Difference between revisions of "Evangelho segundo São João"

From Biblia: Os Quatro Evangelhos e os Salmos
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<center>'''EVANGELHO SEGUNDO '''</center>
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<center><span style="color:red">INTRODUÇÃO</span></center>
  
<center>'''S. João'''</center>
 
  
 
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'''Destinatários e finalidade'''
<center>INTRODUÇÃO</center>
 
 
 
<center>'''Destinatários e finalidade'''</center>
 
  
  
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<center>'''Autor'''</center>
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'''Autor'''
  
  
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<center>'''Estrutura literária e conteúdo'''</center>
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'''Estrutura literária e conteúdo'''
  
  
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''Livro dos Sinais'' (1,19-12,50)
 
''Livro dos Sinais'' (1,19-12,50)
  
I.Prólogo narrativo: a semana inaugural
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:I. Prólogo narrativo: a semana inaugural
  
Apresentação da pessoa e da missão de Jesus (1,19-2,12)
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::Apresentação da pessoa e da missão de Jesus (1,19-2,12)
  
II. Peregrinação para a primeira Páscoa (2,13-4,54)
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:II. Peregrinação para a primeira Páscoa (2,13-4,54)
  
III.Peregrinação para uma festa  
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:III. Peregrinação para uma festa  
  
O sábado, a festa semanal (5,1-47)
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::O sábado, a festa semanal (5,1-47)
  
IV.A «não peregrinação» para a segunda Páscoa: o Pão da Vida (6,1-71)
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:IV. A «não peregrinação» para a segunda Páscoa: o Pão da Vida (6,1-71)
  
V.Peregrinação para a Festa das Tendas e Festa da Dedicação do Templo (7,1-10,42)
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:V. Peregrinação para a Festa das Tendas e Festa da Dedicação do Templo (7,1-10,42)
  
– Festa das Tendas (7,1-10,21)
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::– Festa das Tendas (7,1-10,21)
  
– Festa da Dedicação do Templo (10,22-42)
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::– Festa da Dedicação do Templo (10,22-42)
  
VI.Peregrinação para a terceira e derradeira Páscoa (11,1-12,50)
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:VI. Peregrinação para a terceira e derradeira Páscoa (11,1-12,50)
  
Secção de transição: a antecipação pela morte de Lázaro (11,1-12,36)
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::Secção de transição: a antecipação pela morte de Lázaro (11,1-12,36)
  
 
Conclusão do Livro dos Sinais: a incredulidade dos judeus (12,37-43.44-50)
 
Conclusão do Livro dos Sinais: a incredulidade dos judeus (12,37-43.44-50)
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''Livro da hora da peregrinação gloriosa para o Pai'' (13,1-20,29)
 
''Livro da hora da peregrinação gloriosa para o Pai'' (13,1-20,29)
  
Jesus e os discípulos: a última ceia (13-14; 15-17)
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:Jesus e os discípulos: a última ceia (13-14; 15-17)
  
Paixão, morte e ressurreição (18,1-20,18)
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:Paixão, morte e ressurreição (18,1-20,18)
  
Jesus e os discípulos: a comunidade dominical (20,19-29)
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:Jesus e os discípulos: a comunidade dominical (20,19-29)
  
 
''Conclusão'' (20,30s)
 
''Conclusão'' (20,30s)
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''Segunda conclusão'' (21,24s)
 
''Segunda conclusão'' (21,24s)
  
<center>'''<span style="color:red">PRÓLOGO HÍNICO'''</center><ref name="ftn0">Na origem, era provavelmente um hino litúrgico da comunidade sobre Jesus (1,1-5.9-14.16-18), no qual o evangelista inseriu o que se refere a João Batista (1,6-8.15). Está dividido em duas partes, estruturadas de modo idêntico: 1) 1,1-13 (formulada na 3ª pessoa do singular e do plural): proclamação da dimensão universal e histórico-salvífica da Palavra; 2) 1,14-18 (formulada na 1ª pessoa do plural, no v. 14): confissão de fé da comunidade crente na Palavra encarnada. Nele são introduzidos os grandes temas, posteriormente desenvolvidos: Jesus é divino e pré-existente e, em determinado momento da história, fez-se homem (é Deus e homem), para tornar a pessoa humana participante da sua luz e vida divina. Embora rejeitado pelos seus, as trevas não o venceram e, por isso, a luz continua a brilhar nas trevas, possibilitando à criatura (primeira criação) tornar-se filho (segunda criação). A primeira criação aconteceu por meio de Jesus; assim também a segunda. O leitor é posto de sobreaviso: não acolher Jesus, na totalidade do seu mistério, significa não acolher Deus, pois Ele é o único revelador do Pai e o único por meio do qual se pode receber ''a graça verdadeira'' (sentido da hendíade ''graça e verdade: ''v. 14): o dom da vida eterna.</ref>''':'''
 
 
<center>'''A PEREGRINAÇÃO DA PALAVRA AO MUNDO DOS HOMENS (1,1-18)'''</center>
 
 
'''</span>'''
 
 
1 <span style="color:red"><sup>1</sup></span>No princípio era a Palavra<ref name="ftn1">''Palavra'' corresponde ao termo grego ''lógos'' (traduzido por ''verbum'' na Vg), que tem um amplo conteúdo semântico: linguagem, narrativa, discurso, explicação, argumento, regra, razão, lógica, etc.. Identifica-se com Jesus, enquanto revelador único do Pai. Por isso se sublinha a sua pré-existência e natureza divina: não só já existia ''no princípio'' (expressão que remete para Gn 1,1), como foi por meio dele, Palavra divina, que Deus tudo criou (''E Deus disse''...: Gn 1,3.6.9ss).</ref> e a Palavra estava junto de Deus e a Palavra era Deus. <span style="color:red"><sup>2</sup></span>Ela estava, no princípio, junto de Deus. <span style="color:red"><sup>3</sup></span>Por meio dela todas as coisas surgiram, e sem ela nem uma só coisa do que existe surgiu<ref name="ftn2">A expressão ''do que existe'' pode, gramaticalmente, ser interpretada de duas maneiras: ligar-se à frase anterior (como nesta tradução e de acordo com a opção da NVg, interpretando o grego como um semitismo, tão característico deste evangelho) ou ligar-se às palavras iniciais do v. 4 (como um nominativo ''pendens'': ''O que existe, nisso estava a vida'').</ref>. <span style="color:red"><sup>4</sup></span>Nela estava a vida e a vida era a luz dos homens<ref name="ftn3">Cf. 3,15; 5,26; 6,57; 11,25; 14,6.</ref><nowiki>; </nowiki><span style="color:red"><sup>5</sup></span>a luz brilha nas trevas e as trevas não se apoderaram dela<ref name="ftn4">O presente ''brilha'' sublinha que a luz continua a brilhar: as trevas não conseguiram ''apoderar-se dela''. Outros traduzem ''não a receberam'' ou ''não a compreenderam''.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Surgiu um homem, enviado por Deus<ref name="ftn5">Sobre a origem e o lugar dos vv. 6-8.15, cf. nota introdutória do Prólogo.</ref>: o seu nome era João. <span style="color:red"><sup>7</sup></span>Ele veio para um testemunho: para dar testemunho da luz, para que todos, por meio dele, acreditassem. <span style="color:red"><sup>8</sup></span>Ele não era a luz, mas veio para dar testemunho da luz.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>A Palavra era a luz verdadeira<ref name="ftn6">''A Palavra'' é acrescento da tradução. Retoma-se a caracterização da Palavra como ''luz'' (v. 5).</ref>, que ilumina todo o homem que vem ao mundo<ref name="ftn7">Outra tradução possível: ''a luz verdadeira, que ilumina todo o homem, vinha ao mundo''. ''Verdadeira'' no sentido de definitiva e plena; só ela pode libertar o homem do poder das trevas.</ref>. <span style="color:red"><sup>10</sup></span>Estava no mundo e o mundo por meio dela<ref name="ftn8">Refere-se à Palavra (''lógos''), retomando a afirmação do v. 3.</ref> surgiu; mas o mundo<ref name="ftn9">O ''mundo'' é uma expressão polivalente em Jo; pode ter um sentido: 1) natural: a terra ou o universo; 2) antropológico e existencial: a realidade em que os homens estão naturalmente imersos (cf. 3,16); 3) teológico: realidade que se opõe a Jesus e aos seus discípulos (7,7; 15,18s) e, como tal, está sujeita ao domínio de Satanás (cf. 12,31; 14,30; 16,11). Jesus é o ''salvador do mundo'' (4,42) em todas estas dimensões: salva o mundo e do mundo.</ref> não a conheceu. <span style="color:red"><sup>11</sup></span>Veio para o que era seu<ref name="ftn10">A expressão é a mesma de 16,32 e 19,27.</ref>, mas os seus não a acolheram. <span style="color:red"><sup>12</sup></span>Mas a todos quantos a receberam deu-lhes poder de se tornarem filhos de Deus: àqueles que acreditam no seu nome<ref name="ftn11">Semitismo em que o ''nome'' significa a pessoa, porque a identifica e, deste modo, a torna presente. O verbo ''acreditar'', quando tem Jesus como objeto, é usado por Jo numa construção gramatical grega que expressa movimento (''pisteúō eis'' ''autón''): a fé é um processo que tende a um crescendo, mas que também pode regredir (o leitor será disso alertado várias vezes).</ref>. <span style="color:red"><sup>13</sup></span>Estes não nasceram do sangue<ref name="ftn12">Lit.: ''de sangues''.</ref>, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>E a Palavra fez-se carne: estabeleceu a tenda entre nós<ref name="ftn13">Evocação da Tenda do Encontro (Ex 25,8), habitação de Deus no meio do seu povo; pela encarnação, é em Jesus, no templo do seu corpo, que se realiza a escatológica presença de Deus (2,21).</ref> e contemplámos a sua glória<ref name="ftn14">Pela sua ''glória'' Deus tornava-se presente na Tenda do Encontro (cf. Ex 40,34s) e, depois, no templo (1Rs 8,10s).</ref><nowiki>; glória como unigénito do Pai, cheio de graça e de verdade. </nowiki>
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>João dá testemunho acerca dele e clama, dizendo: «Foi deste que eu disse: "O que atrás de mim vem, adiante de mim surgiu, porque antes de mim existia"».
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Da sua plenitude todos nós recebemos: graça sobre graça<ref name="ftn15">Isto é, a plenitude da graça.</ref>. <span style="color:red"><sup>17</sup></span>Porque a Lei foi dada por meio de Moisés; a graça e a verdade surgiram por meio de Jesus Cristo.
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>A Deus jamais alguém viu; o unigénito divino<ref name="ftn16">''Deus'', sem artigo, tem sentido adjetival. Outra tradução possível: ''o Unigénito, que é Deus e está no seio do Pai''. ''Unigénito'' (''monogenḗs)'' exprime a singularidade de Jesus (''único'', ''amado'', no sentido do hebraico ''yahîd''); no mesmo sentido é referido a Isaac em Heb 11,17 (cf. Gn 22,2.12.16).</ref>, que está no seio do Pai, Ele o deu a conhecer<ref name="ftn17">Lit.: ''explicou/ interpretou''<nowiki>; </nowiki>''exēgéomai'' é a raiz verbal de ''exegese''.</ref>.
 
 
<center><span style="color:red">Primeira parte</center>
 
 
<center>LIVRO DOS SINAIS (1,19-12,50)</center>
 
 
 
<center>I</center>
 
 
<center>Prólogo narrativo: </center>
 
 
<center>a semana inaugural</center>
 
 
 
<center>Apresentação da pessoa e da missão de Jesus </center>
 
 
<center>(1,19-2,12)<ref name="ftn18">Os acontecimentos preenchem uma semana: da expressão ''no dia seguinte'' (vv. 29.35.43) resultam quatro dias, a que se juntam mais três em 2,1, com ''ao terceiro dia''. Nos quatro primeiros dias, Jesus é apresentado com uma série de títulos cristológicos: ''Cordeiro de Deus'' (1,29.36), ''o que batiza no Espírito Santo'' (1,33), ''o Filho de Deus'' (1,34), ''Rabi'' (1,38.49), ''Messias'' (1,41), ''aquele sobre quem escreveram Moisés, na Lei, e os Profetas'' (1,45), ''Rei de Israel'' (1,49). Nas Bodas de Caná (2,1-12) é apresentada a sua missão.</ref></center>
 
 
 
João Batista e as autoridades </span><span style="color:red"><sup>19</sup></span>Foi este o testemunho de João, quando os judeus<ref name="ftn19">Os ''judeus'', em Jo, podem ser os habitantes da Judeia (para os distinguir de outros), todos os israelitas ou ainda, numa utilização que lhe é típica, os adversários de Jesus, designando, sobretudo, os chefes que se lhe opõem e planeiam a sua morte (2,18; 5,10-12; 7,1.13; 9,22).</ref> enviaram, de Jerusalém, sacerdotes e levitas para lhe perguntarem: «Tu quem és?». <span style="color:red"><sup>20</sup></span>Ele confessou e não negou; confessou: «Eu não sou o Cristo»<ref name="ftn20">Sobre o título ''Cristo'', cf. Mt 1,1 nota.</ref>. <span style="color:red"><sup>21</sup></span>Perguntaram-lhe: «O quê, então? Tu és Elias?». Disse ele: «Não sou». «Tu és o Profeta?». E ele respondeu: «Não». <span style="color:red"><sup>22</sup></span>Disseram-lhe: «Quem és? Para podermos dar uma resposta aos que nos enviaram, que dizes acerca de ti próprio?». <span style="color:red"><sup>23</sup></span>Ele afirmou:
 
 
«Eu sou a ''voz do que clama no deserto: ''
 
 
''endireitai o caminho do Senhor'',
 
 
como disse o profeta Isaías»<ref name="ftn21">Is 40,3.</ref>. <span style="color:red"><sup>24</sup></span>Ora, os que tinham sido enviados eram dos fariseus. <span style="color:red"><sup>25</sup></span>Perguntaram-lhe e disseram-lhe: «Então porque batizas, se não és o Cristo, nem Elias, nem o Profeta?». <span style="color:red"><sup>26</sup></span>João respondeu-lhes, dizendo: «Eu batizo na água<ref name="ftn22">A preposição grega ''en'' pode ter um sentido instrumental (''com água'').</ref>. No meio de vós está quem vós não conheceis: <span style="color:red"><sup>27</sup></span>o que atrás de mim vem, a quem eu não sou digno de desatar a correia da sandália».
 
 
<span style="color:red"><sup>28</sup></span>Isto aconteceu em Betânia, na outra margem do Jordão, onde João estava a batizar.
 
 
 
<span style="color:red">João Batista e Jesus </nowiki></span> <span style="color:red"><sup>29</sup></span>No dia seguinte, viu Jesus, que vinha ter com ele, e disse: «Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo<ref name="ftn23">''Tirar'' no sentido de ''levantar'' um peso, que oprime o mundo. A expressão refere-se ao cordeiro pascal (Ex 12,7-13) e ao Servo Sofredor (Is 53,7), e tem já em vista a morte de Jesus, que sobe para o Calvário à hora em que os cordeiros pascais começavam a ser imolados no templo de Jerusalém (cf. 19,14.36 notas).</ref>. <span style="color:red"><sup>30</sup></span>Este é aquele acerca de quem eu disse: "Atrás de mim vem um homem, que adiante de mim surgiu, porque antes de mim existia". <span style="color:red"><sup>31</sup></span>Também eu não o conhecia, mas foi para que se manifestasse a Israel que eu vim batizar na água»<ref name="ftn24">Cf. v. 26 nota.</ref>. <span style="color:red"><sup>32</sup></span>E João deu testemunho, dizendo: «Vi o Espírito descer do céu como uma pomba, e permaneceu sobre Ele. <span style="color:red"><sup>33</sup></span>Também eu não o conhecia, mas aquele que me enviou a batizar na água disse-me: "Aquele sobre quem vires o Espírito descer e sobre Ele permanecer, é Ele o que batiza no<ref name="ftn25">Cf. v. 26 nota.</ref> Espírito Santo". <span style="color:red"><sup>34</sup></span>Ora, eu vi e dou testemunho: este é o Filho de Deus»<ref name="ftn26">Outros mss. apresentam ''Eleito de Deus''.</ref>.
 
 
 
<span style="color:red">Formação da nova comunidade </nowiki>(Mt 4,18-22; Mc 1,16-20; 3,13-19; Lc 5,1-11) </span><span style="color:red"><sup>35</sup></span>No dia seguinte, João estava ali de novo, com dois dos seus discípulos, <span style="color:red"><sup>36</sup></span>e, fixando o olhar em Jesus, que caminhava, disse: «Eis o Cordeiro de Deus». <span style="color:red"><sup>37</sup></span>Os seus dois discípulos ouviram-no falar e seguiram Jesus. <span style="color:red"><sup>38</sup></span>Então Jesus, voltando-se e vendo que eles o seguiam, disse-lhes: «Que procurais?». Eles disseram-lhe: «Rabi – que, traduzido, significa "Mestre" –, onde moras?». <span style="color:red"><sup>39</sup></span>Disse-lhes Ele: «Vinde e vereis!». Foram, então; viram onde morava e permaneceram<ref name="ftn27">Lit.: ''moraram''.</ref> junto dele naquele dia. Era por volta da hora décima<ref name="ftn28">Isto é, pelas quatro horas da tarde.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>40</sup></span>André, o irmão de Simão Pedro, era um dos dois que tinham ouvido João e o seguiram<ref name="ftn29">André aparece sempre a conduzir alguém a Jesus (6,8; 12,12). O outro discípulo, que permanece anónimo, parece ser o Discípulo Amado (cf. 13,23 nota).</ref>. <span style="color:red"><sup>41</sup></span>Este encontrou primeiro o seu irmão Simão e disse-lhe: «Encontrámos o Messias» – que, traduzido, significa «Cristo». <span style="color:red"><sup>42</sup></span>E conduziu-o a Jesus. Fixando nele o olhar, Jesus disse: «Tu és Simão, o filho de João; tu serás chamado Kefas» – que significa «Pedro»<ref name="ftn30">''Kefas'', em aramaico, significa ''pedra'', ''rocha''. A mudança do nome indica uma nova identidade ligada a uma missão entregue, que será especificada em 21,15ss (cf. Mt 16,18).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>43</sup></span>No dia seguinte, Jesus quis partir para a Galileia. Encontrou Filipe e disse-lhe: «Segue-me!». <span style="color:red"><sup>44</sup></span>Filipe era de Betsaida, da cidade de André e de Pedro.
 
 
<span style="color:red"><sup>45</sup></span>Filipe encontrou Natanael<ref name="ftn31">Com probabilidade trata-se de Bartolomeu (Mt 10,3).</ref> e disse-lhe: «Encontrámos aquele sobre quem escreveram Moisés, na Lei, e os Profetas: Jesus, filho de José, de Nazaré». <nowiki><span </nowiki><nowiki>style="color:red"><sup>46</sup></span>Disse-lhe Natanael: «De Nazaré pode vir algo de bom?». Disse-lhe Filipe: «Vem e vê!». <span style="color:red"><sup>47</sup></span>Jesus viu Natanael, que vinha ter com Ele, e disse acerca dele: «Eis um verdadeiro israelita, no qual não há falsidade». <span style="color:red"><sup>48</sup></span>Disse-lhe Natanael: «De onde me conheces?». Respondeu Jesus e disse-lhe: «Antes de Filipe te ter chamado, quando estavas debaixo da figueira, Eu vi-te». <span style="color:red"><sup>49</sup></span>Respondeu-lhe Natanael: «Rabi, Tu és o Filho de Deus, Tu és o rei de Israel!»<ref name="ftn32">''Filho de Deus'' e ''rei de Israel'' têm um sentido messiânico, mas aqui ainda numa conceção muito humana e política. Por isso, Jesus de imediato a corrige: na cruz se verá a sua verdadeira identidade.</ref>. <span style="color:red"><sup>50</sup></span>Respondeu Jesus e disse-lhe: «Porque te disse que te vi sob a figueira acreditas? Verás coisas maiores que estas». <span style="color:red"><sup>51</sup></span>E disse-lhe: «Amen, amen vos digo: vereis ''o c''éu aberto ''e os anjos de Deus subindo e descendo'' sobre o Filho do Homem»<ref name="ftn33">Evocação do sonho de Jacob (Gn 28,11-17). Mas a verdadeira escada é a cruz redentora (3,13). O título ''Filho do Homem'', com que normalmente Jesus se refere a si mesmo, é um semitismo que, no hebraico e no aramaico, significava primeiramente apenas ''homem''<nowiki>; a partir de Dn 7,13 e da apocalíptica judaica, passou a evocar também uma figura misteriosa, vinda do céu, com a missão de julgar o mundo e estabelecer um reino universal e eterno. É sobretudo neste sentido que Jesus o utiliza.</nowiki></ref>.
 
 
 
<span style="color:red"></nowiki>
 
 
2 Bodas de Caná. Princípio dos sinais </span><span style="color:red"><sup>1</sup></span>Ao terceiro dia houve uma boda em Caná da Galileia e a Mãe de Jesus estava lá<ref name="ftn34">O episódio tem carácter programático e abre a secção que vai até 4,46-54. Está cheio de evocações messiânicas: bodas, banquete, vinho abundante e de qualidade única. A Mãe de Jesus surge também com um papel simbólico: representa o Israel fiel, que espera e acolhe o messias. Por isso é apresentada em primeiro lugar e Jesus trata-a por ''Mulher'' (como em 19,26). Do lado oposto, estão os chefes religiosos, representados pelo chefe de mesa que devia ter preparado tudo e é o único a não se aperceber ''de onde'' vem o vinho.</ref>. <span style="color:red"><sup>2</sup></span>Também Jesus e os seus discípulos foram chamados para a boda. <span style="color:red"><sup>3</sup></span>Tendo faltado vinho, a Mãe de Jesus disse-lhe: «Não têm vinho». <span style="color:red"><sup>4</sup></span>Disse-lhe Jesus: «Que há entre mim e ti, mulher<ref name="ftn35">Pergunta retórica. É que, de facto, há algo entre os dois, como se vê logo a seguir na atitude de ambos: a Mãe orienta os servos com as mesmas palavras com que o povo de Israel sela a aliança do Sinai (Ex 24,3.7), e Jesus antecipa a manifestação da sua glória, que acontecerá na ''hora'' (a da morte e ressurreição), na qual se selará a nova aliança. Os encontros de Jesus, até 4,54, explicitam os destinatários desta aliança: judeus ortodoxos (3,1-21), samaritanos (4,1-42) e pagãos (4,46-54), o que possivelmente reflete a composição da comunidade na qual este evangelho tem a sua origem e à qual se destina.</ref>? Ainda não chegou a minha hora!»<ref name="ftn36">Esta ''hora'' é anunciada, na primeira parte, como ''ainda não chegada'' e, na segunda, como ''chegada'' (7,30; 8,20; 12,23.27; 13,1; 17,1).</ref>. <span style="color:red"><sup>5</sup></span>A sua Mãe disse aos serventes: «O que Ele vos disser, fazei-o».
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Ora, estavam ali colocadas seis talhas de pedra para a purificação dos judeus, cada uma com capacidade para duas ou três medidas<ref name="ftn37">Como cada medida levava aproximadamente 40 litros, no total eram c. 600. No pensamento bíblico, o número seis é imperfeito (por contraposição ao sete, que significa plenitude); trata-se do dom da Lei (significada nas talhas e na água para os rituais de purificação) que espera um dom superior e pleno: Jesus. Entre a água (Lei) e o vinho da nova aliança (Messias) há continuidade, mas também descontinuidade: o dom dado em Jesus é imensamente maior do que o oferecido através da Lei de Moisés (cf. 1,17; 3,14s; 6,58).</ref>. <span style="color:red"><sup>7</sup></span>Disse-lhes Jesus: «Enchei as talhas de água». E encheram-nas até cima. <span style="color:red"><sup>8</sup></span>E disse-lhes: «Tirai agora e levai ao chefe de mesa». E eles levaram. <span style="color:red"><sup>9</sup></span>Quando o chefe de mesa provou a água tornada vinho – ele não sabia de onde era, mas sabiam os serventes, que tinham tirado a água –, o chefe de mesa chamou o noivo <span style="color:red"><sup>10</sup></span>e disse-lhe: «Todos<ref name="ftn38">Lit.: ''Todo o homem''.</ref> põem primeiro o vinho bom e, quando estão embriagados, o inferior. Tu guardaste o vinho bom até agora!».
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Foi este o princípio dos sinais<ref name="ftn39">''Sinal'' é o termo usado por Jo para referir o que nos Sinópticos se chama ''ação poderosa'' (''dýnamis'') e, correntemente, ''milagre''. O termo ''sinal'' aponta para outra realidade só acessível pela fé.</ref> que Jesus realizou em Caná da Galileia; manifestou a sua glória e os seus discípulos acreditaram nele.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Depois disto desceu para Cafarnaum, Ele, a sua Mãe, os seus irmãos e os seus discípulos, mas não permaneceram ali muitos dias.
 
 
<center><span style="color:red">II</center>
 
 
<center>Peregrinação </center>
 
 
<center>para a primeira Páscoa </center>
 
 
<center>(2,13-4,54)</center>
 
 
 
Expulsão dos vendedores e dos animais do templo (Mt 21,12s; Mc 11,15-17; Lc 19,45s) </span><span style="color:red"><sup>13</sup></span>Estava próxima a Páscoa dos judeus, e Jesus subiu a Jerusalém.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Encontrou no templo os vendedores de bois, ovelhas e pombas e os cambistas sentados. <span style="color:red"><sup>15</sup></span>Então, depois de fazer um chicote de cordas, expulsou todos do templo, e também as ovelhas e os bois; deitou por terra o dinheiro dos cambistas e derrubou-lhes as mesas; <span style="color:red"><sup>16</sup></span>e disse aos vendedores das pombas: «Tirai isto daqui! Não façais da casa do meu Pai casa de comércio!»<ref name="ftn40">Sem animais já não pode haver culto. O culto antigo cessou; no templo apenas fica o Cordeiro de Deus (1,25.36). Além disso, Jesus revela-se ainda como o verdadeiro templo da presença do Pai (2,19-22; 1,14), de onde brota a água escatológica (7,37-39; 19,34): nele e por Ele se dará o culto ''em espírito e verdade'' (4,21s; cf. 9,38).</ref>. <span style="color:red"><sup>17</sup></span>Recordaram-se os seus discípulos do que está escrito: ''O zelo pela tua casa devorar-me-á''<ref name="ftn41">Sl 69,10.</ref>.
 
 
<span style="color:red"></nowiki>
 
 
Primeiro anúncio da morte e ressurreição de Jesus </span><span style="color:red"><sup>18</sup></span>Responderam-lhe, então, os judeus e disseram-lhe: «Que sinal nos mostras para fazeres estas coisas?». <span style="color:red"><sup>19</sup></span>Respondeu Jesus e disse-lhes: «Destruí este templo, e em três dias o levantarei». <span style="color:red"><sup>20</sup></span>Disseram-lhe, então, os judeus: «Este templo foi edificado em quarenta e seis anos, e Tu em três dias o levantarás?». <span style="color:red"><sup>21</sup></span>Ele, porém, falava acerca do templo do seu corpo. <span style="color:red"><sup>22</sup></span>Por isso, quando ressuscitou dos mortos<ref name="ftn42">Lit. ''foi levantado dos mortos'': o mesmo verbo usado nos vv. 19s, mas aqui no passivo teológico.</ref>, os seus discípulos recordaram-se de que tinha dito isto e acreditaram na Escritura e na palavra que Jesus dissera.
 
 
<span style="color:red"><sup>23</sup></span>Enquanto Ele estava em Jerusalém, durante a festa da Páscoa, muitos acreditaram no seu nome<ref name="ftn43">Sobre ''acreditar no nome'', cf. 1,12 nota.</ref>, ao verem os sinais que Ele realizava. <span style="color:red"><sup>24</sup></span>Porém, o próprio Jesus não acreditava neles, por os conhecer a todos <span style="color:red"><sup>25</sup></span>e porque não tinha necessidade de que alguém lhe desse testemunho acerca do homem, pois Ele conhecia o que havia no homem.
 
