Difference between revisions of "Salmos"

From Biblia: Os Quatro Evangelhos e os Salmos
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'''1.Nome e significado'''
 
  
  
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''f)Salmos sapienciais: ''
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'''4.Conteúdo doutrinal'''
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'''4.&nbsp;Conteúdo doutrinal'''
  
  
 
O templo de Jerusalém, mesmo antes da rigorosa centralização do culto, por obra do rei Josias, pouco antes do exílio, sempre promoveu a unidade simbólica e doutrinal entre todos os que se sentiam identificados com o conteúdo religioso dos salmos. A devoção e as práticas de culto são propícias para exprimir uma conceção de Deus de tipo monoteísta. Desta maneira, os salmos podem representar, na literatura bíblica, um núcleo pioneiro de sentimentos e de pensamento monoteístas, antes mesmo de aparecerem as formulações mais explícitas, por altura do exílio. A devoção, a emoção religiosa e as vivências cultuais dão profundidade e valorizam a representatividade humana dos símbolos e dos conceitos. A dimensão doutrinal e as convicções de fé que encontramos nos salmos serão, portanto, aquelas que mais naturalmente se podem coadunar com o contexto de oração individual e sobretudo comunitária. É a coerência natural entre orar e acreditar, a sintonia entre a ''lex orandi'' e a ''lex credendi''. Nas orações dos salmos circulam e ressoam de modo especial muitos dos conteúdos religiosos que a literatura bíblica exprime, por outras formas e contextos. Com esta riqueza de conotações e temas sugeridos, os salmos constituem um verdadeiro microcosmos da Bíblia e da vida humana.
 
O templo de Jerusalém, mesmo antes da rigorosa centralização do culto, por obra do rei Josias, pouco antes do exílio, sempre promoveu a unidade simbólica e doutrinal entre todos os que se sentiam identificados com o conteúdo religioso dos salmos. A devoção e as práticas de culto são propícias para exprimir uma conceção de Deus de tipo monoteísta. Desta maneira, os salmos podem representar, na literatura bíblica, um núcleo pioneiro de sentimentos e de pensamento monoteístas, antes mesmo de aparecerem as formulações mais explícitas, por altura do exílio. A devoção, a emoção religiosa e as vivências cultuais dão profundidade e valorizam a representatividade humana dos símbolos e dos conceitos. A dimensão doutrinal e as convicções de fé que encontramos nos salmos serão, portanto, aquelas que mais naturalmente se podem coadunar com o contexto de oração individual e sobretudo comunitária. É a coerência natural entre orar e acreditar, a sintonia entre a ''lex orandi'' e a ''lex credendi''. Nas orações dos salmos circulam e ressoam de modo especial muitos dos conteúdos religiosos que a literatura bíblica exprime, por outras formas e contextos. Com esta riqueza de conotações e temas sugeridos, os salmos constituem um verdadeiro microcosmos da Bíblia e da vida humana.
  
'''5.Leitura perene e interpretação'''
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'''5.&nbsp;Leitura perene e interpretação'''
  
  
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'''6.Sobre a tradução'''
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'''6.&nbsp;Sobre a tradução'''
  
  
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A Subcomissão do Antigo Testamento
 
A Subcomissão do Antigo Testamento
 
  
 
''José Augusto Martins Ramos ''(moderador)
 
''José Augusto Martins Ramos ''(moderador)
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''Armindo dos Santos Vaz''
 
''Armindo dos Santos Vaz''
 
1''' O caminho do justo'''
 
 
'''Salmo'''
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>Feliz<ref name="ftn0">Este salmo é uma meditação de modelo sapiencial, que sugere um discernimento do caminho a escolher e seguir. Entendido sob esta perspetiva, ele propõe o discernimento como um elemento integrante da oração de Israel. Ele é também o espelho dos caminhos de vida e dos resultados a que conduzem, na certeza de que Deus reconhece só o caminho dos justos. O termo inicial ''feliz'', em hebraico ''felicidades do homem'', representa um tema que atravessa toda a narrativa bíblica e que tem uma das suas expressões mais reconhecida no texto das ''Bem-aventuranças'' (Mt 5,3s). O salmo 2,12 termina com esta mesma expressão.</ref> o homem que não segue o conselho dos malfeitores<ref name="ftn1">Ou: ''não vai ao conselho.''</ref>,
 
 
:que não se detém no caminho dos pecadores
 
 
:e não toma parte em reunião de maldizentes<ref name="ftn2">O salmista distingue três grupos que aludem a diferentes facetas do agir malvado: ''o malfeitor'' ou criminoso cujas ações resultam num prejuízo importante para os outros; ''o pecador'' que indica uma diversidade de comportamentos errados de uma forma generalizada; e ''o maldizente'' ou caluniador que causa danos por palavras injustas e falsas. </ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Pelo contrário, é na lei do Senhor<ref name="ftn3">Sempre que, nesta tradução, Senhor aparece assim, em versaletes, equivale, no texto hebraico, ao tetragrama, YHWH, o nome divino que provavelmente se pronunciava Javé. O respeito por esse nome levou o judaísmo antigo a substitui-lo por ''Adonai'' (Senhor), uma prática adotada pelos LXX e continuada pela Vg e a NVg.</ref> que ele encontra satisfação;
 
 
:é na sua lei que medita<ref name="ftn4">Heb.: ''sussurra''. A meditação sobre a Lei fazia-se frequentemente recitando o texto em voz baixa, opondo-se ao grito da prece (cf. Js 1,7s; Sl 35,28; Sir 14,20s). </ref> dia e noite.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>É como árvore plantada à beira das correntes de água:
 
 
:dá o seu fruto em devido tempo e a folhagem não murcha;
 
 
:e em tudo o que fizer será bem-sucedido.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Não é assim com os malfeitores.
 
 
:Pelo contrário, são como palha que o vento leva.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Por isso, os malfeitores não se levantarão no julgamento<ref name="ftn5">O termo hebraico ''michpat ''exprime a maneira que Deus tem de intervir na história para julgar e sancionar os comportamentos humanos; neste sentido é muito frequente na literatura bíblica. Poderá, no entanto, significar igualmente alguma referência a um julgamento de caráter mais global, conclusivo e definitivo, semelhante ao que, mais tarde, se veio a chamar o juízo final. A tradução de ''os malfeitores não se levantarão no julgamento'' enquadra-se bem nestas duas perspetivas. Numa sessão de julgamento forense, faz referência ao facto de os acusados se levantarem quando eram inocentes; no último julgamento os malfeitores não se levantarão para a vida. O sonho da imortalidade ou ressurreição para uma vida eterna parece andar latente no imaginário do homem bíblico, particularmente nos salmos (Sl 16,11; 21,5; 27,13; 56,14; 69,29; 116,8s; 133,3; 142,6). Por isso, nesta ''assembleia dos justos'' imortais não entram pecadores.</ref>,
 
 
:nem os pecadores, na assembleia dos justos.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Na verdade, o Senhor conhece o caminho dos justos,
 
 
:mas o caminho dos malfeitores conduz à perdição.
 
 
 
2''' Deus e o seu ungido'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>Porque se amotinam os povos
 
 
e as nações congeminam vãos projetos<ref name="ftn6">Este salmo articula-se com diversos aspetos que, ao longo de toda a Bíblia, aparecem conotados com a realeza. Tal como o Sl 110, pode enquadrar-se bem nos ritos e festividades destinados à entronização real. A envolver a visão esperançosa e entusiasta sobre as funções que o rei é chamado a exercer, paira a garantia divina de manter uma ordem universal justa. As sugestivas ideias de caráter messiânico sintonizam profundamente com as perspetivas deste salmo. Por isso ele é interpretado no NT, sublinhando de forma explícita as ressonâncias messiânicas nele contidas (At 4,25; 13,33; Heb 1,5; 5,5).</ref>?
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Revoltam-se os reis da terra<ref name="ftn7">Fazer de povos e reis os autores desta conspiração contra o povo de Deus sublinha a dimensão de sobrevivência que se reclama neste salmo e justifica a sua associação com a instituição real de Israel e com o tema da realeza divina.</ref> e os príncipes fazem aliança
 
 
contra o Senhor e contra o seu ungido<ref name="ftn8">Lit.: ''o seu messias ''(Ex 30,25; 1Sm 2,10; 10,1). Este termo hebraico pertence ao contexto da consagração quer do sacerdote quer do rei. A palavra significa ''ungido'' e dele deriva o título de messias que se aplica ao próprio rei. Os LXX traduziram-no por ''Khristós'' e no NT será aplicado a Jesus, transformando-se para Ele, primeiro, num título e, depois, num verdadeiro nome.</ref>:
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>«Quebremos as suas algemas
 
 
e afastemos de nós o seu jugo!»<ref name="ftn9">Esta frase mostra que a sublevação de reis e povos não representa um ataque, mas uma revolta contra um poder superior cujo centro se encontra em Jerusalém. Não é certamente uma situação real de domínio político por parte da realeza israelita, mas a afirmação de um poder de alcance superior, que abarca o mundo (Sl 149,7s). </ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Aquele que habita nos céus sorri,
 
 
o Senhor escarnece deles.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Então, ameaça-os com a sua ira
 
 
e atemoriza-os com a sua cólera:
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>«Fui Eu que consagrei<ref name="ftn10">O termo utilizado para ''consagrar'' (''nasak'') significa ''derramar'' óleo sobre a cabeça do rei a entronizar. Corresponde à cerimónia do ungir, no v. 2.</ref> o meu rei,
 
 
sobre a minha montanha santa de Sião».
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Vou proclamar o decreto do Senhor,
 
 
pois Ele me declarou: «Tu és meu filho,
 
 
Eu hoje te fiz nascer<ref name="ftn11">Ou: ''pois Eu hoje te gerei'' (cf. Sl 110,3 nota). O ''hoje'' sublinha o momento da consagração real que é, ao mesmo tempo, um dia de nascimento. O título de ''meu filho'' que aqui se refere ao rei entronizado pode também referir-se a todo o povo (Ex 4,22-23). Por isso a relação que o salmo descreve entre Deus e o rei pode entender-se também como extensiva a todo o povo. No entanto, os poderes de soberania e domínio concedidos têm diretamente a ver com as funções do rei. Por isso a sua figura se destaca tão claramente neste salmo.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Pede-me e eu to concederei;
 
 
os povos serão a tua herança,
 
 
e os confins da terra o teu domínio.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Hás de guardá-los com um cajado de ferro
 
 
e destruí-los como um vaso de oleiro».
 
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>E agora, ó reis, tomai bem sentido,
 
 
aprendei, vós que governais a terra.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Servi o Senhor com temor
 
 
e com tremor rendei-lhe homenagem<ref name="ftn12">Reorganizando elementos do texto hebraico entre o final do v. 11 e o início do v. 12, é possível encontrar aqui uma expressão oriental, ''nachqu beraglaw'', que significa ''beijai os seus pés'' e fazia parte do cerimonial de homenagem aos reis.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Que Ele não se irrite e pereçais no caminho.
 
 
Pois num momento se inflama a sua ira.
 
 
Felizes todos os que nele confiam!
 
 
 
3''' Certeza da ajuda divina'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Salmo de David, quando fugiu do seu filho Absalão''.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Senhor, são tantos os meus inimigos<ref name="ftn13">Este salmo representa uma situação individual de súplica, onde se equilibram, num clima espiritual de confiança, a descrição dos perigos e dificuldades com a certeza da ajuda divina. O facto de estar referido ao rei David atribui algum destaque a esta oração e mais acentua ainda a sua validade universal, a qual aparece sublinhada em conclusão.</ref>,
 
 
tão numerosos os que se levantam contra mim!
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Muitos são os que dizem a meu respeito:
 
 
«Nem Deus o poderá salvar!».''Pausa''<ref name="ftn14">A expressão hebraica ''selah'' é um termo técnico que significa uma ''pausa''<nowiki>; destinava-se a marcar um intermédio. Assim o entenderam os LXX. Para além de alguns salmos, é usado no cântico de Habacuc (2,10).</nowiki></ref>
 
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Mas Tu, Senhor, és o escudo que me protege<ref name="ftn15">O ''escudo'' é uma metáfora bastante frequente para exprimir a proteção de Deus, como se vê em Sl 18,3.31.36; 28,7; 84,12; 119,114 e em muitas outras passagens.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
és a minha honra e aquele que me faz levantar a cabeça.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Com a minha voz clamei ao Senhor
 
 
e Ele respondeu-me da sua montanha santa.''Pausa''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Posso deitar-me, dormir e acordar,
 
 
pois é o Senhor que me ampara.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Não temo as multidões de gente,
 
 
que em volta tomam posição contra mim.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Levanta-te, ó Senhor!
 
 
Ó meu Deus, traz-me a salvação!
 
 
Pois Tu atingiste na face todos os meus inimigos,
 
 
quebraste os dentes aos malfeitores.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>É do Senhor que vem a salvação.
 
 
Que a tua bênção desça sobre o teu povo.''Pausa''
 
 
4''' Confiança em Deus'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor, com instrumentos de corda. Salmo de David''.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Quando eu chamar, escuta-me, ó Deus, minha justiça<ref name="ftn16">Este salmo constitui uma exortação de teor sapiencial, apelando à confiança em Deus que se exprime através de práticas e convicções de fé. O intenso diálogo e partilha de experiências relativamente a estas questões fundamentais exprimem bem o quanto esta preocupação é entendida como algo que diz respeito a todos.</ref>.
 
 
Em momentos de aperto, deste-me largueza.
 
 
Tem piedade de mim e ouve a minha súplica.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Até quando, ó homens, estará a minha honra em desprezo<ref name="ftn17">Com base numa leitura diferente do texto hebraico consonântico, os LXX traduzem ''tereis um coração pesado?'' Esta leitura é preferida por algumas traduções atuais.</ref>?
 
 
Até quando amareis o que é inútil e procurareis o que é falso<ref name="ftn18">A referência à glória (de Deus) e este vocabulário sobre o que é inútil e falso podem constituir uma referência aos ídolos (Am 2,4).</ref>?''Pausa''
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Sabei que o Senhor fez maravilhas pelo seu amigo;
 
 
o Senhor ouve-me, quando por Ele clamo.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Tremei e não volteis a pecar;
 
 
no silêncio dos vossos leitos, meditai em vossos corações.''Pausa''
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Oferecei sacrifícios com justiça
 
 
e tende confiança no Senhor.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Muitos dizem: «Quem nos fará ver a felicidade,
 
 
se de nós se afastou a luz da tua face, ó Senhor?»<ref name="ftn19">Com outra leitura do texto consonântico hebraico, alguns traduzem: ''Quem nos fará ver a felicidade? Ergue sobre nós a luz da tua face, ó Senhor!''</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Deste ao meu coração uma alegria maior
 
 
que a daqueles que têm trigo e vinho em abundância<ref name="ftn20">O trigo e o vinho novo são as riquezas que os hebreus mais apreciam na sua terra (Gn 27,28.37; Dt 33,28). Além desta razão de satisfação o trigo e o vinho representam também bens em nome dos quais os hebreus se podem eventualmente sentir atraídos pelo fascínio provocado pelas divindades cananaicas da fertilidade (Os 2,10-17).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Em paz me deito e logo adormeço,
 
 
pois só Tu, Senhor, me fazes viver em segurança<ref name="ftn21">''Viver em segurança'' é a imagem de uma felicidade tranquila (Dt 12,10; 33,12.28).</ref>.
 
