Salmos

From Biblia: Os Quatro Evangelhos e os Salmos
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Livro dos Salmos


INTRODUÇÃO

1. Nome e significado


O nome de Salmos, dado aos cento e cinquenta cânticos litúrgicos, deriva do grego Psalmoi e foi cunhado para a tradução grega dos LXX, no séc. III a. C.. Com efeito, no livro do Eclesiástico ou de Ben Sira (Sir 40,21; 47,9; 50,18), já é referido com esse nome. Antes disso, pode ter tido outros nomes em hebraico como Mizmorot, termo que significa "Cânticos". Realmente, a designação de cântico aparece em vários títulos de salmos (Sl 33,2; 71,22; 95,5; 147,7; 149,3) como termo técnico. O título de "Orações" poderia igualmente ter andado em uso. Com efeito, o designativo de Tefillot, "orações" (Sl 72,20), poderia servir como título adequado para toda a coleção.

Entretanto, Tehillim, que significa "louvores", foi o nome que acabou por se impor na Bíblia Hebraica. Este último título segue o modelo de título adotado na tradução dos LXX. Em fase mais tardia do judaísmo, a mesma ideia de louvor, expressa com o nome de Hodayot, de uma raiz hebraica sinónima, serviu em Qumrân para designar uma coleção de hinos que o grupo escreveu no intuito de formar um saltério complementar.

Com a sua aparente simplicidade, a história literária dos Salmos comporta domínios de muito difícil análise. O tipo de texto que representam não é sempre fácil de articular com épocas, contextos, acontecimentos ou personalidades históricas. Esta dificuldade de concretização é pertinente sobretudo no que toca às questões de origem, composição e data de cada um deles.

Sabemos que as religiões orientais anteriores à Bíblia conheciam o uso litúrgico de hinos de grande valor literário e religioso. Essas religiões reconheciam que a atitude de louvor era o aspeto mais significativo da linguagem religiosa. Por isso, a poesia litúrgica, associada pela tradição bíblica ao dinamismo criativo e organizador do rei David, deverá ter conhecido uma história igualmente dinâmica, na tradição religiosa de Canaã, antes dos hebreus. A vida cultual do templo de Jerusalém até ao tempo do exílio terá sido o espaço privilegiado para criação e utilização dos salmos. No entanto, os indícios que temos vão no sentido de que esta criatividade se manteve até próximo do Novo Testamento.

O templo representa o ambiente vivencial para estes textos; é ali que se realiza a sua dimensão comunitária. No entanto, a experiência religiosa e psicológica espelhada em muitos salmos exprime vivências de espiritualidade pessoal, sempre presente na vida do fiel. Este lado íntimo e pessoal da experiência religiosa dá valor e profundidade à dimensão comunitária. Na realidade interior destas vivências é que assenta a consciência de que os salmos constituem uma herança de profunda continuidade entre o judaísmo e o cristianismo. Para além de algumas divergências em matéria de interpretações messiânicas, os salmos representam um espaço de ecumenismo e comunhão devota tanto para judeus como para cristãos.


2. Organização, autor e data de composição


A numeração dos salmos foi conhecendo algumas diferenças, desde os tempos antigos. Nesta Bíblia aparece, em primeiro lugar, a numeração que se convenciona usar nas atuais edições críticas do texto hebraico; entre parêntesis, aparece, quando é o caso disso, a numeração específica da tradução grega dos LXX, que foi seguida pela tradução latina, chamada Vulgata, e que continua a ser utilizada nas edições destinadas à liturgia. As divergências de número ocorrem entre o Sl 9 e o Sl 147.

No livro dos Salmos, podemos encontrar indícios de outras maneiras de os organizar em coleções. Exemplos disso podem ser: o uso de doxologias finais, que sugerem cinco coleções (1-41; 42-72; 73-89; 90-106; 107-150); a escolha de um nome específico para se referir a Deus (Sl 1-41 com o nome de Yahweh, e 42-83, com o de Elohim); os cânticos de peregrinação como designação de um outro conjunto (Sl 120-134).