 
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3 <nowiki>Encontro com Nicodemos </span> </nowiki><ref name="ftn44">Representante do judaísmo ortodoxo. Vai ter com Jesus ''de noite'', para não ser reconhecido; trata-se de um dos chefes, que acreditaram em Jesus, mas que por medo não o confessavam abertamente (12,42s; cf. 7,50-52). Nicodemos passará da ''noite'' para a ''luz'' no momento da ''hora'' de Jesus (19,39s), ao contrário de Judas (14,30 nota). Sobre a sua relação com a comunidade joanina, cf. 2,4 nota.</ref> <span style="color:red"><sup>1</sup></span>Havia um homem entre os fariseus, de seu nome Nicodemos, um chefe dos judeus. <span style="color:red"><sup>2</sup></span>Este veio ter com Ele, de noite, e disse-lhe: «Rabi, sabemos que vieste de Deus como mestre, pois ninguém pode realizar estes sinais que Tu realizas, se Deus não estiver com ele».<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Respondeu Jesus e disse-lhe: «Amen, amen te digo: se alguém não nascer de novo<ref name="ftn45">A palavra grega ''ánōthen ''significa não só ''de novo'', mas também ''do alto'' (3,5.7.31; 19,11.23). Os dois significados estão presentes, embora Nicodemos o entenda como nascimento biológico, tal como afirma no v. seguinte. No paralelismo sinonímico do v. 5, Jesus explicita o que quis dizer. A forma verbal passiva ''gennēthḗi'' significa literalmente ''ser gerado'', o que implica uma ação de Deus (passivo teológico).</ref>, não pode ver o reino de Deus». <span style="color:red"><sup>4</sup></span>Disse-lhe Nicodemos: «Como pode um homem nascer, sendo velho? Poderá entrar para o ventre da sua mãe pela segunda vez e nascer?». <span style="color:red"><sup>5</sup></span>Respondeu Jesus: «Amen, amen te digo: se alguém não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus. <span style="color:red"><sup>6</sup></span>Quem nasceu da carne é carne, e quem nasceu do Espírito é espírito. <span style="color:red"><sup>7</sup></span>Não te admires porque te disse: "É necessário que vós nasçais de novo". <span style="color:red"><sup>8</sup></span>O Espírito sopra onde quer<ref name="ftn46">O grego ''pneûma'' traduz nos LXX o ''ruah'' hebraico; ambos os termos significam ''vento/sopro'' ou ''espírito''. É este duplo sentido que, certamente, está na base da comparação de Jesus: o que o vento faz, fá-lo o Espírito.</ref>: ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai. Assim é todo aquele que nasceu do Espírito». <span style="color:red"><sup>9</sup></span>Respondeu Nicodemos e disse-lhe: «Como podem tais coisas acontecer?». <span style="color:red"><sup>10</sup></span>Respondeu Jesus e disse-lhe: «Tu és mestre de Israel e não conheces estas coisas?
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Amen, amen te digo: dizemos o que sabemos e damos testemunho do que vimos; mas não acolheis o nosso testemunho! <span style="color:red"><sup>12</sup></span>Se vos falei das coisas da terra e não acreditais, como acreditareis se vos falar das coisas do céu? <span style="color:red"><sup>13</sup></span>Ninguém subiu ao céu, senão aquele que do céu desceu: o Filho do Homem. <span style="color:red"><sup>14</sup></span>E, tal como Moisés elevou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja elevado, <span style="color:red"><sup>15</sup></span>para que todo aquele que acredita tenha nele a vida eterna<ref name="ftn47">Contraposição com o episódio narrado em Nm 21,4-9: a fé, expressa no olhar para a serpente, livrava apenas da morte física; a fé em Jesus morto e ressuscitado concede a vida eterna. O evangelista usa o verbo ''elevar'' (aqui e nas outras ocorrências: 8,28; 12,32.34) na ambiguidade do seu sentido: ''levantar'' e ''exaltar''<nowiki>; o </nowiki>''levantar'' de Jesus na cruz pelos judeus, é concomitantemente o seu ''exaltar'' na glória, pelo Pai. Daí ser uma necessidade teológica – corresponder ao desígnio divino –, tal como expressa o grego ''deî'' (''é necessário''<nowiki>; cf. 12,34). No final do v. 15, outros mss. leem: </nowiki>''todo aquele que acredita nele tenha a vida eterna''.</ref>. <span style="color:red"><sup>16</sup></span>De tal modo amou Deus o mundo que deu o seu Filho unigénito, para que todo aquele que acredita nele não pereça, mas tenha vida eterna. <span style="color:red"><sup>17</sup></span>Pois Deus não enviou o Filho ao mundo para julgar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por meio dele. <span style="color:red"><sup>18</sup></span>Quem acredita nele não é julgado; mas quem não acredita já está julgado, porque não acreditou no nome<ref name="ftn48">Sobre ''acreditar no nome'' cf. 1,12 nota.</ref> do Filho unigénito de Deus. <span style="color:red"><sup>19</sup></span>E o julgamento é este: a luz veio ao mundo, mas os homens amaram mais as trevas do que a luz, pois eram más as suas obras. <span style="color:red"><sup>20</sup></span>De facto, quem faz coisas malévolas odeia a luz e não vai ao encontro da luz, para que as suas obras não sejam denunciadas. <span style="color:red"><sup>21</sup></span>Mas quem pratica a verdade vai ao encontro da luz, para que as suas obras se manifestem como tendo sido realizadas em Deus».
 
 
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<nowiki>Testemunho de João Batista </span> </nowiki><ref name="ftn49">João, para além da sua missão específica em relação a Jesus, também representa aqui o judaísmo profético e ascético.</ref> <span style="color:red"><sup>22</sup></span>Depois disto, Jesus e os seus discípulos foram para o território da Judeia. Ali se demorou com eles e batizava. <span style="color:red"><sup>23</sup></span>Ora, também João estava a batizar em Enón, perto de Salim, porque as águas ali eram abundantes; eles acorriam e eram batizados, <span style="color:red"><sup>24</sup></span>pois João não fora ainda lançado na prisão.
 
 
<span style="color:red"><sup>25</sup></span>Surgiu, então, uma controvérsia entre alguns discípulos de João e um judeu, acerca da purificação. <span style="color:red"><sup>26</sup></span>Foram ter com João e disseram-lhe: «Rabi, aquele que estava contigo na outra margem do Jordão, do qual tu deste testemunho, eis que Ele está a batizar e todos vão ter com Ele». <span style="color:red"><sup>27</sup></span>Respondeu João e disse: «Um homem nada pode receber, se não lhe tiver sido dado do céu. <span style="color:red"><sup>28</sup></span>Vós próprios dais testemunho de mim, de que disse que eu não sou o Cristo, mas que fui enviado adiante dele. <span style="color:red"><sup>29</sup></span>Quem tem a noiva é noivo. O amigo do noivo<ref name="ftn50">Responsável por preparar tudo para o casamento.</ref>, que está presente e o ouve, exulta de alegria<ref name="ftn51">Lit.: ''com alegria se alegra''.</ref> por causa da voz do noivo. Pois bem, esta minha alegria está completa! <span style="color:red"><sup>30</sup></span>É necessário que Ele cresça e eu diminua<ref name="ftn52">O discurso do Batista parece acabar aqui; os vv. 31-36 têm mais sentido ligados ao v. 21, na continuidade do discurso de Jesus.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>31</sup></span>Aquele que vem do alto<ref name="ftn53">Cf. v. 3 nota.</ref> está acima de todos; aquele que é da terra, da terra é, e da terra fala. Aquele que vem do céu está acima de todos; <span style="color:red"><sup>32</sup></span>o que viu e ouviu, disso dá testemunho, mas ninguém acolhe o seu testemunho! <span style="color:red"><sup>33</sup></span>Quem acolhe o seu testemunho certifica<ref name="ftn54">Lit.: ''selou'' (forma de autenticar os documentos).</ref> que Deus é verdadeiro, <span style="color:red"><sup>34</sup></span>pois aquele que Deus enviou diz as palavras de Deus. De facto, Ele<ref name="ftn55">''Ele'' é acrescento da tradução; o sujeito, no grego, é dúbio: Deus ou Jesus? Tal como noutras passagens, a ambiguidade parece intencional, pois o Espírito Santo é dado pelo Pai (14,26), mas também pelo Filho (15,26).</ref> dá o Espírito sem medida. <span style="color:red"><sup>35</sup></span>O Pai ama o Filho e tudo entregou na sua mão. <span style="color:red"><sup>36</sup></span>Quem acredita no Filho tem a vida eterna; mas quem desobedece ao Filho não verá a vida; pelo contrário, a ira de Deus permanece sobre ele».
 
 
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4 <nowiki>Encontro com os samaritanos </span> </nowiki><ref name="ftn56">Os samaritanos eram considerados heterodoxos pelo judaísmo tradicional. Sobre a sua relação com a comunidade joanina e com o judaísmo ortodoxo, cf. Jo 2,4 nota e Mt 10,5 nota.</ref> <span style="color:red"><sup>1</sup></span>Assim que Jesus soube que os fariseus tinham ouvido dizer: «Jesus faz mais discípulos e batiza mais do que João» – <span style="color:red"><sup>2</sup></span>embora não fosse o próprio Jesus a batizar, mas os seus discípulos –, <span style="color:red"><sup>3</sup></span>deixou a Judeia e partiu de novo para a Galileia.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Ora, era necessário que Ele atravessasse a Samaria. <span style="color:red"><sup>5</sup></span>Chegou, assim, a uma cidade da Samaria, chamada Sicar<ref name="ftn57">Talvez a antiga Siquém.</ref>, próxima do terreno que Jacob tinha dado ao seu filho José. <span style="color:red"><sup>6</sup></span>Ficava ali a fonte de Jacob. Então Jesus, fatigado da caminhada, sentou-se junto à fonte. Era por volta da hora sexta<ref name="ftn58">Meio-dia, hora a que, dada a intensidade do calor, ninguém ia ao poço.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Veio uma mulher da Samaria para tirar água. Disse-lhe Jesus: «Dá-me de beber»<ref name="ftn59">Todos estes elementos são próprios da chamada ''cena típica'' de matrimónio (Gn 24,10ss; 29,1ss; Ex 2,15ss; a ''cena típica'' é um recurso literário que narra de acordo com um esquema estabelecido); Jesus dá-lhe uma dimensão espiritual (aliança: 2,1-12) e promete à samaritana um outro tipo de água, que lhe matará a sede religiosa e existencial. Os judeus desprezavam os samaritanos por motivos religiosos (2Rs 17,24-41; Esd 4,1-5); Jesus inclui o judaísmo heterodoxo na aliança que veio realizar. A água viva que propõe à samaritana é o Espírito Santo, como se afirma expressamente quando as mesmas palavras ocorrem em 7,37-39.</ref>. <span style="color:red"><sup>8</sup></span>Os seus discípulos tinham ido à cidade comprar alimentos. <span style="color:red"><sup>9</sup></span>Disse-lhe, então, a mulher samaritana: «Como é que Tu, sendo judeu, me pedes de beber, sendo eu uma mulher samaritana?». Com efeito, os judeus não se dão com os samaritanos. <span style="color:red"><sup>10</sup></span>Respondeu Jesus e disse-lhe: «Se conhecesses o dom de Deus e quem é aquele que te diz: "Dá-me de beber", tu é que lhe pedirias, e Ele dar-te-ia água viva». <span style="color:red"><sup>11</sup></span>Disse-lhe a mulher: «Senhor, não tens nada com que a tirar e o poço é fundo! De onde obténs, então, a água viva? <span style="color:red"><sup>12</sup></span>Serás Tu maior que o nosso Pai Jacob, que nos deu o poço, do qual ele bebeu, e também os seus filhos e os seus animais?». <span style="color:red"><sup>13</sup></span>Respondeu Jesus e disse-lhe: «Todo aquele que bebe desta água terá sede novamente; <span style="color:red"><sup>14</sup></span>mas quem beber da água que Eu lhe darei, jamais terá sede, para sempre. Pelo contrário: a água que lhe darei tornar-se-á, nele, uma fonte de água que jorra para a vida eterna».<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Disse-lhe a mulher: «Senhor, dá-me essa água, para que eu não mais tenha sede e nem venha aqui tirá-la». <span style="color:red"><sup>16</sup></span>Disse-lhe Ele: «Vai chamar o teu marido e volta aqui». <span style="color:red"><sup>17</sup></span>Respondeu-lhe a mulher e disse-lhe: «Não tenho marido». Disse-lhe Jesus: «Disseste bem: "Não tenho marido"; <span style="color:red"><sup>18</sup></span>de facto, tiveste cinco maridos e o que agora tens não é teu marido. Nisto disseste a verdade». <span style="color:red"><sup>19</sup></span>Disse-lhe a mulher: «Senhor, vejo que Tu és um profeta. <span style="color:red"><sup>20</sup></span>Os nossos pais adoraram neste monte<ref name="ftn60">Monte Garizim, onde os samaritanos tiveram o seu templo. Isto confirma que a questão fundamental do diálogo é religiosa.</ref><nowiki>; vós, porém, dizeis que é em Jerusalém o lugar onde é necessário adorar». </nowiki><span style="color:red"><sup>21</sup></span>Disse-lhe Jesus: «Acredita em mim, mulher: está a chegar a hora em que nem neste monte, nem em Jerusalém, adorareis o Pai. <span style="color:red"><sup>22</sup></span>Vós adorais o que não conheceis; nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus. <span style="color:red"><sup>23</sup></span>Mas está a chegar a hora – e é agora – em que os verdadeiros adoradores hão de adorar o Pai em espírito e verdade. Pois o Pai procura os que assim o adoram. <span style="color:red"><sup>24</sup></span>Deus é Espírito; e os que o adoram é necessário que o adorem em espírito e verdade»<ref name="ftn61">Trata-se de um novo culto, de uma nova maneira de relacionamento com Deus, que acontece ''em'' e ''por'' Jesus, o novo templo (2,13ss) e Cordeiro de Deus (1,29.35); Ele é ''o caminho, a verdade e a vida'' (14,6), que promete e concede ''o Espírito da verdade'' (14,17).</ref>. <span style="color:red"><sup>25</sup></span>Disse-lhe a mulher: «Sei que está a chegar o Messias, o chamado Cristo. Quando Ele chegar, há de anunciar-nos todas as coisas». <span style="color:red"><sup>26</sup></span>Disse-lhe Jesus: «Sou Eu<ref name="ftn62">Lit.: ''Eu sou''. Talvez uma evocação do nome divino revelado a Moisés (Ex 3,14); cf. a expressão em forma absoluta em 8,24.28.58; 13,19; 18,5.</ref>, o que fala contigo».
 
 
<span style="color:red"><sup>27</sup></span>Nisto, chegaram os seus discípulos e admiravam-se que estivesse a falar com uma mulher. No entanto, nenhum disse: «Que procuras?», ou: «De que falas com ela?».
 
 
<span style="color:red"><sup>28</sup></span>Então, a mulher deixou o seu cântaro, partiu para a cidade e disse aos homens: <span style="color:red"><sup>29</sup></span>«Vinde ver um homem que me disse tudo o que fiz. Não será Ele o Cristo?». <span style="color:red"><sup>30</sup></span>Eles saíram da cidade e iam ter com Jesus.
 
 
<span style="color:red"><sup>31</sup></span>Entretanto, pediam-lhe os discípulos, dizendo: «Rabi, come». <span style="color:red"><sup>32</sup></span>Mas Ele disse-lhes: «Eu tenho um alimento para comer, que vós não conheceis». <span style="color:red"><sup>33</sup></span>Diziam, então, os discípulos uns aos outros: «Ter-lhe-á alguém trazido de comer?». <span style="color:red"><sup>34</sup></span>Disse-lhes Jesus: «O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e levar à consumação a sua obra<ref name="ftn63">Cf. 19,28.30.</ref>. <span style="color:red"><sup>35</sup></span>Não dizeis vós: "Mais quatro meses e chega a ceifa"? Eis que vos digo: levantai os vossos olhos e observai os campos; já estão dourados<ref name="ftn64">Lit.: ''brancos''.</ref> para a ceifa. <span style="color:red"><sup>36</sup></span>Quem ceifa recebe a recompensa e recolhe fruto para a vida eterna, para que se alegrem juntamente o que semeia e o que ceifa. <span style="color:red"><sup>37</sup></span>Nisto, de facto, é verdadeiro o dito: "Um é o que semeia, e outro o que ceifa". <span style="color:red"><sup>38</sup></span>Eu enviei-vos a ceifar aquilo pelo qual não vos afadigastes; outros se afadigaram, e vós entrastes na sua fadiga».
 
 
<span style="color:red"><sup>39</sup></span>Muitos samaritanos daquela cidade acreditaram nele, por causa da palavra da mulher, que dava testemunho: «Disse-me tudo o que fiz». <span style="color:red"><sup>40</sup></span>Por isso, quando os samaritanos vieram ter com Ele, pediram-lhe que permanecesse junto deles. E permaneceu ali dois dias. <span style="color:red"><sup>41</sup></span>E muitos mais acreditaram por causa da palavra dele <span style="color:red"><sup>42</sup></span>e diziam à mulher: «Já não é por causa do que disseste<ref name="ftn65">Lit.: ''por causa da tua fala''.</ref> que acreditamos, pois nós próprios ouvimos e sabemos que Ele é verdadeiramente o salvador do mundo»<ref name="ftn66">E não apenas do judaísmo ortodoxo.</ref>.
 
 
<span style="color:red"></nowiki>
 
 
Encontro com um funcionário real<ref name="ftn67">Um representante do judaísmo paganizado (cf. 2,4 nota).</ref>. Segundo sinal em Caná (Mt 8,5-13; Lc 7,1-10) </span> <span style="color:red"><sup>43</sup></span>Passados os dois dias, saiu dali para a Galileia, <span style="color:red"><sup>44</sup></span>pois o próprio Jesus tinha dado testemunho de que um profeta não é estimado na sua terra natal. <span style="color:red"><sup>45</sup></span>Quando chegou à Galileia, os galileus acolheram-no, ao terem visto tudo quanto fizera, durante a festa, em Jerusalém, pois também eles tinham ido à festa.
 
 
<span style="color:red"><sup>46</sup></span>Foi, então, de novo a Caná da Galileia, onde da água tinha feito vinho. Ora, havia um funcionário real cujo filho estava doente em Cafarnaum. <span style="color:red"><sup>47</sup></span>Ele, ao ouvir dizer que Jesus tinha vindo da Judeia para a Galileia, foi ter com Ele e pedia-lhe que descesse e lhe curasse o filho, pois estava prestes a morrer. <span style="color:red"><sup>48</sup></span>Disse-lhe, então, Jesus: «Se não virdes sinais e prodígios, jamais acreditareis!». <span style="color:red"><sup>49</sup></span>Disse-lhe o funcionário real: «Senhor, desce, antes que o meu filho morra». <span style="color:red"><sup>50</sup></span>Disse-lhe Jesus: «Vai; o teu filho vive». O homem acreditou na palavra que Jesus lhe dissera e partiu. <span style="color:red"><sup>51</sup></span>Já ele descia, quando os seus servos lhe vieram ao encontro, dizendo que o seu filho estava vivo. <span style="color:red"><sup>52</sup></span>Procurou, então, saber junto deles a hora em que começara a melhorar. Disseram-lhe: «A febre deixou-o ontem, à hora sétima»<ref name="ftn68">Uma hora da tarde.</ref>. <span style="color:red"><sup>53</sup></span>O pai percebeu que fora àquela hora que Jesus lhe dissera: «O teu filho vive». E acreditou, ele e toda a sua casa.
 
 
<span style="color:red"><sup>54</sup></span>Este foi o segundo sinal que Jesus realizou quando foi da Judeia para a Galileia.
 
 
<center><span style="color:red">III</center>
 
 
<center>Peregrinação para uma festa: </center>
 
 
<center>Questão do sábado, </center>
 
 
<center>a festa semanal </center>
 
 
<center>(5,1-47)</center>
 
 
 
5 Cura de um doente ao sábado </span><span style="color:red"><sup>1</sup></span>Depois disto, havia uma festa dos judeus<ref name="ftn69">&nbsp;Pela sequência das festas de peregrinação, seria o Pentecostes. Mas tudo se vai concentrar no sábado, a festa semanal.</ref> e Jesus subiu a Jerusalém. <span style="color:red"><sup>2</sup></span>Ora, em Jerusalém, junto à Porta das Ovelhas<ref name="ftn70">O nome da porta advém do facto de ser por ela que entravam em Jerusalém os animais para os sacrifícios no templo. </ref>, há uma piscina, chamada em hebraico Betzatá, que tem cinco pórticos. <span style="color:red"><sup>3</sup></span>Nestes estava deitado um grande número de doentes, cegos, coxos e paralíticos<ref name="ftn71">Lit.: ''ressequidos'', ou seja, que tinham algum membro paralisado (cf. Mt 12,10).</ref>. (<span style="color:red"><sup>4</sup></span>)<ref name="ftn72">Faltam nos melhores mss. o final do v. 3 e todo o v. 4: ''que esperavam a agitação da água,''<nowiki> [</nowiki>4] ''pois o anjo do Senhor descia à piscina, de tempos a tempos, e agitava a água; o primeiro que entrasse nela, depois da agitação da água, ficava curado da enfermidade que tivesse''. Trata-se, provavelmente, de uma glosa para explicar a crença popular nas qualidades terapêuticas da água.</ref>
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Estava ali um certo homem, que tinha uma enfermidade havia trinta e oito anos<ref name="ftn73">Lit: ''que trinta e oito anos tinha na sua doença''. Possível referência a Dt 2,14 (tempo do caminho de Israel pelo deserto até à terra prometida).</ref>. <span style="color:red"><sup>6</sup></span>Quando Jesus o viu deitado e soube que estava assim havia já muito tempo, disse-lhe: «Queres ficar são?». <span style="color:red"><sup>7</sup></span>Respondeu-lhe o doente: «Senhor, não tenho ninguém que me lance na piscina, quando a água é agitada; enquanto eu vou, outro desce antes de mim». <span style="color:red"><sup>8</sup></span>Disse-lhe Jesus: «Levanta-te, toma a tua enxerga e anda». <span style="color:red"><sup>9</sup></span>E imediatamente o homem ficou são, tomou a sua enxerga e começou a andar.
 
 
<span style="color:red"></nowiki>
 
 
Discussão sobre o sábado </span>Ora, aquele dia era sábado. <span style="color:red"><sup>10</sup></span>Diziam, então, os judeus àquele que tinha sido curado: «É sábado; por isso não te é permitido levar a tua enxerga». <span style="color:red"><sup>11</sup></span>Mas ele respondeu-lhes: «Aquele que me pôs são disse-me: "Leva a tua enxerga e anda"». <span style="color:red"><sup>12</sup></span>Perguntaram-lhe: «Quem é o homem que te disse: "Leva e anda"?». <span style="color:red"><sup>13</sup></span>Mas o que tinha sido curado não sabia quem era, pois Jesus tinha-se arredado da multidão que estava no lugar.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Depois disto, Jesus encontrou-o no templo e disse-lhe: «Eis que ficaste são; não peques mais, para que não te aconteça algo pior». <span style="color:red"><sup>15</sup></span>O homem partiu e informou os judeus de que tinha sido Jesus quem o pusera são. <span style="color:red"><sup>16</sup></span>Por causa disto, os judeus começaram a perseguir Jesus: porque fazia estas coisas ao sábado<ref name="ftn74">O episódio parece ter a sua conclusão em 7,19-24.</ref>. <span style="color:red"><sup>17</sup></span>Mas Jesus respondeu-lhes: «O meu Pai até agora<ref name="ftn75">''Até agora'' (''héōs árti'') não indica conclusão, mas durabilidade ou constância (''até ao sábado'').</ref> trabalha, e Eu também trabalho»<ref name="ftn76">Deus é o único que trabalha também ao sábado na sua missão de julgar; com esta afirmação, Jesus afirma-se igual a Deus.</ref>. <span style="color:red"><sup>18</sup></span>Por causa disto, ainda mais os judeus o procuravam matar, porque não só quebrava o sábado, como também chamava a Deus seu Pai, fazendo-se igual a Deus.
 
 
<span style="color:red"></nowiki>
 
 
O julgamento perante Jesus </span><span style="color:red"><sup>19</sup></span>Respondeu, então, Jesus e dizia-lhes: «Amen, amen vos digo: o Filho nada pode fazer por si mesmo, senão o que vê o Pai fazer; o que este fizer, também o Filho o faz de igual modo. <span style="color:red"><sup>20</sup></span>Pois o Pai é amigo<ref name="ftn77">Tradução de ''philéō'' para o distinguir de ''agapáō ''(''amar'').</ref> do Filho e mostra-lhe tudo o que Ele próprio faz. E há de mostrar-lhe obras maiores do que estas, para que vós fiqueis admirados!
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>De facto, tal como o Pai ressuscita os mortos e os faz viver, assim também o Filho faz viver aqueles que quer. <span style="color:red"><sup>22</sup></span>Pois o Pai não julga ninguém; pelo contrário, deu ao Filho todo o julgamento, <span style="color:red"><sup>23</sup></span>para que todos honrem o Filho tal como honram o Pai. Quem não honra o Filho não honra o Pai que o enviou.
 
 
<span style="color:red"><sup>24</sup></span>Amen, amen vos digo: quem ouve a minha palavra e acredita naquele que me enviou tem a vida eterna e não vai a julgamento; pelo contrário, passou da morte para a vida.
 
 
<span style="color:red"><sup>25</sup></span>Amen, amen, vos digo: está a chegar a hora – e é agora – em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus, e os que a ouvirem viverão. <span style="color:red"><sup>26</sup></span>Pois, tal como o Pai tem vida em si mesmo, assim também concedeu ao Filho ter vida em si mesmo. <span style="color:red"><sup>27</sup></span>E deu-lhe poder para exercer o julgamento, porque é Filho do Homem. <span style="color:red"><sup>28</sup></span>Não vos admireis com isto: está a chegar a hora em que todos os que estão nos sepulcros ouvirão a sua voz <span style="color:red"><sup>29</sup></span>e sairão: os que fizeram o bem, para uma ressurreição de vida; os que praticaram coisas malévolas, para uma ressurreição de julgamento<ref name="ftn78">Este parece ser o sentido de ''krísis'' neste evangelho (e não ''condenação'').</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>30</sup></span>Eu nada posso fazer por mim mesmo; julgo tal como ouço. E o meu julgamento é justo, porque não procuro a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou».
 
 
<span style="color:red"></nowiki>
 
 
As testemunhas de Jesus </span><span style="color:red"><sup>31</sup></span>«Se Eu der testemunho acerca de mim mesmo, o meu testemunho não é verdadeiro. <span style="color:red"><sup>32</sup></span>É outro que dá testemunho acerca de mim, e sei que é verdadeiro o testemunho que dá acerca de mim. <span style="color:red"><sup>33</sup></span>Vós enviastes emissários<ref name="ftn79">''Emissários'' é acrescento da tradução.</ref> a João, e ele deu testemunho da verdade. <span style="color:red"><sup>34</sup></span>Não que Eu receba o testemunho de um homem, mas digo isto para que vós sejais salvos. <span style="color:red"><sup>35</sup></span>Ele era a candeia que ardia e iluminava; mas vós quisestes alegrar-vos por pouco tempo na sua luz.
 
 
<span style="color:red"><sup>36</sup></span>Eu, porém, tenho um testemunho maior do que o de João: as obras que o Pai me deu para que as consumasse<ref name="ftn80">Cf. Jo 19,28.30.</ref><nowiki>; as próprias obras que faço dão testemunho acerca de mim, de que o Pai me enviou. </nowiki><span style="color:red"><sup>37</sup></span>E o Pai que me enviou, Ele próprio deu testemunho acerca de mim. Nunca ouvistes a sua voz, nem vistes o seu aspeto, <span style="color:red"><sup>38</sup></span>e a sua palavra não permanece em vós, porque naquele que Ele enviou, nesse vós não acreditais. <span style="color:red"><sup>39</sup></span>Investigais as Escrituras, porque vós pensais ter nelas a vida eterna. Ora, são elas que dão testemunho acerca de mim. <span style="color:red"><sup>40</sup></span>E não quereis vir a mim para terdes vida!
 