 
 
5''' Oração da manhã contra inimigos'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor, para flautas. Salmo de David''.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Dá ouvidos, Senhor, às minhas palavras<ref name="ftn22">Misturando oração, meditação e exortação, este salmo individual de súplica toma como contexto uma oração matinal no templo e propõe uma reflexão sobre os objetivos esperados e sobre as condições éticas exigidas para que tal oração seja realizada de forma correta e consiga alcançar a eficácia desejada. </ref>
 
 
e compreende o meu gemido.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Escuta o grito do meu clamor,
 
 
ó meu rei e meu Deus,
 
 
pois a ti eu imploro.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Pela manhã<ref name="ftn23">O contexto para esta oração matinal pode ser a apresentação oficial de um holocausto diário (Lv 6,1-5).</ref>, Senhor, escuta a minha voz;
 
 
de manhã apresento diante de ti o meu pedido<ref name="ftn24">O objeto desta apresentação pode ser a súplica ou uma oferta ou as duas em simultâneo, se este salmo for de facto uma oração que acompanha um ritual litúrgico.</ref>
 
 
e fico à espera, confiante.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Na verdade, Tu não és um Deus que sinta agrado no mal;
 
 
junto de ti, nenhum mau pode habitar.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Os orgulhosos não resistem diante do teu olhar,
 
 
pois detestas os que praticam a iniquidade.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Exterminas os que falam com mentira;
 
 
sanguinários e fraudulentos, o Senhor os abomina.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Eu, porém, pelo teu grande amor, entrarei na tua casa,
 
 
para me prostrar no teu santo templo,
 
 
em temor e adoração por ti.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Guia-me, Senhor, pela tua justiça,
 
 
por causa dos que me armam ciladas;
 
 
aplana diante de mim o teu caminho.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Na boca deles não há sinceridade;
 
 
o seu interior é corrupção.
 
 
A sua garganta é um sepulcro aberto
 
 
e com a sua língua apenas sabem lisonjear.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Castiga-os, ó Deus<ref name="ftn25">O pedido para que Deus castigue os inimigos é um tema frequente nos salmos: 10,15; 31,18; 54,7; 58,7; 59,12; 69,23-29; 79,12; 83,10-19; 104,35; 109,6-20; 125,5; 137,7-9; 139,19-22; 140,10-12. Esta oração coloca as vivências no mais autêntico da experiência pessoal, com sentimentos e emoções em total liberdade. E é a partir dessa zona de realidade e verdade que o diálogo com Deus ganha expressão. Este castigo não se justifica por serem inimigos pessoais, mas por serem desobedientes a Deus, que se preocupa com o bem-estar do homem justo.</ref>!
 
 
Que os seus desígnios se desmoronem!
 
 
Rejeita-os pelos seus numerosos crimes,
 
 
pois se revoltaram contra ti.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Mas alegrem-se e rejubilem para sempre
 
 
todos os que se refugiam em ti.
 
 
Tu lhes ofereces proteção
 
 
e os que amam o teu nome se alegrarão em ti.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Pois Tu, ó Senhor, abençoas o justo
 
 
e o envolves num escudo de benevolência.
 
 
 
6''' Súplica de um justo em aflição'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor, para instrumentos de oito cordas. Salmo de David''.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Senhor, não me repreendas na tua ira<ref name="ftn26">Este salmo associa o tema da súplica individual com os conteúdos e o espírito de um salmo penitencial. A razão desta dupla vertente é exprimir a consciência das suas próprias culpas e a lamentação pelas ameaças que tantos inimigos lhe provocam. A exclamação final de libertação e de alívio exprime a superação dos dois tipos de contrariedades, as culpas próprias e os inimigos. Este é o primeiro da série de salmos penitenciais: 32; 38; 51; 102; 130; 143.</ref>,
 
 
nem me castigues na tua indignação.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Tem piedade de mim, Senhor, que desfaleço;
 
 
cura-me, Senhor, que os meus ossos estremecem.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>A minha alma<ref name="ftn27">A alma, em hebraico ''néfech'', tem a ver com a respiração que suporta a vida. É conotada principalmente com as narinas por onde se inspira o ar (Gn 2,7) e também com a garganta onde se percebe o ar a circular. A sua importância leva a que a alma seja considerada um equivalente do ser humano enquanto vivo, podendo ser traduzida por qualquer pronome ou substantivo como ''eu'' ou ''a minha vida'' (Sl 7,3). Até os animais podem ser designados como alma viva. Porém, em textos como os salmos faz sentido manter, em certos contextos, a tradução de ''alma'', porque sublinha um reduto íntimo da pessoa e da experiência humana, onde o homem se coloca face a face com a sua própria consciência, como quem se confronta com outra pessoa. É uma espécie de heterónimo de si mesmo, que permite ao homem manter consigo mesmo um diálogo interior e uma especial cumplicidade. Estes sentidos expressivos do conceito de alma (''psykhê'') mantiveram-se vivos na linguagem do NT.</ref> está muito conturbada.
 
 
E Tu, Senhor, até quando?
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Volta, Senhor, liberta a minha alma;
 
 
salva-me pela tua fidelidade.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Pois na morte não há memória de ti<ref name="ftn28">O mundo dos mortos, em hebraico ''Cheol'', é concebido como um mundo subterrâneo em continuidade com a sepultura, onde os humanos sobreviviam em condições muito limitadas (Nm 16,33ss). A possibilidade de se lembrar de Deus e de se dirigir a Ele bem como o entusiasmo de ir ao seu templo eram algumas das alegrias que mais lamentam, ao imaginar-se naquele estado. Cf. ainda Sl 30,10; 88,6.11-13; 115,17; Is 38,18.</ref>.
 
 
No mundo dos mortos, quem te renderá louvor?
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Estou cansado do meu sofrimento.
 
 
Todas as noites encho de lágrimas a minha cama,
 
 
inundando o meu leito.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Os meus olhos consomem-se de tristeza;
 
 
envelheceram diante de tantos inimigos.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Afastai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade,
 
 
pois o Senhor escutou a voz do meu lamento.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>O Senhor escutou a minha súplica<ref name="ftn29">Esta declaração de que o Senhor escutou a sua oração é uma maneira confiante de dar resposta aos seus inimigos.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
o Senhor acolheu a minha oração.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Que os meus inimigos se envergonhem e encham de terror;
 
 
que eles retrocedam, subitamente envergonhados.
 
 
 
7''' Oração de um justo perseguido'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Lamentação de David, que ele cantou ao Senhor sobre Cuche, ''
 
 
''o benjaminita''<ref name="ftn30">Esta personagem é desconhecida, mas há quem estabeleça comparação com o episódio relatado em 2Sm 18,21ss. As traduções antigas leram aqui um nome igual ao do pai de Sofonias, ''Cuchi'' (Sf 1,1).</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Ó Senhor, meu Deus, em ti me refugio<ref name="ftn31">O salmista ou o crente cujos sentimentos este salmo retrata sente-se sob ameaça de um inimigo e dirige-se a Deus neste salmo individual de súplica, declarando solenemente a sua inocência (vv. 2-6); invoca a sua justiça (vv. 7-10) e, confiante, pede o castigo que é devido aos inimigos (vv. 11-17). O termo que aparece no título do salmo, usado aqui e em Hab 3,1, parece sugerir que se trata de uma lamentação.</ref>.
 
 
Salva-me de todo o que me persegue e liberta-me.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Que ele não desfaça como um leão a minha vida,
 
 
dilacerando-me, sem que ninguém me liberte.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Senhor, meu Deus, se algum mal eu fiz,
 
 
se nas minhas mãos há maldade,
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>se paguei com o mal a quem me fez bem<ref name="ftn32">Se o salmo tiver realmente a ver com David, a hipótese de ter tratado bem a quem lhe fez mal espelha bem o relacionamento de David para com o rei Saul, conforme aparece em 1Sm 24,11; 26,9.</ref>,
 
 
se despojei o meu adversário sem motivo,
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>então que o inimigo me persiga<ref name="ftn33">Lit.: ''persiga a minha alma.'' Este v. é um bom exemplo para mostrar como as expressões ''alma'' e ''vida'' são usadas como sinónimas uma da outra, pois ocupam na primeira e na segunda parte do v. uma função absolutamente paralela.</ref> e derrube,
 
 
calcando por terra a minha vida,
 
 
e faça com que a minha honra<ref name="ftn34">Ou: ''a minha glória.'' A expressão aqui usada para significar ''minha honra'' ou ''minha glória'' (''kabod'') aparece na Bíblia com o significado de alma e de vida (Sl 16,9; Gn 49,6).</ref> vá morar no pó.''Pausa''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Levanta-te, Senhor, na tua ira;
 
 
ergue-te contra a fúria dos meus adversários.
 
 
Desperta, ó meu Deus<ref name="ftn35">O texto consonântico hebraico permite esta leitura e foi realmente esta que os LXX assumiram e as traduções têm seguido de uma maneira geral, incluindo a NVg. No entanto, a tradução pedida por Pio XII ao Pontifício Instituto Bíblico e que esteve em uso litúrgico desde 1945 seguiu a interpretação massorética e traduziu: ''Et surge pro me in iudicio, quod indixisti, ''"e ergue-te em meu favor no julgamento que ordenaste".</ref> e decreta a sentença.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Junta, portanto, em redor de ti a assembleia dos povos
 
 
e, lá no alto, senta-te a presidir sobre ela.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>É o Senhor que julga os povos.
 
 
Julga-me, ó Senhor, segundo a minha justiça
 
 
e segundo a minha integridade.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Acaba com a malícia dos malfeitores
 
 
e confirma o justo.
 
 
Pois aquele que examina os rins e os corações,
 
 
é um Deus justo.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>A minha proteção está em Deus,
 
 
que salva os de coração sincero.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Deus é um justo juiz,
 
 
um Deus que, dia a dia, mostra a sua indignação.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Se alguém não se arrepende, Ele afia a sua espada,
 
 
arma o seu arco e aponta-o;
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>e contra o malvado prepara armas de morte,
 
 
das suas flechas faz tições ardentes<ref name="ftn36">O texto hebraico não exprime de forma clara se o sujeito dos vv. 13-14 é Deus ou o malvado. Há quem interprete os vv. 13-14 como tendo o ímpio por sujeito. A NVg segue esta interpretação. No entanto, considerar Deus como sujeito destas frases parece enquadrar-se no contexto de uma forma mais coerente. </ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Eis que ele concebeu a iniquidade;
 
 
e esta gerou a maldade e deu à luz a mentira<ref name="ftn37">A mesma metáfora sobre a gestação do mal no interior de cada ser humano se encontra em Is 59,4; Jb 15,35.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Ele cavou e aprofundou um fosso,
 
 
mas cairá na cova que ele mesmo abriu.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>A sua maldade recairá sobre a sua cabeça
 
 
e a sua violência tombará sobre a sua nuca.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Eu louvarei o Senhor porque Ele é justo,
 
 
e cantarei o nome do Senhor, o Altíssimo.
 
 
 
8''' Hino ao criador do homem'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor, sobre lira de Gat''<ref name="ftn38">Pode tratar-se de um instrumento musical ou eventualmente de uma melodia associada com a cidade de Gat na região dos filisteus. Gat também significa lagar e aqui poderia estar mais um contexto possível para esta referência.</ref>''. Salmo de David.''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Ó Senhor, Senhor nosso<ref name="ftn39">Pela sua grandiosidade e sobriedade, este salmo pode ser considerado um modelo daquilo que é um hino dirigido a Deus, como resultado da contemplação das maravilhas do mundo. Para além do louvor endereçado a Deus como autor destas maravilhas, o hino concentra-se sobre a imagem feliz da realidade humana. Começando pela contemplação do mundo acaba por se concentrar sobre uma consciência feliz de si mesmo. A riqueza de matizes que os hinos envolvem como expressão das vivências religiosas encontra-se aqui bem representada e definida.</ref>,
 
 
como é admirável o teu nome em toda a terra!
 
 
Adorarei a tua majestade sobre os céus<ref name="ftn40">Reagrupando duas palavras separadas no TM, a tradução recupera a leitura de um verbo ''chrt'', no sentido de ''servir'', ''adorar'', com a primeira pessoa indicando o orante ou salmista como sujeito. Desde a antiguidade as opções mais frequentes têm sido: ''a tua majestade eleva-se acima dos céus''<nowiki>; </nowiki>''elevaste a tua majestade acima dos céus''<nowiki>;</nowiki>'' ''ou ainda: ''o teu nome repete a tua majestade mais alta que os céus''.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Da boca das crianças e meninos de peito,
 
 
construíste uma fortaleza<ref name="ftn41">Ou: ''um louvor''.</ref> contra os teus adversários,
 
 
para eliminar inimigos e rebeldes.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Contemplo os teus céus, obra das tuas mãos,
 
 
a lua e as estrelas que Tu estabeleceste!
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Que é o ser humano para te lembrares dele,
 
 
o filho do homem, para com ele te preocupares?
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Fizeste dele pouco menos que um deus<ref name="ftn42">O texto hebraico usa realmente a palavra '''elohim'', que significa ''deus''. Na Bíblia é principalmente usado para designar Deus, mas também se usa para designar os deuses das outras religiões, nomeadamente a de Canaã. Em sentido mais amplo, usa-se para referir seres considerados de condição superior como seriam os anjos ou mesmo homens que exerciam funções de tipo superior como os chefes políticos. As traduções têm tido a tendência de traduzir por anjos. Por outro lado, um sentido genérico e metafórico de ''um deus'' traduz bem o nível de dignidade em que o ser humano é colocado. Este modo de o apresentar condiz bem com as referências às caraterísticas que sublinham o estatuto do humano como imagem de Deus.</ref>,
 
 
de glória e de honra o coroaste.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Deste-lhe domínio sobre as obras das tuas mãos,
 
 
tudo colocaste debaixo dos seus pés<ref name="ftn43">É esta função de domínio que faz com que o homem seja algo de elevado, enquanto imagem de Deus (Gn 1,26-28).</ref>:
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>ovelhas e bois, todos sem exceção,
 
 
e até os grandes animais selvagens;
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>aves do céu e peixes do mar,
 
 
que percorrem as rotas do oceano.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Ó Senhor, Senhor nosso,
 
 
como é admirável o teu nome em toda a terra!
 
 
 
9''' '''(9,1-21)'''Deus, protetor dos humildes'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor, para vozes de soprano''<ref name="ftn44">Como acontece com outras fórmulas nestes títulos de salmos também esta expressão se torna difícil de definir e traduzir.</ref>''. Salmo de David.''
 
 
 
''Alef''
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Quero louvar-te, Senhor, com todo o meu coração<ref name="ftn45">Tal como foi explicado na introdução, este salmo, no texto hebraico, é apenas metade de um salmo que englobava os Sl 9-10. Nota-se isso, porque ao longo dos dois salmos as letras iniciais dos versos vão seguindo a ordem alfabética hebraica. Os LXX e a Vg fazem dos atuais dois salmos um só, com o número 9. Por isso, daqui em diante e até ao Sl 148, as edições litúrgicas costumam levar um número menos na contagem. Outros casos de salmos que, no hebraico, ordenam alfabeticamente os versos são 25; 34; 37; 111; 112; 119; 145. Quanto ao género literário trata-se de um hino de ação de graças, por parte de alguém que, sentindo-se pobre e oprimido, descobriu que a proteção de Deus voltou a dar-lhe coragem para enfrentar tudo e todos. Enquanto o salmo 9 parece dar voz ao conjunto do povo, o salmo 10, por seu lado, parece mais um pedido de ajuda por parte de um indivíduo.</ref>,
 
 
quero contar todas as tuas maravilhas.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Por ti exulto de alegria,
 
 
e vou cantar o teu nome, ó Altíssimo,
 
 
''Bet''
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Quando os meus inimigos tiveram de voltar para trás,
 
 
tropeçavam e desapareciam diante de ti.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Pois julgaste a minha causa e executaste o meu direito,
 
 
sentaste-te no trono como juiz de justiça.
 
 
''Guimel''
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Repreendeste povos, fizeste desaparecer o malfeitor<ref name="ftn46">Estes episódios de hegemonia sobre povos vizinhos podem constituir memórias literárias do tempo em que os hebreus exerceram alguma soberania, tal como aconteceu no reinado de David (2Sm 8,10). O desaparecimento definitivo desses povos vencidos tem ressonâncias de tipo apocalíptico.</ref>:
 
 
apagaste o seu nome para todo o sempre.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Os inimigos acabaram em ruínas para sempre;
 
 
arrasaste as suas cidades, desapareceu a sua memória.
 
