo para todos os membros da comunidade; o seu testemunho, guardado no evangelho, garante a fidelidade à verdade integral sobre Jesus.

Segundo uma antiga tradição, que remonta a S. Ireneu, este discípulo, que está na origem da tradição do Quarto Evangelho, seria João, filho de Zebedeu. E, por isso, o livro cedo passou a ser conhecido pelo seu nome: Evangelho segundo S. João.


Estrutura literária e conteúdo


Há várias notas no evangelho que permitem perceber duas grandes partes (1,19-12,50 e 13,1-20,29), precedidas de um prólogo hínico (1,1-18) e seguidas de uma primeira conclusão (20,30s) e de um epílogo (cap. 21,1-23) que inclui uma segunda conclusão (21,24s). A primeira parte abre com uma semana inaugural, que serve de prólogo narrativo, na medida em que apresenta a pessoa e a missão de Jesus (1,19-51; 2,1-12).

Na primeira conclusão faz-se referência à importância dos sinais e da sua relação com a fé em Jesus (20,30). Ora, a palavra sinal aparece dezassete vezes, todas na primeira parte (com exceção da conclusão), e a sua relação com a fé dos discípulos em Jesus é assinalada logo em 2,11.23. Daí que se atribua à primeira parte o título de Livro dos Sinais. Nela é também anunciada a hora de Jesus, a hora da sua glorificação (2,4; 7,30; 8,20), e, a terminar, afirma-se que finalmente essa hora chegou (12,23.27), expressão que se repete no início da segunda parte e em que se revela tratar-se da hora de passar deste mundo para o Pai (13,1). Por isso, podemos intitular esta segunda parte (13-20) como A hora da peregrinação gloriosa para o Pai.

Esta divisão em dois blocos percebe-se ainda pelos destinatários dos discursos de Jesus: até final do cap. 12 o Senhor dirige-se ao mundo, aos judeus e à multidão; nos caps. 13-16 e 20-21 fala aos seus discípulos (e no cap. 17 fala dos discípulos ao Pai).

A transição entre as duas partes é feita em 11,1-12,50: o Livro dos Sinais termina com um balanço da vida pública de Jesus (12,37-43[44-50]), mas, ao mesmo tempo, abre o pórtico da segunda parte, com a peregrinação de Jesus para a celebração da Páscoa derradeira (que se prolonga até 19,42), viagem antecipada pela morte de Lázaro (11,1), tal como a sua ressurreição antecipa e ilumina a morte e ressurreição de Jesus.

O andamento da obra está pontuado pelas quatro viagens de Jesus a Jerusalém por ocasião das festas judaicas: em 2,13, para a primeira Páscoa; em 5,1, para a festa não identificada (provavelmente o Pentecostes, embora a questão introduzida seja a da festa semanal: o sábado); em 7,2, para os Tabernáculos e para a Dedicação/Consagração do Templo (na última Jesus já se encontra em Jerusalém: 10,22); em 11,1ss, para a terceira Páscoa (viagem antecipada pela morte de Lázaro), festa novamente recordada em 11,55; 12,1 (onde começa uma cronologia: seis dias antes da Páscoa) e 13,1 (que inicia a segunda parte e cuja afirmação serve de enquadramento à viagem derradeira: a hora de passar deste mundo para o Pai). A segunda Páscoa (6,4) interrompe este esquema, visto que Jesus não se dirige a Jerusalém, mas profere o chamado discurso do pão da vida, anunciando que a sua carne e o seu sangue serão oferecidos como verdadeiras comida e bebida e, apresentando desta forma a chave hermenêutica em que a última Páscoa deve ser entendida. Esta ideia é reforçada pelo tema da realeza, que, rejeitada por Jesus depois da multiplicação dos pães (6,15), é solenemente afirmada na última Páscoa (18,37; 19,2-3.15.20-22).

Embora a Páscoa derradeira seja particularmente preparada e tudo pareça tender para ela, nada acontece nesse dia (Jesus está no sepulcro). A ênfase é colocada no primeiro dia da semana, que marca o ritmo narrativo de todo o cap. 20: a expressão enquadra a descoberta do sepulcro vazio, a aparição a Maria Madalena (20,1-10.11-18) e a aparição aos discípulos (20,19-23), que se repete oito dias depois, isto é, em cada domingo (20,24-29). Deste modo, o evangelista, depois de ter preparado o leitor para a festa da antiga Páscoa, acaba por lhe apresentar, com a sua típica ironia narrativa, uma festa completamente nova: a da presença do Ressuscitado na comunidade dos seus discípulos no primeiro dia da semana, que, por isso, cedo passará a chamar-se dia do Senhor (Ap 1,10). Com a ressurreição de Jesus, o tempo entra na dimensão escatológica da nova criação.

Em 21,1ss acontece uma terceira e última aparição de Jesus aos discípulos. Depois da conclusão em 20,30s, trata-se de uma espécie de epílogo, sobre a presença do Ressuscitado na vida e missão da sua Igreja, um epílogo provavelmente acrescentado numa segunda edição do evangelho, mas presente em todos os textos que chegaram até nós.


Assim, o evangelho segundo S. João pode estruturar-se da seguinte forma:

Prólogo hínico (1,1-18)

Livro dos Sinais (1,19-12,50)

I. Prólogo narrativo: a semana inaugural
Apresentação da pessoa e da missão de Jesus (1,19-2,12)
II. Peregrinação para a primeira Páscoa (2,13-4,54)
III. Peregrinação para uma festa
O sábado, a festa semanal (5,1-47)
IV. A «não peregrinação» para a segunda Páscoa: o Pão da Vida (6,1-71)
V. Peregrinação para a Festa das Tendas e Festa da Dedicação do Templo (7,1-10,42)
– Festa das Tendas (7,1-10,21)
– Festa da Dedicação do Templo (10,22-42)
VI. Peregrinação para a terceira e derradeira Páscoa (11,1-12,50)
Secção de transição: a antecipação pela morte de Lázaro (11,1-12,36)

Conclusão do Livro dos Sinais: a incredulidade dos judeus (12,37-43.44-50)


Livro da hora da peregrinação gloriosa para o Pai (13,1-20,29)

Jesus e os discípulos: a última ceia (13-14; 15-17)
Paixão, morte e ressurreição (18,1-20,18)
Jesus e os discípulos: a comunidade dominical (20,19-29)

Conclusão (20,30s)

Epílogo: a presença do Ressuscitado na vida e missão da Igreja (21,1-23)

Segunda conclusão (21,24s)



Capítulos

Jo 1 Jo 2 Jo 3 Jo 4 Jo 5 Jo 6 Jo 7 Jo 8 Jo 9 Jo 10 Jo 11 Jo 12 Jo 13 Jo 14 Jo 15 Jo 16 Jo 17 Jo 18 Jo 19 Jo 20 Jo 21