 
<span style="color:red"><sup>41</sup></span>Dos homens não recebo glória. <span style="color:red"><sup>42</sup></span>Aliás, conheço-vos: não tendes o amor de Deus em vós. <span style="color:red"><sup>43</sup></span>Eu vim em nome do meu Pai, e não me recebeis. Se vier outro no seu próprio nome, recebê-lo-eis. <span style="color:red"><sup>44</sup></span>Como podeis acreditar, vós que recebeis glória uns dos outros e não procurais a glória do Deus único?
 
 
<span style="color:red"><sup>45</sup></span>Não penseis que Eu vos acusarei junto do Pai; o vosso acusador é Moisés, em quem vós depositastes esperança. <span style="color:red"><sup>46</sup></span>Porque, se acreditásseis em Moisés, acreditaríeis em mim, pois foi acerca de mim que ele escreveu. <span style="color:red"><sup>47</sup></span>Mas, se não acreditais nos seus escritos, como acreditareis nas minhas palavras?».
 
 
<span style="color:red"></nowiki>
 
 
<center>IV</center>
 
 
<center>A segunda Páscoa </center>
 
 
<center>a «não peregrinação»: </center>
 
 
<center>o Pão da Vida </center>
 
 
<center>(6,1-71)</center>
 
 
 
6 Multiplicação dos pães e dos peixes (Mt 14,13-21; Mc 6,32-44; 8,1-9; Lc 9,10-17) </span><span style="color:red"><sup>1</sup></span>Depois disto, Jesus partiu para a outra margem do mar da Galileia, ou de Tiberíades<ref name="ftn81">Inesperadamente Jesus está de novo na Galileia, o que leva alguns autores a considerar o cap. 6 como um inciso.</ref>. <span style="color:red"><sup>2</sup></span>Seguia-o uma numerosa multidão, porque viam os sinais que realizava nos doentes. <span style="color:red"><sup>3</sup></span>Jesus subiu para o monte e ali se sentou com os seus discípulos. <span style="color:red"><sup>4</sup></span>Estava próxima a Páscoa, a festa dos judeus<ref name="ftn82">A única Páscoa, das três referidas por Jo, em que Jesus não sobe a Jerusalém. Mas nela os leitores são preparados para a terceira com um discurso de Jesus, cujo conteúdo será então vivido e manifestado: a sua realeza pela doação do seu corpo e sangue, para a vida do mundo.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Jesus, então, levantando os olhos e vendo que uma numerosa multidão vinha ter com Ele, disse a Filipe: «Onde compraremos pão para que eles comam?». <span style="color:red"><sup>6</sup></span>Dizia isto para o pôr à prova, pois Ele sabia o que estava prestes a fazer. <span style="color:red"><sup>7</sup></span>Respondeu-lhe Filipe: «Duzentos denários de pão não lhes chegam para que cada um receba um pouco». <span style="color:red"><sup>8</sup></span>Disse-lhe um dos seus discípulos, André, o irmão de Simão Pedro: <span style="color:red"><sup>9</sup></span>«Está aqui um rapazinho que tem cinco pães de cevada e dois pequenos peixes. Mas que é isso para tanta gente?». <span style="color:red"><sup>10</sup></span>Disse Jesus: «Fazei-os reclinar-se<ref name="ftn83">Posição em que na cultura greco-romana se tomava a refeição. O texto apresenta uma série de elementos e expressões eucarísticas: ''tomar os pães'', ''dar graças'' e ''distribuir'' aos que estavam ''reclinados''<nowiki>; também </nowiki>''pedaços'' é a palavra com que a ''Didaqué'' (finais do séc. I) fala dos fragmentos eucarísticos, e ''recolher/reunir'' (''synágō'', vv. 12.13) é o verbo com que S. Clemente, S. Inácio de Antioquia e a ''Didaqué'' se referem à reunião dos cristãos.</ref>». Havia muita erva no lugar. Reclinaram-se, então. Os homens eram cerca de cinco mil. <span style="color:red"><sup>11</sup></span>Jesus tomou os pães e, depois de dar graças, distribuiu-os aos que estavam reclinados, e fez o mesmo com os pequenos peixes, tanto quanto quisessem. <span style="color:red"><sup>12</sup></span>E quando ficaram saciados, disse aos seus discípulos: «Recolhei os pedaços que sobraram, para que nada se perca». <span style="color:red"><sup>13</sup></span>Recolheram-nos, pois, e encheram doze cestas com os pedaços dos cinco pães de cevada que sobraram aos que tinham comido.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Eles<ref name="ftn84">Lit.: ''Os homens''.</ref>, ao verem o sinal que tinha realizado, diziam: «Este é, verdadeiramente, o profeta que estava<ref name="ftn85">Lit.: ''o profeta que vem'' (particípio presente).</ref> para vir ao mundo». <span style="color:red"><sup>15</sup></span>Então Jesus, sabendo que estavam prestes a vir apoderar-se dele para o fazer rei, retirou-se de novo sozinho para o monte<ref name="ftn86">Jesus recusa uma realeza segundo os critérios do mundo; na paixão e na cruz revelar-se-á o seu modo de reinar.</ref>.
 
 
<span style="color:red"></nowiki>
 
 
Jesus caminha sobre as águas (Mt 14,22-33; Mc 6,45-52) </span> <span style="color:red"><sup>16</sup></span>Ao cair da tarde, os seus discípulos desceram até ao mar <span style="color:red"><sup>17</sup></span>e, subindo para um barco, dirigiram-se para a outra margem do mar, para Cafarnaum. Já havia trevas e Jesus ainda não tinha vindo ter com eles. <span style="color:red"><sup>18</sup></span>O mar estava agitado, pois soprava um forte vento. <span style="color:red"><sup>19</sup></span>Então, depois de terem remado cerca de vinte e cinco ou trinta estádios<ref name="ftn87">C. 5 quilómetros (um estádio equivale a 192 metros).</ref>, viram Jesus a caminhar sobre o mar e a aproximar-se do barco, e tiveram medo. <span style="color:red"><sup>20</sup></span>Mas Ele disse-lhes: «Sou Eu<ref name="ftn88">Lit.: ''Eu sou'' (cf. 4,26 nota).</ref><nowiki>; não tenhais medo!». </nowiki><span style="color:red"><sup>21</sup></span>Quiseram, então, recebê-lo no barco, e imediatamente o barco chegou à terra para onde iam.
 
 
<span style="color:red"></nowiki>
 
 
Discurso sobre o pão da vida </span><span style="color:red"><sup>22</sup></span>No dia seguinte, a multidão, que permanecera na outra margem do mar, viu que estava ali apenas um pequeno barco e que Jesus não tinha entrado no barco com os seus discípulos, mas que os seus discípulos tinham partido sozinhos. <span style="color:red"><sup>23</sup></span>No entanto, chegaram outros pequenos barcos de Tiberíades, de perto do lugar onde eles tinham comido o pão, depois de o Senhor ter dado graças. <span style="color:red"><sup>24</sup></span>Quando a multidão viu que nem Jesus estava ali, nem os seus discípulos, subiu para os pequenos barcos e foi<ref name="ftn89">Lit.: ''eles subiram...e foram''.</ref> para Cafarnaum procurar Jesus.
 
 
<span style="color:red"><sup>25</sup></span>Ao encontrá-lo na outra margem do mar, disseram-lhe: «Rabi, quando chegaste aqui?». <span style="color:red"><sup>26</sup></span>Respondeu-lhes Jesus e disse: «Amen, amen vos digo: procurais-me não porque vistes sinais, mas porque comestes dos pães e ficastes saciados. <span style="color:red"><sup>27</sup></span>Trabalhai não pelo alimento que se perde, mas pelo alimento que permanece para a vida eterna e que o Filho do Homem vos dará; pois foi a Ele que Deus, o Pai, marcou com o selo».
 
 
<span style="color:red"><sup>28</sup></span>Disseram-lhe, então: «Que havemos de fazer para realizar as obras de Deus?». <span style="color:red"><sup>29</sup></span>Respondeu Jesus e disse-lhes: «Esta é a obra de Deus: que acrediteis naquele que Ele enviou». <span style="color:red"><sup>30</sup></span>Disseram-lhe: «Que sinal fazes Tu, para que vejamos e acreditemos em ti? Que obra realizas? <span style="color:red"><sup>31</sup></span>Os nossos pais comeram o maná no deserto<ref name="ftn90">Cf. Ex 16,4ss.</ref>, como está escrito: ''Deu-lhes a comer pão do céu''<ref name="ftn91">Sl 78,24; cf. Ex 16,4.15.</ref>». <span style="color:red"><sup>32</sup></span>Disse-lhes, então, Jesus: «Amen, amen vos digo: não foi Moisés que vos deu o pão do céu, mas o meu Pai é que vos dá o verdadeiro pão do céu. <span style="color:red"><sup>33</sup></span>Pois o pão de Deus é o que desce do céu e dá vida ao mundo». <span style="color:red"><sup>34</sup></span>Disseram-lhe, então: «Senhor, dá-nos sempre esse pão!». <span style="color:red"><sup>35</sup></span>Disse-lhes Jesus: «Eu sou o pão da vida: quem vem a mim jamais terá fome; quem acredita em mim jamais terá sede. <span style="color:red"><sup>36</sup></span>No entanto, disse-vos: vistes-me e não acreditais. <span style="color:red"><sup>37</sup></span>Tudo o que o Pai me dá, virá a mim, e o que vem a mim jamais o expulsarei, <span style="color:red"><sup>38</sup></span>porque desci do céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou. <span style="color:red"><sup>39</sup></span>E a vontade daquele que me enviou é esta: que nada perca do que me deu, mas o ressuscite no último dia. <span style="color:red"><sup>40</sup></span>Pois esta é a vontade do meu Pai: que todo aquele que vê o Filho e acredita nele tenha vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último dia».
 
 
<span style="color:red"><sup>41</sup></span>Então os judeus começaram a murmurar contra Ele, porque tinha dito: «Eu sou o pão que desceu do céu». <span style="color:red"><sup>42</sup></span>E diziam: «Este não é Jesus, o filho de José? Não conhecemos nós o pai e a mãe? Como é que agora diz: "Eu desci do céu"?».
 
 
<span style="color:red"><sup>43</sup></span>Respondeu Jesus e disse-lhes: «Não murmureis entre vós. <span style="color:red"><sup>44</sup></span>Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o atrair; e Eu o ressuscitarei no último dia. <span style="color:red"><sup>45</sup></span>Está escrito nos Profetas: ''Serão'' ''todos'' ''ensinados por Deus''<ref name="ftn92">Is 54,13 (LXX). Cf. Jr 31,33s.</ref>. Todo aquele que ouviu do Pai e aprendeu vem a mim. <span style="color:red"><sup>46</sup></span>Não porque alguém tenha visto o Pai, a não ser aquele que existe junto de Deus: este viu o Pai. <span style="color:red"><sup>47</sup></span>Amen, amen vos digo: quem acredita tem a vida eterna.
 
 
<span style="color:red"><sup>48</sup></span>Eu sou o pão da vida. <span style="color:red"><sup>49</sup></span>Os vossos pais comeram o maná no deserto e morreram. <span style="color:red"><sup>50</sup></span>Este é o pão que desce do céu, para que quem dele comer não morra. <span style="color:red"><sup>51</sup></span>Eu sou o pão vivo que desceu do céu: se alguém comer deste pão, viverá para sempre; e o pão que Eu darei é a minha carne pela vida do mundo».
 
 
<span style="color:red"><sup>52</sup></span>Altercavam, então, os judeus entre si, dizendo: «Como pode este dar-nos a sua carne a comer?». <span style="color:red"><sup>53</sup></span>Disse-lhes, então, Jesus: «Amen, amen vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós. <span style="color:red"><sup>54</sup></span>Quem come<ref name="ftn93">O verbo ''trṓgō'' (o mesmo nos vv. 56.58d) sublinha um comer efetivo.</ref> a minha carne e bebe o meu sangue tem vida eterna, e Eu o ressuscitarei no último dia. <span style="color:red"><sup>55</sup></span>Porque a minha carne é verdadeiro alimento, e o meu sangue é verdadeira bebida<ref name="ftn94">O adjetivo ''verdadeiro'', assim como o escândalo que suscita aos judeus, faz perceber que não se trata de uma forma simbólica de falar. O mesmo em 6,56.58.</ref>. <span style="color:red"><sup>56</sup></span>Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim, e Eu nele. <span style="color:red"><sup>57</sup></span>Assim como o Pai que vive me enviou, e Eu vivo pelo Pai, também quem me come viverá por mim. <span style="color:red"><sup>58</sup></span>Este é o pão que desceu do céu. Não é como o que os pais comeram: eles morreram; quem come este pão viverá para sempre»<ref name="ftn95">Uma vez mais a contraposição qualitativa entre Moisés e Jesus: aquele foi intermediário para um pão que alimentava apenas fisicamente; Jesus é o pão de Deus, que alimenta a vida divina recebida no batismo (1,12-13; 3,5ss) e que não acaba na morte física.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>59</sup></span>Disse estas coisas na sinagoga, ao ensinar em Cafarnaum.
 
 
<span style="color:red"></nowiki>
 
 
Crise entre os discípulos e profissão de fé de Pedro </span><span style="color:red"><sup>60</sup></span>Ora, muitos dos seus discípulos, depois de ouvirem isto, disseram: «É dura esta palavra! Quem pode ouvi-la?»<ref name="ftn96">O discurso de Jesus sobre a carne e o sangue que é preciso comer e beber cria a primeira grande crise no grupo dos seus discípulos; provavelmente o episódio reflete também dificuldades na comunidade primitiva em relação à eucaristia. A pragmática do texto é bem vincada: também o leitor é chamado a uma decisão, de permanecer (acreditar) ou de ir embora (v. 67).</ref>. <span style="color:red"><sup>61</sup></span>Jesus, sabendo em si mesmo que os seus discípulos murmuravam por causa disto, disse-lhes: «Isto é para vós motivo de escândalo? <span style="color:red"><sup>62</sup></span>E se virdes o Filho do Homem subir para onde estava antes? <span style="color:red"><sup>63</sup></span>É o Espírito que faz viver, a carne de nada serve; as palavras que Eu vos disse são espírito e são vida. <span style="color:red"><sup>64</sup></span>Mas há alguns entre vós que não acreditam». De facto, Jesus sabia, desde o princípio, quem eram os que não acreditavam e quem era o que o haveria de entregar. <span style="color:red"><sup>65</sup></span>E dizia: «Por causa disto vos disse que ninguém pode vir a mim, se não lhe for dado pelo Pai».
 
 
<span style="color:red"><sup>66</sup></span>Desde então muitos dos seus discípulos voltaram para trás e já não caminhavam com Ele. <span style="color:red"><sup>67</sup></span>Disse, então, Jesus aos Doze: «Também vós quereis ir embora?». <span style="color:red"><sup>68</sup></span>Respondeu-lhe Simão Pedro: «Senhor, a quem iremos? Tu tens palavras de vida eterna! <span style="color:red"><sup>69</sup></span>E nós acreditámos e sabemos<ref name="ftn97">Dois verbos no perfeito grego, que indicam uma ação do passado cujos efeitos continuam no presente.</ref> que Tu és o Santo de Deus». <span style="color:red"><sup>70</sup></span>Respondeu-lhes Jesus: «Não fui Eu que vos escolhi, aos Doze? E um de vós é um diabo!». <span style="color:red"><sup>71</sup></span>Falava de Judas, filho de Simão Iscariotes; de facto, este estava prestes a entregá-lo. E era um dos Doze<ref name="ftn98">Ao contrário dos outros que foram embora, Judas, em cisma interior com Jesus e, portanto, com a comunidade, continua hipocritamente presente. Mas Jesus, mesmo sabendo quem ele era e o que faria (v. 70), deu-lhe até ao fim a hipótese da conversão e do regresso à comunhão (13,1.16).</ref>.
 
 
<span style="color:red"></nowiki>
 
 
<center>V</center>
 
 
<center>Peregrinação para</center>
 
 
<center>a Festa das Tendas e Festa da Dedicação do Templo (7,1-10,42)</center>
 
 
 
<center>''Festa das Tendas (7,1-10,21)''</center>
 
 
 
7 Falta de fé dos familiares de Jesus </span><span style="color:red"><sup>1</sup></span>Depois disto, Jesus andava pela Galileia. Não queria andar pela Judeia, porque os judeus procuravam matá-lo.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Ora, estava próxima a festa dos judeus, a festa das Tendas<ref name="ftn99">Festa de peregrinação, para agradecer as últimas colheitas e, mais tarde, a proteção divina na passagem pelo deserto, centrada na aliança (cf. Ne 8). Durante a festa, o povo dormia em tendas (como no deserto) e as celebrações estavam dominadas por dois ritos: 1) o da ''água'', com procissões diárias à piscina de Siloé, de onde os sacerdotes levavam água para derramar em libação no altar do templo, em memória da que Deus fizera brotar da rocha de Meribá (Ex 17,1ss); 2) o da ''luz,'' com grandes luminárias acendidas no templo, em memória da nuvem luminosa que guiara Israel pelo deserto (Ex 13,21). O rito da água adquiriu também um significado messiânico e escatológico (Is 12,3; 55,1; Ez 36,25-27; 47,1-12): quando vier o Messias, todos os povos acorrerão ao templo (Ag 2,1-7; Zc 14,16), onde, de uma ''fonte aberta'', sairá uma ''água viva'' (Zc 14,8ss) que lavará Jerusalém de todo o pecado. É neste contexto que Jesus se apresenta como o dador da ''água viva'' (7,37-39; cf. 2,19-22; 19,34) e ''a luz do mundo'' (8,12). No episódio do cego de nascença (9,1ss), que se inicia precisamente na piscina de Siloé, os dois elementos, água e luz, estão presentes: nas águas do Enviado (Jesus) o cego recebe a luz (física e, sobretudo, espiritual).</ref>. <span style="color:red"><sup>3</sup></span>Disseram-lhe, por isso, os seus irmãos: «Parte daqui e vai para a Judeia, para que também os teus discípulos vejam as obras que Tu realizas. <span style="color:red"><sup>4</sup></span>Pois ninguém faz nada em segredo quando procura ser publicamente conhecido. Se fazes estas coisas, manifesta-te ao mundo!». <span style="color:red"><sup>5</sup></span>Nem os seus irmãos acreditavam nele. <span style="color:red"><sup>6</sup></span>Disse-lhes, então, Jesus: «O meu tempo<ref name="ftn100">Tradução de ''kairós'' (''tempo favorável'', ''momento'' ''oportuno''), diferente de ''khrónos'' (''tempo'' ''cronológico''). </ref> ainda não chegou; o vosso tempo, porém, está sempre pronto! <span style="color:red"><sup>7</sup></span>O mundo não vos pode odiar; a mim, porém, odeia-me, porque Eu dou testemunho acerca dele: as suas obras são más. <span style="color:red"><sup>8</sup></span>Subi vós para a festa; Eu não subo para esta festa, porque o meu tempo ainda não se cumpriu». <span style="color:red"><sup>9</sup></span>Tendo Ele dito isto, permaneceu na Galileia.
 
 
<span style="color:red"></nowiki>
 
 
Jesus peregrina em segredo </span><nowiki><span </nowiki><nowiki>style="color:red"><sup>10</sup></span>Contudo, quando os seus irmãos subiram para a festa, então também Ele subiu, não abertamente, mas quase em segredo<ref name="ftn101">Na próxima peregrinação, a da Páscoa de regresso ao Pai, fá-lo-á ''abertamente'' (cf. 12,12ss; 16,25).</ref>. <span style="color:red"><sup>11</sup></span>Ora, os judeus procuravam-no durante a festa e diziam: «Onde está Ele?». <span style="color:red"><sup>12</sup></span>E entre as multidões havia uma grande murmuração acerca dele; uns diziam: «Ele é bom!», mas outros diziam: «Não! Pelo contrário, engana a multidão». <span style="color:red"><sup>13</sup></span>No entanto, ninguém falava publicamente acerca dele, por medo dos judeus.
 
 
<span style="color:red"></nowiki>
 
 
Ainda o sábado e a cura do doente de Betzatá </span><span style="color:red"><sup>14</sup></span>Já a festa ia a meio, quando Jesus subiu ao templo e começou a ensinar. <span style="color:red"><sup>15</sup></span>Admiravam-se, então, os judeus e diziam: «Como é que este conhece as letras sem ter estudado?»<ref name="ftn102">Isto é, frequentado uma escola rabínica.</ref>. <span style="color:red"><sup>16</sup></span>Respondeu-lhes Jesus e disse: «O meu ensinamento não é meu, mas daquele que me enviou. <span style="color:red"><sup>17</sup></span>Se alguém quiser fazer a vontade dele, saberá se este ensinamento é de Deus ou se Eu falo por mim mesmo. <span style="color:red"><sup>18</sup></span>Quem fala por si mesmo, procura a sua própria glória; mas quem procura a glória daquele que o enviou, esse é verdadeiro e nele não há injustiça.
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Não vos deu Moisés a Lei? E nenhum de vós cumpre a Lei! Porque procurais matar-me?». <span style="color:red"><sup>20</sup></span>Respondeu a multidão: «Tens um demónio! Quem é que te procura matar?». <span style="color:red"><sup>21</sup></span>Respondeu Jesus e disse-lhes: «Realizei uma só obra<ref name="ftn103">Refere-se à cura do doente, narrada em 5,1ss.</ref>, e todos vos admirais. <span style="color:red"><sup>22</sup></span>Por isso Moisés vos deu a circuncisão – não que ela venha de Moisés, mas dos Patriarcas –, e vós circuncidais um homem ao sábado. <span style="color:red"><sup>23</sup></span>Se um homem recebe a circuncisão ao sábado para que não seja quebrada a Lei de Moisés, porque vos irritais comigo por ao sábado ter posto um homem inteiramente são? <span style="color:red"><sup>24</sup></span>Não julgueis pela aparência; pelo contrário, julgai com um julgamento justo».
 
 
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Discussão sobre a origem de Jesus </span><span style="color:red"><sup>25</sup></span>Diziam, então, alguns dos habitantes<ref name="ftn104">''Habitantes'' é acrescento da tradução.</ref> de Jerusalém: «Não é este aquele que procuram matar? <span style="color:red"><sup>26</sup></span>E eis que fala publicamente e nada lhe dizem! Terão os chefes, na verdade, reconhecido que este é o Cristo? <span style="color:red"><sup>27</sup></span>Mas este sabemos de onde é; o Cristo, porém, quando vier, ninguém saberá de onde é».
 
 
<span style="color:red"><sup>28</sup></span>Então Jesus, ao ensinar no templo, clamou, dizendo: «Conheceis-me e sabeis de onde sou! Porém, não vim de mim mesmo; mas é verdadeiro aquele que me enviou, que vós não conheceis. <span style="color:red"><sup>29</sup></span>Eu conheço-o, porque dele<ref name="ftn105">A preposição grega ''pará'' indica aqui proveniência.</ref> sou e foi Ele que me enviou».
 
 
<span style="color:red"><sup>30</sup></span>Procuravam, então, prendê-lo, mas ninguém lhe pôs a mão em cima, porque ainda não chegara a sua hora<ref name="ftn106">É a ''hora'' da morte e ressurreição de Jesus, a acontecer conforme o projeto de Deus e a vontade de Jesus (8,20; 12,27; 13,1; 16,25; 17,1).</ref>. <span style="color:red"><sup>31</sup></span>Da multidão, porém, muitos acreditaram nele e diziam: «Será que o Cristo, quando vier, realizará sinais maiores do que aqueles que este tem realizado?».
 
 
<span style="color:red"></nowiki>
 
 
Anúncio da morte e ressurreição </span><span style="color:red"><sup>32</sup></span>Os fariseus ouviram a multidão a murmurar estas coisas acerca dele, e os chefes dos sacerdotes e os fariseus enviaram guardas para que o prendessem.
 
 
<span style="color:red"><sup>33</sup></span>Disse-lhes, então, Jesus: «Por pouco tempo ainda estou convosco; parto para aquele que me enviou. <span style="color:red"><sup>34</sup></span>Procurar-me-eis e não me encontrareis; e aonde Eu estou, vós não podeis ir». <span style="color:red"><sup>35</sup></span>Disseram, então, os judeus entre si: «Para onde estará este prestes a ir, que nós não o possamos encontrar? Será que está prestes a ir para a diáspora dos gregos, ensinar os gregos<ref name="ftn107">''Diáspora'' refere-se à dispersão dos judeus (de raça ou por conversão) no estrangeiro.</ref>? <span style="color:red"><sup>36</sup></span>Que palavra é esta que nos disse: "Procurar-me-eis e não me encontrareis" e: "Aonde Eu estou, vós não podeis ir"?».
 
 
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Anúncio do dom da água viva: o Espírito Santo </span><span style="color:red"><sup>37</sup></span>No último dia, o mais importante da festa, Jesus pôs-se de pé e clamou, dizendo: «Se alguém tem sede, venha a mim; e beba <span style="color:red"><sup>38</sup></span>quem acredita em mim. Como diz a Escritura: ''Do seu ventre brotarão rios de água viva''»<ref name="ftn108">Confluência de referências bíblicas (Is 48,21; Ez 37,1; Zc 14,8). Este texto é uma ''crux'' clássica; conforme a pontuação, assim se interpreta de quem é o ventre a que se refere o texto: daquele que acredita em Jesus (...''venha a mim e beba. Quem crê em mim, como diz a Escritura''...) ou de Jesus (o texto apresentado). O contexto imediato e alargado faz perceber que é de Jesus que a água – o Espírito Santo – brotará (19,34). Já à samaritana Jesus anunciara esta água viva como um dom que Ele oferecerá (4,10-11). No entanto, é possível que a ambiguidade seja propositada: uma vez recebido, de Jesus, o Espírito Santo torna-se, no crente, uma nascente de onde constantemente jorra a vida divina. Sobre o significado da água nesta festa, cf. 7,2 nota.</ref>. <span style="color:red"><sup>39</sup></span>Disse isto acerca do Espírito, que estavam prestes a receber os que nele acreditaram; de facto, ainda não havia Espírito<ref name="ftn109">No sentido em que ''o Espírito ainda não fora dado'', como se lê em alguns mss..</ref>, porque Jesus não fora ainda glorificado.
 
 
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Nova discussão sobre a origem e natureza de Jesus </span><span style="color:red"><sup>40</sup></span>Ao ouvirem estas palavras, alguns de entre a multidão diziam: «Este é verdadeiramente o Profeta». <span style="color:red"><sup>41</sup></span>Outros diziam: «Este é o Cristo». Outros, porém, diziam: «Será que o Cristo vem da Galileia? <span style="color:red"><sup>42</sup></span>Não disse a Escritura que o Cristo ''vem'' ''da descendência de David'' e ''de Belém'', povoação de onde era David?»<ref name="ftn110">2Sm 7,12-16; Mq 5,1.</ref>. <span style="color:red"><sup>43</sup></span>Surgiu, assim, uma divisão entre a multidão por causa dele. <span style="color:red"><sup>44</sup></span>Alguns deles queriam prendê-lo, mas ninguém lhe pôs as mãos em cima.
 
 
<span style="color:red"><sup>45</sup></span>Os guardas foram, então, ter com os chefes dos sacerdotes e com os fariseus, e estes disseram-lhes: «Por que razão não o trouxestes?». <span style="color:red"><sup>46</sup></span>Responderam os guardas: «Jamais homem algum falou assim!». <span style="color:red"><sup>47</sup></span>Responderam-lhes os fariseus: «Será que também vós fostes enganados? <span style="color:red"><sup>48</sup></span>Porventura algum dos chefes, ou dos fariseus, acreditou nele? <span style="color:red"><sup>49</sup></span>Mas esta multidão, que não conhece a Lei: são uns malditos!». <span style="color:red"><sup>50</sup></span>Disse-lhes Nicodemos, aquele que antes tinha ido ter com Ele e que era um deles: <span style="color:red"><sup>51</sup></span>«Será que a nossa Lei julga um homem sem antes o ouvir e saber o que faz?». <span style="color:red"><sup>52</sup></span>Responderam e disseram-lhe: «Será que também tu és da Galileia? Investiga e verás que da Galileia não surge nenhum profeta». <span style="color:red"><sup>53</sup></span>E foi cada um para sua casa<ref name="ftn111">7,53-8,11 não se encontra na maioria dos mss. gregos, nas antigas versões e nos Padres da Igreja. O estilo é mais lucano que joanino, pelo que alguns autores defendem que se situaria a seguir a Lc 21,38. Mas é inquestionável o seu valor canónico e tradicional.</ref>.
 