 
''Hê''
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Mas o Senhor preside como rei para sempre,
 
 
o seu trono está preparado para o julgamento.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Ele julgará o mundo com justiça,
 
 
governará as nações com equidade.
 
 
''Waw''
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>O Senhor é refúgio para o oprimido,
 
 
refúgio nos momentos de angústia.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Em ti confiam os que conhecem o teu nome, Senhor,
 
 
pois nunca abandonaste aqueles que te procuram<ref name="ftn47">O paralelismo da poesia hebraica faz com que conhecer o nome do Senhor e procurar a Deus se apresentem de algum modo como sinónimos. Procurar a Deus significa ser fiel às modalidades de culto que lhe são dirigidas e cumprir os deveres para com Ele.</ref>.
 
 
''Záin''
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Cantai ao Senhor que habita em Sião,
 
 
proclamai entre os povos as suas maravilhas.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Ele que vinga o sangue das vítimas, lembra-se delas;
 
 
não esquece o clamor dos oprimidos.
 
 
''Het''
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Tem piedade de mim, Senhor,
 
 
vê a minha aflição perante os que me odeiam,
 
 
Tu que me ergues desde as portas da morte.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Que eu possa contar todos os teus louvores,
 
 
às portas da filha de Sião
 
 
e regozijar-me com a tua salvação.
 
 
 
''Tet''
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Os povos afundaram-se no fosso que fizeram;
 
 
os seus pés ficaram presos na rede que esconderam.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>O Senhor deu-se a conhecer e fez justiça,
 
 
o malfeitor enredou-se nas suas próprias ações.''Surdina, Pausa''
 
 
''Yod''
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Que os malfeitores voltem à morada dos mortos,
 
 
todos os povos que se esquecem de Deus.
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Pois o pobre não será esquecido para sempre,
 
 
nem para sempre a esperança dos humildes se perderá.
 
 
''Kaf''
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Levanta-te, Senhor! Que o ser humano não prevaleça.
 
 
Sejam julgados os povos na tua presença.
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>Ó Senhor, lança o terror sobre eles;
 
 
reconheçam os povos que são simplesmente humanos<ref name="ftn48">O termo usado aqui para designar os seres humanos ('''enoch'') sublinha as caraterísticas de fragilidade e mortalidade.</ref>.''Pausa''
 
 
 
10(9,22-39)'''Pelos oprimidos'''
 
 
 
''Lamed''
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>Senhor, porque te manténs ao longe<ref name="ftn49">Este salmo dá continuidade ao anterior hino de ação de graças pela proteção divina dispensada aos desprotegidos. O facto de não se encontrar neste caso o habitual título que aparece à cabeça de cada salmo é mais um indício de que este constituía uma unidade com o anterior, que acabou por aparecer separado no atual texto hebraico.</ref>
 
 
e te escondes nos tempos de aflição?
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Com altivez o malfeitor persegue o pobre.
 
 
Seja apanhado nas ciladas que planeou.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>O malfeitor vangloria-se da sua ambição;
 
 
o ganancioso blasfema e despreza o Senhor<ref name="ftn50">A tradução de ''blasfema'' baseia-se no entendimento da raiz ''barak'', que normalmente significa ''abençoar'', como antífrase. É desta mesma maneira que pode ser reconhecida em Jb 2,9. Este recurso à antífrase pode considerar-se em hebraico um ''piel'' privativo, em que a intensidade da conjugação reverte numa inversão de sentido para a raiz verbal. Ou: ''felicita-se, desprezando o Senhor''.</ref>.
 
 
''Nun''
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>No seu orgulho, diz o malfeitor:
 
 
«Não há Deus, ninguém me pedirá contas»<ref name="ftn51">A convicção do malvado, de que Deus não vai intervir contra ele, é expressa de um modo semelhante no v. 11. A ausência de Deus interpretada como ocasião de liberdade para os malvados aparece também em 14,1; 36,2; 78,11; Jr 5,12; Sf 1,12.</ref>.
 
 
São só estes os seus pensamentos.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Os seus caminhos prosperam continuamente.
 
 
Porém, os teus juízos estão muito acima dele,
 
 
que despreza todos os seus adversários.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Em seu coração, ele diz:
 
 
«De geração em geração, jamais tropeçarei;
 
 
serei feliz, sem contrariedades».
 
 
''Pê''
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>A sua boca está cheia de maldição, enganos e mentiras;
 
 
debaixo da sua língua há violência e maldade.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Põe-se de emboscada por trás das cercas,
 
 
mata à traição o inocente;
 
 
os seus olhos espiam o infeliz.
 
 
''Ayin''
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Espreita no esconderijo, como leão no covil;
 
 
espreita para sequestrar o pobre;
 
 
sequestra o pobre e arrasta-o na sua rede.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Agacha-se, aninha-se por terra
 
 
e cai com todas as suas forças sobre os desgraçados.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Ele diz no seu coração: «Deus esqueceu-se;
 
 
desviou o rosto, para não voltar a ver».
 
 
''Qof''
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Levanta-te, Senhor! Ó Deus, ergue a tua mão,
 
 
não te esqueças dos oprimidos.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Porque há de o malfeitor desprezar a Deus,
 
 
dizendo no seu coração: «Tu não pedirás contas»?
 
 
''Resh''
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Mas Tu vês a angústia e o pesar;
 
 
Tu o observas e o tomas em tuas mãos.
 
 
A ti se abandona o pobre, confiante;
 
 
Tu és o amparo do órfão.
 
 
''Shin''
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Quebra o braço do malfeitor e do malvado;
 
 
persegue a sua maldade, para não voltar a acontecer.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>O Senhor é rei para todo o sempre.
 
 
Os gentios desapareceram da terra dele!
 
 
''Taw''
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Senhor, Tu escutaste o desejo dos pobres.
 
 
Reconforta o seu coração e inclina o teu ouvido,
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>fazendo justiça aos órfãos e desvalidos.
 
 
Que ninguém volte a aterrorizar os seres humanos<ref name="ftn52">De entre as variadas maneiras conhecidas na Bíblia para designar os seres humanos, a que o texto aqui usa é a de '''enoch'', que sublinha a dimensão da fragilidade que os carateriza. </ref> sobre a terra<ref name="ftn53">Ou: ''Que mais nenhum homem da terra se torne um tirano''.</ref>.
 
 
 
11(10)'''Confiança do justo'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. De David''.
 
 
 
No Senhor me refugio<ref name="ftn54">Este salmo individual de confiança exprime a atitude de alguém que, aconselhado a fugir das ameaças dos poderosos, opta, ao contrário, por se refugiar na proteção de Deus, proclamando que a sua justiça governa com eficácia. Os acontecimentos narrados em 1Sm 19,26 poderiam servir de pano de fundo a estas ideias.</ref>, como ousais dizer à minha alma:
 
 
«Foge para os montes<ref name="ftn55">As guerras assediavam sobretudo as cidades. Daí que a fuga para os montes era uma hipótese que se levantava sempre que o perigo ameaçava (Jz 6,2; 1Mac 2,28; 9,40; Mt 24,16).</ref> como uma ave».
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Na verdade, os malfeitores armam o arco
 
 
e ajustam as flechas na corda,
 
 
disparando na sombra contra os de coração reto.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Quando os fundamentos são abalados,
 
 
que poderá fazer o justo?
 
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>O Senhor está no seu santo templo;
 
 
o Senhor tem o seu trono nos céus.
 
 
Os seus olhos observam,
 
 
as suas pupilas examinam os seres humanos.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>O Senhor examina o justo e o malfeitor,
 
 
mas ao que ama a violência, Ele abomina-o.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Sobre os malfeitores fará chover carvões, fogo e enxofre;
 
 
e um vento de tempestade é a taça que têm de beber<ref name="ftn56">Uma taça que se tem de beber é a metáfora de um destino que pode significar um castigo incontornável ou uma herança duradoura (Sl 16,5).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Pois o Senhor é justo e ama os atos de justiça.
 
 
Os que são retos verão a sua face<ref name="ftn57">Ver a face de Deus é sempre uma expressão de satisfação e felicidade, que pode acontecer em várias circunstâncias. Pode ser o saborear a presença de Deus no santuário (Sl 27,4; 42,3; 63,3) ou o sentir a proximidade de um ser divino (Gn 16,13; 32,31; Jz 13,20-22). Pode ser inclusivamente a esperança de se encontrar com Deus numa condição de vida eterna, como aparece sublinhado no Sl 17,15.</ref>.
 
 
 
12(11)'''Contra os ímpios'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Para oito cordas. Salmo de David''.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Salva-nos, Senhor, que se acabaram os justos<ref name="ftn58">Este salmo de súplica coletiva integra um oráculo de intervenção divina e uma declaração final de confiança em Deus, que defende e protege contra as insídias de uma sociedade que é dominada por injustiças, conspirações e calúnias.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
a lealdade desapareceu de entre os humanos.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>É falsidade o que eles tratam uns com os outros;
 
 
falam com lábios de hipocrisia e duplicidade de coração.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Que o Senhor extermine todos os lábios enganadores
 
 
e as línguas que proferem palavras arrogantes,
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>como os que dizem: «Com a nossa língua venceremos.
 
 
Os nossos lábios nos defendem. Quem pode mandar em nós?».
 
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>«Pela aflição dos oprimidos e pelo gemido dos pobres,
 
 
vou levantar-me agora mesmo – diz o Senhor –
 
 
e colocar a salvo o que suspira por isso».
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>As palavras do Senhor são palavras verdadeiras,
 
 
prata limpa das impurezas da terra,
 
 
refinada sete vezes.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Tu, Senhor, hás de tomar conta deles
 
 
e nos defenderás para sempre desta gente,
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>dos malfeitores que circulam à vontade,
 
 
enquanto cresce a corrupção entre os seres humanos.
 
 
 
13(12)'''Súplica confiante'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Salmo de David.''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Até quando, Senhor<ref name="ftn59">Este salmo de súplica individual constitui um pedido urgente de auxílio. Daí a insistente repetição do ''até quando?''. O desfecho é, mais uma vez, positivo, porque a súplica implica uma atitude profunda de confiança.</ref>, te vais esquecer de mim?
 
 
Até quando esconderás de mim o teu rosto<ref name="ftn60">Quando Deus mostra a sua face é sinal de bom acolhimento (Sl 4,7); quando a esconde é sinal de descontentamento e de recusa em conceder os seus favores.</ref>?
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Até quando terei a minha alma em cuidados
 
 
e o meu coração em angústia, todo o dia?
 
 
Até quando se erguerá o meu inimigo contra mim?
 
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Olha para mim e responde-me, Senhor, meu Deus.
 
 
Dá luz aos meus olhos, para não adormecer na morte.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>E que o meu inimigo não diga: «Consegui vencê-lo!»,
 
 
nem os meus adversários se alegrem ao ver-me vacilar.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Eu, porém, confiei na tua fidelidade;
 
 
o meu coração alegra-se com a tua salvação;
 
 
e cantarei ao Senhor pelo bem que Ele me fez<ref name="ftn61">A tradução dos LXX acrescenta: ''celebrarei o nome do Senhor, o Altíssimo'', que pode vir de Sl 7,18.</ref>.
 
 
 
14(13)'''Os ímpios e o povo de Deus'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. De David.''
 
 
 
O insensato diz em seu coração<ref name="ftn62">Este salmo pertence ao género da exortação profética, interpelando o povo sobre o seu comportamento. Primeiro descreve a corrupção existente; depois, define a providência de Deus sobre o povo; e finalmente apresenta uma súplica para que Deus manifeste de novo a sua salvação a Israel. Sem tomar em consideração a ideia de que Deus está presente e intervém no agir humano, não existe maneira de garantir a justiça entre os homens.</ref>:
 
 
«Não há Deus»<ref name="ftn63">O contexto desta declaração, aqui e no Sl 53,2, é o de uma mentalidade e de uma prática, onde Deus não se encontra como critério de valor e de comportamento. Na paráfrase das traduções targúmicas em aramaico foi entendida a especificidade do contexto e da afirmação. Cf. Sl 10,4.11.13; Jr 5,12; Sf 1,12.</ref>.
 
 
Eles são corruptos, e abomináveis são as suas ações;
 
 
não há quem faça o bem.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Dos céus, o Senhor observa os seres humanos,
 
 
para ver se existe alguém sensato,
 
 
alguém que procure a Deus.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Mas todos se extraviaram; uns aos outros se corromperam.
 
 
Não há quem faça o bem. Não há nem um sequer.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Acaso não o sabem os que praticam a iniquidade,
 
 
os que devoram o meu povo como quem come pão<ref name="ftn64">Esta malfeitoria é particularmente grave quando os que têm responsabilidade de pastorear e proteger as ovelhas se permitem devorá-las (Am 4,1; Mq 3,1-3). Este tratamento encontra-se naturalmente referido a opressores estrangeiros (Sl 79,7; Is 9,11; Jr 10,25).</ref>
 
 
e não invocam o Senhor?
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Mas eis como eles ficaram aterrorizados,
 
 
porque Deus está com a geração dos justos.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Vós desprezais o plano do pobre,
 
 
mas o Senhor é o seu refúgio.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Quem dera que de Sião viesse a salvação para Israel!
 
 
Quando o Senhor fizer voltar os cativos do seu povo,
 
 
Jacob vai rejubilar, Israel vai alegrar-se.
 
 
 
15(14)'''Na casa do Senhor'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Salmo de David.''
 
 
 
Quem poderá, Senhor, morar no teu santuário<ref name="ftn65">Este é um bom exemplo dos salmos que tomam como tema a liturgia e se servem dela para propor uma meditação de modelo sapiencial sobre as condições morais e espirituais de uma piedade vivida segundo os ideais representados pelo templo.</ref>?
 
 
Quem habitará na tua montanha santa?
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Aquele que procede honradamente,
 
 
pratica a justiça e diz a verdade com todo o seu coração.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Aquele cuja língua não levanta calúnias
 
 
e não faz mal ao seu semelhante,
 
 
nem lança injúria sobre o seu próximo.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Aquele que considera desprezível o que Deus rejeita
 
 
e estima os que temem o Senhor<ref name="ftn66">A expressão ''os que temem o Senhor'' representa de uma forma geral o comportamento religioso mais correto e honesto entre os hebreus. Na época do helenismo foi este rótulo que serviu para identificar aqueles que, sendo de origem não judaica, se mostravam simpatizantes e de algum modo atraídos pelas conceções religiosas judaicas.</ref>.
 
 
Aquele que não quebra o juramento,
 
 
mesmo quando sofre prejuízos.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Aquele que não empresta dinheiro com usura<ref name="ftn67">Emprestar bens com algum rendimento é uma prática económica normal na antiguidade oriental e também na Bíblia. Encontram-se, por vezes, contudo, casos ideais em que se recomenda a generosidade de emprestar sem cobrar juros (Lv 25,35-38).</ref>
 
 
nem aceita suborno contra o inocente.
 
 
Quem assim fizer jamais vacilará<ref name="ftn68">A prática moral de acordo com estas normas exigentes garante uma experiência feliz e consistente (Sl 10,6; 16,8; 30,7).</ref>.
 
 
16(15)'''Deus, refúgio e vida'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Elegia. De David''.
 
 
 
Guarda-me, ó Deus<ref name="ftn69">Este salmo designa Deus pelo termo genérico ''El'', que era muito conhecido na região, pois era com ele que em toda aquela região se designava a divindade que se encontrava acima de todo o panteão. Este título, que a Bíblia aplica naturalmente a Deus, volta a encontrar-se nos salmos 10,11-12; 17,6. No saltério é, portanto, bem menos frequente que outros nomes ou títulos para designar Deus, como sejam '''elohim,'' Javé ou Adonai. Com efeito, este salmo está concentrado numa confissão entusiasta da fé em Javé, em contraste com práticas de alguns seus contemporâneos hebreus que se apressavam a correr atrás de outras divindades (vv. 3-4).</ref>, que em ti me refugio<ref name="ftn70">Este salmo individual de confiança é uma profissão de fé em Deus como supremo bem, contrariamente a outras divindades conhecidas no país e procuradas por muitos seus contemporâneos. A sua confiança não cobre apenas os problemas desta vida, mas prolonga-se igualmente sobre os enigmas de depois da morte.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Pois eu disse ao Senhor: «Tu és o meu Senhor.
 