A referência ao nome de um autor ou colecionador poderia ser outro princípio de organização. São referidos os filhos de Asaf (Sl 50; 73-83), filhos de Coré (42; 44-48; 84-85; 87-88), David, com setenta e três salmos, segundo o texto hebraico, e mais catorze, segundo o grego. Ao rei Salomão são atribuídos dois salmos e apenas um a Moisés. Muitos dos salmos, porém, não têm qualquer indicação de autor. Informações conservadas no interior da coleção (cf. Sl 72,20) sugerem-nos que a coleção de salmos passou por vários tipos de arranjos e edições. Entretanto, foi-se ampliando com mais textos e foi-se enriquecendo com mais sentidos e ressonâncias. É difícil, contudo, avaliar o valor histórico e o significado exato destes dados colocados à cabeça dos salmos e bem assim as referências técnicas sobre modos de execução musical ou de acompanhamento instrumental.

A tradição, judaica e cristã, sempre associou o conjunto dos salmos à figura de David, tal como associou a Moisés o conjunto dos livros do Pentateuco. David, com efeito, foi o fundador da monarquia e o templo de Jerusalém aparece como seu templo oficial. Nisto assentava o sentimento de identidade nacional.

Desde as épocas remotas, no Oriente, a poesia, lírica, religiosa ou humanista, representa o fio de continuidade literária, por onde podemos acompanhar as vivências e a expressão de consciência dos humanos. Assim também os salmos representam as vivências humanas e a consciência religiosa, ao longo da Bíblia. Alguns salmos podem ter a sua origem em tempo anterior aos hebreus (Sl 29); outros, pelo contrário, podem ter sido compostos próximo da era cristã (Sl 44; 74; 85). Mais do que o enquadramento histórico, o que prevalece é definir o conteúdo de cada salmo.


3. Géneros literários


Nas literaturas orientais de que a Bíblia herdou modelos e temas, a poesia é o modelo de escrita preferido para tratar com mais profundidade, solenidade e beleza os assuntos de interesse humano mais intenso. Mitos, profecias, vivências históricas marcantes, cânticos, hinos e orações são expressões literárias onde se concentram as interrogações, as aspirações, as esperanças e os momentos de perplexidade e drama.

O facto de serem apresentados em forma poética pode justificar-se por várias razões. Por um lado, é o tempo e o esforço de elaboração percebido como um caminho pedagógico para garantir maior apuramento dos sentimentos e sentidos que ali se encontram em jogo. Por outro lado, a beleza poética proporciona uma dose maior de satisfação no formular das questões e na maneira como se vão intuindo e interiorizando perspetivas de resposta. A capacidade de persistência e de resiliência do discurso poético torna-o mais adequado para que nele se concentrem as mais representativas convicções de fé e de sentido da vida.

Do ponto de vista do recorte literário, o discurso poético do Oriente antigo define-se e carateriza-se sobretudo pela maneira como exprime a sua posição face à realidade, numa atitude de contemplação das suas vertentes e matizes. Por isso, o pensamento poético se exprime sob a forma de espelho, desdobrando as ideias em formas que se completam, se contrapõem ou se corrigem, de modo a criar espaço para uma síntese mais matizada. A isto chama-se o paralelismo que representa antes de mais uma atitude e uma forma de pensar. Esta é a marca poética mais clara que encontramos também nos salmos. Para além dela, pode assinalar-se o ritmo marcado das frases com um verso normalmente dividido em duas metades (hemistíquios) e sem uso sistemático de rima. No vocabulário e nas construções sintáticas, deparamo-nos com uma linguagem mais elaborada e também mais conservadora.

Os salmos são certamente os textos poéticos mais próximos dos estados de consciência individuais, das vivências comunitárias mais abrangentes e dos horizontes humanos mais universais. Esta riqueza de sentido fica mais valorizada ainda com o frequente uso litúrgico que os situa no imediato da experiência quotidiana e faz deles os conteúdos mais populares de literatura poética.

Sob este ponto de vista dos conteúdos e formas literárias, o estudo dos salmos levou à definição de modelos que podem derivar de práticas milenares. Na verdade, a Bíblia foi a última literatura a surgir entre as culturas do Antigo Oriente e foi viva e profunda a influência das anteriores. Os géneros literários utilizados dependiam principalmente de conteúdos e objetivos, contextos e modelos assumidos para cada salmo. Os elementos específicos de um género literário podem encontrar-se noutros géneros, dando lugar a formas mistas. Neste sentido, costumam considerar-se como principais géneros literários os seguintes:


a) Salmos de louvor:


Muitos salmos são realmente hinos. Em hebraico, o título deste livro acabou por se fixar como tehillim, que significa louvor e deriva da mesma raiz da expressão "aleluia", que agora usamos como exclamação. Estes hinos de louvor são sobretudo endereçados a Deus. Nisto, a Bíblia dá continuidade à literatura litúrgica das religiões vizinhas e anteriores, onde os hinos são a forma mais habitual de os humanos se dirigirem à divindade, sobretudo em contextos de maior solenidade. Este género literário implica a narração das grandezas ou benfeitorias e o agradecimento que daí decorre. Bons exemplos são os Sl 8; 19; 28; 33; 47; 65-66; 93; 96-100; 104-105; 111; 113; 117; 135; 146; 148-150. Este género literário dos hinos pode aparecer também dirigido ao rei, focando especialmente a cerimónia da entronização real, com toda a expetativa de intervenção divina para o bem-estar do povo e o ordenamento justo do mundo. Com o fim da monarquia, estes salmos foram acentuando as conotações messiânicas, que já antes tinham implícitas. Vejam-se os Sl 2; 18; 20-21; 45; 72; 89; 101; 110; 132; 144. Podemos ainda considerar como hinos os salmos que celebram Jerusalém, que com o templo apresenta uma especial ligação a Deus. São os Sl 46; 48; 76; 84; 87; 122.


b) Salmos de súplica:


O tema da súplica é marcante nesta lírica religiosa. O seu conceito pode mesmo absorver quase todo o sentido da oração e transformar-se num sinónimo da mesma. Em numerosos salmos, a súplica parece ser a motivação mais imediata e a maior preocupação. A diversidade de narrativas e de sentimentos envolvidos nestas orações pode parecer uma acumulação dispersa e algo banal. A amálgama aparente de peripécias do quotidiano e de relações humanas constitui uma síntese de experiências e de sofrimento, situadas no extremo limite da angústia. Neste sentido, os salmos oferecem um quadro rico de vivências interiores, de psicologia individual e coletiva e de relacionamento entre seres humanos. Tratando-se de uma época tão remota, é uma manifestação indispensável de estados de consciência. Na dificuldade de fazer uma lista completa e consensual, podem ver-se como salmos de súplica coletiva os Sl 12; 44; 58; 60; 74; 80; 83; 85; 90; 94; 108; 123; 127. Mesmo que seja difícil distinguir uma súplica coletiva de uma individual, podem ver-se como salmos de súplica individual os Sl 3; 5-7; 13; 17; 22; 26; 27,7-14; 28; 31; 35; 39; 42-43; 51; 54-57; 59; 61; 63; 64; 69-71; 88; 102; 109; 120; 130; 140-143. As situações que motivam a súplica podem ser amargas e desesperadas, mas estes salmos exprimem, em geral, um estado de espírito de confiança e terminam em ação de graças. É por tudo isso que eles se encontram no saltério.


c) Salmos históricos:


O contexto religioso e litúrgico faz com que os salmos sejam sempre uma celebração de fé. Quando tratam de acontecimentos passados, não é para ensinar história, mas para reviver memórias onde assentam as convicções fundamentais da fé de Israel, nomeadamente a convicção de que é relendo a sua história que descobrem o modo como Deus se preocupa com eles. Para além da consciência nuclear expressa no pequeno credo histórico (Dt 26,5-9), vários poemas-oração aparecem disseminados ao longo da Bíblia, onde esta consciência de manifestação de Deus na história do povo recebe lídima expressão. Na função de remeter para a história, podem destacar-se os Sl 78; 105; 106; e ainda Sl 111; 114; 135; 136.


d) Salmos litúrgicos:


Todos os salmos têm alguma intenção litúrgica; é no templo que a sua utilização se enquadra diretamente e foi para isso que foram recolhidos. Um certo número destes salmos, no entanto, procura meditar sobre as exigências a ter por parte de quem se dirige ao templo (Sl 15; 24; 91; 95; 134) e se associa aos seus rituais. Destacam-se aqui os cânticos de peregrinação (Sl 120-134).


e) Salmos proféticos:


Mais do que pelo anúncio de acontecimentos do futuro, alguns salmos têm cariz profético, por interpelarem os comportamentos individuais ou coletivos, como fazem os profetas. Exemplo disso são os Sl 14; 50; 52-53; 75; 78; 81; 95. Os salmos que se costumam designar como penitenciais (6; 32; 38; 51; 102; 103; 143) podem ter um significado análogo ao dos oráculos proféticos de conversão.