 
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8 A mulher adúltera </span><span style="color:red"><sup>1</sup></span>Jesus foi para o Monte das Oliveiras. <span style="color:red"><sup>2</sup></span>Mas, ao amanhecer, foi de novo ao templo, e todo o povo ia ter com Ele. E, tendo-se sentado, ensinava-os. <span style="color:red"><sup>3</sup></span>Então os doutores da lei e os fariseus levaram uma mulher apanhada em adultério e, colocando-a no meio, <span style="color:red"><sup>4</sup></span>disseram-lhe: «Mestre, esta mulher foi apanhada em flagrante adultério. <span style="color:red"><sup>5</sup></span>Na Lei, Moisés ordenou-nos apedrejar tais mulheres. Ora, Tu que dizes?». <span style="color:red"><sup>6</sup></span>Diziam isto para o pôr à prova e para que tivessem com que o acusar. Mas Jesus, inclinando-se, pôs-se a escrever com o dedo na terra. <span style="color:red"><sup>7</sup></span>Como insistiam em interrogá-lo, levantou-se e disse-lhes: «Aquele que de vós está sem pecado seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra». <span style="color:red"><sup>8</sup></span>E, inclinando-se de novo, continuou a escrever na terra. <span style="color:red"><sup>9</sup></span>Eles, ao ouvirem isto, foram saindo, um após outro, a começar pelos mais velhos; e Jesus<ref name="ftn112">''Jesus'' é acrescento da tradução.</ref> foi deixado só, continuando a mulher no meio. <span style="color:red"><sup>10</sup></span>Jesus levantou-se e disse-lhe: «Mulher, onde estão eles? Nenhum te condenou?». <span style="color:red"><sup>11</sup></span>Ela disse: «Nenhum, Senhor». Disse-lhe Jesus: «Nem Eu te condeno. Vai, e a partir de agora não peques mais».
 
 
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Testemunho de Jesus: «Eu sou a luz do mundo» </span><span style="color:red"><sup>12</sup></span>Então, falou-lhes de novo Jesus, dizendo: «Eu sou a luz do mundo<ref name="ftn113">Sobre o contexto destas afirmações, cf. 7,2 nota.</ref>. Quem me segue jamais caminhará nas trevas, mas terá a luz da vida». <span style="color:red"><sup>13</sup></span>Disseram-lhe os fariseus: «Tu dás testemunho acerca de ti mesmo: o teu testemunho não é verdadeiro!». <span style="color:red"><sup>14</sup></span>Respondeu Jesus e disse-lhes: «Ainda que Eu dê testemunho acerca de mim mesmo, o meu testemunho é verdadeiro, porque sei de onde vim e para onde vou. Vós, porém, não sabeis de onde venho ou para onde vou. <span style="color:red"><sup>15</sup></span>Vós julgais segundo a carne; Eu não julgo ninguém. <span style="color:red"><sup>16</sup></span>E, se Eu julgar, o meu julgamento é verdadeiro, porque não estou só; pelo contrário, estou Eu e o Pai que me enviou. <span style="color:red"><sup>17</sup></span>E na vossa Lei está escrito que o testemunho de dois homens é verdadeiro. <span style="color:red"><sup>18</sup></span>Sou Eu que dou testemunho acerca de mim mesmo, e acerca de mim dá testemunho também o Pai que me enviou». <span style="color:red"><sup>19</sup></span>Diziam-lhe, então: «Onde está o teu Pai?». Respondeu Jesus: «Nem a mim nem ao meu Pai conheceis. Se me conhecêsseis, conheceríeis também o meu Pai». <span style="color:red"><sup>20</sup></span>Disse estas palavras junto à arca do tesouro<ref name="ftn114">Cf. Mc 12,41 nota.</ref>, ao ensinar no templo. E ninguém o prendeu, porque ainda não chegara a sua hora.
 
 
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Novo anúncio da morte de Jesus </span><span style="color:red"><sup>21</sup></span>Disse-lhes, então, de novo: «Eu vou partir e procurar-me-eis, e morrereis no vosso pecado. Para onde Eu vou, vós não podeis ir». <span style="color:red"><sup>22</sup></span>Diziam, então, os judeus: «Será que se vai matar, visto que diz: "Para onde Eu vou, vós não podeis ir"?». <span style="color:red"><sup>23</sup></span>Mas Ele dizia-lhes: «Vós sois aqui de baixo, Eu sou do alto; vós sois deste mundo, Eu não sou deste mundo. <span style="color:red"><sup>24</sup></span>Por isso vos disse que morrereis nos vossos pecados, pois, se não acreditardes que ''Eu sou''<ref name="ftn115">Evocação do nome divino revelado a Moisés (Ex 3,14); cf. vv. 28.58; 13,19; 18,5 (e provavelmente 4,26).</ref>, morrereis nos vossos pecados». <span style="color:red"><sup>25</sup></span>Diziam-lhe então: «Tu quem és?». Disse-lhes Jesus: «O que desde o princípio vos digo<ref name="ftn116">Frase de difícil interpretação. Outras hipóteses de tradução: ''Primeiro, porque vos falo?'', ou ''O que vos digo desde o princípio?''.</ref>! <span style="color:red"><sup>26</sup></span>Muito tenho a dizer e julgar acerca de vós! Mas aquele que me enviou é verdadeiro e Eu, o que dele ouvi, isso digo ao mundo». <span style="color:red"><sup>27</sup></span>Não compreenderam que lhes falava do Pai. <span style="color:red"><sup>28</sup></span>Disse-lhes, então, Jesus: «Quando elevardes o Filho do Homem, nesse momento sabereis que ''Eu sou''<ref name="ftn117">Cf. v. 24 nota. A ''elevação'' de Jesus na cruz será, paradoxalmente, o momento da grande manifestação da sua natureza divina (cf. 19,31-37; 3,15 nota).</ref>, e que nada faço por mim mesmo, mas como o Pai me ensinou, assim o digo. <span style="color:red"><sup>29</sup></span>Aquele que me enviou está comigo; não me deixou só, porque Eu faço sempre o que lhe agrada». <span style="color:red"><sup>30</sup></span>Ao dizer estas coisas, muitos acreditaram nele.
 
 
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Declaração a alguns discípulos: «tendes por pai o Diabo» </span><span style="color:red"><sup>31</sup></span>Dizia, então, Jesus aos judeus que tinham acreditado nele<ref name="ftn118">O discurso passa a ser dirigido, até ao final do cap., aos discípulos vindos do judaísmo que parecem acreditar em Jesus como Messias, mas não na sua pré-existência e divindade. Daí a dureza de Jesus: não acreditar na totalidade do seu mistério significa ser ''mentiroso'' e ''ter por Pai o Diabo''.</ref>: «Se vós permanecerdes na minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos; <span style="color:red"><sup>32</sup></span>conhecereis a verdade e a verdade vos libertará». <span style="color:red"><sup>33</sup></span>Responderam-lhe: «Somos descendência de Abraão e nunca fomos escravos de ninguém! Como é que Tu dizes: "Tornar-vos-eis livres"?». <span style="color:red"><sup>34</sup></span>Respondeu-lhes Jesus: «Amen, amen vos digo: todo aquele que pratica o pecado é escravo do pecado. <span style="color:red"><sup>35</sup></span>Ora, o escravo não permanece na casa para sempre; o filho é que permanece para sempre. <span style="color:red"><sup>36</sup></span>Portanto, se o Filho vos libertar, sereis realmente livres. <span style="color:red"><sup>37</sup></span>Sei que sois descendência de Abraão; no entanto, procurais matar-me, porque a minha palavra não encontra lugar em vós. <span style="color:red"><sup>38</sup></span>Eu digo aquilo que vi junto do Pai; e vós fazeis aquilo que ouvistes junto do vosso pai»<ref name="ftn119">''Vosso'' é acrescento da tradução, de acordo com o que apresentam alguns mss..</ref>. <span style="color:red"><sup>39</sup></span>Responderam e disseram-lhe: «O nosso pai é Abraão!». Disse-lhes Jesus: «Se sois filhos de Abraão, faríeis as obras de Abraão. <span style="color:red"><sup>40</sup></span>Mas agora procurais matar-me, a um homem que vos disse a verdade que ouvi junto de Deus. Abraão não fez isso! <span style="color:red"><sup>41</sup></span>Vós fazeis as obras do vosso pai». Disseram-lhe: «Nós não nascemos da promiscuidade! Temos um só Pai: Deus». <span style="color:red"><sup>42</sup></span>Disse-lhes Jesus: «Se Deus fosse vosso Pai, amar-me-íeis, pois Eu de Deus saí e vim; não vim por mim mesmo, mas foi Ele que me enviou. <nowiki><span </nowiki><nowiki>style="color:red"><sup>43</sup></span>Por que razão não compreendeis a minha linguagem? Porque não sois capazes de ouvir a minha palavra. <span style="color:red"><sup>44</sup></span>Vós sois do vosso pai, o Diabo, e quereis realizar os desejos do vosso pai. Ele foi homicida desde o princípio e não se manteve na verdade, porque nele não há verdade. Quando diz o que é mentira, fala a partir do que lhe é próprio, porque é mentiroso e é o seu pai. <span style="color:red"><sup>45</sup></span>Mas em mim, porque Eu digo a verdade, não acreditais! <span style="color:red"><sup>46</sup></span>Quem de vós me acusa de pecado? Se digo a verdade, por que razão vós não acreditais em mim? <span style="color:red"><sup>47</sup></span>Quem é de Deus ouve as palavras de Deus. É por isso que vós não ouvis: porque não sois de Deus».
 
 
<span style="color:red"><sup>48</sup></span>Responderam os judeus e disseram-lhe: «Não dizemos nós, com razão, que Tu és samaritano e tens um demónio?». <span style="color:red"><sup>49</sup></span>Respondeu Jesus: «Eu não tenho um demónio; pelo contrário, honro o meu Pai, mas vós desonrais-me! <span style="color:red"><sup>50</sup></span>Eu não procuro a minha glória; há quem procure e julgue. <span style="color:red"><sup>51</sup></span>Amen, amen vos digo: se alguém guardar a minha palavra, jamais verá a morte para sempre». <span style="color:red"><sup>52</sup></span>Disseram-lhe, então, os judeus: «Agora sabemos que tens um demónio! Abraão morreu, os profetas também, e Tu dizes: "Se alguém guardar a minha palavra, jamais provará a morte para sempre"! <span style="color:red"><sup>53</sup></span>Serás Tu maior que o nosso Pai Abraão, que morreu? Os profetas também morreram. Quem pretendes ser?»<ref name="ftn120">Lit.: ''O que fazes de ti mesmo?''.</ref>. <span style="color:red"><sup>54</sup></span>Respondeu Jesus: «Se Eu me glorificasse a mim mesmo, a minha glória nada seria. É o meu Pai quem me glorifica, aquele de quem dizeis: "É nosso Deus", <span style="color:red"><sup>55</sup></span>mas não o conheceis; Eu, porém, conheço-o. Se dissesse que não o conheço seria um mentiroso igual a vós; mas conheço-o e guardo a sua palavra. <span style="color:red"><sup>56</sup></span>Abraão, o vosso pai, exultou por ver o meu dia; viu e alegrou-se». <span style="color:red"><sup>57</sup></span>Disseram-lhe, então, os judeus: «Nem sequer tens cinquenta anos e viste Abraão?». <span style="color:red"><sup>58</sup></span>Disse-lhes Jesus: «Amen, amen vos digo: antes de Abraão existir, ''Eu Sou''<ref name="ftn121">Cf. v. 24 nota.</ref>». <span style="color:red"><sup>59</sup></span>Pegaram, então, em pedras para lhe atirar, mas Jesus escondeu-se e saiu do templo.
 
 
 
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9 Cura do cego de nascença<ref name="ftn122">É a conclusão (com 10,1-21) das afirmações de Jesus durante a festa das Tendas (cf. 7,2 nota). Cf. Mt 9,27-31; 20,29-34; Mc 8,22-26; 10,46-53; Lc 18,35-43.</ref> </span><span style="color:red"><sup>1</sup></span>Ao passar, viu um homem cego de nascença. <span style="color:red"><sup>2</sup></span>E perguntaram-lhe os seus discípulos, dizendo: «Rabi, quem pecou, ele ou os seus pais, para que tivesse nascido cego?»<ref name="ftn123">Havia quem entendesse a doença como consequência do pecado. Tratando-se de um cego de nascença, essa mentalidade atribuía o pecado aos pais. Jesus recusa tal lógica retributiva.</ref>. <span style="color:red"><sup>3</sup></span>Respondeu Jesus: «Nem ele pecou, nem os seus pais; mas foi assim para que nele se manifestem as obras de Deus. <span style="color:red"><sup>4</sup></span>É necessário que nós realizemos as obras daquele que me enviou enquanto é dia. Está a chegar a noite, em que ninguém pode trabalhar<ref name="ftn124">Lit: ''que ninguém pode realizar'' (o mesmo verbo do início do v.).</ref>. <span style="color:red"><sup>5</sup></span>Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo».
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Tendo dito isto, cuspiu na terra, fez lama com a saliva<ref name="ftn125">Evocação da criação do homem (Gn 2,7): a saliva no pó (como o Criador com o hálito) comunica vida; o que Jesus vai realizar é equiparável ao gesto primordial de Deus. O episódio tem uma conotação batismal.</ref>, untou-lhe os olhos com a lama <span style="color:red"><sup>7</sup></span>e disse-lhe: «Vai lavar-te na piscina de Siloé» – que significa «Enviado»<ref name="ftn126">Jesus é o verdadeiro Enviado do Pai (3,17; 5,24.36-38; 8,42; 9,7; 11,42; 17,8.21-25).</ref>. Ele foi, lavou-se e regressou a ver.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Então os vizinhos e os que antes o costumavam ver, porque era mendigo, diziam: «Não é este o que estava sentado a mendigar?». <span style="color:red"><sup>9</sup></span>Uns diziam: «É este»; outros diziam: «Não, mas é parecido com ele». Ele dizia: «Sou eu». <span style="color:red"><sup>10</sup></span>Diziam-lhe, então: «Como é que se te abriram os olhos?». <span style="color:red"><sup>11</sup></span>Respondeu ele: «O homem chamado Jesus fez lama, untou-me os olhos e disse-me: "Vai a Siloé e lava-te". Fui e, depois de me ter lavado, comecei a ver». <span style="color:red"><sup>12</sup></span>Disseram-lhe: «Onde está Ele?». Ele disse: «Não sei».
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Levaram aos fariseus o que tinha sido cego. <span style="color:red"><sup>14</sup></span>Ora, era sábado o dia em que Jesus fizera lama e lhe abrira os olhos<ref name="ftn127">Tal como em 5,1ss.</ref>. <span style="color:red"><sup>15</sup></span>De novo lhe perguntaram também os fariseus como tinha começado a ver. Ele disse-lhes: «Pôs-me lama nos olhos, lavei-me e agora vejo». <span style="color:red"><sup>16</sup></span>Diziam, então, alguns dos fariseus: «Esse homem não vem de Deus, porque não guarda o sábado». Mas outros diziam: «Como pode um homem pecador realizar tais sinais?». E havia divisão entre eles. <span style="color:red"><sup>17</sup></span>Disseram, de novo, ao cego: «Tu, que dizes acerca dele, visto que te abriu os olhos?». Ele disse: «É um profeta».
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Mas os judeus não acreditaram que ele tivesse sido cego e começado a ver, até que chamaram os pais do que tinha começado a ver, <span style="color:red"><sup>19</sup></span>e lhes perguntaram, dizendo: «Este é o vosso filho, que vós dizeis ter nascido cego? Então como é que agora vê?». <span style="color:red"><sup>20</sup></span>Responderam os seus pais e disseram: «Sabemos que este é o nosso filho e que nasceu cego; <span style="color:red"><sup>21</sup></span>mas como agora vê, não sabemos, nem nós sabemos quem lhe abriu os olhos. Perguntai-lhe; já tem idade, ele falará sobre si próprio». <span style="color:red"><sup>22</sup></span>Os seus pais disseram isto porque tinham medo dos judeus. De facto, os judeus já tinham combinado que, se alguém o confessasse como Cristo, fosse expulso da sinagoga. <span style="color:red"><sup>23</sup></span>Por isso os seus pais disseram: «Já tem idade; perguntai-lhe».
 
 
<span style="color:red"><sup>24</sup></span>Chamaram então, pela segunda vez, o homem que tinha sido cego e disseram-lhe: «Dá glória a Deus<ref name="ftn128">Fórmula rabínica para admoestar quem se pensa ter mentido, no sentido de: ''Honra Deus, dizendo a verdade! ''(cf. Is 7,19).</ref>! Nós sabemos que esse homem é pecador». <span style="color:red"><sup>25</sup></span>Respondeu ele: «Se é pecador, não sei. Uma coisa sei: era cego e agora vejo». <span style="color:red"><sup>26</sup></span>Disseram-lhe então: «Que te fez Ele? Como te abriu os olhos?». <span style="color:red"><sup>27</sup></span>Respondeu-lhes: «Já vos disse e não ouvistes! Por que razão quereis ouvir de novo? Será que também vós vos quereis tornar seus discípulos?». <span style="color:red"><sup>28</sup></span>Insultaram-no e disseram: «Tu é que és seu discípulo; nós somos discípulos de Moisés. <span style="color:red"><sup>29</sup></span>Nós sabemos que Deus falou a Moisés; mas esse não sabemos de onde é». <span style="color:red"><sup>30</sup></span>Respondeu o homem e disse-lhes: «Pois o que há de surpreendente nisto é que vós não sabeis de onde Ele é; no entanto, abriu-me os olhos! <span style="color:red"><sup>31</sup></span>Sabemos que Deus não ouve pecadores, mas se alguém o temer e fizer a sua vontade, a esse o ouve. <span style="color:red"><sup>32</sup></span>Nunca se ouviu dizer que alguém tenha aberto os olhos de um cego de nascença! <span style="color:red"><sup>33</sup></span>Se Ele não viesse de Deus, nada poderia fazer». <span style="color:red"><sup>34</sup></span>Eles responderam e disseram-lhe: «Tu nasceste todo em pecados e estás a ensinar-nos?»<ref name="ftn129">Lit.: ''e tu ensinas-nos?''</ref>. E expulsaram-no.
 
 
<span style="color:red"><sup>35</sup></span>Jesus ouviu que o tinham expulsado e, quando o encontrou, disse: «Tu acreditas no Filho do Homem?». <span style="color:red"><sup>36</sup></span>Ele respondeu e disse: «E quem é, Senhor, para que acredite nele?». <span style="color:red"><sup>37</sup></span>Disse-lhe Jesus: «Já o viste: é aquele que fala contigo». <span style="color:red"><sup>38</sup></span>Ele, então, afirmou: «Acredito, Senhor!». E prostrou-se diante dele<ref name="ftn130">No sentido de ''adorou-o'', como em todas as ocorrências do verbo ''proskynéō'' em Jo (4,20.21.22.23.24; 12,20); o gesto expressa reconhecimento da divindade de Jesus.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>39</sup></span>Disse, então, Jesus: «Para um juízo<ref name="ftn131">No contexto, o grego ''kríma'' tem um sentido mais de ''discernimento'' do que ''julgamento'' (para o que se usa ''krísis''<nowiki>; cf. 5,29 nota).</nowiki></ref> vim Eu a este mundo: para que os que não veem, vejam, e os que veem, se tornem cegos». <span style="color:red"><sup>40</sup></span>Alguns dos fariseus que estavam com Ele ouviram isto e disseram-lhe: «Será que também nós somos cegos?». <span style="color:red"><sup>41</sup></span>Disse-lhes Jesus: «Se fôsseis cegos, não teríeis pecado algum; mas como agora dizeis: "Vemos", o vosso pecado permanece».
 
 
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10 <nowiki>Jesus, porta e bom pastor </span> </nowiki><ref name="ftn132">Jesus utiliza duas imagens para falar da sua natureza e relação com os discípulos: é não só o ''pastor'' anunciado pelos profetas (Ez 34,1-31; Zc 11,4-17; Jr 23,1-3) que conduz as ovelhas à vida divina, como é a única ''porta'', através da qual tal pode acontecer.</ref> <span style="color:red"><sup>1</sup></span>«Amen, amen vos digo: o que não entra pela porta no redil das ovelhas, mas sobe por outro lado, é ladrão e salteador. <span style="color:red"><sup>2</sup></span>Mas o que entra pela porta é pastor das ovelhas. <span style="color:red"><sup>3</sup></span>A este o porteiro abre a porta<ref name="ftn133">''Porta'' é acrescento da tradução.</ref>, e as ovelhas ouvem a sua voz; chama pelo nome as ovelhas que lhe pertencem e condu-las para fora<ref name="ftn134">Os pastores recolhiam as suas ovelhas em grandes recintos comuns; de manhã cada um chamava pelas suas, as únicas que reconheciam a sua voz e, por isso, o seguiam.</ref>. <span style="color:red"><sup>4</sup></span>Quando fez sair todas as que lhe pertencem, caminha à sua frente e as ovelhas seguem-no, porque reconhecem a sua voz. <span style="color:red"><sup>5</sup></span>Jamais seguirão um estranho; pelo contrário, fugirão dele, porque não reconhecem a voz dos estranhos». <span style="color:red"><sup>6</sup></span>Jesus falou-lhes nesta linguagem figurada<ref name="ftn135">Palavra de difícil tradução, equivalente ao ''machal'' hebraico: não se trata de uma parábola, nem de uma alegoria, mas de algo intermédio.</ref>, mas eles não compreenderam as coisas que lhes dizia.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Disse, então, Jesus de novo: «Amen, amen vos digo: Eu sou a porta das ovelhas. <span style="color:red"><sup>8</sup></span>Todos os que vieram antes de mim são ladrões e salteadores, mas as ovelhas não os ouviram. <span style="color:red"><sup>9</sup></span>Eu sou a porta: se alguém entrar através de mim, será salvo; entrará e sairá e encontrará pastagem. <span style="color:red"><sup>10</sup></span>O ladrão não vem senão para roubar, matar e destruir; Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância<ref name="ftn136">Refere-se à vida divina; a finalidade da vinda de Jesus é oferecê-la.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Eu sou o bom pastor<ref name="ftn137">Lit.: ''pastor belo'', que se pode interpretar no sentido de ser modelo, cuja característica é especificada na afirmação seguinte: ''dar a vida pelas ovelhas''.</ref>: o bom pastor dá a sua vida<ref name="ftn138">Lit.: ''põe a sua vida'' (como algo que Jesus pode tirar e recuperar: v. 17). Jesus oferece a sua vida biológica (''psykhḗ''), para que os seus discípulos possam receber a vida divina (''zōḗ'': v. 10).</ref> pelas ovelhas. <span style="color:red"><sup>12</sup></span>O assalariado, que não é pastor e ao qual não pertencem as ovelhas, vê vir o lobo, abandona as ovelhas e foge – e o lobo arrebata-as e dispersa-as –, <span style="color:red"><sup>13</sup></span>porque é assalariado e não se preocupa com as ovelhas. <span style="color:red"><sup>14</sup></span>Eu sou o bom pastor: conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas conhecem-me<ref name="ftn139">''Ovelhas'' é, nas duas ocorrências do v., acrescento da tradução.</ref>, <span style="color:red"><sup>15</sup></span>tal como o Pai me conhece e Eu conheço o Pai; e dou a minha vida pelas ovelhas.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>E tenho outras ovelhas que não são deste redil. É necessário que também a essas Eu conduza; ouvirão a minha voz e haverá um só rebanho e um só pastor. <span style="color:red"><sup>17</sup></span>Por isso o Pai me ama: porque Eu dou a minha vida, para de novo a tomar. <span style="color:red"><sup>18</sup></span>Ninguém ma tira, mas Eu por mim mesmo a dou. Tenho poder para a dar e tenho poder para de novo a tomar. Este mandamento recebi-o do meu Pai».
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Surgiu de novo uma divisão entre os judeus, por causa destas palavras. <span style="color:red"><sup>20</sup></span>Diziam muitos deles: «Tem um demónio e está louco! Porque o ouvis?». <span style="color:red"><sup>21</sup></span>Outros diziam: «Estas palavras não são de endemoniado! Como pode um demónio abrir os olhos de cegos?».
 
 
<span style="color:red"></nowiki>
 
 
<center>''Festa da Dedicação do Templo ''</center>
 
 
<center>''(10,22-42)''</center>
 
 
 
Jesus declara-se Filho de Deus </span><span style="color:red"><sup>22</sup></span>Houve, então, em Jerusalém a festa da Dedicação do Templo<ref name="ftn140">A festa da Consagração ou Dedicação do Templo (''Hanukkāh'') celebrava-se dois meses após a das Tendas, para festejar a consagração do templo, depois de profanado por Antíoco IV Epifânio: colocou sobre o altar dos holocaustos, durante três anos (167-164 a.C.), o ídolo ''Baal Chamayim'', versão oriental de Zeus, o supremo deus grego (1Mac 1,54; 2Mac 6,1-7). Na celebração o povo proclamava: ''Nunca mais!''. Jesus apresenta-se como o verdadeiro ''consagrado/dedicado'': é nele, ''que o Pai consagrou e enviou ao mundo'' (v. 36), e já não no templo, que se manifesta a presença de Deus (10,30; cf. 2,19-22).</ref>. Era inverno. <nowiki><span </nowiki><nowiki>style="color:red"><sup>23</sup></span>Jesus caminhava no templo, no pórtico de Salomão. <span style="color:red"><sup>24</sup></span>Então os judeus rodearam-no e diziam-lhe: «Até quando nos manterás em suspenso<ref name="ftn141">Lit.: ''Até quando levantas a nossa alma?''.</ref>? Se Tu és o Cristo, diz-nos com clareza». <span style="color:red"><sup>25</sup></span>Respondeu-lhes Jesus: «Disse-vos e não acreditais. As obras que Eu realizo em nome do meu Pai dão testemunho acerca de mim. <span style="color:red"><sup>26</sup></span>No entanto, vós não acreditais, porque não sois das minhas ovelhas. <span style="color:red"><sup>27</sup></span>As minhas ovelhas ouvem a minha voz; Eu conheço-as, e elas seguem-me. <span style="color:red"><sup>28</sup></span>E Eu dou-lhes vida eterna: jamais hão de perecer para sempre, e ninguém as arrebatará da minha mão. <span style="color:red"><sup>29</sup></span>O meu Pai, que mas deu, é maior que todos: ninguém as pode arrebatar da mão do Pai. <span style="color:red"><sup>30</sup></span>Eu e o Pai somos um».
 
 
<span style="color:red"><sup>31</sup></span>Os judeus pegaram novamente em pedras para o apedrejar<ref name="ftn142">Ironia joanina: os judeus que, durante a festa, gritavam «nunca mais!» permitir a profanação do templo, preparam-se para profanar Jesus, verdadeira presença do Pai.</ref>. <span style="color:red"><sup>32</sup></span>Respondeu-lhes Jesus: «Muitas obras boas vos mostrei da parte do Pai: por qual dessas obras me apedrejais?». <span style="color:red"><sup>33</sup></span>Responderam-lhe os judeus: «Não é por causa de uma boa obra que te apedrejamos, mas por blasfémia, porque Tu, sendo homem, a ti mesmo te fazes Deus». <span style="color:red"><sup>34</sup></span>Respondeu-lhes Jesus: «Não está escrito na vossa Lei: ''Eu disse: vós sois deuses''<ref name="ftn143">Sl 82,6.</ref>? <span style="color:red"><sup>35</sup></span>Ora, se chamou deuses àqueles para quem veio a palavra de Deus – e a Escritura não pode ser destruída –, <span style="color:red"><sup>36</sup></span>a respeito daquele que o Pai consagrou e enviou ao mundo vós dizeis: "Tu blasfemas", porque disse: "Sou Filho de Deus"? <span style="color:red"><sup>37</sup></span>Se não realizo as obras do meu Pai, não acrediteis em mim; <span style="color:red"><sup>38</sup></span>mas se as realizo, mesmo que não acrediteis em mim, acreditai nas obras, para que reconheçais e saibais<ref name="ftn144">Trata-se, as duas vezes, do mesmo verbo ''ginṓskō'' (''reconhecer, saber''): a primeira no aoristo conjuntivo (indica algo que é necessário começar), e a segunda no presente (consequência da primeira ação).</ref> que o Pai está em mim e Eu estou no Pai». <span style="color:red"><sup>39</sup></span>Procuravam, então, de novo prendê-lo, mas Ele escapou-se das suas mãos.
 