 
Não tenho outro bem acima de ti!».
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Quanto aos deuses<ref name="ftn71">Lit.: ''santos''.</ref> que existem no país,
 
 
os poderosos, a quem dedicam todo o seu apreço<ref name="ftn72">No seu conjunto, o texto hebraico dos vv. 3-4 é de difícil interpretação. Sobre essas dificuldades de tradução dão testemunho tanto as versões antigas como as mais recentes. As alternativas de leitura são ou referência às divindades pagãs então conhecidas ou aos santos, i.e., os fiéis a Deus que existiam em Israel. Os termos usados e o contexto de todo o salmo e particularmente do v. seguinte favorecem a primeira interpretação, apresentada em texto. O sentido da segunda via de interpretação pode ver-se na alternativa proposta pela NVg para o v. 3: ''In sanctos qui sunt in terra, inclitos viros, omnis voluntas mea in eos'' (''Para os santos que existem no país, pessoas insignes, toda a minha boa vontade vai para eles'').</ref>,
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>multipliquem as suas dores os que a eles acorrem.
 
 
Que eu não lhes apresentarei libações de sangue
 
 
nem erguerei os seus nomes nos meus lábios.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>És Tu, Senhor, a porção que me toca e o meu cálice;
 
 
Tu manténs segura a minha sorte.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Recebi a minha parte de herança<ref name="ftn73">Lit.: ''as cordas destinaram-me sorte. ''Tirar à sorte usando umas cordas como método de escolha era um modo de proceder à partilha e distribuição de bens (Js 17,5).</ref> num lugar delicioso.
 
 
Sim, é bela a herança que me coube!
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Quero bendizer o Senhor que me aconselha;
 
 
mesmo de noite as minhas entranhas me advertem<ref name="ftn74">Lit.:'' os meus rins.'' Rins e coração são, segundo o modo de pensar semita, a sede dos sentimentos, dos pensamentos e das decisões (Sl 7,10; 26,2; Jr 11,20, etc.).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Tenho sempre o Senhor diante de mim;
 
 
com Ele à minha direita jamais vacilarei.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Por isso, o meu coração se alegra e o meu ser<ref name="ftn75">Lit.: ''o meu fígado. ''Segundo a antropologia dos hebreus, o fígado é uma das referências que servem para representar a pessoa por inteiro, como acontece com a alma.</ref> exulta
 
 
e o meu corpo repousa em segurança.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Pois Tu não me abandonarás no mundo dos mortos,
 
 
não deixarás que o teu fiel experimente a corrupção.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Hás de ensinar-me o caminho da vida,
 
 
saciando-me de alegrias na tua presença
 
 
e delícias eternas, à tua direita<ref name="ftn76">Os dois últimos vv. exprimem de forma clara os dois caminhos que se apresentam para este mundo e para a vida depois dele: de um lado o ''Cheol'', o mundo dos mortos, e do outro a vida eterna junto de Deus (Sl 17,15; Pr 2,18-19; 15,24).</ref>.
 
 
 
17(16)'''Oração de um inocente'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Oração. De David.''
 
 
 
Escuta, Senhor, o pedido de justiça<ref name="ftn77">O título de oração quadra bem com este salmo individual de súplica: alguém que, sabendo que está inocente, vê que está a ser injustamente acusado. Por isso espera que a justiça lhe venha da intervenção de Deus. A serenidade, no final, é descrita como a felicidade de contemplar a face de Deus. Esta esperança pode conotar a experiência de paz no santuário, junto de Deus, como se ali vivesse dia e noite e despertasse pela manhã.</ref>,
 
 
atende ao meu clamor;
 
 
dá ouvidos à minha oração,
 
 
que não é de lábios mentirosos.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Que a minha sentença venha de ti;
 
 
sejam os teus olhos a ver o que está correto.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Examina o meu coração, inspeciona-o de noite;
 
 
põe-me à prova de fogo e não verás maldade em mim.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>A minha boca não cometeuas transgressões próprias de seres humanos.
 
 
Conservei-me fiel às palavras da tua boca.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Pelos atalhos da violência dá firmeza aos meus passos;
 
 
que os meus pés não vacilem nos teus caminhos.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Eu te invoco; responde-me, por favor, ó Deus!
 
 
Inclina para mim o ouvido. Escuta as minhas palavras.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Com um dos teus prodígios de fidelidade,
 
 
salva dos agressores os que se refugiam à tua direita.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Guarda-me como a pupila dos teus olhos,
 
 
esconde-me à sombra das tuas asas,
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>longe dos malfeitores que me agridem,
 
 
dos inimigos mortais que me assediam.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>A gordura fechou-lhes o coração<ref name="ftn78">Aceita-se como provável que ''ħelbamo'' corresponde a ''ħeleb libbamo, ''por'' ''ditografia. Os LXX já entenderam o texto hebraico com o significado de: ''A sua gordura tornou-os fechados.''</ref>
 
 
e a sua boca fala com arrogância.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Seguem agora os meus passos e cercam-me;
 
 
fixam os olhos em mim para me atirarem por terra.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>São semelhantes a um leão que espera a presa,
 
 
um jovem leão, deitado no seu esconderijo.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Levanta-te, Senhor, enfrenta-o e derruba-o;
 
 
com a tua espada, livra-me do malfeitor;
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>com a tua mão, Senhor, livra-me desta gente,
 
 
de homens que põem a sua esperança nesta vida.
 
 
Com os teus bens lhes enches a barriga;
 
 
os seus filhos ficam saciados
 
 
e deixam para os descendentes o que lhes sobra.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Eu, porém, pela justiça, hei de contemplar a tua face
 
 
e, ao despertar, saciar-me com a tua imagem<ref name="ftn79">Mais uma vez, os vv. 14-15 contrapõem as metas de satisfação e felicidade limitadas a este mundo e as expetativas que animam o justo de se saciar com a presença de Deus, ao despertar ou ressuscitar.</ref>.
 
 
 
18(17)'''Aparição divina e triunfo'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Do servo do Senhor, David''<ref name="ftn80">Trata-se de um salmo real de ação de graças; o sofrimento do rei é expresso como as angústias da morte; Deus revela-se-lhe e socorre-o, tendo em consideração os seus méritos, concedendo-lhe o dom da realeza e das vitórias. Poderia eventualmente ser do tempo de David. Verifica-se, de facto, que em 2Sm 22 aparece um salmo análogo a este, como hino de ação de graças que David eleva a Deus por tê-lo salvo de numerosos perigos e favorecido continuamente nas vicissitudes da sua vida agitada. Na primeira parte (vv. 2-31) refere os perigos a que David esteve exposto da parte de Saul (1Sm 18-29) e relata uma teofania divina com grandes fenómenos da natureza; na segunda (vv. 32-51) lembra o triunfo de David sobre inimigos nacionais e estrangeiros e termina com a visão de um futuro garantido pela promessa messiânica.</ref>'', o qual dirigiu ao Senhor as palavras deste cântico, no dia em que o Senhor o livrou da mão de todos os seus inimigos e da mão de Saul. Disse então David:''
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Eu te amo entranhadamente, ó Senhor, minha força!
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Senhor, meu rochedo, fortaleza e proteção!
 
 
Ó meu Deus, abrigo onde me refugio,
 
 
meu escudo e força de salvação, meu baluarte de defesa!
 
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Invoquei o Senhor que é digno de louvor
 
 
e fui salvo dos meus inimigos.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Cercaram-me as ondas da morte,
 
 
e as vagas destruidoras me aterrorizavam.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>O abismo da morte<ref name="ftn81">O abismo da morte é, em hebraico, o ''Cheol'', lugar da morte sem esperança. Os laços referidos são redes com que se imagina que os poderes do mundo dos mortos prendem os que a ele descem. Morte, ''Cheol'' e Belial aparecem nos vv. 5-6 como entidades que personificam o mundo dos mortos.</ref> envolvia-me em seus laços,
 
 
e as suas redes mortíferas<ref name="ftn82">Lit.: ''de Belial.'' A palavra pode significar ''coisa sem valor'' e pode também significar ''sem se poder subir''. Facilmente pode aparecer conotado com aspetos de teor demoníaco.</ref> alcançavam-me.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Na minha angústia invoquei o Senhor,
 
 
e para o meu Deus dirigi o meu grito.
 
 
Do seu santuário, Ele ouviu a minha voz;
 
 
o meu clamor junto dele chegou aos seus ouvidos.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Então a terra tremeu e foi sacudida<ref name="ftn83">Nos vv. 8-16 são referidos os mais impressionantes fenómenos atmosféricos, onde se mostra o poder de Deus. Esta epifania do poder divino vista nos prodígios da natureza é caraterística da linguagem religiosa do mundo de Canaã, e a Bíblia faz-se eco dessa mesma linguagem para falar de Deus.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
as bases das montanhas estremeceram,
 
 
sacudidas pelo ardor da sua ira.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Subia fumo das suas narinas;
 
 
e da sua boca, um fogo devorador,
 
 
de onde saltavam carvões ardentes.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Ele inclinou os céus e desceu,
 
 
com densas nuvens debaixo dos seus pés.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Montado sobre um querubim, Ele voou,
 
 
transportado nas asas do vento.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Fez das trevas o seu véu;
 
 
águas profundas e nuvens densas
 
 
eram a tenda à sua volta.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Ao fulgor da sua presença,
 
 
as suas nuvens transformaram-se
 
 
em granizo e carvões acesos.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Dos céus, o Senhor fez trovejar,
 
 
o Altíssimo lançou a sua voz<ref name="ftn84">O trovão é a metáfora mais conhecida para exprimir a voz de Deus no discurso religioso desta região, ao longo de milénios. O exemplo mais expressivo disso é o Sl 29.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Desferiu as suas setas e dispersou os inimigos,
 
 
e pô-los em fuga com os relâmpagos.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Então ficaram à vista as profundezas do mar,
 
 
e revelaram-se os fundamentos do universo.
 
 
Tudo por causa das tuas ameaças, ó Senhor,
 
 
e pelo sopro impetuoso da tua ira.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Do alto, Deus estendeu a mão e agarrou-me;
 
 
retirou-me das águas caudalosas.
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Livrou-me de inimigos poderosos,
 
 
que me odiavam e eram mais fortes do que eu.
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Atacaram-me pela frente, no meu dia de desgraça,
 
 
mas o Senhor veio em meu auxílio.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Fez-me sair para um lugar espaçoso;
 
 
libertou-me, porque me quer bem.
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>O Senhor recompensou-me conforme a minha justiça,
 
 
retribuiu-me pela pureza das minhas mãos.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>22</sup></span>É que eu segui os caminhos do Senhor
 
 
e não me afastei do meu Deus como qualquer malfeitor.
 
 
<span style="color:red"><sup>23</sup></span>Pois tinha os seus mandamentos diante de mim
 
 
e não afasto de mim os seus preceitos.
 
 
<span style="color:red"><sup>24</sup></span>Tenho sido irrepreensível para com Ele,
 
 
resguardando-me de qualquer culpa.
 
 
<span style="color:red"><sup>25</sup></span>E então o Senhor retribuiu-me conforme a minha justiça,
 
 
e a pureza das minhas mãos, diante dos seus olhos.
 
 
<span style="color:red"><sup>26</sup></span>Tu mostras que és fiel com quem é fiel;
 
 
e és íntegro para quem é íntegro.
 
 
<span style="color:red"><sup>27</sup></span>És leal para com os que te são leais
 
 
e por quem é astuto não te deixas enganar.
 
 
<span style="color:red"><sup>28</sup></span>Pois Tu salvas o povo humilde,
 
 
mas rebaixas os de olhar altivo.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>29</sup></span>Senhor, Tu és a luz da minha candeia;
 
 
és o meu Deus, que ilumina as minhas trevas.
 
 
<span style="color:red"><sup>30</sup></span>Contigo posso investir contra um exército;
 
 
com o meu Deus assaltarei muralhas.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>31</sup></span>O caminho de Deus é perfeito,
 
 
a palavra do Senhor é à prova de fogo.
 
 
Ele é o protetor para todos os que nele confiam.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>32</sup></span>Quem é Deus, a não ser o Senhor?
 
 
Quem é um rochedo, senão o nosso Deus?
 
 
<span style="color:red"><sup>33</sup></span>Ele é o Deus que me reveste de coragem
 
 
e faz que o meu caminho seja direito.
 
 
<span style="color:red"><sup>34</sup></span>Ele torna os meus pés ágeis como os das corças
 
 
e faz-me andar seguro pelas montanhas<ref name="ftn85">Lit.: ''pelos meus lugares altos.''</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>35</sup></span>Ele adestrou minhas mãos para o combate
 
 
e os meus braços para manejar o arco de bronze.
 
 
<span style="color:red"><sup>36</sup></span>Tu deste-me o teu escudo de salvação;
 
 
a tua direita sustentou-me,
 
 
e a tua bondade fez-me prosperar.
 
 
<span style="color:red"><sup>37</sup></span>Deste largueza aos meus passos,
 
 
e os meus tornozelos não vacilaram.
 
 
<span style="color:red"><sup>38</sup></span>Persegui os meus inimigos até os alcançar
 
 
e não retrocedi sem os ter derrotado.
 
 
<span style="color:red"><sup>39</sup></span>Derrubei-os e não puderam levantar-se;
 
 
caíram debaixo dos meus pés.
 
 
<span style="color:red"><sup>40</sup></span>Tu revestiste-me de força para o combate
 
 
e submeteste os adversários a meus pés.
 
 
<span style="color:red"><sup>41</sup></span>Fizeste com que os inimigos me virassem as costas,
 
 
para eu poder exterminar os que me odeiam.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>42</sup></span>Gritaram por socorro: não houve quem acudisse;
 
 
invocaram o Senhor, mas Ele não lhes respondeu.
 
 
<span style="color:red"><sup>43</sup></span>E eu dispersei-os como pó levado pelo vento;
 
 
calquei-os como lama dos caminhos.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>44</sup></span>Livraste-me das contendas de um povo
 
 
e colocaste-me à frente de nações;
 
 
povos que não conhecia prestaram-me vassalagem.
 
 
<span style="color:red"><sup>45</sup></span>Mal me ouviam, logo me obedeciam.
 
 
Alguns estrangeiros procuravam os meus favores.
 
 
<span style="color:red"><sup>46</sup></span>Outros estrangeiros fraquejavam
 
 
e saíam a tremer dos seus abrigos.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>47</sup></span>Viva o Senhor! Bendito seja o meu protetor!
 
 
Glorificado seja o Deus que é minha salvação.
 
 
<span style="color:red"><sup>48</sup></span>Ele é o Deus que me concedeu vingança
 
 
e submeteu os povos ao meu poder.
 
 
<span style="color:red"><sup>49</sup></span>Livrou-me dos meus inimigos,
 
 
ergueu-me acima dos meus adversários,
 
 
livrou-me do homem violento.
 
 
<span style="color:red"><sup>50</sup></span>Por isso, te louvarei entre os povos, ó Senhor,
 
 
e cantarei hinos ao teu nome.
 
 
<span style="color:red"><sup>51</sup></span>Ele concede grandes vitórias ao seu rei,
 
 
e mostra a sua fidelidade para com o seu ungido,
 
 
para com David e a sua descendência, para sempre.
 