f) Salmos sapienciais:


A marca sapiencial dos salmos nota-se em técnicas e recursos de escrita, no interesse em analisar o comportamento humano, as opções éticas e suas consequências, e ainda na meditação sobre o que anda implicado nas orientações religiosas de vida e pensamento. Estes temas aparecem nos Sl 1; 14; 34; 36; 37; 39; 49; 53; 73; 74. O Sl 119 poderia ser considerado um tratado sapiencial, nos moldes de uma longa meditação sobre a lei de Deus. A técnica de iniciar cada verso como parte de um acróstico alfabético parece ter deliciado os criadores desta literatura sapiencial, como testemunham os salmos 9; 10; 25; 112; 119 e 145.


4. Conteúdo doutrinal


O templo de Jerusalém, mesmo antes da rigorosa centralização do culto, por obra do rei Josias, pouco antes do exílio, sempre promoveu a unidade simbólica e doutrinal entre todos os que se sentiam identificados com o conteúdo religioso dos salmos. A devoção e as práticas de culto são propícias para exprimir uma conceção de Deus de tipo monoteísta. Desta maneira, os salmos podem representar, na literatura bíblica, um núcleo pioneiro de sentimentos e de pensamento monoteístas, antes mesmo de aparecerem as formulações mais explícitas, por altura do exílio. A devoção, a emoção religiosa e as vivências cultuais dão profundidade e valorizam a representatividade humana dos símbolos e dos conceitos. A dimensão doutrinal e as convicções de fé que encontramos nos salmos serão, portanto, aquelas que mais naturalmente se podem coadunar com o contexto de oração individual e sobretudo comunitária. É a coerência natural entre orar e acreditar, a sintonia entre a lex orandi e a lex credendi. Nas orações dos salmos circulam e ressoam de modo especial muitos dos conteúdos religiosos que a literatura bíblica exprime, por outras formas e contextos. Com esta riqueza de conotações e temas sugeridos, os salmos constituem um verdadeiro microcosmos da Bíblia e da vida humana.


5. Leitura perene e interpretação


A caraterística de intemporalidade reconhecida na maioria dos salmos não significa que neles encontremos apenas fórmulas desenraizadas ou ideias abstratas e de grande rigidez. Na verdade, estes poemas estão enriquecidos com uma imensa variedade de matizes de grande subtileza pelo contexto em que foram criados. Por outro lado, a sua utilização devocional e litúrgica, continuada ao longo de milénios, fez com que os seus conceitos e ideias religiosas se tenham tornado representativas da experiência religiosa e da própria experiência humana. Por este longo horizonte de acumulação de significados, qualquer tradução procura espelhar o mais possível o sentido original do texto, mas não pode deixar de descurar as ressonâncias que o uso milenar acumulou, numa cadeia de infinita cumplicidade entre leitores e devotos de todos os tempos.


6. Sobre a tradução


Com os meios de que dispomos atualmente, podemos acompanhar o processo de tradução dos salmos desde que ele começou, i.e., desde há mais de dois mil anos. Este longo itinerário de traduções oferece-nos uma variedade imensa de interpretações. As mais antigas costumam ser vistas como complementares para ajudar a resolver problemas de vária ordem motivados pelo estado do texto hebraico. E as mais reconhecidas traduções bíblicas de hoje continuam a prestar atenção ao entendimento que nos oferecem as antigas traduções. Por outro lado, novos dados históricos e arqueológicos e as possibilidades que existem para uma melhor compreensão do texto hebraico antigo fazem com que esta tradução assente, na medida do possível, sobre a interpretação do texto hebraico, não descurando as luzes que nos oferecem as mais antigas traduções. Para casos complexos de texto ou de interpretação temos como padrão a Neovulgata.

A tradução procurará retratar o conteúdo do texto hebraico da forma mais fiel e literal possível. Em nota ficarão registadas algumas formas hebraicas de caráter mais idiomático; serão também apresentadas propostas alternativas de tradução, quando o texto original as parece justificar com evidência.


A Subcomissão do Antigo Testamento

José Augusto Martins Ramos (moderador)

Luísa Maria Varela Almendra

Armindo dos Santos Vaz



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