 
<span style="color:red"><sup>40</sup></span>E partiu novamente para a outra margem do Jordão, para o lugar onde João tinha primeiramente batizado, e ali permaneceu. <span style="color:red"><sup>41</sup></span>Muitos foram ter com Ele e diziam: «João não realizou sinal algum, mas tudo quanto João disse acerca deste era verdade». <span style="color:red"><sup>42</sup></span>E, ali, muitos acreditaram nele.
 
 
<span style="color:red"></nowiki>
 
 
<center>VI</center>
 
 
<center>Peregrinação para a terceira </center>
 
 
<center>e derradeira Páscoa </center>
 
 
<center>(11,1-12,50)<ref name="ftn145">11,1-12,50 é uma secção de transição entre o ''Livro dos Sinais'', concluído com um balanço da vida pública de Jesus (12,37-43), e o ''Livro da Hora da Peregrinação Gloriosa para o Pai'' (13,1-20,29), que acontece no contexto da peregrinação de Jesus para a celebração da Páscoa derradeira. A viagem é antecipada pela morte de Lázaro (11,1), tal como a sua ressurreição antecipa e ilumina a morte e ressurreição de Jesus.</ref></center>
 
 
 
11 Ressurreição de Lázaro </span><span style="color:red"><sup>1</sup></span>Ora, estava doente um certo homem, Lázaro de Betânia, da povoação de Maria e de Marta, sua irmã. <span style="color:red"><sup>2</sup></span>Maria era aquela que tinha ungido o Senhor com bálsamo e lhe tinha secado os pés com os seus cabelos<ref name="ftn146">Episódio narrado apenas em 12,3, mas referido antecipadamente talvez porque a comunidade já o conhecia quando o evangelho foi escrito.</ref>. Era o seu irmão Lázaro que estava doente. <span style="color:red"><sup>3</sup></span>As irmãs mandaram, então, dizer-lhe: «Senhor, eis que aquele de quem és amigo<ref name="ftn147">Tradução de ''philéō'' para o distinguir de ''agapáō'' (''amar'').</ref> está doente». <span style="color:red"><sup>4</sup></span>Ouvindo isto, Jesus disse: «Esta doença não leva à morte, mas é para a glória de Deus, para que por meio dela seja glorificado o Filho de Deus»<ref name="ftn148">A morte e revivificação de Lázaro confirmam o que Jesus dissera acerca do poder que tem sobre a sua própria vida e a morte (10,18), bem como o de conceder a vida divina (10,10); o episódio é uma antecipação da ''hora'' da glorificação de Jesus, que acontecerá na sua morte e ressurreição (cf. 12,23ss).</ref>. <span style="color:red"><sup>5</sup></span>Jesus amava Marta, a irmã dela e Lázaro. <span style="color:red"><sup>6</sup></span>Quando ouviu que estava doente, permaneceu ainda dois dias no lugar onde estava.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Depois disto, disse aos discípulos: «Vamos novamente para a Judeia». <span style="color:red"><sup>8</sup></span>Disseram-lhe os discípulos: «Rabi, ainda agora os judeus procuravam apedrejar-te, e vais novamente para lá?». <span style="color:red"><sup>9</sup></span>Respondeu Jesus: «Não são doze as horas do dia? Se alguém caminhar durante o dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo; <span style="color:red"><sup>10</sup></span>mas se alguém caminhar durante a noite, tropeça, porque a luz não está nele». <span style="color:red"><sup>11</sup></span>Depois de lhes dizer estas coisas, disse-lhes isto<ref name="ftn149">Lit.: ''Disse-lhes estas coisas e depois disto disse-lhes''.</ref>: «Lázaro, o nosso amigo, adormeceu. Mas vou, para o despertar». <span style="color:red"><sup>12</sup></span>Disseram-lhe os discípulos: «Senhor, se adormeceu, há de salvar-se». <span style="color:red"><sup>13</sup></span>Ora, Jesus tinha falado da morte de Lázaro<ref name="ftn150">Lit.: ''da morte dele''.</ref>, mas eles pensaram que estivesse a falar do adormecimento do sono. <span style="color:red"><sup>14</sup></span>Então disse-lhes Jesus com clareza: «Lázaro morreu! <span style="color:red"><sup>15</sup></span>E alegro-me, por vós, que não estivesse lá, para que acrediteis. Mas vamos ter com ele». <span style="color:red"><sup>16</sup></span>Disse, então, Tomé, o chamado Dídimo<ref name="ftn151">''To'ma'''&nbsp;em aramaico, e ''Dídymos'' em grego, significam ''gémeo''.</ref>, aos condiscípulos: «Vamos também nós, para morrermos com Ele».
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Ora, quando chegou, Jesus encontrou-o há já quatro dias no sepulcro. <span style="color:red"><sup>18</sup></span>Betânia ficava perto de Jerusalém, cerca de quinze estádios<ref name="ftn152">C. 3 quilómetros.</ref>, <span style="color:red"><sup>19</sup></span>e muitos judeus tinham vindo ter com Marta e Maria, para as confortar por causa do irmão. <span style="color:red"><sup>20</sup></span>Quando Marta ouviu que Jesus estava a chegar, foi ao seu encontro. Maria, porém, ficou sentada em casa. <span style="color:red"><sup>21</sup></span>Disse, então, Marta a Jesus: «Senhor, se estivesses aqui, o meu irmão não teria morrido. <span style="color:red"><sup>22</sup></span>Mas, também agora, sei que tudo quanto pedires a Deus, Deus to dará». <span style="color:red"><sup>23</sup></span>Disse-lhe Jesus: «O teu irmão ressuscitará». <span style="color:red"><sup>24</sup></span>Disse-lhe Marta: «Sei que ressuscitará na ressurreição, no último dia». <span style="color:red"><sup>25</sup></span>Disse-lhe Jesus: «Eu sou a ressurreição e a vida; quem acredita em mim, ainda que morra, viverá; <span style="color:red"><sup>26</sup></span>e todo aquele que vive e acredita em mim jamais morrerá para sempre. Acreditas nisto?»<ref name="ftn153">Cf. v. 4 nota. A pergunta a Marta é feita também ao leitor, que no batismo recebeu a vida divina.</ref>. <span style="color:red"><sup>27</sup></span>Disse-lhe ela: «Sim, Senhor, eu acredito que Tu és o Cristo, o Filho de Deus que vem ao mundo».
 
 
<span style="color:red"><sup>28</sup></span>Tendo dito isto, retirou-se e chamou Maria, sua irmã, dizendo-lhe em segredo: «O Mestre está aqui e chama-te». <span style="color:red"><sup>29</sup></span>Quando ela ouviu isto, levantou-se depressa e foi ter com Ele. <span style="color:red"><sup>30</sup></span>Jesus ainda não tinha chegado à povoação, mas estava ainda no lugar aonde Marta tinha ido ao seu encontro. <span style="color:red"><sup>31</sup></span>Então os judeus que estavam com ela em casa e a confortavam, ao verem Maria levantar-se tão depressa e sair, seguiram-na, pensando que fosse ao sepulcro, para ali chorar.
 
 
<span style="color:red"><sup>32</sup></span>Quando Maria chegou aonde Jesus estava, ao vê-lo, caiu a seus pés, dizendo-lhe: «Senhor, se estivesses aqui, o meu irmão não teria morrido». <span style="color:red"><sup>33</sup></span>Então Jesus, quando a viu chorar, e os judeus, que com ela tinham vindo, também a chorar, comoveu-se profundamente e ficou perturbado. <span style="color:red"><sup>34</sup></span>E disse: «Onde o pusestes?». Disseram-lhe: «Senhor, vem e vê». <span style="color:red"><sup>35</sup></span>Jesus chorou<ref name="ftn154">Embora sublinhe fortemente a natureza divina de Jesus, Jo não deixa de recordar ao leitor que Jesus é verdadeiramente homem: como Filho de Deus ressuscitará Lázaro, como ser humano comove-se com a morte do amigo e o sofrimento de Marta e Maria.</ref>. <span style="color:red"><sup>36</sup></span>Diziam, então, os judeus: «Vede como era seu amigo!»<ref name="ftn155">Tradução de ''philéō ''para o distinguir de ''agapáō'' (''amar'').</ref>. <span style="color:red"><sup>37</sup></span>Mas alguns deles disseram: «Então ele, que abriu os olhos do cego, não podia ter feito com que ele não morresse?».
 
 
<span style="color:red"><sup>38</sup></span>Jesus, de novo profundamente comovido, foi ao sepulcro. Era uma gruta e tinha sido colocada uma pedra contra ela. <span style="color:red"><sup>39</sup></span>Disse Jesus: «Tirai a pedra». Disse-lhe Marta, a irmã do defunto: «Senhor, já cheira mal, pois há quatro dias que está aqui». <span style="color:red"><sup>40</sup></span>Disse-lhe Jesus: «Não te disse que, se acreditares, verás a glória de Deus?». <span style="color:red"><sup>41</sup></span>Tiraram, então, a pedra. Jesus levantou os olhos para alto e disse: «Pai, dou-te graças, porque me ouviste. <span style="color:red"><sup>42</sup></span>Eu sabia que sempre me ouves, mas disse-o por causa da multidão que me rodeia, para que acreditem que Tu me enviaste». <span style="color:red"><sup>43</sup></span>Tendo dito isto, clamou com voz forte: «Lázaro, vem para fora!»<ref name="ftn156">Tal como na Criação (Gn 1,3ss), a Palavra é de tal maneira poderosa que basta ser pronunciada para realizar o que significa (Jo 1,2).</ref>. <span style="color:red"><sup>44</sup></span>O morto saiu, com as mãos e os pés enfaixados com ligaduras, e o seu rosto estava envolvido num sudário. Disse-lhes Jesus: «Desatai-o e deixai-o ir».
 
 
<span style="color:red"></nowiki>
 
 
O Sinédrio decide a morte de Jesus<ref name="ftn157">Cf. Mt 26,57-68; Mc 14,53-65; Lc 23,66-71.</ref> </span><span style="color:red"><sup>45</sup></span>Então, muitos dos judeus que tinham vindo ter com Maria, ao verem o que fizera, acreditaram nele. <span style="color:red"><sup>46</sup></span>Mas alguns deles foram ter com os fariseus e disseram-lhes o que Jesus fizera.
 
 
<span style="color:red"><sup>47</sup></span>Os chefes dos sacerdotes e os fariseus reuniram, então, o sinédrio e diziam: «Que havemos de fazer, uma vez que este homem realiza muitos sinais? <span style="color:red"><sup>48</sup></span>Se o deixarmos assim, todos acreditarão nele; virão os romanos e destruirão o nosso lugar santo<ref name="ftn158">''Santo'' é acrescento da tradução por se tratar do templo (cf. Mt 24,15).</ref> e a nossa nação». <span style="color:red"><sup>49</sup></span>Mas um deles, Caifás, que era sumo-sacerdote naquele ano, disse-lhes: «Vós não percebeis nada! <span style="color:red"><sup>50</sup></span>Não compreendeis que é melhor para vós que morra um só homem pelo povo e não pereça toda a nação?». <span style="color:red"><sup>51</sup></span>Não disse isto por si mesmo, mas, sendo sumo-sacerdote naquele ano, profetizou que Jesus estava prestes a morrer pela nação. <span style="color:red"><sup>52</sup></span>E não só pela nação, mas também para congregar na unidade os filhos de Deus dispersos.
 
 
<span style="color:red"><sup>53</sup></span>Assim, a partir desse dia, deliberaram que o iriam matar. <span style="color:red"><sup>54</sup></span>Por isso, Jesus já não andava publicamente entre os judeus, mas partiu dali para a região próxima do deserto, para uma cidade chamada Efraim, e aí permaneceu com os discípulos.
 
 
<span style="color:red"><sup>55</sup></span>Ora, estava próxima a Páscoa dos judeus e, da região, muitos subiram a Jerusalém, antes da Páscoa, para se purificarem. <span style="color:red"><sup>56</sup></span>Procuravam, então, Jesus e diziam uns aos outros, enquanto estavam no templo: «Que vos parece? Não virá para a festa?». <span style="color:red"><sup>57</sup></span>Os chefes dos sacerdotes e os fariseus tinham dado ordens para que, se alguém soubesse onde Ele estava, o indicasse, para o prenderem.
 
 
 
<span style="color:red"></nowiki>
 
 
12 A unção em Betânia (Mt 26,6-13; Mc 14,3-9; Lc 7,36-50) </span><span style="color:red"><sup>1</sup></span>Então Jesus, seis dias antes da Páscoa<ref name="ftn159">A vida pública de Jesus começou numa semana cuidadosamente apresentada, que culminou com a antecipação da manifestação da glória em Caná, prenúncio da aliança messiânica (cf. 1,19-2,12 nota); o final da vida terrena de Jesus é também cuidadosamente apresentado, criando no leitor uma expectativa crescente, que culminará na sua glorificação pela morte e ressurreição.</ref>, foi a Betânia, onde estava Lázaro que Jesus ressuscitara dos mortos. <span style="color:red"><sup>2</sup></span>Ora, fizeram-lhe ali uma ceia; Marta servia, e Lázaro era um dos que estavam reclinados à mesa com Ele.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Então Maria, tomando uma libra<ref name="ftn160">300 gramas.</ref> de bálsamo de nardo puro, muito caro, ungiu os pés de Jesus e, com os seus cabelos, secou-lhe os pés. A casa encheu-se do odor do bálsamo. <span style="color:red"><sup>4</sup></span>Disse Judas Iscariotes, um dos seus discípulos, o que estava prestes a entregá-lo: <span style="color:red"><sup>5</sup></span>«Por que razão não se vendeu esse bálsamo por trezentos denários<ref name="ftn161">Um denário (moeda romana de prata) era o pagamento normal por um dia de trabalho (Mt 20,2-13).</ref> e se deu aos pobres?». <span style="color:red"><sup>6</sup></span>Disse isto não porque se preocupasse com os pobres, mas porque era ladrão e, como tinha a bolsa do dinheiro, tirava o que se ia depositando. <span style="color:red"><sup>7</sup></span>Disse, então, Jesus: «Deixai-a, para que o guarde para o dia da minha sepultura. <span style="color:red"><sup>8</sup></span>Pois pobres sempre os tendes convosco, mas a mim nem sempre me tendes».
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Entretanto, uma numerosa multidão de judeus soube que Ele estava ali e veio, não só por causa de Jesus, mas também para verem Lázaro, que ressuscitara dos mortos. <span style="color:red"><sup>10</sup></span>Os chefes dos sacerdotes deliberaram, então, matar também Lázaro, <span style="color:red"><sup>11</sup></span>porque, por sua causa, muitos se afastavam dos judeus e acreditavam em Jesus.
 
 
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Entrada messiânica em Jerusalém (Mt 21,1-11; Mc 11,1-11; Lc 19,29-40) </span> <span style="color:red"><sup>12</sup></span>No dia seguinte, a numerosa multidão que tinha vindo para a festa, ao ouvir dizer que Jesus estava a chegar a Jerusalém, <span style="color:red"><sup>13</sup></span>apanhou ramos de palmeira, saiu ao seu encontro, e gritava:
 
 
''Hossana! ''
 
 
''Bendito o que vem em nome do Senhor, ''
 
 
''o rei de Israel<ref name="ftn162">Sl 118,25s. Trata-se de uma conceção muito política da missão do Messias. Sobre o significado de ''hossana'', cf. Mc 11,9 nota.</ref>''.''
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Jesus, tendo encontrado um jumentinho, sentou-se nele, como está escrito:
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>''Não tenhas medo, filha de Sião! ''
 
 
''Eis que vem o teu rei, ''
 
 
''sentado na cria de uma jumenta''<ref name="ftn163">Combinação de vários textos proféticos: Zc 9,9; Is 40,9; Sf 3,14s.</ref>''.''
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>A princípio os seus discípulos não compreenderam isto, mas, quando Jesus foi glorificado, então recordaram-se de que isto estava escrito acerca dele e que foi isto o que lhe fizeram.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Ora, a multidão, que tinha estado com Ele quando chamou Lázaro para fora do sepulcro e o ressuscitou dos mortos, dava testemunho. <span style="color:red"><sup>18</sup></span>Também por causa disto a multidão veio ao seu encontro: porque ouviu que Ele tinha realizado esse sinal. <span style="color:red"><sup>19</sup></span>Os fariseus disseram, então, entre si: «Vede como nada conseguis! Eis que o mundo foi atrás dele!».
 
 
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Os gregos querem ver Jesus </span><span style="color:red"><sup>20</sup></span>Havia alguns gregos<ref name="ftn164">Trata-se de prosélitos, isto é, não-judeus convertidos ao judaísmo.</ref> entre os que tinham subido a Jerusalém<ref name="ftn165">''A Jerusalém'' é acrescento da tradução.</ref> para adorar durante a festa. <span style="color:red"><sup>21</sup></span>Estes foram, então, ter com Filipe, que era de Betsaida da Galileia, e pediram-lhe, dizendo: «Senhor, queremos ver Jesus»<ref name="ftn166">Quando têm por objeto Jesus (ou o Pai, ou o reino ou outra realidade espiritual), os verbos de visão expressam habitualmente experiências e percursos de fé (por ex.: 3,3; 9,37; 14,9; 19,37).</ref>. <span style="color:red"><sup>22</sup></span>Filipe foi dizê-lo a André, e André e Filipe foram dizê-lo a Jesus. <span style="color:red"><sup>23</sup></span>Jesus respondeu-lhes, dizendo: «Chegou a hora<ref name="ftn167">É a ''hora'' para que tende todo o evangelho, razão da encarnação de Jesus (v. 27); o seu levantamento/crucificação permitirá que todos o possam ''ver'' (19,37) e a Ele sejam atraídos (v. 32), ou seja, recebam, pela fé no Filho de Deus, a salvação (3,16s).</ref> de o Filho do Homem ser glorificado. <span style="color:red"><sup>24</sup></span>Amen, amen vos digo: se o grão de trigo, ao cair na terra, não morrer, ele permanece só; mas, se morrer, dá muito fruto. <span style="color:red"><sup>25</sup></span>Quem estima<ref name="ftn168">Tradução de ''philéō ''para o distinguir de ''agapáō ''(''amar'').</ref> a sua vida perde-a; quem menospreza<ref name="ftn169">Lit.: ''o que odeia'', do verbo ''miséō, ''que na mentalidade semita não tem a radicalidade que possui no português; trata-se de menosprezar uma coisa em relação a outra mais importante (cf. Mt 5,43 nota).</ref> a sua vida neste mundo há de conservá-la para a vida eterna<ref name="ftn170">''Vida'' traduz dois termos gregos diferentes presentes no v.: ''psykhḗ'', a vida biológica; ''zōḗ'', a vida eterna, própria de Deus.</ref>. <span style="color:red"><sup>26</sup></span>Se alguém me servir, que me siga, e onde Eu estou, aí estará também o meu servidor. Se alguém me servir, o Pai o honrará. <span style="color:red"><sup>27</sup></span>Agora ''a minha alma está perturbada''<ref name="ftn171">Sl 6,4.</ref>! E que direi? Pai, salva-me desta hora? Mas foi por causa disto que Eu vim: para esta hora<ref name="ftn172">Evocação da angústia do Getsémani sinóptico (Mc 14,32ss).</ref>! <span style="color:red"><sup>28</sup></span>Pai, glorifica o Teu nome!»<ref name="ftn173">Sobre ''nome'', cf. 1,12 nota.</ref>. Veio, então, uma voz do céu: «Glorifiquei e de novo glorificarei!».
 
 
<span style="color:red"><sup>29</sup></span>A multidão, que estava presente e ouvira, dizia que tinha sido um trovão. Outros diziam: «Foi um anjo que lhe falou». <span style="color:red"><sup>30</sup></span>Respondeu Jesus e disse: «Não foi por minha causa que surgiu esta voz, mas por vossa causa.<span style="color:red"><sup>31</sup></span>É agora o julgamento deste mundo; agora o Príncipe deste mundo<ref name="ftn174">Isto é, Satanás (cf. 14,30).</ref> vai ser expulso. <span style="color:red"><sup>32</sup></span>E Eu, quando for elevado da terra<ref name="ftn175">Cf. notas de 3,14-15; 12,23; 21,5.</ref>, atrairei todos a mim». <span style="color:red"><sup>33</sup></span>Dizia isto assinalando com que género de morte estava prestes a morrer. <span style="color:red"><sup>34</sup></span>Respondeu-lhe, então, a multidão: «Nós ouvimos da Lei que o Cristo permanece para sempre. Como dizes Tu que é necessário o Filho do Homem ser elevado? Quem é esse Filho do Homem?». <span style="color:red"><sup>35</sup></span>Disse-lhes Jesus: «A luz ainda está entre vós por pouco tempo. Caminhai enquanto tendes a luz, para que as trevas não se apoderem de vós<ref name="ftn176">Cf. 1,5.</ref>. Quem caminha nas trevas não sabe para onde vai. <span style="color:red"><sup>36</sup></span>Enquanto tendes a luz, acreditai na luz, para vos tornardes filhos da luz». Jesus disse estas coisas e, partindo, escondeu-se deles.
 
 
<span style="color:red"></nowiki>
 
 
Conclusão narrativa do Livro dos Sinais: a falta de fé dos judeus </span><span style="color:red"><sup>37</sup></span>Apesar de Ele ter realizado tantos sinais diante deles, não acreditavam nele, <span style="color:red"><sup>38</sup></span>para que se cumprisse a palavra do profeta Isaías, que disse:
 
 
''Senhor, quem acreditou no que ouviu de nós? ''
 
 
''E a força do Senhor''<ref name="ftn177">Is 53,1. Lit.: ''o braço do Senhor''<nowiki>; trata-se de um semitismo, que sublinha a força exercida.</nowiki></ref>'' a quem foi revelada?''
 
 
<span style="color:red"><sup>39</sup></span>Por isso não podiam acreditar, pois Isaías disse ainda:
 
 
<span style="color:red"><sup>40</sup></span>''Cegou-lhes os olhos,''
 
 
''e endureceu-lhes o coração,''
 
 
''para que não vejam com os olhos,''
 
 
''e não entendam com o coração''
 
 
''e não se convertam, ''
 
 
''e Eu os cure''<ref name="ftn178">Is 6,9s (cf. Mt 13,13; Mc 4,12; Lc 8,10).</ref>''.''
 
 
<span style="color:red"><sup>41</sup></span>Isaías disse isto porque viu a sua glória e falou acerca dele.
 
 
<span style="color:red"><sup>42</sup></span>Apesar de tudo, também entre os chefes muitos acreditaram nele, mas não o confessavam por causa dos fariseus, para não serem expulsos da sinagoga. <span style="color:red"><sup>43</sup></span>De facto, amaram mais a glória dos homens do que a glória de Deus<ref name="ftn179">A primeira parte do evangelho parece terminar originalmente aqui; os vv. que se seguem ligam melhor com o v. 36a. A afirmação é um desafio ao leitor: amar a glória de Deus acima de tudo e professar abertamente a fé em Jesus.</ref>!
 
 
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Conclusão discursiva do Livro dos Sinais: a fé que salva </span><span style="color:red"><sup>44</sup></span>Então, Jesus clamou e disse: «Quem acredita em mim, não acredita em mim, mas naquele que me enviou. <span style="color:red"><sup>45</sup></span>E quem me vê, vê aquele que me enviou. <span style="color:red"><sup>46</sup></span>Eu como luz vim ao mundo, para que todo aquele que acredita em mim não permaneça nas trevas. <span style="color:red"><sup>47</sup></span>E se alguém ouvir as minhas palavras e não as guardar, Eu não o julgo, pois não vim para julgar o mundo, mas para salvar o mundo. <span style="color:red"><sup>48</sup></span>Quem me rejeita e não acolhe as minhas palavras, tem quem o julgue: a palavra que Eu disse, ela o há de julgar no último dia. <span style="color:red"><sup>49</sup></span>Porque Eu não falei por mim mesmo; mas o Pai que me enviou, foi Ele que me deu um mandamento acerca do que havia de dizer e falar. <span style="color:red"><sup>50</sup></span>E sei que o seu mandamento é vida eterna. Portanto, o que Eu digo, digo-o tal como o Pai me disse a mim».
 
 
 
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<center>Segunda Parte</center>
 
 
<center>LIVRO DA HORA DA PEREGRINAÇÃO GLORIOSA </center>
 
 
<center>PARA O PAI (13,1-20,29)</center>
 
 
 
<center>Jesus e os discípulos: </center>
 
 
<center>a última ceia (13-14; 15-17)<ref name="ftn180">Os temas apresentados nos caps. 13-14 são relidos nos caps. 15-16, que expressam uma fase posterior da comunidade, quando esta vive o drama das perseguições; o cap. 17 relê a oração de Jesus à luz da necessidade de a comunidade se manter unida. O que Jesus promete ou pede nesta secção (13-17) encontra a sua realização no encontro do Ressuscitado com os discípulos (20,19-29). </ref></center>
 
 
 
13 O lava-pés </span><span style="color:red"><sup>1</sup></span>Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até à consumação<ref name="ftn181">A consumação (''télos'': ''fim/consumação'') realizar-se-á na cruz (''tetélestai'': ''está consumado'' – 19,28.30). De notar a insistência no ''saber'' de Jesus (vv. 1.3): a consciência de que regressa ao Pai (cf. 3,13), levando à consumação o seu amor salvífico (cf. 3,14-16), depois da recíproca entrega da Mãe e do Discípulo Amado. Então poderá declarar: ''Está consumado'' (cf. 19,27 nota).</ref>. <span style="color:red"><sup>2</sup></span>Durante a ceia, quando o Diabo já tinha lançado no coração de Judas, filho de Simão Iscariotes, a decisão de o entregar, <span style="color:red"><sup>3</sup></span>Jesus, sabendo que o Pai tudo lhe colocara nas mãos e que de Deus saíra e para Deus voltava, <span style="color:red"><sup>4</sup></span>levantou-se da ceia, tirou as vestes e, tomando uma toalha, atou-a à cintura. <span style="color:red"><sup>5</sup></span>Depois deitou água na bacia e começou a lavar os pés dos discípulos e a secá-los com a toalha que tinha atado à cintura<ref name="ftn182">Lavar os pés a outros era próprio de escravos não judeus. Daí a repulsa de Pedro. Trata-se de um gesto simbólico, que antecipa a morte de Jesus e representa toda a sua vida: despojou-se da sua dignidade (significada nas vestes) para manifestar o seu amor; o próprio Jesus interpreta o gesto e apresenta-o como um exemplo que os discípulos devem assumir (vv. 12-15).</ref>. <span style="color:red"><sup>6</sup></span>Chegou, então, a Simão Pedro, que lhe disse: «Senhor, Tu vais lavar-me os pés?». <span style="color:red"><sup>7</sup></span>Respondeu Jesus e disse-lhe: «O que Eu estou a fazer, tu não o compreendes agora; entenderás depois». <span style="color:red"><sup>8</sup></span>Disse-lhe Pedro: «Jamais me lavarás os pés!»<ref name="ftn183">Lit.: ''Jamais me lavarás os pés para sempre''.</ref>. Respondeu-lhe Jesus: «Se não te lavar, não terás parte comigo»<ref name="ftn184">A expressão ''ter parte com'' é um semitismo que significa participação; aqui, no amor salvífico de Jesus. Para que tal aconteça, é preciso Pedro mudar de mentalidade e de critérios.</ref>. <span style="color:red"><sup>9</sup></span>Disse-lhe Simão Pedro: «Senhor, então não só os meus pés, mas também as mãos e a cabeça».<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Disse-lhe Jesus: «Quem tomou banho não tem necessidade de lavar senão os pés, pois está inteiramente puro<ref name="ftn185">O grego ''katharós'' tem um duplo sentido, ambos presentes na declaração de Jesus: ''limpo'' e ''puro''.</ref>. E vós estais puros, mas não todos». <nowiki><span </nowiki><nowiki>style="color:red"><sup>11</sup></span>De facto, Ele sabia quem o haveria de entregar; por isso, disse: «Nem todos estais puros».
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Depois de lhes ter lavado os pés, tomou as suas vestes, reclinou-se de novo à mesa, e disse-lhes: «Entendeis o que vos fiz? <span style="color:red"><sup>13</sup></span>Vós chamais-me "o Mestre" e "o Senhor" e dizeis bem, porque sou. <span style="color:red"><sup>14</sup></span>Ora, se Eu, "o Senhor" e "o Mestre", vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. <span style="color:red"><sup>15</sup></span>Dei-vos o exemplo, para que, assim como Eu vos fiz, vós façais também. <span style="color:red"><sup>16</sup></span>Amen, amen vos digo: um servo não é maior do que o seu senhor, nem um apóstolo maior do que aquele que o enviou. <span style="color:red"><sup>17</sup></span>Se compreendeis isto, felizes sereis se o fizerdes. <span style="color:red"><sup>18</sup></span>Não falo de todos vós; Eu conheço aqueles que escolhi. Mas é para que se cumpra a Escritura: ''O que come o meu pão, ''levantou'' contra mim o ''seu'' calcanhar''<ref name="ftn186">Sl 41,10.</ref>. <span style="color:red"><sup>19</sup></span>Desde já vo-lo digo, antes de acontecer, para que, quando acontecer, acrediteis que ''Eu Sou''<ref name="ftn187">Evocação do nome divino revelado a Moisés; cf. 8,24.28.58; 18,5 (e provavelmente 4,26).</ref>. <span style="color:red"><sup>20</sup></span>Amen, amen vos digo: quem recebe aquele que Eu enviar, a mim recebe; e quem me recebe, recebe aquele que me enviou».
 