 
 
19(18)'''Louvor a Deus criador e legislador'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Salmo de David.''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Os céus proclamam a glória de Deus<ref name="ftn86">Este salmo é um hino à glória de Deus, representada em dois planos: o poder e sabedoria de Deus que se manifesta na ordem geral do universo (vv. 1-7), especialmente no céu (8,2-7), e a perfeição da lei de Deus e da sua ação (vv. 8-12). Os seres da natureza e mesmo os dias e as noites são tratados como personificações de um salmista que com a sua voz canta os louvores de Deus. O final é uma súplica, pedindo a capacidade de pôr em prática essa lei (v. 13-15).</ref>,
 
 
e o firmamento anuncia a obra das suas mãos.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Um dia passa mensagem ao outro dia
 
 
e uma noite dá conhecimento à outra noite.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Sem palavras nem discursos,
 
 
sem mesmo se ouvir a sua voz,
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>o seu eco ressoa por toda a terra
 
 
e as suas mensagens, até aos confins do universo,
 
 
entre eles Deus fez uma tenda para o sol.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>É dali que ele sai, como um noivo do seu tálamo,
 
 
e, qual herói, percorre alegre o seu caminho.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Num extremo dos céus tem a sua saída,
 
 
e a sua órbita assenta no outro extremo.
 
 
E nada escapa ao seu calor<ref name="ftn87">A principal metáfora desta voz de Deus que enche de glória e de louvor o universo é o próprio sol, cujo percurso diário é uma completa liturgia de luz e de louvor.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>A lei<ref name="ftn88">Com a palavra ''lei'' traduz-se aqui o termo ''torah'', que significa ''ensino, instrução'' e significa toda a espécie de lições e ensinamentos; poderíamos dizer que abarca todo o conteúdo do AT, apesar de a expressão de Lei de Moisés se ter tornado uma referência específica aos primeiros cinco livros da Bíblia.</ref> do Senhor é perfeita, reconforta a alma;
 
 
os avisos do Senhor são firmes, dão sabedoria aos simples.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>As ordens do Senhor são retas, alegram o coração;
 
 
os preceitos do Senhor são claros, iluminam os olhos.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>O temor do Senhor é puro, permanece para sempre;
 
 
as sentenças do Senhor são a verdade, todas elas são justas.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>São mais desejáveis que o ouro, o ouro mais fino
 
 
e mais doces que o mel, o puro mel dos favos.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Também o teu servo se deixa iluminar por elas
 
 
e tem grande proveito em cumpri-las.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Mas quem poderá reconhecer os seus erros?
 
 
Perdoa-me as faltas desconhecidas.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Preserva também da soberba<ref name="ftn89">Para exprimir este conceito o hebraico usa um termo no plural, ''zedim'', que tanto poderia referir-se aos orgulhosos como significar uma atitude de espírito em que o plural sublinha a multiplicidade de matizes. O plural é usado em hebraico para exprimir ideias abstratas ou conceitos que representam dimensões de variada complexidade, como acontece com as idades da vida.</ref> este teu servo,
 
 
para que ela não me domine.
 
 
Então serei perfeito e ficarei inocente de falta grave.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Aceita com benevolência as palavras da minha boca;
 
 
chegue a ti o murmúrio do meu coração,
 
 
ó Senhor, meu rochedo e meu libertador.
 
 
 
20(19)'''Oração pelo rei'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Salmo de David''.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Que o Senhor te responda no dia da angústia<ref name="ftn90">Este salmo tem como tema a realeza, a qual é de grande significado em todas as culturas do Antigo Oriente. O enquadramento cultual ou litúrgico não aparece muito definido. Alguns traços poderiam fazer lembrar as guerras de David contra os amonitas e os sírios (2Sm 8,15; 10,6-19). O salmo foi sendo usado para intenções mais gerais da monarquia. Vários tipos de celebrações poderiam prestar-se a estes temas: celebrações regulares como a festa do Ano Novo e outras celebrações por ocasião de acontecimentos relevantes para a vida do povo.</ref>
 
 
e o nome do Deus de Jacob te proteja.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Que do santuário Ele te envie socorro
 
 
e de Sião te sustente.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Que Ele recorde todas as tuas ofertas
 
 
e receba com agrado o teu sacrifício<ref name="ftn91">Havia um género de sacrifícios que constituíam uma preparação espiritual para a guerra e dos quais se esperava ajuda para alcançar a vitória (1Sm 7,8-10; 13,9-12).</ref>.''Pausa''
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Que Ele te conceda o que o teu coração deseja
 
 
e preencha todos os teus anseios.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Rejubilaremos com a tua salvação<ref name="ftn92">O principal dos contextos em que aparece enquadrado o conceito de salvação é justamente o da guerra. É por isso muito frequente a tradução de salvação como triunfo ou vitória, como podia ser o caso também aqui.</ref>,
 
 
e ao nome do nosso Deus ergueremos bandeiras<ref name="ftn93">Esta é a tradução deste v. segundo o texto hebraico atual em que o verbo é ''nidgol, ''derivado de um substantivo que significa ''bandeira, estandarte''.'' ''A tradução dos LXX pressupõe um texto hebraico com o significado de ''e engrandeceremos o nome do nosso Deus''. Esta tradução pressupõe apenas uma troca fácil de posição entre duas letras seguidas, ficando o verbo a ler-se ''nigdol.''</ref>.
 
 
Que o Senhor satisfaça todos os teus desejos.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Agora tenho a certeza
 
 
de que o Senhor deu a vitória ao seu ungido.
 
 
Do alto dos céus, seu santuário, Ele lhe responde
 
 
e o salva com a força da sua mão direita.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Uns confiam nos carros, outros nos cavalos.
 
 
Nós, porém, recordamos o nome do Senhor, nosso Deus<ref name="ftn94">Esta confiança não é apenas retórica de cariz religioso. A modéstia política e económica de Israel quase só lhe permitiam formular este desejo de que, sentindo a proteção de Deus, isso lhes garantisse a razão e a justiça a que se julgavam com direito. Na verdade, as memórias de guerra dos hebreus prendem-se mais com a situação de invadidos do que com a de invasores.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Eles fraquejaram e sucumbiram;
 
 
mas nós ficámos de pé e resistimos.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>O Senhor dá a vitória ao rei
 
 
e responde-nos no dia em que o invocamos.
 
 
 
21(20)'''Ação de graças pelo rei'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Salmo de David''.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Senhor, o rei alegra-se com o teu poder<ref name="ftn95">Este salmo real manifesta a esperança que a função do rei suscita em Israel e a confiança de que ele seja uma garantia da proteção de Deus. As manifestações entusiastas de alegria repetidas ao longo do salmo podem sugerir a sua utilização em celebrações da realeza no santuário. Este salmo faz pendão com o anterior, porque representa a ação de graças depois da vitória conseguida na guerra.</ref>.
 
 
Como ele exulta com a tua salvação!
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Satisfizeste os desejos do seu coração
 
 
e não recusaste os pedidos da sua boca.''Pausa''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Saíste ao seu encontro com bênçãos de prosperidade;
 
 
puseste na sua cabeça uma coroa de ouro fino<ref name="ftn96">O rei não somente parece estar presente na celebração onde é proclamado este salmo, mas, mais do que isso, parece estar no centro de uma cerimónia de entronização. Deve também sublinhar-se que, mesmo tendo o rei e as suas funções como destinatários diretos, este salmo é também de grande significado para todo o povo.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Pediu-te vida e Tu lha concedeste,
 
 
vida prolongada, por séculos sem fim<ref name="ftn97">Este pedido de vida muito prolongada condiz bem com as sensibilidades com que se encarava a função da realeza. Pela sua natureza e pelo seu significado era caraterizada como realeza eterna. Estas expressões constavam já na linguagem da Mesopotâmia a respeito da realeza. Tais metáforas de tempo eterno enquadram-se bem com as conotações de messianismo que sempre se articularam com as da realeza terrena.</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Grande é a sua glória, graças à tua ajuda;
 
 
cumulaste-o de esplendor e majestade.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Dispuseste para ele bênçãos<ref name="ftn98">Ou: ''Fizeste dele uma ocasião de bênçãos''.</ref> sem fim
 
 
e leva-lo a contemplar com alegria a tua face.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Sim, o rei confia no Senhor
 
 
e pela bondade do Altíssimo não vacilará.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Levantarás a tua mão contra todos os teus inimigos<ref name="ftn99">As metáforas que descrevem a ação sobre os inimigos, com as proezas descritas entre os vv. 9-13, correspondem a uma linguagem normalmente referida a Deus, mas podem também referir-se à ação do rei.</ref>,
 
 
a tua direita atingirá os que te odeiam.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Hás de reduzi-los a uma fornalha ardente,
 
 
quando mostrares a tua face.
 
 
A ira do Senhor há de engoli-los
 
 
e serão devorados pelo fogo.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Farás desaparecer da terra a sua descendência
 
 
e a sua posteridade entre os humanos.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Se intentarem algum mal contra ti
 
 
e pensarem em traição, nada vão conseguir.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Porque tu os obrigarás a virar costas,
 
 
apontando contra eles o teu arco.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Levanta-te, Senhor, com a tua força,
 
 
e nós cantaremos e celebraremos o teu poder.
 
 
 
22(21)'''A paixão do justo'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Pela melodia "A corça da aurora". Salmo de David.''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste<ref name="ftn100">Temos aqui um bom exemplo de um salmo individual de súplica. Os pormenores com que se descreve a experiência de sofrimento e o sentido que lhe é atribuído fazem dele a expressão acabada de uma profunda vivência religiosa do sofrimento. As primeiras palavras são colocadas na boca de Jesus no relato evangélico da paixão (Mt 27,46; Mc 15,34). Outras passagens do mesmo aparecem noutros passos da narração da paixão de Jesus (Mt 27,35.43.46). Isto mostra que os autores do NT se serviram deste salmo para definir a cristologia, i.e., a função messiânica de Cristo. Por estas razões, o cristianismo fez deste salmo um texto de ressonâncias intensamente messiânicas, valorizando a ideia do sofrimento de uma forma que não transparecia tão claramente nas conceções tradicionais.</ref>?
 
 
As palavras do meu lamento ficam longe da minha salvação!
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Meu Deus, clamo de dia e não respondes;
 
 
de noite, e não tenho descanso.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Mas Tu és o Santo e estás sentado no trono,
 
 
por entre os louvores de Israel<ref name="ftn101">Ou: ''Mas Tu moras no santuário; / és a glória de Israel''. </ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Em ti confiaram os nossos pais;
 
 
confiaram e Tu os libertaste.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>A ti clamaram e Tu os livraste;
 
 
confiaram em ti e não ficaram desiludidos.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Eu, porém, sou um verme e não um homem,
 
 
vergonha dos humanos e desprezo da plebe.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Todos os que me veem escarnecem de mim,
 
 
abrem a boca e abanam a cabeça.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>«Recorreu ao Senhor, Ele que o livre;
 
 
Ele que o liberte, se lhe quer tanto bem».
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Na verdade, Tu me tiraste do ventre materno
 
 
e me confiaste aos seios da minha mãe.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Desde o nascimento fui entregue aos teus cuidados,
 
 
desde o ventre da minha mãe Tu és meu Deus.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Não te afastes de mim, que a aflição está perto
 
 
e não há quem me ajude.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Estou cercado por touros ferozes,
 
 
os mais fortes de Basan<ref name="ftn102">''Basan'' é uma região situada a oriente do Jordão, conhecida na época bíblica pela sua grande fertilidade. Os ataques dos seus touros fortes tornavam-se particularmente perigosos e como tal eram reconhecidos.</ref> encurralaram-me.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Escancaram contra mim as suas fauces,
 
 
como leão que despedaça e ruge.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Fui derramado como água;
 
 
e todos os meus ossos se desconjuntaram.
 
 
O meu coração está como cera,
 
 
a derreter-se no meio das minhas entranhas.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Como uma telha, a minha garganta<ref name="ftn103">Pelo texto hebraico atual deveria traduzir-se ''a minha força'', opção seguida em várias traduções. O contexto, no entanto, sugere como muito provável que duas letras hebraicas da mesma palavra, o ''kaf'' e o ''het'', se encontrem em posições trocadas, obtendo-se assim a tradução referida acima, a qual é assumida em muitas traduções.</ref> está seca,
 
 
e a minha língua, colada ao céu da boca;
 
 
a morte reduziu-me a pó<ref name="ftn104">Traduções antigas sugerem para o texto hebraico consonântico a leitura ''reduziram-me, ''e outras traduções mais atuais sugerem ''Tu me reduzes''. A tradução proposta acima baseia-se no entendimento da morte personificada como sujeito da frase. </ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Estou cercado por matilhas de cães,
 
 
rodeia-me um bando de malfeitores.
 
 
Trespassaram as minhas mãos e os meus pés;
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>podem-se contar todos os meus ossos.
 
 
Eles observam e olham para mim.
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Repartem entre si as minhas roupas
 
 
e tiram à sorte a minha túnica.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Mas Tu, Senhor, não fiques longe!
 
 
És a minha força. Vem depressa em meu socorro.
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>Livra a minha alma da espada
 
 
e das garras dos cães, a minha única vida<ref name="ftn105">Lit.: ''A minha única.''</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>22</sup></span>Salva-me da boca do leão
 
 
e dos chifres do búfalo. Responde-me<ref name="ftn106">A última palavra do v. levanta problemas de interpretação desde as traduções antigas até às atuais. A tradução ''responde-me'' corresponde a um perfeito precativo do verbo '''anah''. A tradução alternativa ''tu respondeste-me'' considera o perfeito hebraico como narrativo.</ref>!
 
 
<span style="color:red"><sup>23</sup></span>Quero anunciar o teu nome aos meus irmãos;
 
 
no meio da assembleia te louvarei.
 
 
<span style="color:red"><sup>24</sup></span>Vós que temeis o Senhor, louvai-o!
 
 
Glorificai-o, vós todos, descendentes de Jacob.
 
 
Reverenciai-o, vós todos, descendentes de Israel.
 
 
<span style="color:red"><sup>25</sup></span>Pois não mostrou desprezo nem repugnância
 
 
para com o pobre desgraçado.
 
 
Não desviou dele a sua face,
 
 
mas ouviu-o, quando este lhe pediu socorro.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>26</sup></span>Por ti multiplicarei o meu louvor<ref name="ftn107">Ou: ''De ti vem o meu louvor.''</ref> na grande assembleia;
 
 
cumprirei os meus votos na presença dos que o temem.
 
 
<span style="color:red"><sup>27</sup></span>Os pobres comerão e ficarão saciados;
 
 
e louvarão o Senhor os que o procuram.
 
 
«Viva para sempre o vosso coração!».
 
 
 
<span style="color:red"><sup>28</sup></span>Hão de lembrar-se e voltarão para o Senhor
 
 
todos os confins da terra.
 
 
E hão de prostrar-se diante dele<ref name="ftn108">Segundo as versões antigas. Lit.: ''diante de ti.''</ref>
 
 
todas as famílias de povos.
 
 
<span style="color:red"><sup>29</sup></span>Pois ao Senhor pertence a realeza;
 
 
é Ele quem governa as nações.
 
 
<span style="color:red"><sup>30</sup></span>E perante Ele se prostrarão<ref name="ftn109">Lit.: ''Comerão e se prostrarão.''</ref> todos os grandes da terra;
 
 
diante dele se inclinarão todos os que descem ao pó.
 
 
E se estes já não vivem<ref name="ftn110">Ou: ''Mas a minha alma por Ele viverá''.</ref>,
 
 
<span style="color:red"><sup>31</sup></span>os descendentes hão de servi-lo.
 
 
E assim se falará do Senhor à geração que há de vir.
 
 
<span style="color:red"><sup>32</sup></span>E anunciarão a sua justiça
 
 
a um povo que há de nascer,
 
 
dizendo: «Foi Ele quem o fez».
 
 
 
23(22)'''O bom pastor'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Salmo. De David.''
 