 
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Anúncio da traição de Judas (Mt 26,20-25; Mc 14,18-21; Lc 22,21-23) </span><span style="color:red"><sup>21</sup></span>Tendo dito isto, Jesus sentiu-se profundamente perturbado, deu testemunho e disse: «Amen, amen vos digo: um de vós me há de entregar!». <span style="color:red"><sup>22</sup></span>Os discípulos olhavam uns para os outros, sem perceber de quem falava. <span style="color:red"><sup>23</sup></span>Ora, estava reclinado no seio de Jesus<ref name="ftn188">Gesto necessário para poder olhar e falar com Jesus, tendo em conta a maneira greco-romana de comer (reclinando-se à mesa sobre um dos braços). Mas é também uma indicação simbólica: a presença da mesma expressão de 1,18, usada para falar da relação de intimidade de Jesus com o Pai (''no seio/peito''), indica que tal como, por essa razão, Jesus é o revelador do Pai, assim também o Discípulo Amado é o revelador de Jesus (cf. nota seguinte).</ref> um dos seus discípulos, aquele que Jesus amava<ref name="ftn189">É a primeira referência explícita ao Discípulo Amado, o autor do Evangelho (21,20.24), no sentido de ser a origem da tradição. Reaparece explicitamente em 19,25-27; 20,1-10; 21,7; 21,20-23, e de forma implícita em 18,15-16; 19,35 e provavelmente 1,40. O seu anonimato é um desafio ao leitor: tornar-se Discípulo Amado de Jesus (pela fidelidade e testemunho).</ref>. <span style="color:red"><sup>24</sup></span>Fez-lhe, então, sinal Simão Pedro para que procurasse saber quem seria aquele acerca de quem falava. <span style="color:red"><sup>25</sup></span>Ele, assim reclinado sobre o peito de Jesus, disse-lhe: «Senhor, quem é?». <span style="color:red"><sup>26</sup></span>Respondeu Jesus: «É aquele a quem Eu der o bocado de pão que vou molhar». E, molhando o bocado de pão, tomou-o e deu-o a Judas, filho de Simão Iscariotes. <span style="color:red"><sup>27</sup></span>E, depois do bocado de pão, entrou nele Satanás<ref name="ftn190">Ao receber o pão (gesto que implica comunhão e intimidade), Judas entrega-se à mentira: o seu coração não está com Jesus, mas contra Ele. Por isso, ''entrou nele Satanás'', o pai da mentira (cf. 8,44).</ref>. Disse-lhe, então, Jesus: «O que estás a fazer, faz depressa». <span style="color:red"><sup>28</sup></span>Mas nenhum dos que estavam reclinados à mesa compreendeu porque lhe dissera isto; <span style="color:red"><sup>29</sup></span>alguns pensavam que, uma vez que Judas tinha a bolsa do dinheiro, Jesus lhe tinha dito: «Compra aquilo de que temos necessidade para a festa», ou para dar alguma coisa aos pobres. <span style="color:red"><sup>30</sup></span>Então, depois de tomar o bocado de pão, saiu imediatamente. Era noite<ref name="ftn191">''Noite'' física e existencial: Judas está dominado pelas trevas.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>31</sup></span>Quando ele saiu, disse Jesus: «Agora foi glorificado o Filho do Homem, e Deus foi glorificado nele. <span style="color:red"><sup>32</sup></span>Se Deus foi glorificado nele, também Deus o glorificará em si mesmo, e glorificá-lo-á imediatamente».
 
 
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O mandamento novo </span><span style="color:red"><sup>33</sup></span>«Filhinhos, ainda por um pouco estou convosco; haveis de procurar-me e, tal como disse aos judeus: "para onde Eu vou, vós não podeis ir", também vo-lo digo agora<ref name="ftn192">8,22s.</ref>. <nowiki><span </nowiki><nowiki>style="color:red"><sup>34</sup></span>Dou-vos um mandamento novo<ref name="ftn193">Cf. Mt 22,34-40; Mc 12,28-31; Lc 10,25-28. É ''novo'' no fundamento cristológico: Cristo é, com a total oferta da vida, simultaneamente fonte e modelo do amor cristão.</ref>: que vos ameis uns aos outros; como vos amei, que também vós vos ameis uns aos outros. <span style="color:red"><sup>35</sup></span>Nisto saberão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns pelos outros».
 
 
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Anúncio da negação de Pedro (Mt 26,30-35; Mc 14,26-31; Lc 22,31-34) </span><span style="color:red"><sup>36</sup></span>Disse-lhe Simão Pedro: «Senhor, para onde vais?». Respondeu-lhe Jesus: «Para onde vou não podes agora seguir-me; seguir-me-ás depois». <span style="color:red"><sup>37</sup></span>Disse-lhe Pedro: «Senhor, por que razão não posso seguir-te agora? Darei a minha vida por ti!». <span style="color:red"><sup>38</sup></span>Respondeu-lhe Jesus: «Darás a tua vida por mim? Amen, amen te digo: não cantará o galo, sem que me tenhas negado três vezes».
 
 
 
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14 Jesus: caminho, verdade e vida </span><span style="color:red"><sup>1</sup></span>«Não se perturbe o vosso coração; acreditai em Deus e acreditai em mim. <span style="color:red"><sup>2</sup></span>Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fosse, ter-vos-ia dito que vos vou preparar um lugar? <span style="color:red"><sup>3</sup></span>E, quando Eu tiver partido e vos tiver preparado um lugar, virei de novo e levar-vos-ei comigo<ref name="ftn194">Lit.: ''para mim''.</ref>, para que onde Eu estou, estejais vós também. <span style="color:red"><sup>4</sup></span>E para onde Eu vou, sabeis o caminho».
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Disse-lhe Tomé: «Senhor, não sabemos para onde vais; como podemos saber o caminho?». <span style="color:red"><sup>6</sup></span>Disse-lhe Jesus: «Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim. <span style="color:red"><sup>7</sup></span>Se me conheceis, conhecereis também o meu Pai. E desde já o conheceis e o vistes».
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Disse-lhe Filipe: «Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta». <span style="color:red"><sup>9</sup></span>Disse-lhe Jesus: «Há tanto tempo que estou convosco, e não me conheces, Filipe? Quem me viu, viu o Pai. Como dizes tu: "Mostra-nos o Pai"? <span style="color:red"><sup>10</sup></span>Não acreditas que Eu estou no Pai, e o Pai está em mim? As palavras que Eu vos digo, não as digo por mim mesmo; o Pai, que permanece em mim<ref name="ftn195">Ou ''habita em mim''.</ref>, realiza as suas obras. <span style="color:red"><sup>11</sup></span>Acreditai em mim: Eu estou no Pai, e o Pai está em mim. Se não, acreditai por causa das obras em si.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Amen, amen vos digo: quem acredita em mim realizará também ele as obras que Eu realizo, e realizará maiores do que estas, porque Eu vou para o Pai. <span style="color:red"><sup>13</sup></span>E aquilo que pedirdes em meu nome, fá-lo-ei, para que o Pai seja glorificado no Filho. <span style="color:red"><sup>14</sup></span>Se me pedirdes algo no meu nome, Eu o farei».
 
 
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Primeiro anúncio da vinda do Espírito Santo </span><span style="color:red"><sup>15</sup></span>«Se me amardes, guardareis os meus mandamentos. <span style="color:red"><sup>16</sup></span>E Eu pedirei ao Pai, e dar-vos-á outro Paráclito<ref name="ftn196">O grego ''paráklētos'' significa ''advogado, defensor, intercessor''. É ''outro'', depois de Jesus (1Jo 2,1).</ref>, para que esteja convosco para sempre: <span style="color:red"><sup>17</sup></span>o Espírito da verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê nem conhece. Vós o conheceis, porque junto a vós tem permanecido e em vós estará. <span style="color:red"><sup>18</sup></span>Não vos deixarei órfãos: virei a vós<ref name="ftn197">Lit.: ''venho a vós''.</ref>! <span style="color:red"><sup>19</sup></span>Um pouco mais e o mundo já não me verá; vós, porém, ver-me-eis<ref name="ftn198">Sobretudo na assembleia dominical, onde o Senhor se faz presente e continua a conceder o Espírito (20,19ss).</ref>, porque Eu vivo e vós vivereis. <span style="color:red"><sup>20</sup></span>Naquele dia, vós compreendereis que Eu estou no meu Pai, vós em mim e Eu em vós. <span style="color:red"><sup>21</sup></span>Quem tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama. E quem me ama será amado pelo meu Pai; também Eu o amarei e a ele me hei de manifestar».
 
 
<span style="color:red"><sup>22</sup></span>Disse-lhe Judas, não o Iscariotes: «Senhor, que aconteceu para que estejas prestes a manifestar-te a nós e não ao mundo?». <span style="color:red"><sup>23</sup></span>Respondeu Jesus e disse-lhe: «Se alguém me amar, guardará a minha palavra e o meu Pai o amará; viremos a ele e junto dele faremos morada. <span style="color:red"><sup>24</sup></span>Quem não me ama não guarda as minhas palavras. Ora, a palavra que ouvis não é minha, mas do Pai que me enviou.
 
 
<span style="color:red"><sup>25</sup></span>Disse-vos estas coisas, permanecendo junto de vós; <span style="color:red"><sup>26</sup></span>mas o Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará no meu nome, Ele vos ensinará todas as coisas e vos recordará todas as coisas que Eu vos disse».
 
 
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Conclusão do primeiro discurso </span><span style="color:red"><sup>27</sup></span>«Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz; Eu não vo-la dou como a dá o mundo. Não se perturbe o vosso coração, nem se atemorize; <span style="color:red"><sup>28</sup></span>ouvistes o que Eu vos disse: "Vou, mas virei a vós". Se me amásseis, alegrar-vos-íeis porque vou para o Pai, pois o Pai é maior do que Eu. <span style="color:red"><sup>29</sup></span>E disse-vos agora, antes de acontecer, para que, quando aconteça, acrediteis. <span style="color:red"><sup>30</sup></span>Já não falarei muito mais convosco, pois está a chegar o Príncipe do mundo; não que em mim tenha algum poder<ref name="ftn199">Lit.: ''em mim não tem nada''.</ref>, <span style="color:red"><sup>31</sup></span>mas para que o mundo saiba que amo o Pai e que, tal como o Pai me ordenou, assim faço.
 
 
Levantai-vos! Vamo-nos daqui»<ref name="ftn200">Possivelmente o texto original continuaria em 18,1, onde, depois desta dupla ordem, Jesus chega com os discípulos ao jardim, no outro lado do Cédron (sobre a inserção dos cap. 15-17, cf. nota introdutória de 13,1-17,26).</ref>.
 
 
 
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15 Jesus, a verdadeira videira </span><span style="color:red"><sup>1</sup></span>«Eu sou a verdadeira videira, e o meu Pai é o agricultor<ref name="ftn201">A imagem da videira (tal como a da vinha) é atribuída pelo AT a Israel (Is 5,1ss; Jr 2,21; Ez 15,2ss; 19,10ss; Sl 80,9-16). Jesus proclama-se a genuína videira para falar da íntima unidade com os discípulos, garantida pelo Pai.</ref>. <span style="color:red"><sup>2</sup></span>Todo o ramo que em mim não dá fruto Ele corta-o, e limpa<ref name="ftn202">O grego ''kathaírō ''(''limpar'') tem um duplo sentido, aqui presente, de ''podar'' ou ''tornar puro'' (o mesmo acontece no v. seguinte com o adjetivo ''katharós'').</ref> todo o que dá fruto para que dê mais fruto. <span style="color:red"><sup>3</sup></span>Vós já estais limpos, por causa da palavra que vos disse. <span style="color:red"><sup>4</sup></span>Permanecei em mim e Eu em vós<ref name="ftn203">O grego ''ménō ''(''permanecer'') significa também ''habitar'' e exprime a íntima união de Jesus com o Pai e com o Espírito Santo; o seu uso para falar da relação de Jesus com os discípulos significa que esta bebe daquela (vv. 10s).</ref>. Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira, assim também vós, se não permanecerdes em mim. <span style="color:red"><sup>5</sup></span>Eu sou a videira, vós os ramos. O que permanece em mim e Eu nele, este dá muito fruto, porque sem mim nada podeis fazer. <span style="color:red"><sup>6</sup></span>Se alguém não permanecer em mim, é lançado fora, como o ramo, e seca; então recolhem-nos, lançam-nos ao fogo e são queimados. <span style="color:red"><sup>7</sup></span>Se permanecerdes em mim, e as minhas palavras permanecerem em vós, pedireis o que quiserdes e acontecer-vos-á. <span style="color:red"><sup>8</sup></span>Nisto é o meu Pai glorificado: que deis muito fruto e<ref name="ftn204">O grego ''kaí'' (''e)'' tem aqui um sentido explicativo: ''que deis muito fruto, isto é, que vos torneis meus discípulos''. Dar fruto é condição imprescindível para se tornar discípulo.</ref> vos torneis meus discípulos.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Assim como o Pai me amou, também Eu vos amei. Permanecei no meu amor. <span style="color:red"><sup>10</sup></span>Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, tal como Eu guardo os mandamentos do meu Pai e permaneço no seu amor.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Disse-vos estas coisas para que a minha alegria esteja em vós, e a vossa alegria seja completa».
 
 
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O mandamento do amor </span><span style="color:red"><sup>12</sup></span>«É este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei<ref name="ftn205">Cf. 13,34 nota.</ref>. <span style="color:red"><sup>13</sup></span>Ninguém tem maior amor do que este: que alguém dê a sua vida pelos seus amigos. <span style="color:red"><sup>14</sup></span>Vós sois meus amigos, se fizerdes o que Eu vos mando. <span style="color:red"><sup>15</sup></span>Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; chamo-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi do meu Pai. <span style="color:red"><sup>16</sup></span>Não fostes vós que me escolhestes, mas fui Eu que vos escolhi e vos designei, para que vades e deis fruto e o vosso fruto permaneça; para que aquilo que pedirdes ao Pai no meu nome, Ele vos dê. <span style="color:red"><sup>17</sup></span>Isto vos mando: que vos ameis uns aos outros».
 
 
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Primeiro anúncio da perseguição aos discípulos </span><span style="color:red"><sup>18</sup></span>«Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro que a vós, me odiou a mim. <span style="color:red"><sup>19</sup></span>Se fôsseis do mundo, o mundo seria amigo do que é seu; mas, porque não sois do mundo – pelo contrário, Eu vos escolhi do mundo<ref name="ftn206">''Escolher do mundo'' no sentido de ''retirar do todo e pôr de parte''<nowiki>; significa subtrair os discípulos ao espírito do mundo e dos seus critérios de vida.</nowiki></ref> –, por isso o mundo vos odeia. <span style="color:red"><sup>20</sup></span>Recordai a palavra que Eu vos disse: "Um servo não é maior que o seu senhor". Se me perseguiram a mim, também vos perseguirão; se guardaram a minha palavra, também guardarão a vossa. <span style="color:red"><sup>21</sup></span>Mas tudo isto vos farão por causa do meu nome, porque não conhecem aquele que me enviou. <span style="color:red"><sup>22</sup></span>Se Eu não tivesse vindo e não lhes tivesse falado, não teriam pecado algum; agora, porém, não têm desculpa para o seu pecado. <span style="color:red"><sup>23</sup></span>Quem me odeia, odeia também o meu Pai. <span style="color:red"><sup>24</sup></span>Se Eu não tivesse realizado, entre eles, as obras que nenhum outro realizou, não teriam pecado algum; agora, porém, viram e odiaram quer a mim, quer ao meu Pai. <span style="color:red"><sup>25</sup></span>Mas foi para que se cumprisse a palavra que está escrita na Lei deles: ''Odiaram-me sem motivo''»<ref name="ftn207">Sl 35,19; 69,5.</ref>.
 
 
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Segundo anúncio da vinda do Espírito Santo </span><span style="color:red"><sup>26</sup></span>«Quando vier o Paráclito, que Eu vos enviarei de junto do Pai, o Espírito da verdade que procede do Pai, Ele dará testemunho acerca de mim; <span style="color:red"><sup>27</sup></span>dai também vós testemunho, porque estais comigo desde o princípio»<ref name="ftn208">Ou ''e também vós dais testemunho''. A tradução tem em conta os dois critérios imprescindíveis para dar o testemunho original sobre Jesus: ter recebido o Espírito, que conduzirá à verdade plena do que o Senhor disse e fez (14,26; 16,13), e ter estado com Ele ''desde o princípio'' (cf. 1Jo 1,1; Lc 24,48-49 e, sobretudo, a escolha de Matias em At 1,21-22).</ref>.
 
 
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16 Segundo anúncio da perseguição aos discípulos </span><span style="color:red"><sup>1</sup></span>«Disse-vos estas coisas para que não seja motivo de escândalo para vós<ref name="ftn209">Lit.: ''para que não vos seja pedra de tropeço''<nowiki>; verbo </nowiki>''skandalízō'', que se refere à pedra (''skándalon'') que faz tropeçar (Mt 16,23par.), no sentido de ''pecar''. Os discípulos ver-se-ão perante situações que porão à prova a fidelidade da sua fé em Jesus (cf. 6,61).</ref>. <span style="color:red"><sup>2</sup></span>Hão de expulsar-vos das sinagogas; mas está a chegar a hora em que todo aquele que vos matar julgará estar a prestar culto a Deus. <span style="color:red"><sup>3</sup></span>E farão isto porque não conheceram nem o Pai, nem a mim».
 
 
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Terceiro anúncio da vinda do Espírito Santo </span><span style="color:red"><sup>4</sup></span>«Contudo, disse-vos estas coisas, para que, quando chegar a sua hora, vos recordeis que Eu vo-las disse. Não vos disse estas coisas desde o princípio, porque estava convosco. <span style="color:red"><sup>5</sup></span>Agora, porém, vou para aquele que me enviou e nenhum de vós me pergunta: "Para onde vais?". <span style="color:red"><sup>6</sup></span>Mas, porque vos disse estas coisas, a tristeza encheu o vosso coração. <span style="color:red"><sup>7</sup></span>No entanto, Eu digo-vos a verdade: é melhor para vós que Eu parta, pois, se não partir, o Paráclito<ref name="ftn210">Cf. 14,16 nota.</ref> não virá a vós; mas, se for, enviá-lo-ei a vós. <span style="color:red"><sup>8</sup></span>E, quando Ele vier, denunciará o mundo quanto ao pecado, quanto à justiça e quanto ao julgamento: <span style="color:red"><sup>9</sup></span>quanto ao pecado, porque não acreditam em mim; <span style="color:red"><sup>10</sup></span>quanto à justiça, porque vou para o Pai e já não me vereis; <span style="color:red"><sup>11</sup></span>quanto ao julgamento, porque o Príncipe deste mundo está julgado.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Tenho ainda muitas coisas para vos dizer, no entanto não conseguis suportá-las por agora. <span style="color:red"><sup>13</sup></span>Mas quando Ele vier, o Espírito da verdade, guiar-vos-á na verdade toda. De facto, não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que ouvir e anunciar-vos-á o que está para vir. <span style="color:red"><sup>14</sup></span>Ele me glorificará, porque receberá do que é meu e vo-lo anunciará. <span style="color:red"><sup>15</sup></span>Tudo quanto o Pai tem é meu. Por isso vos disse: recebe do que é meu e vo-lo anunciará».
 
 
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Anúncio da partida para o Pai </span><span style="color:red"><sup>16</sup></span>«Mais um pouco e já não me vereis; um pouco mais e ver-me-eis». <span style="color:red"><sup>17</sup></span>Disseram, então, alguns dos seus discípulos uns aos outros: «Que é isto que nos está a dizer: "Mais um pouco e já não me vereis; um pouco mais e ver-me-eis" e "Vou para o Pai"?». <span style="color:red"><sup>18</sup></span>E diziam: «O que é esse "um pouco" de que nos fala? Não entendemos o que diz!».
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Jesus percebeu que queriam interrogá-lo e disse-lhes: «Indagais entre vós acerca do que disse: "Mais um pouco e já não me vereis; um pouco mais e ver-me-eis"? <span style="color:red"><sup>20</sup></span>Amen, amen vos digo: haveis de chorar e lamentar-vos, mas o mundo alegrar-se-á; vós ficareis tristes, mas a vossa tristeza tornar-se-á alegria<ref name="ftn211">Cf. 20,20: ''os discípulos alegraram-se ao ver o Senhor''.</ref>. <span style="color:red"><sup>21</sup></span>A mulher, quando está para dar à luz, sente tristeza, porque chegou a sua hora. Mas, quando nasce a criança, já não se lembra da tribulação, pela alegria de ter nascido um homem para o mundo. <span style="color:red"><sup>22</sup></span>Assim também vós agora sentis tristeza, mas Eu hei de ver-vos de novo, e o vosso coração alegrar-se-á, e ninguém vos poderá tirar a vossa alegria. <span style="color:red"><sup>23</sup></span>Naquele dia nada me perguntareis.
 
 
Amen, amen vos digo: o que pedirdes ao Pai no meu nome, Ele vos dará. <span style="color:red"><sup>24</sup></span>Até agora, nada pedistes no meu nome; pedi e recebereis, para que a vossa alegria seja completa.
 
 
<span style="color:red"><sup>25</sup></span>Disse-vos estas coisas em linguagem figurada; está a chegar a hora em que já não vos falarei em linguagem figurada, mas com clareza vos falarei acerca do Pai<ref name="ftn212">Lit.: ''anunciarei acerca do Pai''. Isto é, pela doação da própria vida, que expressa o amor de Deus e de Jesus (3,16; 10,11ss; 13,1; 15,13).</ref>. <span style="color:red"><sup>26</sup></span>Naquele dia, pedireis no meu nome; não vos digo que Eu rogarei por vós ao Pai, <span style="color:red"><sup>27</sup></span>pois o próprio Pai é vosso amigo, porque vós sois meus amigos e acreditastes que Eu saí de junto de Deus. <span style="color:red"><sup>28</sup></span>Saí de junto do Pai e vim ao mundo; agora deixo o mundo e vou para o Pai».
 
 
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Anúncio da dispersão dos discípulos </span><span style="color:red"><sup>29</sup></span>Disseram os seus discípulos: «Eis que agora falas com clareza e nada dizes em linguagem figurada. <span style="color:red"><sup>30</sup></span>Agora compreendemos que sabes tudo e que não tens necessidade de que alguém te interrogue. Por isso acreditamos que saíste de Deus».
 
 
<span style="color:red"><sup>31</sup></span>Respondeu-lhes Jesus: «Agora acreditais? <span style="color:red"><sup>32</sup></span>Eis que está a chegar a hora – e já chegou – em que sereis dispersos, cada um para o que é seu<ref name="ftn213">A mesma expressão em 1,11 e 19,27.</ref>, e me deixareis só. Mas não estou só, porque o Pai está comigo».
 
 
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Conclusão do discurso </span><span style="color:red"><sup>33</sup></span>«Disse-vos estas coisas para que em mim tenhais paz. No mundo tereis tribulações. Mas tende coragem: Eu venci o mundo!».
 
 
 
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17 <nowiki>Oração conclusiva de Jesus pelos discípulos </span> </nowiki><ref name="ftn214">Jesus transforma em oração tudo o que antes afirmou, pedindo ao Pai pelos atuais e futuros discípulos.</ref> <span style="color:red"><sup>1</sup></span>Tendo Jesus dito estas coisas, levantando os olhos<ref name="ftn215">Lit.: ''os seus olhos''.</ref> para o céu, disse: «Pai, chegou a hora! Glorifica o teu Filho, para que o Filho te glorifique, <span style="color:red"><sup>2</sup></span>visto que lhe deste poder sobre toda a carne<ref name="ftn216">Semitismo com o sentido de ''cada ser humano''.</ref>, para que dê vida eterna a todos os que lhe deste<ref name="ftn217">Lit.: ''para que tudo o que lhe deste lhes dê vida eterna. ''Cf. 10,10.</ref>. <span style="color:red"><sup>3</sup></span>E a vida eterna é esta: que te conheçam, o único Deus verdadeiro, e aquele que enviaste, Jesus Cristo. <span style="color:red"><sup>4</sup></span>Eu glorifiquei-te sobre a terra, consumando a obra que me deste para realizar<ref name="ftn218">Cf. 19,28.30.</ref>. <span style="color:red"><sup>5</sup></span>Agora glorifica-me Tu, Pai, junto de ti mesmo, com a glória que tinha junto de ti, antes de o mundo existir<ref name="ftn219">Reafirmação da pré-existência de Jesus (cf. 1,1ss).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Manifestei o teu nome<ref name="ftn220">Sobre ''nome'' (também nos vv. 11.12.26), cf. 1,12 nota.</ref> aos homens que, do mundo, me deste. Eram teus e Tu mos deste e eles guardaram a tua palavra. <span style="color:red"><sup>7</sup></span>Agora sabem que tudo quanto me deste vem de ti<ref name="ftn221">Lit.: ''está junto de ti''.</ref>, <span style="color:red"><sup>8</sup></span>porque as palavras que me deste, a eles as dei. E eles receberam-nas, souberam verdadeiramente que saí de ti e acreditaram que Tu me enviaste.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Eu peço por eles; não peço pelo mundo<ref name="ftn222">''Mundo'' no sentido negativo, como âmbito onde reina o ''Príncipe deste mundo'' (cf. 15,18; 1,7 nota); os discípulos já estão sob o senhorio de um outro rei: Jesus.</ref>, mas por aqueles que me deste, porque são teus. <span style="color:red"><sup>10</sup></span>Tudo o que é meu é teu, e o que é teu é meu; e neles sou glorificado. <span style="color:red"><sup>11</sup></span>Já não estou no mundo, mas eles estão no mundo, e Eu vou para ti. Pai santo, guarda-os no teu nome – aquele que me deste<ref name="ftn223">Alguns mss. apresentam ''aqueles que me deste'' (cf. v. 12).</ref> – para que sejam um só<ref name="ftn224">''Um só'' traduz, aqui e nos vv. 21.22.23, o numeral grego no neutro: ''uma só coisa''.</ref>, tal como Nós. <span style="color:red"><sup>12</sup></span>Quando estava com eles, Eu guardava-os no teu nome – aquele que me deste –; protegi-os e nenhum deles se perdeu – a não ser o filho da perdição – para que se cumprisse a Escritura<ref name="ftn225">Não é a traição de Judas que cumpre a Escritura, mas o facto de nenhum se perder. ''Filho da perdição'' é um semitismo, para dizer que Judas se excluiu da salvação, entregando-se ao Mal.</ref>. <span style="color:red"><sup>13</sup></span>Mas agora vou para ti e digo estas coisas no mundo, para que tenham em si mesmos a plenitude da minha alegria<ref name="ftn226">Lit.: ''a minha alegria plenificada''.</ref>. <span style="color:red"><sup>14</sup></span>Eu dei-lhes a tua palavra e o mundo odiou-os, porque não são do mundo, tal como Eu não sou do mundo. <span style="color:red"><sup>15</sup></span>Não peço que os tires do mundo, mas que os guardes do Maligno<ref name="ftn227">Cf. Mt 6,13.</ref>. <span style="color:red"><sup>16</sup></span>Não são do mundo, tal como Eu não sou do mundo. <span style="color:red"><sup>17</sup></span>Consagra-os na verdade<ref name="ftn228">Ou ''santifica-os na verdade''<nowiki>; o significado do verbo </nowiki>''hagiáz''ō é ''retirar'', no sentido de ''pôr de parte'' para uma dedicação exclusiva a Deus. A preposição grega ''en'' tem provavelmente sentido instrumental: ''consagra-os/santifica-os com a verdade''.</ref><nowiki>; a tua palavra é verdade. </nowiki><span style="color:red"><sup>18</sup></span>Tal como me enviaste ao mundo, também Eu os enviei ao mundo; <span style="color:red"><sup>19</sup></span>por eles, Eu me consagro a mim mesmo, para que também eles sejam consagrados na verdade.
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Não peço apenas por estes, mas também por aqueles que acreditam em mim, por meio da sua palavra: <span style="color:red"><sup>21</sup></span>para que todos sejam um só<ref name="ftn229">Cf. v. 21 nota.</ref><nowiki>; tal como Tu, Pai, estás em mim e Eu em ti, que também eles estejam em Nós, para que o mundo acredite que Tu me enviaste. </nowiki><span style="color:red"><sup>22</sup></span>Eu dei-lhes a glória que Tu me deste, para que sejam um só, tal como Nós somos um só. <span style="color:red"><sup>23</sup></span>Eu estou neles e Tu em mim, para que sejam consumados num só, para que o mundo saiba que Tu me enviaste e os amaste, tal como me amaste a mim.
 