 
 
O Senhor é meu pastor<ref name="ftn111">Este salmo é um exemplo maior de um salmo individual de confiança em Deus. Para exprimir o cuidado e a proteção que Deus vota ao seu povo, serve-se de uma metáfora particularmente bem enquadrada no modo de vida tradicional dos hebreus. Estes tinham vivido sobretudo dedicados à pastorícia. O seu caráter idílico e enternecedor envolve, no entanto, uma perspetiva teórica bem profunda e representativa da função de cuidar estendida a todo o povo. É que esta mesma metáfora serve para descrever a função dos reis, cujo governo se exprime também com o título de pastor. Este era o entendimento que se fazia das funções do rei entre os povos do antigo Oriente. O prólogo e o epílogo do código de Hamurábi documentam de forma clara este modo de pensar e na própria Bíblia os governantes são tratados frequentemente com a metáfora de pastores. Atribuir esse cuidado igualmente a Deus significa que, se o rei não cuidar suficientemente, Deus o fará.</ref>, nada me falta,
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>em verdes prados me leva a descansar.
 
 
Conduz-me às águas refrescantes
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>e reconforta a minha alma.
 
 
Ele guia-me pelos caminhos retos,
 
 
por amor do seu nome<ref name="ftn112">O nome define e representa a pessoa. Os atributos que definem a nossa conceção de Deus exprimem o modo como Ele se relaciona e intervém na vida humana.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Mesmo que eu ande por vales tenebrosos,
 
 
não temerei mal algum.
 
 
Porque Tu estás comigo,
 
 
a tua vara e o teu cajado me dão coragem.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Preparas a mesa para mim<ref name="ftn113">A partir dos significados sugeridos pela metáfora do pastor, o salmista descreve os cuidados pessoais e sociais mais significativos que o Deus pastor proporciona, nomeadamente satisfação face aos inimigos, felicidade e presença nas celebrações do templo.</ref>,
 
 
à vista dos meus inimigos.
 
 
Com óleo me perfumaste a cabeça,
 
 
e a minha taça ficou a transbordar.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Sim, a bondade e a misericórdia me acompanharão
 
 
todos os dias da minha vida.
 
 
E habitarei na casa do Senhor<ref name="ftn114">Ou: ''e voltarei à casa do Senhor.''</ref>,
 
 
ao longo dos dias.
 
 
 
24(23)'''Cântico processional '''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''De David. Salmo''.
 
 
 
Ao Senhor pertence a terra e o que ela contém<ref name="ftn115">O teor solene deste salmo faz dele um caraterístico salmo litúrgico. O apanhado de temas concentrado neste pequeno texto exprime bem a capacidade de síntese que é própria da literatura litúrgica: afirma a soberania universal de Deus (vv. 1-2), trata das exigências relativas aos que tomam parte no culto (vv. 3-6) e proclama a ressonância e o simbolismo dos momentos mais solenes do ritual (vv. 7-10). </ref>,
 
 
o mundo e quantos nele habitam.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Pois Ele estabeleceu-a sobre os mares
 
 
e consolidou-a sobre as correntes profundas<ref name="ftn116">A conceção cosmológica que aqui está pressuposta é a de que a terra assenta por meio de fortes colunas sobre um oceano inferior, onde se encontram também em ação fortes correntes, como nos mares superiores. </ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Quem poderá subir à montanha do Senhor
 
 
e permanecer no seu santuário?
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Aquele que tiver mãos limpas e coração puro,
 
 
não corre atrás daquilo que é vão<ref name="ftn117">Lit.: ''não transporta a sua alma para aquilo que é vão''. É uma referência ao culto dos falsos deuses que durante muito tempo atraiu o povo dos hebreus.</ref>,
 
 
nem jura por aquilo que é falso.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Esse levará bênção da parte do Senhor
 
 
e justiça da parte de Deus, seu salvador.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Esta é a geração dos que o procuram,
 
 
dos que buscam a face do Deus de Jacob<ref name="ftn118">Lit.: ''os que procuram a tua face, ó ''(Deus de)'' Jacob. ''Ou: ''os que procuram a tua face, como Jacob''.</ref>.''Pausa''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Ó portas, levantai os vossos umbrais<ref name="ftn119">Este cerimonial solene de entrada parece espelhar as ressonâncias de um quadro semelhante ao descrito em 2Sm 6,11-17 sobre a entrada da arca de Deus no santuário. O texto hebraico acentua o lado retórico, dirigindo-se às portas e intimando-as a levantarem-se, como se fossem seres animados e responsáveis. Estranhando isso, o grego traduz: ''Príncipes, erguei as vossas portas''.</ref>!
 
 
Alteai-vos, pórticos antigos,
 
 
que vai entrar o rei da glória!
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Quem é esse rei da glória?
 
 
É o Senhor, poderoso herói,
 
 
o Senhor, herói na batalha.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Ó portas, levantai os vossos umbrais!
 
 
Alteai-vos, pórticos antigos,
 
 
que vai entrar o rei da glória!
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Quem é esse rei da glória?
 
 
O Senhor dos exércitos.
 
 
É Ele o rei da glória.''Pausa''
 
 
 
25(24)'''Pedido de perdão e libertação'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''De David''.
 
 
 
''Alef''
 
 
Para ti Senhor<ref name="ftn120">É um salmo individual de súplica, motivada por uma experiência de grande aflição. A súplica desenvolve-se num ritmo de meditação, o que faz dele um salmo de forte marca sapiencial. Quanto à forma literária adotada, trata-se de um salmo alfabético. O autor compraz-se em o construir seguindo verso a verso a ordem das letras no alfabeto hebraico (cf. Sl 9 nota b). Esta forma rebuscada de redação mostra que os indícios de urgência que o tema poderia sugerir não levaram a que o salmo tenha sido escrito de forma apressada. O ordenamento alfabético dos versos, ou acróstico, implica um processo de escrita moroso e pormenorizado.</ref>,
 
 
elevo a minha alma<ref name="ftn121">Esta expressão de elevar a alma sublinha o desejo e a atração por Deus (Sl 86,4; 143,8; Jr 22,27; 44,14).</ref>.
 
 
 
''Bet''
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Ó meu Deus, em ti confio.Que eu não fique desiludido,
 
 
nem escarneçam de mim os meus inimigos.
 
 
''Guimel''
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Pois os que esperam em ti não ficarão desiludidos.
 
 
Desiludam-se os que te atraiçoam sem razão.
 
 
 
''Dalet''
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Senhor, dá-me a conhecer os teus caminhos
 
 
e ensina-me as tuas sendas.
 
 
''He''
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Encaminha-me pela tua verdade e ensina-me,
 
 
pois Tu és o Deus, meu salvador.
 
 
''Vau''
 
 
Em ti confio todo o dia.
 
 
 
''Zain''
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Recorda-te, Senhor, da tua compaixão
 
 
e da tua misericórdia, que são desde sempre.
 
 
''Het''
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Não recordes os meus pecados de juventude e os meus delitos.
 
 
Lembra-te de mim, Senhor, pela tua misericórdia,
 
 
pela tua bondade, ó Senhor.
 
 
''Tet''
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>O Senhor é bom e reto.
 
 
Por isso, ensina o caminho aos pecadores.
 
 
''Yod''
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Orienta os humildes na justiça
 
 
e dá-lhes a conhecer o seu caminho.
 
 
 
''Kaf''
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Todas as sendas do Senhor são misericórdia e verdade
 
 
para os que cumprem a sua aliança e os seus preceitos.
 
 
''Lamed''
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Por amor do teu nome, Senhor,
 
 
perdoa o meu pecado, que é muito grande.
 
 
''Mem''
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Quem é o homem que teme o Senhor?
 
 
Ele lhe ensinará o caminho a escolher.
 
 
''Nun''
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>A sua alma descansará com prosperidade
 
 
e a sua descendência possuirá a terra<ref name="ftn122">Além da recompensa que o pensamento ético hebraico associa sempre com algum benefício a receber neste mundo, esta ideia de tomar posse da terra deve integrar também as naturais esperanças dos que regressavam do exílio de voltarem a sentir-se donos da terra. Neste sentido a terra seria o seu espaço de habitação, o seu país. Ampliar esta posse da terra ao horizonte do mundo todo abre já para ressonâncias de esperança messiânica (Sl 37,9).</ref>.
 
 
 
''Samek''
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>O segredo<ref name="ftn123">O termo hebraico traduzido por ''segredo'' pode significar também ''fundamento, mistério, intimidade'' (Sl 73,28; Ex 33,20; Jb 29,5; Pr 3,32; Sb 2,22). O paralelismo com o tema do conhecimento no segundo hemistíquio está, portanto, justificado (Jr 16,21; 31,34; Os 6,6).</ref> do Senhor é para aqueles que o temem,
 
 
e a sua aliança é para os levar ao conhecimento.
 
 
''Ain''
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Os meus olhos estão sempre postos no Senhor,
 
 
pois Ele tira os meus pés da armadilha.
 
 
 
''Pe''
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Volta-te para mim e tem piedade,
 
 
porque estou sozinho e humilhado.
 
 
''Sadé''
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Dá largueza às angústias do meu coração
 
 
e livra-me das minhas aflições.
 
 
''(Qof)''
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Vê<ref name="ftn124">O texto hebraico atual usa um verbo para ''vê'', que não começa pela consoante ''qof. ''Possivelmente teria anteriormente estado ali um outro sinónimo do verbo ver que seria ''qechob'' e assim teríamos a seriação alfabética correta.</ref> a minha aflição e o meu sofrimento
 
 
e apaga todos os meus pecados.
 
 
''Resh''
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Vê como são numerosos os meus inimigos,
 
 
e me odeiam com ódio cruel.
 
 
 
''Shin''
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Guarda a minha alma e livra-me.
 
 
Que eu não fique desiludido, pois confiei em ti.
 
 
''Tau''
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>Que a integridade e a retidão me protejam,
 
 
pois em ti eu pus a minha esperança.
 
 
<span style="color:red"><sup>22</sup></span>Ó Deus, resgata Israel
 
 
de todas as suas tribulações<ref name="ftn125">Este v. está fora da seriação alfabética. Pode ser um sinal de que foi um verso acrescentado ao salmo, eventualmente para melhor o integrar no conjunto dos textos a utilizar na liturgia (Sl 34,23).</ref>.
 
 
 
26(25)'''Oração de um inocente'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''De David''.
 
 
 
Faz-me justiça, Senhor, pois procedi com integridade<ref name="ftn126">Salmo individual de súplica, pronunciado por alguém que se declara cumpridor de todas as regras de boa conduta, segundo os critérios reconhecidos. Na sua confissão negativa de pecados possíveis, que não cometeu, podemos descobrir alguns dos pontos mais sensíveis da moral de um israelita. Mesmo assim, ele dispõe-se a ser examinado por Deus, de modo que as exigências de pureza pedidas a quem se apresta a entrar no santuário não sejam deficientes.</ref>.
 
 
Confiei no Senhor e não hei de fraquejar.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Examina-me, Senhor, e põe-me à prova;
 
 
purifica-me os rins e o coração<ref name="ftn127">Os ''rins'' são vistos como uma localização dos sentimentos e afetos; o ''coração'' era a localização da atividade mental dos pensamentos e das decisões. São espaços cujo significado implica e compromete toda a atividade da pessoa.</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Pois a tua misericórdia está diante dos meus olhos,
 
 
e deixo-me guiar pela tua verdade.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Não convivo com gente falsa
 
 
nem me associo com os traidores.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Detesto reuniões de criminosos
 
 
e não me sento com os malfeitores.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Lavo as minhas mãos em sinal de inocência
 
 
e vou circundar o teu altar, Senhor.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Quero entoar um cântico de louvor
 
 
e contar todas as tuas maravilhas.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Eu amo, Senhor, o interior<ref name="ftn128">Os LXX traduzem ''a beleza'', a tradução siríaca diz ''o serviço''.</ref> da tua casa,
 
 
o lugar onde reside a tua glória.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Não ceifes a minha alma junto com os pecadores,
 
 
nem a minha vida com os homens sanguinários.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Pois, nas suas mãos só há infâmia,
 
 
e a sua direita está cheia de suborno.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Eu, porém, procedo com integridade.
 
 
Livra-me e tem compaixão de mim.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Os meus pés permanecem no caminho reto;
 
 
nas assembleias bendirei o Senhor<ref name="ftn129">Provavelmente com base num texto onde a última letra de '''abarek ''estava repetida ('''abarekeka),'' os LXX traduzem ''eu te bendirei, Senhor''.</ref>.
 
 
27(26)'''Confiança do justo'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''De David''.
 
 
 
O Senhor é minha luz e minha salvação<ref name="ftn130">Este pode ser um salmo individual de confiança ou de súplica. Nos vv. 1-6 trata de uma situação de grande aflição, exprimindo sobretudo confiança. Nos vv. 7-14, a atitude é de súplica. No v. 6 faz-se referência a um sacrifício no templo, que poderia representar algum enquadramento litúrgico para o salmo.</ref>:
 
 
de quem hei de ter medo?
 
 
O Senhor é o refúgio da minha vida:
 
 
quem me pode assustar?
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Quando os malfeitores avançam contra mim,
 
 
para devorar a minha carne<ref name="ftn131">Esta metáfora terá certamente a ver com o atacar e destruir a pessoa, eventualmente por meio de acusações falsas e calúnias que agridem e destroçam.</ref>,
 
 
são eles, os meus inimigos e adversários,
 
 
que vão tropeçar e cair.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Se um exército vier acampar contra mim,
 
 
o meu coração não temerá.
 
 
Se uma guerra se levantar contra mim,
 
 
mesmo então estarei confiante.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Uma só coisa peço ao Senhor<nowiki>;</nowiki>
 
 
é isso mesmo o que eu procuro:
 
 
habitar na casa do Senhor
 
 
todos os dias da minha vida;
 
 
para contemplar o encanto<ref name="ftn132">O encanto dos acontecimentos do templo é uma maneira de contemplar Deus. É uma experiência feita com base em realidades mediadoras, pois ver a Deus tem várias limitações (Ex 24,11; Sl 11,7; 17,15; 63,3). </ref> do Senhor
 
 
e ficar em vigília no seu templo.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>No dia da adversidade,
 
 
Ele me abrigará na sua cabana;
 
 
há de esconder-me no interior da sua tenda
 
 
e colocar-me no alto de um rochedo.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>E assim Ele me ergue a cabeça,
 
 
acima dos inimigos que me rodeiam.
 
 
Oferecerei no seu santuário sacrifícios de aclamação<ref name="ftn133">Alguns sacrifícios desenrolavam-se com rituais mais solenes, nomeadamente com acompanhamento de sons de vozes e de instrumentos musicais (Lv 23,24). Estas aclamações coincidem com as vozes de estimulação e de celebração que os guerreiros fazem em momentos especiais de um combate.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
cantarei e entoarei hinos ao Senhor.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Escuta, Senhor, o clamor com que te invoco,
 
 
tem compaixão de mim e responde-me.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Por ti meu coração murmura,
 
 
e os meus olhos te procuram.
 
 
É a tua face que eu procuro, Senhor.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Não escondas de mim o teu rosto.
 
 
Não afastes com ira o teu servo.
 
 
Tu és o meu amparo.
 
 
Não me rejeites nem abandones,
 
 
ó Deus, meu salvador.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Ainda que meu pai e minha mãe me abandonem,
 
 
o Senhor há de acolher-me.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Ensina-me, Senhor, o teu caminho
 
 
e conduz-me por sendas direitas,
 
 
por causa dos meus adversários.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Não me entregues à vontade dos meus inimigos,
 
 
pois contra mim se levantaram testemunhas mentirosas,
 
 
e gente que respira violência.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Creio firmemente que hei de contemplar
 
 
a bondade do Senhor na terra dos vivos<ref name="ftn134">O final deste salmo sublinha mais uma vez o sonho da vida eterna, por meio da contemplação de Deus numa situação ou lugar a que chama terra dos vivos. Quando o judaísmo passou a referir-se à vida futura de forma mais direta e explícita este texto era interpretado neste sentido.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Confia no Senhor, sê forte.
 
 
Mantém o teu coração forte e confia no Senhor.
 
 
 
28(27)'''Súplica e ação de graças'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''De David''.
 
 
 
Por ti eu clamo, Senhor, meu rochedo<ref name="ftn135">Este salmo individual de súplica coloca em contraste a situação do orante que solicita atenção e proteção da parte de Deus e a dos pecadores, cujo castigo se pede em contrapartida. Esta parte parece que suscita mesmo mais interesse do que a súplica inicial em causa própria. A intenção de meditação profético-sapiencial condiz ainda com a conclusão da secção final que liga esta meditação à totalidade do povo governado e presidido pelo rei ungido. A intenção não se ficava, por conseguinte, pelo simples caso individual<nowiki>; alargava-se ao sentido e aos valores de toda a comunidade, e é esta representatividade para o coletivo que torna significativas as situações individuais. </nowiki></ref>.
 
 
Não fiques surdo à minha voz.
 
 
Pois, se ficasses calado a meu respeito,
 
 
eu seria semelhante aos que descem à cova.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Escuta a voz das minhas súplicas,
 
 
quando a ti grito por socorro;
 
 
quando ergo as minhas mãos<ref name="ftn136">Na tradição litúrgica da Mesopotâmia, com a qual os hebreus partilhavam muitos aspetos culturais e religiosos, havia uma categoria de orações designadas de "elevação das mãos".</ref>
 
 
para o interior do teu santuário.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Não me arrastes com os malfeitores
 
 
e com os que praticam a iniquidade.
 
 
Eles falam de paz com os seus semelhantes,
 
 
mas no seu coração têm maldade.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Retribui-lhes segundo os seus atos
 
 
e segundo a maldade dos seus crimes.
 
 
Retribui-lhes segundo a obra das suas mãos;
 
 
trata-os como eles trataram os outros.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Eles não fazem caso das ações do Senhor,
 
 
nem da obra das suas mãos.
 
 
Ele os destruirá e não os há de restabelecer<ref name="ftn137">Na experiência dos habitantes da Palestina, sofrer destruição era uma realidade bem conhecida, porque as guerras assolavam com frequência aquela região situada entre potências demasiado ambiciosas. A verdadeira desgraça ou castigo consistiria em ser destruído e não chegar a ser reconstruído (cf. Jr 1,10; 24,6; 31,28; Sl 52,7).</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Bendito seja o Senhor,
 
 
que escutou o grito das minhas súplicas.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>O Senhor é a minha força e o meu escudo;
 
 
nele confiou o meu coração.
 
 
Ele socorreu-me<ref name="ftn138">Lit.:'' Fui socorrido.''</ref>: o meu coração exulta.
 
 
Por isso, quero louvá-lo com os meus cânticos.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>O Senhor é a força do seu povo,
 
 
é fortaleza de salvação para o seu ungido.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Salva o teu povo e abençoa a tua herança;
 
 
apascenta-o e guia-o para sempre.
 
 
 
29(28)'''Hino ao Senhor da natureza'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Salmo. De David''.
 
 
 
Prestai ao Senhor<ref name="ftn139">Este salmo é um hino em que o louvor endereçado a Deus se fundamenta principalmente na maneira como ele personifica a glória e a força, a reverência e o medo que os fenómenos celestes e meteorológicos incutem nos humanos. É um sistema metafórico que marca a experiência das populações de Canaã, onde as trovoadas atemorizam, mas também são elas que anunciam a chegada da chuva e com ela a promessa de fertilidade. Além do nome do Senhor, o fio condutor do salmo é a palavra ''voz''. Esta justifica-se pela importância do trovão neste contexto e pela associação que sugere para significar a voz divina, que governa o universo de forma eficaz até às profundezas da terra. A presença de Deus balança, de forma continuada, entre os domínios da totalidade cósmica e as realidades do quotidiano político.</ref>, filhos de Deus<ref name="ftn140">A expressão ''filhos de Deus'' nas culturas cananaicas poderia significar ''deuses'', e há quem continue a traduzi-la desta maneira. A intensa tonalidade cananaica que este salmo apresenta pode dar alguma probabilidade a esta hipótese. Traduzida literalmente como ''filhos de Deus'' pode aplicar-se a seres superiores entendidos como situados acima do humano, por vezes algo semelhante a anjos (Gn 6,2.4; Jb 1,6; 2,1; 38,7; Sl 89,7). A expressão é também usada para significar personagens a exercer funções com algum destaque na comunidade como são os levitas, cujas funções justificam que se apresentem revestidos de ornamentos sagrados (1Cr 16,29; 2Cr 20,21). O contexto do salmo parece aludir a funções litúrgicas solenes dos levitas (v. 2).</ref>,
 
 
prestai ao Senhor glória e poder.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Prestai ao Senhor a glória do seu nome,
 
 
adorai o Senhor no átrio sagrado<ref name="ftn141">Lit.: ''no esplendor de santidade.'' Poderia entender-se como o espaço do santuário, como entende a tradução dos LXX; poderia também entender-se como descrevendo o momento de uma manifestação esplendorosa de Deus.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>A voz do Senhor ecoa sobre as águas<ref name="ftn142">Ou: ''contra as águas. ''O teor geral do salmo sugere um confronto de Deus com algumas realidades transcendentes da natureza; este contexto poderia justificar a tradução ''contra''. Com esta tradução mais se explicitariam as referências à literatura cananaica anterior à Bíblia sobre a vitória de Baal contra o mar.</ref>,
 
 
o Deus glorioso fez ressoar o trovão<ref name="ftn143">A voz de Deus, que é a metáfora mais usada neste salmo para identificar Deus, está representada pelo trovão. Por entre a variedade de realidades da natureza, é ele que mais diretamente marca a presença e a intervenção de Deus.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
o Senhor está sobre as águas caudalosas<ref name="ftn144">As águas caudalosas podem ser uma alusão ao tema do dilúvio, que na linguagem bíblica assume a ressonância das águas do caos dominado por Deus com o seu poder. </ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>A voz do Senhor é poderosa,
 
 
a voz do Senhor tem majestade.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>A voz do Senhor derruba os cedros,
 
 
o Senhor derruba os cedros do Líbano.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Ele faz saltar o Líbano como um bezerro
 
 
e o Sírion<ref name="ftn145">''Sírion'' era o nome que os cananeus e fenícios davam ao monte Hermon (Dt 3,9). Este v. apresenta em paralelismo os montes do Líbano e do Anti-Líbano.</ref> como um novilho.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>A voz do Senhor projeta
 
 
labaredas de fogo.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>A voz do Senhor faz tremer o deserto,
 
 
o Senhor faz tremer o deserto de Cadés<ref name="ftn146">O discurso cultural cananaico e seguidamente o bíblico tendem a sublinhar algum paralelismo entre as águas do oceano e o deserto, para representar as forças de caos que oferecem resistência à intervenção dominadora de Deus.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>A voz do Senhor dobra os carvalhos<ref name="ftn147">O paralelismo do v. sugere esta tradução. Segundo a vocalização massorética, poderia ser: ''faz abortar as gazelas''.</ref>
 
 
e desnuda as florestas.
 
 
E por todo o seu templo
 
 
ressoa um grito de glória.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>O Senhor está no trono, acima do dilúvio<ref name="ftn148">Para além do pressuposto no relato do dilúvio (Gn 6,9), pode haver aqui restos de uma conceção sobre a existência de um oceano nos céus, acima do qual estaria assente o trono de Deus.</ref>,
 
 
o Senhor está no trono como rei para sempre.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>O Senhor dá força ao seu povo,
 
 
o Senhor abençoa o seu povo na paz<ref name="ftn149">Ou: ''com a paz''.</ref>.
 
 
30(29)'''Ação de graças depois do perigo'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Salmo. Cântico de consagração do templo. De David''.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Eu canto a tua grandeza, Senhor, pois me resgataste<ref name="ftn150">Na sua forma literária, este é um salmo individual de ação de graças. Celebra a cura conseguida, depois de uma doença que deixara o orante às portas da morte. A tradição judaica acabou por associar esta oração à festa da reconsagração do templo, a ''Hanuká, ''depois da profanação no tempo dos Selêucidas (1Mac 4,36-59). Isto atribuiu-lhe uma projeção que a simples história relatada como justificação para a ação de graças poderia não traduzir por completo.</ref>
 
 
e não deixaste que os meus inimigos se rissem de mim.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Clamei por ti, ó Senhor, meu Deus,
 
 
e Tu me curaste.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Do abismo da morte retiraste a minha alma, Senhor<nowiki>;</nowiki>
 
 
restituíste-me a vida, para eu não descer à cova.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Cantai salmos ao Senhor, vós, seus fiéis;
 
 
entoai hinos de louvor, lembrando a sua santidade.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Pois a sua ira dura apenas um momento,
 
 
mas a sua benevolência é para a vida inteira.
 
 
Ao entardecer, vem o meu choro pernoitar;
 
 
ao amanhecer, vem a alegria.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Na minha felicidade, eu dizia:
 
 
«Jamais serei abalado!».
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Com a tua benevolência, Senhor,
 
 
tornaste-me mais estável que as altas montanhas<ref name="ftn151">Lit.: ''poderosas montanhas''.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
mas, se escondes a tua face, fico perturbado.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Por ti, Senhor, eu clamo
 
 
e imploro a misericórdia do Senhor.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Que vantagem virá da minha morte<ref name="ftn152">Lit.: ''do meu sangue.''</ref>,
 
 
da minha descida à sepultura?
 
 
Porventura poderá louvar-te o pó?
 
 
Poderá proclamar a tua fidelidade?
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Escuta, Senhor, e tem compaixão de mim.
 
 
Sê Tu, Senhor, o meu auxílio.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Para mim, converteste o meu pranto numa dança;
 
 
retiraste-me a veste de penitência e ornaste-me de alegria.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Por isso, o meu ser<ref name="ftn153">O TM vocalizou com o significado de ''glória'' o termo que o hebraico consonântico usava com o significado de ''meu fígado''. Tal como ''alma'', ''coração'' e ''rins'', o fígado é também uma forma equivalente para designar a totalidade do ser humano.</ref> te cantará sem cessar;
 
 
louvar-te-ei para sempre, Senhor, meu Deus.
 
 
 
31(30)'''Apelo na aflição'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Salmo. De David''.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Em ti, Senhor, procurei refúgio<ref name="ftn154">Este salmo é uma oração de cariz individual que recobre os temas de súplica, confiança e ação de graças. A concluir transforma-se num hino de louvor e não deixa de endereçar uma interpelação de sabor profético e sapiencial à comunidade inteira de Israel. Verifica-se mais uma vez como os temas e a intencionalidade dos salmos se movimentam das tonalidades mais pessoais até aos horizontes mais comunitários.</ref>.
 
 
Que eu jamais fique desiludido.
 
 
Livra-me, pela tua justiça.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Inclina para mim os teus ouvidos;
 
 
vem depressa libertar-me.
 
 
Sê para mim uma rocha de segurança,
 
 
uma fortaleza para me salvar.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Sim, Tu és o meu rochedo e a minha fortaleza;
 
 
por amor do teu nome, guia-me e conduz-me.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Livra-me da rede que esconderam contra mim,
 
 
pois Tu és o meu refúgio.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Nas tuas mãos entrego o meu espírito<ref name="ftn155">A expressão o ''meu espírito'' (''ruḥi'') representa a totalidade da vida que se entrega nas mãos de Deus; não se associa explicitamente à respiração como acontece em Gn 2,7, se bem que esteja também associada com o vento, como em Gn 1,2. Esta parte do homem é algo de divino que está presente no homem vivo, e com a morte se entrega de novo a Deus. Esta é a frase citada por Lc 23,46, onde Jesus entrega o seu espírito ao Pai.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
salva-me, ó Senhor, Deus fiel.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Eu detesto<ref name="ftn156">Ou, segundo as antigas versões: ''Tu detestas''.</ref> os que seguem ilusões vazias<ref name="ftn157">O termo que aqui se traduz por ilusões é o mesmo que no Coélet se traduz por ''ilusão''. O significado que a linguagem bíblica sugere é o de uma referência aos ídolos falsos, vistos mais como um sistema de referências culturais e normas de vida. Por isso o verbo que se usa para exprimir a relação com eles é ''seguem'' (''chomerim''), que não traduz tão explicitamente a adoração votada a uma entidade divina. O impacte destas divindades era mais uma questão de influência cultural que de piedade ou devoção.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
e, por mim, confio no Senhor.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Hei de alegrar-me e regozijar com a tua misericórdia,
 
 
pois Tu viste a minha miséria,
 
 
e reconheceste as angústias da minha alma.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Não me deixaste preso na mão do inimigo,
 
 
mas deste aos meus pés caminho aberto.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Tem piedade de mim, Senhor, que estou em aflição:
 
 
os meus olhos consomem-se de tristeza,
 
 
bem como a alma e as entranhas.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>A minha vida esgotou-se na amargura,
 
 
e os meus anos em gemidos.
 
 
As minhas forças decaíram com esta aflição<ref name="ftn158">O termo do texto hebraico consonântico permitiria traduzir: ''com a minha iniquidade''. O TM vocalizou neste sentido, mas as traduções antigas e o contexto apontam para a opção assumida nesta tradução.</ref>,
 
 
e os meus ossos consumiram-se.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Sou objeto de escárnio para os meus inimigos,
 
 
e mais ainda de desprezo para os meus vizinhos.
 
 
Sou motivo de terror para os meus conhecidos;
 
 
ao verem-me na rua, afastam-se de mim.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Sou um morto esquecido e apagado dos corações;
 
 
sou como um objeto perdido.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Eu ouvia os gritos da multidão,
 
 
cercado pelo terror.
 
 
Pois conspiravam todos contra mim
 
 
e combinavam tirar-me a vida.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Eu, porém, confio em ti, Senhor,
 
 
e digo: «Tu és o meu Deus».
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Cada momento meu está nas tuas mãos.
 
 
Livra-me da mão dos meus inimigos e perseguidores.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Faz brilhar sobre o teu servo a luz da tua face;
 
 
salva-me pela tua misericórdia.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Senhor, que eu não fique envergonhado,
 
 
pois clamei por ti.
 
 
Fiquem envergonhados os malfeitores,
 
 
reduzidos ao silêncio da morte<ref name="ftn159">Lit.: ''do Cheol ''(cf. Sl 6,6).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Calem-se os lábios mentirosos,
 
 
que proferem insolências contra o justo,
 
 
com arrogância e desprezo.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Como é grande, Senhor, a tua bondade,
 
 
que tens reservada para os que te temem.
 
 
Tu a realizas por aqueles que em ti confiam,
 
 
à vista de todos os humanos.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>Tu os escondes e resguardas na tua presença,
 
 
contra as intrigas do homem;
 
 
na tua tenda os guardas
 
 
longe das línguas da discórdia.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>22</sup></span>Bendito seja o Senhor,
 
 
pois a sua misericórdia para comigo
 
 
fez maravilhas na cidade fortificada.
 
 
<span style="color:red"><sup>23</sup></span>E eu, na minha ansiedade, dizia:
 
 
«Fui excluído de diante dos teus olhos!».
 
 
Tu, porém, ouviste o brado da minha súplica,
 
 
quando eu por ti clamei.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>24</sup></span>Amai o Senhor, todos os que sois seus amigos,
 
 
pois o Senhor protege os que lhe são fiéis<ref name="ftn160">É igualmente possível traduzir'' pois o Senhor guarda fidelidade.'' O contexto, na verdade, permite os dois tipos de tradução e o TM parece apontar mais nesta direção.</ref>
 
 
mas castiga, retribuindo a dobrar
 
 
a quem se comporta com arrogância.
 
 
<span style="color:red"><sup>25</sup></span>Sede fortes e animem-se os vossos corações,
 
 
todos vós que pondes a esperança no Senhor.
 
 
 
32(31)'''Perdão e ação de graças'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''De David. Poema''.
 