 
<span style="color:red"><sup>24</sup></span>Pai, aqueles que me deste, quero que, onde Eu estou, também eles comigo estejam, para que contemplem a minha glória, a que Tu me deste porque me amaste antes da fundação do mundo.
 
 
<span style="color:red"><sup>25</sup></span>Pai justo, o mundo não te conheceu, mas Eu conheci-te e estes reconheceram<ref name="ftn230">Lit.: ''conheceram''.</ref> que Tu me enviaste. <span style="color:red"><sup>26</sup></span>Dei-lhes a conhecer o teu nome e dá-lo-ei a conhecer, para que o amor com que me amaste esteja neles, e também Eu neles esteja.
 
 
 
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<center>Paixão, morte e ressurreição (18,1-20,18)</center>
 
 
 
18 Prisão de Jesus (Mt 26,30.36.47-56; Mc 14,26.32.43-52; Lc 22,39.47-53) </span><span style="color:red"><sup>1</sup></span>Tendo dito isto, Jesus saiu com os seus discípulos para o outro lado da torrente do Cédron, onde havia um jardim, no qual entraram Ele e os seus discípulos. <span style="color:red"><sup>2</sup></span>Também Judas, o que o ia entregar, conhecia o lugar, porque muitas vezes ali se reunira Jesus com os seus discípulos. <span style="color:red"><sup>3</sup></span>Então Judas, levando a coorte e os guardas dos chefes dos sacerdotes e dos fariseus, chegou ali com archotes, lanternas e armas. <span style="color:red"><sup>4</sup></span>Ora, Jesus, sabendo tudo o que estava para lhe acontecer<ref name="ftn231">Lit.: ''tudo o que estava a vir sobre Ele''.</ref>, saiu e disse-lhes: «Quem procurais?». <span style="color:red"><sup>5</sup></span>Responderam-lhe: «Jesus, o Nazareno». Disse-lhes: «Eu Sou»<ref name="ftn232">Evocação do nome divino revelado no Sinai; daí a reação no v. 6 (cf. 8,24.28.54; 13,19; e provavelmente 4,26).</ref>. Com eles estava também Judas, o que o ia entregar. <span style="color:red"><sup>6</sup></span>Assim que Jesus lhes disse: «Eu Sou», recuaram e caíram por terra. <span style="color:red"><sup>7</sup></span>Então de novo lhes perguntou: «Quem procurais?». Eles disseram: «Jesus, o Nazareno». <span style="color:red"><sup>8</sup></span>Respondeu Jesus: «Já vos disse: Eu Sou. Se é, pois, a mim que procurais, deixai estes ir embora»; <span style="color:red"><sup>9</sup></span>isto<ref name="ftn233">''Isto'' é acrescento da tradução.</ref> para que se cumprisse a palavra que dissera: «Os que me deste, não perdi nenhum deles»<ref name="ftn234">Tratando-se de palavras de Jesus (em 17,12), ao usar a fórmula ''para que se cumprisse'', com que normalmente introduz as palavras da Escritura, o evangelista dá-lhes o mesmo peso que às desta.</ref>. <span style="color:red"><sup>10</sup></span>Então, Simão Pedro, que tinha uma espada, desembainhou-a, feriu o servo do sumo-sacerdote e cortou-lhe a orelha direita. O nome do servo era Malco. <span style="color:red"><sup>11</sup></span>Jesus disse a Pedro: «Mete a espada na bainha! O cálice que o Pai me deu, não o hei de beber?»<ref name="ftn235">Cf. Mt 26,39.</ref>. <span style="color:red"><sup>12</sup></span>Então a coorte, o comandante e os guardas dos judeus apoderaram-se de Jesus e manietaram-no.
 
 
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Jesus perante Anás e Caifás. As negações de Pedro (Mt 26,58.69-75; Mc 14,54.66-72; Lc 22,54-62) </span><span style="color:red"><sup>13</sup></span>Levaram-no primeiro a Anás, pois era sogro de Caifás, que era o sumo-sacerdote naquele ano. <span style="color:red"><sup>14</sup></span>Caifás era quem tinha aconselhado aos judeus: «É melhor morrer um só homem pelo povo»<ref name="ftn236">11,50.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Ora, Simão Pedro e outro discípulo<ref name="ftn237">Certamente o Discípulo Amado, que, na última ceia, na paixão e na ressurreição de Jesus, é referido sempre juntamente com Pedro (13,23s; 20,1-10; 21,7.20-23; cf. 13,23 nota), exceto junto à cruz (19,25-27.35).</ref> seguiam Jesus. Esse discípulo era conhecido do sumo-sacerdote e entrou com Jesus no pátio do sumo-sacerdote. <span style="color:red"><sup>16</sup></span>Pedro, porém, ficou parado junto à porta, do lado de fora. O outro discípulo – o que era conhecido do sumo-sacerdote – saiu, falou com a porteira e fez Pedro entrar<ref name="ftn238">O verbo ''ficou parado'' (''heistḗkei'') sublinha que Pedro deixou de seguir Jesus. Ao ficar do ''lado de fora'', enquanto Jesus está ''dentro'', separa-se dele num crescendo que se consumará na tríplice negação. O ''outro discípulo'', o Discípulo Amado, esforça-se para que isso não aconteça (nem a Pedro, nem ao leitor: a finalidade do seu livro é que o discipulado seja consistente e fiel).</ref>. <span style="color:red"><sup>17</sup></span>Então a porteira, uma jovem serva, disse a Pedro: «Não és, também tu, um dos discípulos desse homem?». Disse ele: «Não sou». <span style="color:red"><sup>18</sup></span>Estavam ali<ref name="ftn239">''Ali'' é acrescento da tradução.</ref> parados a aquecer-se os servos e os guardas, que tinham feito uma fogueira, porque estava frio. Também Pedro estava com eles, parado, a aquecer-se.
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Entretanto, o sumo-sacerdote interrogou Jesus acerca dos seus discípulos e acerca do seu ensinamento. <span style="color:red"><sup>20</sup></span>Respondeu-lhe Jesus: «Eu falei abertamente ao mundo; Eu sempre ensinei na sinagoga e no templo, onde todos os judeus se reúnem, e nada disse em segredo. <span style="color:red"><sup>21</sup></span>Porque me interrogas? Interroga os que ouviram o que lhes disse; eis que esses sabem o que Eu disse». <span style="color:red"><sup>22</sup></span>Quando Ele disse isto, um dos guardas que estava perto deu uma bofetada a Jesus, dizendo: «É assim que respondes ao sumo-sacerdote?». <span style="color:red"><sup>23</sup></span>Respondeu-lhe Jesus: «Se falei mal, dá testemunho acerca do que está mal; mas, se falei bem, porque me bates?». <span style="color:red"><sup>24</sup></span>Então Anás enviou-o manietado a Caifás, o sumo-sacerdote<ref name="ftn240">O relato do processo judaico da paixão é reduzido porque este já aconteceu em toda a primeira parte do evangelho, desde o interrogatório a João Batista (1,19) até à decisão de matar Jesus (11,49-53).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>25</sup></span>Entretanto, Simão Pedro continuava parado, a aquecer-se. Disseram-lhe então: «Não és, também tu, um dos seus discípulos?». Ele negou e disse: «Não sou». <span style="color:red"><sup>26</sup></span>Disse um dos servos do sumo-sacerdote, familiar daquele a quem Pedro cortara a orelha: «Não te vi eu no jardim com Ele?». <span style="color:red"><sup>27</sup></span>Pedro negou de novo, e imediatamente um galo cantou<ref name="ftn241">À tríplice negação (predita por Jesus: 13,38) corresponderá a tríplice reabilitação no amor (21,15ss).</ref>.
 
 
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Jesus perante Pilatos (Mt 27,1-2.11-26; Mc 15,1-15; Lc 23,1-7.13-25)<ref name="ftn242">São sete cenas (18,28-32.33-38a.38b-40; 19,1-3.4-7.8-12.13-16a) ordenadas de modo concêntrico, que alternam entre o interior do pretório (Pilatos e Jesus) e o exterior (Pilatos e o povo, instigado pelas autoridades judaicas).</ref> </span> <span style="color:red"><sup>28</sup></span>Levaram, então, Jesus, de Caifás para o pretório<ref name="ftn243">O pretório era a residência oficial do pretor ou alto magistrado romano nas províncias.</ref>. Era de manhã cedo. Eles não entraram no pretório para não se contaminarem e poderem comer a Páscoa<ref name="ftn244">Ao entrar em casa de pagãos, um judeu ficava impuro, porque se considerava que aqueles enterravam aí as crianças abortadas (cf. ''mOhalot'' 18,7). Impuro, não podia ''comer a Páscoa'', isto é, o cordeiro pascal.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>29</sup></span>Então Pilatos saiu para fora ao encontro deles e disse: «Que acusação trazeis contra este homem?». <span style="color:red"><sup>30</sup></span>Responderam e disseram-lhe: «Se este não fosse um malfeitor, não te o teríamos entregado». <span style="color:red"><sup>31</sup></span>Disse-lhes Pilatos: «Tomai-o vós e julgai-o de acordo com a vossa Lei». Disseram-lhe os judeus: «Não nos é permitido matar ninguém» – <span style="color:red"><sup>32</sup></span>isto<ref name="ftn245">''Isto'' é acrescento da tradução.</ref> para que se cumprisse a palavra que Jesus dissera, assinalando com que género de morte estava prestes a morrer<ref name="ftn246">Os romanos tinham retirado aos judeus o poder de condenar à morte; de acordo com a lei judaica, Jesus teria sido apedrejado (cf. 8,59; 10,31); segundo o costume romano, foi crucificado. Assim se cumpre o que Jesus anunciara sobre a sua morte (3,14; 8,28; 12,32-34; 13,31s).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>33</sup></span>Então Pilatos entrou de novo no pretório, chamou Jesus e disse-lhe: «Tu és o rei dos judeus?». <span style="color:red"><sup>34</sup></span>Respondeu-lhe Jesus: «Tu dizes isso por ti mesmo, ou outros te o disseram acerca de mim?». <span style="color:red"><sup>35</sup></span>Respondeu Pilatos: «Porventura sou eu judeu? O teu povo e<ref name="ftn247">O ''kaí'' (''e'') poderá ter aqui sentido explicativo: ''o teu povo, isto é, os chefes dos sacerdotes''.</ref> os chefes dos sacerdotes é que te entregaram a mim. Que fizeste?». <span style="color:red"><sup>36</sup></span>Respondeu Jesus: «O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas teriam lutado para que não fosse entregue aos judeus. Mas o meu reino não é daqui». <span style="color:red"><sup>37</sup></span>Disse-lhe, então, Pilatos: «Portanto, Tu és rei?». Respondeu-lhe Jesus: «Tu dizes que sou rei. Eu para isto nasci e para isto vim ao mundo: para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz». <span style="color:red"><sup>38</sup></span>Disse-lhe Pilatos: «O que é a verdade?».
 
 
E tendo dito isto, saiu novamente ao encontro dos judeus e disse-lhes: «Eu não encontro nele culpa alguma. <span style="color:red"><sup>39</sup></span>Mas é vosso costume que eu vos liberte alguém na Páscoa. Quereis que vos liberte o rei dos judeus?». <span style="color:red"><sup>40</sup></span>Gritaram, então, novamente, dizendo: «Esse não, mas Barrabás!». Barrabás era um salteador.
 
 
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19 (Mt 27,26-31; Mc 15,15-20) </span><span style="color:red"><sup>1</sup></span>Pilatos tomou, então, Jesus e mandou chicoteá-lo<ref name="ftn248">Sentido causativo; lit.: ''Pilatos tomou Jesus e chicoteou''.</ref>. <span style="color:red"><sup>2</sup></span>Os soldados, entrelaçando uma coroa de espinhos, puseram-na na cabeça de Jesus e envolveram-no num manto de púrpura<ref name="ftn249">Símbolos da sua dignidade real.</ref><nowiki>; </nowiki><span style="color:red"><sup>3</sup></span>aproximavam-se dele e diziam: «Salve, ó rei dos judeus!», e davam-lhe bofetadas.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Pilatos saiu novamente para fora e disse-lhes: «Eis que vo-lo trago aqui fora, para que saibais que não encontro nele culpa alguma». <span style="color:red"><sup>5</sup></span>Jesus saiu, então, para fora, trazendo a coroa de espinhos e o manto de púrpura. E Pilatos disse-lhes: «Eis o homem!». <span style="color:red"><sup>6</sup></span>Quando o viram, os chefes dos sacerdotes e os guardas gritaram, dizendo: «Crucifica-o! Crucifica-o!». Disse-lhes Pilatos: «Tomai-o vós e crucificai-o, pois eu não encontro nele culpa». <span style="color:red"><sup>7</sup></span>Responderam-lhe os judeus: «Nós temos uma Lei e, segundo a Lei, deve morrer, porque se fez Filho de Deus»<ref name="ftn250">Para os judeus é esta a verdadeira razão por que Jesus deve ser condenado, mas, quando percebem que surtiu efeito contrário em Pilatos (vv. 8-12a), invocam a questão política (v. 12b).</ref>. <span style="color:red"><sup>8</sup></span>Quando Pilatos ouviu estas palavras, com mais medo ficou.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Entrou de novo no pretório e disse a Jesus: «De onde és Tu?». Mas Jesus não lhe deu resposta. <span style="color:red"><sup>10</sup></span>Disse-lhe, então, Pilatos: «Não me falas? Não sabes que tenho poder para te libertar e tenho poder para te crucificar?». <span style="color:red"><sup>11</sup></span>Respondeu-lhe Jesus: «Não terias poder algum contra mim, se não te tivesse sido dado do alto. Por isso, quem me entregou a ti tem maior pecado». <span style="color:red"><sup>12</sup></span>A partir desse momento, Pilatos procurava libertá-lo, mas os judeus gritaram, dizendo: «Se o libertares, não és amigo de César; todo aquele que se faz rei opõe-se a César».
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Então Pilatos, ao ouvir estas palavras, levou Jesus para fora e sentou-se<ref name="ftn251">Lit.: ''sentou'' (''ekáthisen''). Quem? Pilatos (uso intransitivo: ''sentou-se'') ou Jesus (uso transitivo: ''fez Jesus sentar-se'')? Formalmente Pilatos; o evangelista, porém, na sua típica ironia, provoca uma segunda leitura: quem verdadeiramente se senta para julgar é Jesus, a quem foi confiado o poder de o fazer (5,22).</ref> no tribunal, no lugar chamado Lajedo, em hebraico «Gabbatá». <span style="color:red"><sup>14</sup></span>Era o dia da Preparação da Páscoa, por volta da hora sexta<ref name="ftn252">Meio-dia, hora a que no templo começava a imolação dos cordeiros pascais. O evangelista interrompe a narrativa para dizer ao leitor que Jesus é o verdadeiro cordeiro da Páscoa e aquele ''que tira o pecado do mundo'', permitindo a comunhão de vida eterna com Deus (1,29.35; cf. 19,36).</ref>. E disse aos judeus: «Eis o vosso rei». <span style="color:red"><sup>15</sup></span>Mas eles gritaram: «Fora! Fora! Crucifica-o!». Disse-lhes Pilatos: «Crucificarei o vosso rei?». Responderam os chefes dos sacerdotes: «Não temos rei senão César»<ref name="ftn253">Afirmação que, para um judeu, é quase uma blasfémia: o único Senhor de Israel é Deus.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Então Pilatos entregou-lhes Jesus<ref name="ftn254">Lit.: ''entregou-lho''.</ref> para que fosse crucificado.
 
 
<span style="color:red"></nowiki>
 
 
Crucificação de Jesus (Mt 27,31.33.37s; Mc 15,20.22.25-27; Lc 23,33.38) </span>Apoderaram-se, pois, de Jesus, <span style="color:red"><sup>17</sup></span>e carregando Ele mesmo a cruz, saiu para o chamado «Lugar da Caveira», que em hebraico se diz «Gólgota», <span style="color:red"><sup>18</sup></span>onde o crucificaram, e, com Ele, outros dois, um de cada lado, e Jesus no meio<ref name="ftn255">A narrativa do caminho para o Calvário e da crucificação é reduzida ao mínimo; sublinha-se sobretudo o seu sentido teológico, com Jesus no centro, quase como que numa corte: é rei não só de Israel, mas do mundo inteiro, como se assinala nas três línguas do letreiro (vv. 19s).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Pilatos escreveu também um letreiro e colocou-o sobre a cruz; estava escrito: «Jesus, o nazareno, o rei dos judeus». <span style="color:red"><sup>20</sup></span>Muitos dos judeus leram este letreiro, porque o lugar onde Jesus foi crucificado era perto da cidade; e estava escrito em hebraico, latim e grego. <span style="color:red"><sup>21</sup></span>Diziam, então, a Pilatos os chefes dos sacerdotes dos judeus: «Não escrevas: "O rei dos judeus", mas que Ele disse: "Sou rei dos judeus"». <span style="color:red"><sup>22</sup></span>Respondeu Pilatos: «O que escrevi, escrevi»<ref name="ftn256">O uso do tempo perfeito em grego significa aqui uma ação cujos efeitos continuam no presente: o reinado de Jesus continua hoje e crescerá até à consumação, quando houver ''um só rebanho e um só pastor'' (10,16).</ref>.
 
 
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Divisão das vestes (Mt 27,35; Mc 15,24; Lc 23,34)<nowiki> </span></nowiki><span style="color:red"><sup>23</sup></span>Então os soldados, depois de crucificarem Jesus, tomaram as suas vestes e fizeram quatro partes – uma parte para cada soldado – e tomaram também a túnica. A túnica era sem costura, tecida num todo, de alto a baixo<ref name="ftn257">As ''vestes'' referem-se ao manto ''real'' (v. 2), e as ''quatro partes'' evocam os quatro pontos cardeais (cf. Mt 24,31; Mc 13,27; Ap 6,8; 7,1; 20,8), reforçando a universalidade da realeza de Jesus já expressa no letreiro, na qual todos são chamados a tomar ''parte''. A túnica, em contacto direto com a pele, é, na mentalidade bíblica, símbolo da pessoa; sendo ''sem costura'', isto é, sem divisão, é sinal da unidade da natureza de Jesus, divina e humana.</ref>. <span style="color:red"><sup>24</sup></span>Disseram, então, uns aos outros: «Não a rasguemos, mas tiremos à sorte quem ficará com ela»; isto<ref name="ftn258">''Isto'' é acrescento da tradução.</ref> para que se cumprisse a Escritura, que diz:
 
 
''Dividiram as minhas vestes''
 
 
''entre si ''
 
 
''e sobre a minha túnica lançaram sortes''<ref name="ftn259">Sl 22,19.</ref>''.''
 
 
Ora, foi o que fizeram os soldados.
 
 
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Jesus e a nova comunidade: a Mãe e o Discípulo Amado (Mt 27,55s; Mc 15,40s; Lc 23,49) </span><span style="color:red"><sup>25</sup></span>Junto à cruz de Jesus, estavam de pé a sua Mãe, a irmã da sua Mãe, Maria, mulher de Clopas, e Maria Madalena. <span style="color:red"><sup>26</sup></span>Então Jesus, ao ver a Mãe e, próximo, o discípulo que amava<ref name="ftn260">Sobre o Discípulo Amado, cf. 13,23 nota.</ref>, disse à Mãe: «Mulher, eis o teu filho». <span style="color:red"><sup>27</sup></span>Depois disse ao discípulo: «Eis a tua Mãe». E, a partir daquela hora<ref name="ftn261">Segundo alguns, tem sentido causativo: ''por causa daquela hora'', ou seja, na hora de Jesus nasce a sua nova família, a nova comunidade, representada na Mãe e no Discípulo Amado (cf. notas a 2,4 e 12,23).</ref>, o discípulo recebeu-a entre os seus.
 
 
<span style="color:red"></nowiki>
 
 
A morte de Jesus (Mt 27,48-50; Mc 15,36s; Lc 23,46) </span><span style="color:red"><sup>28</sup></span>Depois disto, sabendo Jesus que já tudo estava consumado, para que fosse consumada a Escritura<ref name="ftn262">Toda a Escritura e não apenas determinada passagem.</ref>, disse: «Tenho sede!»<ref name="ftn263">Cf. Sl 69,22; 63,2; 42,3.</ref>. <span style="color:red"><sup>29</sup></span>Estava ali um vaso cheio de vinagre; pondo, então, uma esponja cheia de vinagre num ramo de hissopo, levaram-lha à boca<ref name="ftn264">Cf. Sl 22,16; 69,22.</ref>. <span style="color:red"><sup>30</sup></span>Quando tomou o vinagre, Jesus disse: «Está consumado!». E, inclinando a cabeça, entregou o espírito<ref name="ftn265">Jesus entrega o seu espírito, o seu hálito de vida, ao Pai (cf. 3,8 nota). Mas o evangelista, com a expressão, sublinha que a morte de Jesus, tal como Ele prometera, é também o momento da dádiva do Espírito Santo (cf. 7,37-39; 16,7) à comunidade aqui representada na Mãe de Jesus e no Discípulo Amado (19,25-27.34), dom que se renova em todas as comunidades reunidas no primeiro dia da semana (20,22).</ref>.
 
 
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O corpo inquebrado e trespassado </span><span style="color:red"><sup>31</sup></span>Os judeus, visto que era a Preparação, para que os corpos não permanecessem na cruz durante o sábado – era um grande dia o daquele sábado –, pediram a Pilatos que lhes quebrassem as pernas e fossem retirados<ref name="ftn266">Quebrar as pernas (''crurifragium'') provocava a morte por asfixia. Se os corpos permanecessem na cruz no dia seguinte, toda a terra de Israel ficaria impura (cf. Dt 21,22s) e a celebração da Páscoa impossibilitada.</ref>. <span style="color:red"><sup>32</sup></span>Vieram, então, os soldados e quebraram as pernas do primeiro e do outro que tinha sido crucificado com ele. <span style="color:red"><sup>33</sup></span>Mas, ao chegar a Jesus, como o viram já morto, não lhe quebraram as pernas. <span style="color:red"><sup>34</sup></span>No entanto, um dos soldados trespassou-lhe o lado com uma lança; e saiu imediatamente sangue e água.
 
 
<span style="color:red"><sup>35</sup></span>Aquele que viu dá testemunho, e o seu testemunho é verdadeiro; e ele sabe que diz a verdade, para que também vós acrediteis<ref name="ftn267">''Vós acrediteis'': o uso do presente, em grego, significa que se trata de gente que já acredita, mas com dificuldade em aceitar a morte de alguém que era Messias e Filho de Deus, precisando, por isso, de fortalecer/corrigir a fé: Cristo morreu verdadeiramente, mas a sua não é uma morte estéril. O evangelista vê, no facto das pernas não quebradas e na saída de sangue e água, um significado cristológico, eclesiológico e soteriológico preparado ao longo da obra: é necessário receber um Cristo inteiro (uma cristologia sem fraturas), como forma de manter a unidade eclesiológica e, assim, receber os dons soteriológicos. O sangue significa a vida de Jesus, doada para que os homens tenham a vida divina (6,53ss), isto é, o Espírito Santo, anunciado como essa água que sairia do seio de Jesus aquando da sua glorificação (4,13-15; 7,35-39). Numa posterior camada de sentido, o sangue referir-se-á à eucaristia (6,55) e a água ao batismo (3,5), os sacramentos de que vive a Igreja.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>36</sup></span>De facto, estas coisas aconteceram para que se cumprisse a Escritura: ''Nenhum osso lhe será quebrado''<ref name="ftn268">Fusão de três passagens: Ex 12,10.46 e Nm 9,12 (sobre o cordeiro pascal a quem não se pode quebrar qualquer osso) e Sl 33,21 (sobre o Justo perseguido).</ref>. <span style="color:red"><sup>37</sup></span>E outra passagem da Escritura diz ainda: ''Olharão para aquele que trespassaram''<ref name="ftn269">Lit.: ''E outra Escritura diz''. Trata-se de Zc 12,10 (cf. 12,12 nota; Ap 1,7).</ref>.
 
 
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Sepultura de Jesus (Mt 27,57-61; Mc 15,42-47; Lc 23,50-56) </span><span style="color:red"><sup>38</sup></span>Depois disto, José de Arimateia, que era discípulo de Jesus – embora em segredo<ref name="ftn270">Lit.: ''sendo discípulo escondido de Jesus''.</ref>, por medo dos judeus –, pediu a Pilatos para retirar o corpo de Jesus. Pilatos permitiu-lho. Veio, então, e retirou o seu corpo. <span style="color:red"><sup>39</sup></span>Veio também Nicodemos, o que anteriormente tinha ido ter com Jesus<ref name="ftn271">Lit.: ''com Ele''.</ref> de noite, trazendo uma mistura de mirra e aloés, de quase cem libras<ref name="ftn272">30 quilos; a quantidade evoca um sepultamento real. Sobre Nicodemos, cf. 3,1-15; 7,50-52.</ref>. <span style="color:red"><sup>40</sup></span>Tomaram, então, o corpo de Jesus e envolveram-no em ligaduras de linho, juntamente com os aromas, tal como entre os judeus é costume sepultar. <span style="color:red"><sup>41</sup></span>Ora, no lugar onde tinha sido crucificado, havia um jardim, e no jardim um sepulcro novo, no qual ainda ninguém tinha sido posto. <span style="color:red"><sup>42</sup></span>Foi aí, por causa da Preparação dos judeus, porque o sepulcro ficava perto, que puseram Jesus<ref name="ftn273">A pressa era motivada pelo declinar do dia; a pureza ritual para celebrar a Páscoa não permitia o contacto com um cadáver.</ref>.
 
 
 
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20 O sepulcro vazio (Mt 28,1-8; Mc 16,1-8; Lc 24,1-12) </span><span style="color:red"><sup>1</sup></span>No primeiro dia da semana<ref name="ftn274">Domingo, o ''dia do Senhor'', como desde o princípio a comunidade cristã designa o dia da ressurreição (Ap 1,10).</ref>, Maria Madalena foi de manhã cedo ao sepulcro, estando ainda escuro, e viu que a pedra tinha sido retirada do sepulcro. <span style="color:red"><sup>2</sup></span>Foi a correr ter com Simão Pedro e com o outro discípulo, aquele de quem Jesus era amigo<ref name="ftn275">Cf. 13,23 nota. Tradução de ''philéō'' para o distinguir de ''agapáō ''(''amar'').</ref>, e disse-lhes: «Tiraram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde o puseram». <span style="color:red"><sup>3</sup></span>Pedro e o outro discípulo saíram, então, e foram ao sepulcro. <span style="color:red"><sup>4</sup></span>Corriam os dois juntos, mas o outro discípulo correu mais depressa do que Pedro e chegou primeiro ao sepulcro. <span style="color:red"><sup>5</sup></span>Debruçando-se, viu as ligaduras de linho depostas, mas não entrou<ref name="ftn276">Espera por Pedro, a quem reconhece primazia (21,15ss).</ref>. <span style="color:red"><sup>6</sup></span>Entretanto, chegou também Simão Pedro, que o seguia; entrou no sepulcro e viu as ligaduras de linho depostas <span style="color:red"><sup>7</sup></span>e o sudário, que estivera sobre a cabeça de Jesus, não deposto com as ligaduras de linho, mas enrolado, num lugar à parte. <span style="color:red"><sup>8</sup></span>Entrou também o outro discípulo, o que tinha chegado primeiro ao sepulcro; viu e acreditou. <span style="color:red"><sup>9</sup></span>De facto, ainda não tinham compreendido a Escritura: era necessário Ele ressuscitar dos mortos.<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Os discípulos foram, então, novamente para junto dos seus.
 
 
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Encontro do Ressuscitado com Maria Madalena (Mt 28,9s; Mc 16,9-11) </span><span style="color:red"><sup>11</sup></span>Maria, porém, estava de pé junto ao sepulcro, do lado de fora, a chorar. Então, enquanto chorava, debruçou-se para o sepulcro <span style="color:red"><sup>12</sup></span>e viu dois anjos em vestes brancas, sentados um à cabeceira e outro aos pés do lugar onde tinha sido deposto o corpo de Jesus. <span style="color:red"><sup>13</sup></span>Disseram-lhe eles: «Mulher, porque choras?». Disse-lhes: «Tiraram o meu Senhor, e não sei onde o puseram». <nowiki><span </nowiki><nowiki>style="color:red"><sup>14</sup></span>Tendo dito isto, voltou-se para trás e viu Jesus de pé, mas não sabia que era Jesus. <span style="color:red"><sup>15</sup></span>Disse-lhe Jesus: «Mulher, porque choras? A quem procuras?». Ela, pensando que era o jardineiro, disse-lhe: «Senhor, se foste Tu que o levaste, diz-me onde o puseste, e eu irei buscá-lo». <span style="color:red"><sup>16</sup></span>Disse-lhe Jesus: «Maria!». Ela, voltando-se, disse-lhe em hebraico: «Rabúni!» – que significa «Mestre»<ref name="ftn277">Maria não reconhece Jesus pelo aspeto corporal (é o mesmo corpo, embora diferente) e nem sequer pela voz, mas pelo modo como Jesus a chama (cf. 10,3s.14s).</ref>.<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Disse-lhe Jesus: «Não me toques, pois ainda não subi para o Pai! Mas vai aos meus irmãos e diz-lhes: "Subo para o meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus"». <span style="color:red"><sup>18</sup></span>Maria Madalena foi anunciar aos discípulos: «Vi o Senhor!», e as coisas que a ela tinha dito<ref name="ftn278">O testemunho sobre o Ressuscitado é antes de mais uma experiência pessoal (''vi'') e só depois um anúncio. O verbo ''anunciar'' que rege os dois momentos sublinha a sua indissociabilidade.</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"></nowiki>
 
 
<center>Jesus e os discípulos: </center>
 
 
<center>a comunidade dominical </center>
 
 
<center>(20,19-29)</center>
 
 
 
Encontro do Ressuscitado com a comunidade dominical (Mc 16,14-18; Lc 24,36-49) </span><span style="color:red"><sup>19</sup></span>Na tarde daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas as portas do lugar<ref name="ftn279">''Lugar'' é acrescento da tradução.</ref> onde estavam os discípulos, por medo dos judeus, veio Jesus e, de pé, no meio, disse-lhes: «A paz esteja convosco!»<ref name="ftn280">Lit.: ''Paz a vós'', que traduz a expressão hebraica ''Chālōm 'alēikem'' (cf. Jr 4,10; Sl 122,8).</ref>. <span style="color:red"><sup>20</sup></span>Tendo dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos alegraram-se ao verem o Senhor. <span style="color:red"><sup>21</sup></span>Disse-lhes Jesus de novo: «A paz esteja convosco! Tal como o Pai me enviou, também Eu vos envio». <span style="color:red"><sup>22</sup></span>Tendo dito isto, soprou e disse-lhes: «Recebei o Espírito Santo. <span style="color:red"><sup>23</sup></span>Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, serão retidos»<ref name="ftn281">É o mesmo Jesus (como denotam as chagas), mas a sua presença é diferente (entra estando as portas fechadas). Na comunidade dominical Ele ocupa o lugar central e, nela, continua a dirigir a palavra aos seus discípulos e a conceder-lhes a paz e o dom do Espírito Santo (cf. 19,30 nota), para serem mediadores do perdão, com que Ele, ''Cordeiro de Deus'', ''tira o pecado do mundo'' (1,29.36). Tudo isto se atualiza nas assembleias dominicais de todos os tempos e lugares.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>24</sup></span>Ora, Tomé, um dos Doze, o chamado Dídimo<ref name="ftn282">Cf. 11,16 nota.</ref>, não estava com eles quando veio Jesus. <span style="color:red"><sup>25</sup></span>Diziam-lhe, então, os outros discípulos: «Vimos o Senhor!». Mas ele disse-lhes: «Se não vir nas suas mãos o lugar dos pregos, não meter o meu dedo no lugar dos pregos e não meter a minha mão no seu lado, jamais acreditarei».
 
 
<span style="color:red"><sup>26</sup></span>Oito dias depois, estavam de novo os seus discípulos dentro e Tomé com eles. Estando fechadas as portas, veio Jesus e, de pé, no meio, disse: «A paz esteja convosco!». <span style="color:red"><sup>27</sup></span>Depois disse a Tomé: «Traz aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; traz a tua mão e mete-a no meu lado. E não te tornes<ref name="ftn283">O uso do presente, em grego, significa aqui que é necessário interromper algo que já estava a acontecer.</ref> incrédulo, mas crente». <span style="color:red"><sup>28</sup></span>Respondeu Tomé e disse-lhe: «Meu Senhor e meu Deus!»<ref name="ftn284">A mais explícita profissão de fé na natureza divina de Jesus. No entanto, Jesus não a valoriza, sublinhando que a fé não é acreditar no que se vê, mas acreditar sem ver. Este é o grande desafio feito ao leitor do evangelho: acreditar de acordo com o testemunho do Discípulo Amado (cf. 19,35; 20,31; 21,24s).</ref>. <span style="color:red"><sup>29</sup></span>Disse-lhe Jesus: «Porque me viste, acreditaste! Felizes os que não viram e acreditaram!».
 
 
<span style="color:red"></nowiki>
 
 
<center>PRIMEIRA CONCLUSÃO </center>
 
 
<center>DO EVANGELHO (20,30s<nowiki>) </span></center>
 
 
 
<span style="color:red"><sup>30</sup></span>Muitos outros sinais realizou Jesus diante dos seus discípulos, que não estão escritos neste livro. <span style="color:red"><sup>31</sup></span>Mas estes foram escritos para que acrediteis<ref name="ftn285">Cf. 19,35 nota.</ref> que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, acreditando, tenhais vida no seu nome<ref name="ftn286">A finalidade do livro é apresentar e exortar a uma reta cristologia: Jesus é ''Messias'' e ''Filho de Deus''<nowiki>; aceitá-la é condição para garantir a unidade da comunidade (</nowiki>''vós'') e a participação na vida divina. Sobre ''nome'', cf. 1,12 nota.</ref>.
 
 
<center><span style="color:red"></center>
 
 
 
<center>EPÍLOGO</center>
 
 
<center>A presença do Ressuscitado</center>
 
 
<center>na vida e missão da Igreja (21,1-23)</center>
 
 
 
21 Aparição de Jesus junto ao mar de Tiberíades </span><span style="color:red"><sup>1</sup></span>Depois disto, Jesus manifestou-se de novo aos discípulos, junto ao mar de Tiberíades. Manifestou-se assim: <span style="color:red"><sup>2</sup></span>estavam juntos Simão Pedro, Tomé, o chamado Dídimo<ref name="ftn287">Cf. 11,16 nota.</ref>, Natanael, de Caná da Galileia, os dois filhos de Zebedeu e outros dois dos seus discípulos<ref name="ftn288">Ao todo são sete, número que significa totalidade: representam toda a Igreja, de cuja missão pastoral, orientada por Pedro, se vai falar (cf. Mt 4,18-22par.).</ref>. <span style="color:red"><sup>3</sup></span>Disse-lhes Simão Pedro: «Vou pescar». Disseram-lhe: «Também nós vamos contigo». Saíram e subiram para o barco, mas naquela noite não apanharam nada<ref name="ftn289">Cf. Lc 5,4(ss).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Já ao surgir da manhã, Jesus estava de pé na margem, mas os discípulos não sabiam que era Jesus. <span style="color:red"><sup>5</sup></span>Disse-lhes, então, Jesus: «Rapazes<ref name="ftn290">Ou ''Filhinhos''. A pergunta, retórica, sublinha onde está o segredo de uma pesca (pastoral) bem sucedida: na obediência à palavra de Jesus.</ref>, tendes alguma coisa para comer?». Responderam-lhe: «Não». <span style="color:red"><sup>6</sup></span>Mas Ele disse-lhes: «Lançai a rede para a parte direita do barco e encontrareis». Lançaram então; e já nem a conseguiam puxar<ref name="ftn291">Lit.: ''já nem a conseguiam atrair'': é o mesmo verbo ''hélkō ''de 12,32, onde Jesus prometera que, na sua morte e ressurreição, atrairia todos a si; por isso, as redes são atraídas para a margem, onde Ele se encontra.</ref>, por causa da quantidade dos peixes.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Então o discípulo, aquele que Jesus amava, disse a Pedro: «É o Senhor!». Quando Simão Pedro ouviu: «É o Senhor!», cingiu as vestes, pois estava nu, e lançou-se ao mar. <span style="color:red"><sup>8</sup></span>Os outros discípulos foram no barco, arrastando a rede dos peixes, pois não estavam longe da terra, mas a cerca de duzentos cúbitos<ref name="ftn292">C. 100 metros.</ref>.
 
 
<span style="color:red"></nowiki>
 
 
O Ressuscitado alimenta os discípulos </span><span style="color:red"><sup>9</sup></span>Quando desceram para terra, viram um braseiro, com peixe colocado em cima, e pão. <span style="color:red"><sup>10</sup></span>Disse-lhes Jesus: «Trazei dos peixes que apanhastes agora». <span style="color:red"><sup>11</sup></span>Então Simão Pedro subiu ao barco<ref name="ftn293">''Ao barco'' é acrescento da tradução.</ref> e puxou a rede para terra, cheia de cento e cinquenta e três grandes peixes. E, apesar de serem tantos, a rede não se rompeu.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Disse-lhes Jesus: «Vinde comer»<ref name="ftn294">Ou ''vinde almoçar'', ou ainda ''vinde quebrar o jejum'': no tempo de Jesus havia normalmente duas refeições, a primeira, a que se refere o texto, e o jantar. Tendo em conta os verbos e o texto seguinte, com um claro sabor eucarístico, este ''quebrar o jejum'' é também simbólico.</ref>. Mas nenhum dos discípulos ousava perguntar-lhe: «Tu quem és?», sabendo que era o Senhor. <span style="color:red"><sup>13</sup></span>Jesus veio<ref name="ftn295">O verbo ''vir'' causa estranheza, visto que Jesus já estava presente; talvez seja uma forma de invocar a sua vinda dominical, pois em 20,26 (cf. 20,19) é usado o mesmo verbo, especificando a ''vinda'' como eucarística.</ref>, tomou o pão e deu-lho, e fez o mesmo com o peixe. <span style="color:red"><sup>14</sup></span>Esta era já a terceira vez que Jesus se manifestava aos discípulos, depois de ressuscitar dos mortos.
 
 
<span style="color:red"></nowiki>
 
 
Missão de Pedro e do Discípulo Amado </span><span style="color:red"><sup>15</sup></span>Depois de terem comido<ref name="ftn296">Cf. 21,12 nota.</ref>, disse Jesus a Simão Pedro: «Simão, filho de João, amas-me mais do que estes?». Disse-lhe: «Sim, Senhor, Tu sabes que sou teu amigo». Disse-lhe Ele: «Apascenta os meus cordeiros». <span style="color:red"><sup>16</sup></span>Disse-lhe de novo, pela segunda vez: «Simão, filho de João, amas-me?». Disse-lhe: «Sim, Senhor, Tu sabes que sou teu amigo». Disse-lhe Jesus: «Pastoreia as minhas ovelhas». <span style="color:red"><sup>17</sup></span>Disse-lhe pela terceira vez: «Simão, filho de João, és meu amigo?». Pedro entristeceu-se por Jesus lhe ter dito pela terceira vez<ref name="ftn297">Cf. 18,27 nota.</ref>: «És meu amigo?» e disse-lhe: «Senhor, Tu sabes tudo; Tu sabes que sou teu amigo!». Disse-lhe Jesus: «Apascenta as minhas ovelhas. <span style="color:red"><sup>18</sup></span>Amen, amen te digo: quando eras mais novo, a ti mesmo te vestias e andavas por onde querias; mas, quando envelheceres, estenderás as tuas mãos e outro te vestirá e levará para onde não queres». <span style="color:red"><sup>19</sup></span>Disse isto assinalando com que género de morte Pedro glorificaria Deus. E, tendo dito isto, disse-lhe: «Segue-me»<ref name="ftn298">Jesus entrega a Pedro a missão de apascentar, mas recorda-lhe o fundamental: ''segui-lo'', ser discípulo.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Ao voltar-se, Pedro viu que o discípulo que Jesus amava o seguia<ref name="ftn299">O pronome ''o''<nowiki> [</nowiki>''seguia''] é acrescento da tradução, que mantém a ambiguidade do grego sobre a quem é que o Discípulo Amado seguia: Jesus ou Pedro? Mais uma vez, parece intencional: o Discípulo Amado, seguindo Pedro, incumbido do ministério pastoral, está a seguir Jesus.</ref>, aquele que na ceia se reclinara sobre o seu peito e dissera: «Senhor, quem é o que te vai entregar?». <span style="color:red"><sup>21</sup></span>Então Pedro, ao vê-lo, disse a Jesus: «Senhor, e que será dele?». <span style="color:red"><sup>22</sup></span>Disse-lhe Jesus: «Se Eu quiser que ele permaneça até que Eu venha, que te importa? Tu segue-me!». <span style="color:red"><sup>23</sup></span>Difundiu-se, então, entre os irmãos este dito: que aquele discípulo não morreria. Ora, Jesus não lhe disse que ele não morreria, mas sim: «Se Eu quiser que ele permaneça até que Eu venha<ref name="ftn300">De facto, ele ''permanece'', no testemunho transmitido, agora conservado em livro.</ref>, que te importa?».
 
 
 
<span style="color:red"></nowiki>
 
 
<center>SEGUNDA CONCLUSÃO </center>
 
 
<center>DO EVANGELHO </center>
 
 
<center><nowiki>(21,24s) </span></center>
 
  
  
<span style="color:red"><sup>24</sup></span>Este é o discípulo que dá testemunho destas coisas e que as escreveu<ref name="ftn301">''Escreveu'' no mesmo sentido causativo de 19,22: Pilatos não ''escreveu'', mas ''fez escrever''<nowiki>; o Discípulo Amado </nowiki>''fez escrever'', no sentido de estar na origem da tradição presente neste evangelho (cf. 13,23 nota).</ref>, e sabemos que o seu testemunho é verdadeiro. <span style="color:red"><sup>25</sup></span>Há, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus fez, que se fossem escritas uma por uma, considero que nem o próprio mundo poderia conter os livros que se escreveriam.
 
  
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== Capítulos ==
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[[Jo_1|Jo 1]] [[Jo_2|Jo 2]] [[Jo_3|Jo 3]] [[Jo_4|Jo 4]] [[Jo_5|Jo 5]] [[Jo_6|Jo 6]] [[Jo_7|Jo 7]] [[Jo_8|Jo 8]] [[Jo_9|Jo 9]] [[Jo_10|Jo 10]] [[Jo_11|Jo 11]] [[Jo_12|Jo 12]] [[Jo_13|Jo 13]] [[Jo_14|Jo 14]] [[Jo_15|Jo 15]] [[Jo_16|Jo 16]] [[Jo_17|Jo 17]] [[Jo_18|Jo 18]] [[Jo_19|Jo 19]] [[Jo_20|Jo 20]] [[Jo_21|Jo 21]]

Latest revision as of 09:32, 27 December 2019

INTRODUÇÃO


Destinatários e finalidade


Os livros do NT foram escritos de acordo com as necessidades concretas da comunidade a que se destinavam. A finalidade do Quarto Evangelho é expressa na sua primeira conclusão: Muitos outros sinais realizou Jesus diante dos seus discípulos, que não foram escritos neste livro. Mas estes foram escritos para que acrediteis que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, acreditando, tenhais vida no seu nome (Jo 20,30s). Dirige-se, portanto, a cristãos com uma cristologia deficitária, cujos efeitos têm consequências na unidade da comunidade. Daí a exortação a permanecer em Jesus (ou seja, na cristologia tal como foi testemunhada e transmitida pelo Discípulo Amado: 8,31.39; 14,21.23s; 15,4-10) e no amor mútuo (13,34s; 15,12.17). Assim, o autor pretende não apenas relembrar a vida e o ministério de Jesus, já conhecidos, mas também iluminar a situação vital da comunidade, convidando-a a fortalecer a fé em Jesus, tal como a recebeu.

Trata-se de uma comunidade complexa, com problemas internos e externos. A nível externo: a expulsão de membros seus das sinagogas judaicas, resultante de conflitos locais com o judaísmo farisaico, dominante depois da destruição de Jerusalém no ano 70 (situação a que parece fazer referência a expressão expulso da sinagoga de 9,22; 12,42; 16,2). A nível interno: a constituição da comunidade por cristãos provenientes do mundo cultural tanto judaico como helenista (7,35; 12,20s), duas culturas com efeitos na compreensão da pessoa e mensagem de Jesus. Entre os de origem judaica, havia quem tivesse dificuldade em aceitar a pré-existência de Jesus e o discurso eucarístico (6,60-71; 8,31-59), e outros que, por medo, não testemunhavam a fé (os chamados cripto-cristãos: 12,42). Entre os de cultura grega, a influência de filosofias helenistas levava a que se acentuasse de tal forma a divindade de Jesus, que a sua natureza humana ficava diluída. A uns e outros o evangelista recorda que é necessário receber um Jesus inteiro (cf. 19,23.33.36), na sua condição humana e divina, como Messias e Filho de Deus (20,30s); só assim se poderá manter a unidade da comunidade, condição para se poder receber os dons salvíficos (o Espírito Santo, a vida divina, que, no Quarto Evangelho, corresponde à salvação).

O Quarto Evangelho regista uma alta cristologia, que apresenta Jesus não apenas como o Cristo no qual se cumprem as Escrituras, mas também e sobretudo como o Filho de Deus, que redimensiona todas as expectativas veterotestamentárias, assim como o tempo e os espaços sacros de Israel, o que é percetível na própria estrutura do livro que apresentamos. Neste âmbito, este evangelho oferece-nos, ainda, o princípio de uma reflexão sobre o Espírito Santo e do seu papel na vida da Igreja.


Autor


Segundo 21,24, o autor é o Discípulo Amado (cf. 21,20), ou seja, aquele que está na origem da tradição presente na obra (não necessariamente o escritor). De modo explícito, fala-se dele pela primeira vez em 13,23, como o discípulo que reclinou a cabeça sobre o peito/seio de Jesus (cf. 21,20). A afirmação utiliza a mesma expressão de 1,18, mas aqui referida à relação única de Jesus com o Pai, criando um paralelismo óbvio: tal como Jesus revela o Pai, assim o Discípulo Amado revela Jesus, garantindo a verdade da mensagem teológica do seu evangelho. Esta garantia está fundamentada não só no seu testemunho ocular, como também na sua fidelidade. De facto, é o discípulo que se mantém fiel até ao fim, estando presente na cruz com a Mãe de Jesus e, com ela, constituindo a nova comunidade (19,25-27); é o primeiro a acreditar na ressurreição de Jesus (20,8), independentemente do testemunho da Escritura (20,9); é quem reconhece o Ressuscitado nas margens do lago de Tiberíades (21,7); provavelmente é a ele a referência em 18,15s e 19,35, bem como em 1,40, onde, dos dois discípulos de João Batista, só André é identificado, o que conduz o leitor à intuição de que o outro seja o Discípulo Amado.

Em suma, o Discípulo Amado terá sido alguém com as seguintes características: aparece sempre ligado a Pedro; acompanhou Jesus desde o início da vida pública, o que constitui, para a comunidade primitiva, um critério importantíssimo no testemunho acerca de Jesus (At 1,21s; 1Jo 1,1ss); foi sempre fiel, mesmo na paixão, assistindo a tudo o que se passou e garantindo, assim, a verdade do que transmite; é o revelador do verdadeiro mistério de Jesus, tal como este o é do Pai; é modelo de discípulo para todos os membros da comunidade; o seu testemunho, guardado no evangelho, garante a fidelidade à verdade integral sobre Jesus.

Segundo uma antiga tradição, que remonta a S. Ireneu, este discípulo, que está na origem da tradição do Quarto Evangelho, seria João, filho de Zebedeu. E, por isso, o livro cedo passou a ser conhecido pelo seu nome: Evangelho segundo S. João.


Estrutura literária e conteúdo


Há várias notas no evangelho que permitem perceber duas grandes partes (1,19-12,50 e 13,1-20,29), precedidas de um prólogo hínico (1,1-18) e seguidas de uma primeira conclusão (20,30s) e de um epílogo (cap. 21,1-23) que inclui uma segunda conclusão (21,24s). A primeira parte abre com uma semana inaugural, que serve de prólogo narrativo, na medida em que apresenta a pessoa e a missão de Jesus (1,19-51; 2,1-12).

Na primeira conclusão faz-se referência à importância dos sinais e da sua relação com a fé em Jesus (20,30). Ora, a palavra sinal aparece dezassete vezes, todas na primeira parte (com exceção da conclusão), e a sua relação com a fé dos discípulos em Jesus é assinalada logo em 2,11.23. Daí que se atribua à primeira parte o título de Livro dos Sinais. Nela é também anunciada a hora de Jesus, a hora da sua glorificação (2,4; 7,30; 8,20), e, a terminar, afirma-se que finalmente essa hora chegou (12,23.27), expressão que se repete no início da segunda parte e em que se revela tratar-se da hora de passar deste mundo para o Pai (13,1). Por isso, podemos intitular esta segunda parte (13-20) como A hora da peregrinação gloriosa para o Pai.

Esta divisão em dois blocos percebe-se ainda pelos destinatários dos discursos de Jesus: até final do cap. 12 o Senhor dirige-se ao mundo, aos judeus e à multidão; nos caps. 13-16 e 20-21 fala aos seus discípulos (e no cap. 17 fala dos discípulos ao Pai).

A transição entre as duas partes é feita em 11,1-12,50: o Livro dos Sinais termina com um balanço da vida pública de Jesus (12,37-43[44-50]), mas, ao mesmo tempo, abre o pórtico da segunda parte, com a peregrinação de Jesus para a celebração da Páscoa derradeira (que se prolonga até 19,42), viagem antecipada pela morte de Lázaro (11,1), tal como a sua ressurreição antecipa e ilumina a morte e ressurreição de Jesus.

O andamento da obra está pontuado pelas quatro viagens de Jesus a Jerusalém por ocasião das festas judaicas: em 2,13, para a primeira Páscoa; em 5,1, para a festa não identificada (provavelmente o Pentecostes, embora a questão introduzida seja a da festa semanal: o sábado); em 7,2, para os Tabernáculos e para a Dedicação/Consagração do Templo (na última Jesus já se encontra em Jerusalém: 10,22); em 11,1ss, para a terceira Páscoa (viagem antecipada pela morte de Lázaro), festa novamente recordada em 11,55; 12,1 (onde começa uma cronologia: seis dias antes da Páscoa) e 13,1 (que inicia a segunda parte e cuja afirmação serve de enquadramento à viagem derradeira: a hora de passar deste mundo para o Pai). A segunda Páscoa (6,4) interrompe este esquema, visto que Jesus não se dirige a Jerusalém, mas profere o chamado discurso do pão da vida, anunciando que a sua carne e o seu sangue serão oferecidos como verdadeiras comida e bebida e, apresentando desta forma a chave hermenêutica em que a última Páscoa deve ser entendida. Esta ideia é reforçada pelo tema da realeza, que, rejeitada por Jesus depois da multiplicação dos pães (6,15), é solenemente afirmada na última Páscoa (18,37; 19,2-3.15.20-22).

Embora a Páscoa derradeira seja particularmente preparada e tudo pareça tender para ela, nada acontece nesse dia (Jesus está no sepulcro). A ênfase é colocada no primeiro dia da semana, que marca o ritmo narrativo de todo o cap. 20: a expressão enquadra a descoberta do sepulcro vazio, a aparição a Maria Madalena (20,1-10.11-18) e a aparição aos discípulos (20,19-23), que se repete oito dias depois, isto é, em cada domingo (20,24-29). Deste modo, o evangelista, depois de ter preparado o leitor para a festa da antiga Páscoa, acaba por lhe apresentar, com a sua típica ironia narrativa, uma festa completamente nova: a da presença do Ressuscitado na comunidade dos seus discípulos no primeiro dia da semana, que, por isso, cedo passará a chamar-se dia do Senhor (Ap 1,10). Com a ressurreição de Jesus, o tempo entra na dimensão escatológica da nova criação.

Em 21,1ss acontece uma terceira e última aparição de Jesus aos discípulos. Depois da conclusão em 20,30s, trata-se de uma espécie de epílogo, sobre a presença do Ressuscitado na vida e missão da sua Igreja, um epílogo provavelmente acrescentado numa segunda edição do evangelho, mas presente em todos os textos que chegaram até nós.


Assim, o evangelho segundo S. João pode estruturar-se da seguinte forma:

Prólogo hínico (1,1-18)

Livro dos Sinais (1,19-12,50)

I. Prólogo narrativo: a semana inaugural
Apresentação da pessoa e da missão de Jesus (1,19-2,12)
II. Peregrinação para a primeira Páscoa (2,13-4,54)
III. Peregrinação para uma festa
O sábado, a festa semanal (5,1-47)
IV. A «não peregrinação» para a segunda Páscoa: o Pão da Vida (6,1-71)
V. Peregrinação para a Festa das Tendas e Festa da Dedicação do Templo (7,1-10,42)
– Festa das Tendas (7,1-10,21)
– Festa da Dedicação do Templo (10,22-42)
VI. Peregrinação para a terceira e derradeira Páscoa (11,1-12,50)
Secção de transição: a antecipação pela morte de Lázaro (11,1-12,36)

Conclusão do Livro dos Sinais: a incredulidade dos judeus (12,37-43.44-50)


Livro da hora da peregrinação gloriosa para o Pai (13,1-20,29)

Jesus e os discípulos: a última ceia (13-14; 15-17)
Paixão, morte e ressurreição (18,1-20,18)
Jesus e os discípulos: a comunidade dominical (20,19-29)

Conclusão (20,30s)

Epílogo: a presença do Ressuscitado na vida e missão da Igreja (21,1-23)

Segunda conclusão (21,24s)



Capítulos

Jo 1 Jo 2 Jo 3 Jo 4 Jo 5 Jo 6 Jo 7 Jo 8 Jo 9 Jo 10 Jo 11 Jo 12 Jo 13 Jo 14 Jo 15 Jo 16 Jo 17 Jo 18 Jo 19 Jo 20 Jo 21