 
 
Feliz daquele que viu a sua culpa levantada<ref name="ftn161">Este salmo individual de súplica é sobretudo uma meditação a respeito do valor da felicidade que consiste em saber arrepender-se. O ensinamento que parece transmitir a respeito do que deve ser uma atitude de arrependimento pode ficar bem enquadrado com o título de ''maśkîl'' ou ''poema didático ''que lhe foi atribuído pela tradição.</ref>
 
 
e o seu pecado apagado.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Feliz o homem a quem o Senhor não acusa de maldade
 
 
e que no seu espírito não tem falsidade.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Tentando calar-me, consumiam-se-me os ossos
 
 
entre gemidos, durante o dia inteiro.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Pois, dia e noite, a tua mão pesava sobre mim,
 
 
secando a minha seiva como o calor do verão.''Pausa''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Sempre te confesso o meu pecado;
 
 
nunca escondi a minha maldade.
 
 
Eu dizia: «Vou confessar a minha culpa diante do Senhor!»,
 
 
e Tu perdoaste a culpa do meu pecado.''Pausa''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Por isso, todo o fiel se dirige a ti rezando,
 
 
quando se encontra em tribulação.
 
 
Mesmo que transbordem águas caudalosas,
 
 
jamais o hão de atingir.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Tu és o meu abrigo: livras-me da angústia
 
 
e me envolves em gritos de libertação.''Pausa''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>«Vou fazer-te compreender e instruir-te<ref name="ftn162">O termo hebraico aqui traduzido por ''instruir'' (''hiśkîl'') é o mesmo que dá origem ao termo que, no título do salmo, se traduz por ''poema ''(''maśkîl'') (cf. Sl 42; 44-45; 52-55; 74; 78; 88-89; 142). No Sl 47,8 o termo ''maśkîl'' parece indicar uma maneira especial de salmodiar. Com estas tonalidades de elaboração literária e intenção instrutiva, este salmo faz parte do grupo dos chamados penitenciais. </ref>
 
 
no caminho que deves seguir.
 
 
De olhos postos em ti, serei teu conselheiro.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Não sejas como cavalo ou jumento sem entendimento;
 
 
só com freio e cabresto o seu ímpeto se domina.
 
 
Que ele não se aproxime de ti».
 
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Muitos sofrimentos esperam o malfeitor.
 
 
Mas quem confia no Senhor está rodeado de misericórdia.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Alegrai-vos, justos, e regozijai no Senhor<nowiki>;</nowiki>
 
 
exultai, todos vós, que sois retos de coração.
 
 
 
33(32)'''Hino ao Deus criador e providente'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>Exultai, ó justos, no Senhor<ref name="ftn163">Este salmo pertence ao género literário dos hinos. A grandiosidade do tema tratado, i.e., a obra de Deus como criador e organizador do universo, sugere um contexto celebrativo de grande solenidade. Neste texto litúrgico com a ressonância de um autêntico tratado são referidos alguns dos temas teológicos mais clássicos da literatura bíblica. Nota-se que, apesar desta densidade de temas, não lhe foi atribuído qualquer título, quando são frequentes as indicações em muitos outros salmos. Percebem-se igualmente diferenças de tema e de estilo relativamente a outros salmos. Daqui se pode concluir que houve uma intenção específica na colocação de títulos a certos salmos.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
aos que são honestos fica bem louvá-lo.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Louvai o Senhor com a cítara;
 
 
com harpa de dez cordas<ref name="ftn164">A harpa de dez cordas era um instrumento musical bastante utilizado na música religiosa dos hebreus (1Sm 10,5; 2Sm 6,5; 1Rs 10,12).</ref> entoai hinos.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Cantai-lhe um cântico novo;
 
 
tocai com arte por entre aclamações.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Pois é reta a palavra do Senhor
 
 
e toda a sua obra é por fidelidade.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Ele ama a justiça e o direito;
 
 
a terra está cheia da misericórdia do Senhor.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Pela palavra do Senhor foram feitos os céus
 
 
e pelo sopro da sua boca<ref name="ftn165">A criação realizada pela simples palavra e sopro da boca de Deus, com referência ao relato da criação em Gn 1-2, sublinha a dimensão de autoridade que se define como voz de comando e, ao mesmo tempo, a naturalidade, que a emissão de palavra e sopro representam.</ref>, todos os seus astros<ref name="ftn166">Lit.: ''todos os seus exércitos.''</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Ele juntou, como em represa, as águas do mar
 
 
e colocou em reserva as correntes do abismo<ref name="ftn167">O termo traduzido por ''correntes do abismo'' é o plural de ''tehom'' que representa a primeira totalidade do mundo no percurso inicial da criação (Gn 1,2) e que nas culturas semíticas, tanto as da costa mediterrânica como as do interior mesopotâmico, representa uma espécie de oceano originário. Essa realidade é tratada neste v. como um tesouro de promessa e de vida. São as fontes da água mãe de tudo, que alimentam tanto os mares como os rios.</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Que a terra inteira tema o Senhor<nowiki>;</nowiki>
 
 
tremam diante dele todos os habitantes do mundo.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Pois Ele disse e assim aconteceu;
 
 
Ele ordenou e tudo foi surgindo.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>O Senhor desfez os planos das nações
 
 
e frustrou os projetos dos povos<ref name="ftn168">O poder de intervenção de Deus afirmado no processo de criação prossegue com o seu domínio sobre os acontecimentos ao longo da história das sociedades humanas (cf. Sl 2,1-5). </ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>O plano do Senhor permanece para sempre,
 
 
os desígnios do seu coração, por todas as gerações.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Feliz a nação que tem o Senhor como seu Deus,
 
 
o povo que Ele escolheu para sua herança<ref name="ftn169">Toda esta visão harmónica do mundo e da história se concentra naturalmente na consciência que Israel tem de si mesmo e da sua relação com Deus. Sentir-se povo eleito é o seu modo de tomar consciência de si, do seu tempo e das suas circunstâncias e expetativas.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Do céu, o Senhor lança o olhar
 
 
e observa todos os seres humanos.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Do lugar onde tem o seu trono,
 
 
vê todos os habitantes da terra.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Ele que formou o coração de cada um deles
 
 
compreende bem todas as suas obras.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>A vitória do rei não está num grande exército,
 
 
nem o herói se salva pela sua grande força.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>O cavalo é uma ilusão para a vitória:
 
 
não é ele que salva, pela sua grande força.
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Eis que os olhos do Senhor velam pelos que o temem,
 
 
por aqueles que confiam na sua misericórdia,
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>para libertar da morte as suas almas
 
 
e lhes dar vida em tempo de fome<ref name="ftn170">O pensamento expresso nos vv. 16-19 traduz a convicção profunda que atravessa toda a Bíblia e se acentua na sensibilidade apocalíptica da sua época final. Esta convicção consiste em que as esperanças de salvação não são garantidas pelo recurso à força e capacidades humanas. A esperança assenta, antes, na certeza de que a justiça e a razão são uma exigência justificada que a providência divina garante sempre. A última estrofe do hino de ação de graças da liturgia cristã, conhecido como ''Te Deum'','' ''retoma a atitude de fé e confiança expressa no v. 22 deste salmo.</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>A nossa alma espera no Senhor<nowiki>;</nowiki>
 
 
Ele é nosso auxílio e nosso escudo protetor.
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>Por isso, nele se alegra o nosso coração;
 
 
por isso, confiámos no seu santo nome.
 
 
<span style="color:red"><sup>22</sup></span>Esteja sobre nós a tua misericórdia, Senhor,
 
 
tal como o esperamos de ti.
 
 
 
34(33)'''Deus protege os justos'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''De David, quando se fingiu louco diante de Abimelec e, ''
 
 
''expulso por ele, partiu.''
 
 
 
''Alef ''
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Eu bendirei o Senhor em todo o tempo<ref name="ftn171">Este é um salmo de ação de graças individual, que segue um estilo sapiencial. Assim, o mostra o facto de ter sido construído segundo o estilo de um acróstico alfabético, que corre entre os vv. 2-22, iniciando cada v. com uma letra do alfabeto hebraico. O v. 1 dá um enquadramento histórico que é, de algum modo, extratextual e se refere ao que é narrado em 1Sm 21,11-22,1; o último verso está fora da sequência alfabética e serve de conclusão. O quadro traçado é o mais evidente para as convicções religiosas bíblicas: Deus encontra-se do lado dos pobres e atribulados, cuidando deles e protegendo-os. Isto é, Deus é quem garante e realiza a justiça, a qual, no horizonte bíblico, significa a moralidade fundamental. Está implícito que estes são bons e confiam naturalmente em Deus. Quanto aos maus, Deus deixa que o seu destino seja traçado pelo percurso e pelas leis que fazem parte integrante da sua própria maldade e a transformam numa autêntica engrenagem justiceira.</ref><nowiki>;</nowiki>o seu louvor estará sempre na minha boca.
 
 
''Bet''
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>A minha alma gloria-se no Senhor<ref name="ftn172">''Gloriar-se no Senhor'' é uma expressão que se repete ao longo de toda a Bíblia e significa a consciência de que a Ele se devem os motivos de regozijo e de satisfação.</ref>.
 
 
Que o escutem os humildes e se alegrem.
 
 
 
''Guimel ''
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Enaltecei comigo o Senhor<nowiki>;</nowiki>
 
 
exaltemos todos juntos o seu nome.
 
 
''Dalet''
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Procurei o Senhor e Ele respondeu-me:
 
 
livrou-me de todos os meus temores.
 
 
''He''
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Os que o contemplaram ficaram radiantes,
 
 
e os seus rostos não ficarão desiludidos.
 
 
''Zain''
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Este pobre<ref name="ftn173">Na seriação alfabética este seria o lugar da letra ''Vau''. Por qualquer razão, que até pode ter sido propositada, não foi usada. ''Este pobre'' parece referir-se ao próprio salmista. Poderia também referir-se a outra pessoa no sentido de ''certo pobre''. O primeiro caso é mais enfático, mas ambos são possíveis.</ref> clamou, e o Senhor ouviu
 
 
e salvou-o de todas as suas angústias.
 
 
 
''Het''
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>O anjo do Senhor arma a sua tenda
 
 
à volta dos que o temem e livra-os do perigo<ref name="ftn174">Os anjos representam uma forma de mediação entre Deus e os humanos que pode ter diversos objetivos, como sejam garantir comunicação ou proteção (Heb 1,14). Esta função mediadora de anjos protetores pode ser exercida por seres humanos ou mesmo realidades da natureza. Veja-se em 2Rs 19,35, onde o anjo que desce do céu se refere provavelmente a uma epidemia que terá dizimado o exército dos assírios.</ref>.
 
 
 
''Tet''
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Saboreai e vede como o Senhor é bom;
 
 
feliz o homem que nele se refugia.
 
 
 
''Yod''
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Temei o Senhor, vós que lhe estais consagrados,
 
 
pois nada falta àqueles que o temem.
 
 
''Caf''
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Os ricos<ref name="ftn175">Lit.: ''Os leões ...'' A tradução grega, no entanto, entendeu ''os ricos'', a qual se pode justificar, a partir de um texto hebraico onde, em vez de ''kefirim'', estivesse ''kebedim'' (''poderosos'') ou ''kebirim ''(''grandes''), deslizamentos de letras que são bastante fáceis de compreender em história textual.</ref> empobrecem e passam fome,
 
 
mas aos que buscam o Senhor nenhum bem lhes faltará.
 
 
 
''Lamed''
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Vinde, filhos, escutai-me;
 
 
vou ensinar-vos o temor do Senhor.
 
 
''Mem''
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Quem é que não aprecia a vida
 
 
e não gostaria de ter longos dias de prosperidade?
 
 
''Nun''
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Então guarda a tua língua do mal
 
 
e que os teus lábios evitem palavras mentirosas.
 
 
''Samek''
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Afasta-te do mal e pratica o bem;
 
 
procura a paz e esforça-te por alcançá-la.
 
 
''Ain''
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Os olhos do Senhor estão voltados para os justos,
 
 
e os seus ouvidos atentos ao seu clamor.
 
 
''Pe''
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>O rosto do Senhor volta-se contra os que praticam o mal,
 
 
para apagar da terra a sua memória.
 
 
 
''Sadé''
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Os justos<ref name="ftn176">O hebraico não explicita aqui o sujeito. O contexto e o entendimento da tradução grega dos LXX parecem sugerir que se trate dos justos, mas outros entendem que sejam os maus, a demonstrar arrependimento e aceitação por parte de Deus.</ref> clamaram e o Senhor ouviu
 
 
e livrou-os de todas as suas angústias.
 
 
''Qof''
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>O Senhor está perto dos corações atribulados
 
 
e salva os que estão de espírito abatido.
 
 
''Resh''
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Muitas são as tribulações do justo,
 
 
mas o Senhor livra-o de todas elas.
 
 
''Shin''
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>Ele guarda todos os seus ossos;
 
 
nem um só deles será quebrado.
 
 
''Tau''
 
 
<span style="color:red"><sup>22</sup></span>A maldade acabará por matar o malfeitor;
 
 
e os que odeiam o justo serão por isso condenados.
 
 
<span style="color:red"><sup>23</sup></span>O Senhor resgata a vida dos seus servos;
 
 
os que nele confiam não serão condenados<ref name="ftn177">Diversas razões podem explicar o facto de, como no Sl 25, este último verso ficar de fora da seriação alfabética. A função de conclusão pode ser uma dessas razões.</ref>.
 
 
 
35(34)'''Apelo à justiça divina'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''De David''.
 
 
 
Ó Senhor, vem acusar os que me acusam<ref name="ftn178">Este é um salmo individual de súplica, em que o salmista se lamenta das perseguições que lhe são movidas por parte dos que ele tratara como seus amigos. Esta oração oferece ao salmista a oportunidade de fazer uma reflexão sobre a reciprocidade na prática do bem e sobre as consequências do comportamento humano, pois tanto o bem como o mal exigem a respetiva sanção. O salmista pede insistentemente a Deus que intervenha neste conflito de comportamentos.</ref>
 
 
e combater os que combatem contra mim.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Reforça-te com escudo e couraça
 
 
e levanta-te em meu auxílio.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Desembainha a espada e barra o caminho
 
 
contra aqueles que me perseguem.
 
 
Diz à minha alma:
 
 
«Eu sou a tua salvação»<ref name="ftn179">A seguir à primeira metáfora que pertence aos ambientes de citação em tribunal, e apesar de se tratar de conflitos entre pessoas, o resto dos primeiros três vv. está recheado com metáforas de guerra, onde se inclui a própria referência à salvação, que é a vitória concedida. A associação do salmo com David pode oferecer algum contexto para esta escolha. Com efeito, David foi um rei guerreiro, frequentemente envolvido em guerras (1Cr 28,3; 1Rs 5,3).</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Sejam confundidos e envergonhados
 
 
os que procuram tirar-me a vida.
 
 
Voltem para trás humilhados
 
 
os que planeiam a minha desgraça.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Sejam como a palha levada pelo vento
 
 
e que o anjo do Senhor os disperse.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Seja tenebroso e escorregadio o seu caminho,
 
 
com o anjo do Senhor a persegui-los<ref name="ftn180">Cf. Sl 34,8 nota.</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Pois sem razão armaram ciladas contra mim
 
 
e sem razão cavaram um fosso para eu cair.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Venha sobre ele uma desgraça imprevista;
 
 
que a rede escondida apanhe aquele que a armou
 
 
e ele mesmo caia no fosso que escavou.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Então a minha alma exultará no Senhor
 
 
e se alegrará com a salvação dele recebida.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Todo o meu ser proclamará<ref name="ftn181">Lit.: ''Todos os meus ossos proclamarão. ''É mais uma maneira de representar a totalidade da pessoa por meio de uma das suas partes mais significativas.</ref>:
 
 
«Quem é como Tu, ó Senhor?
 
 
 
Tu livras o fraco daquele que é mais forte;
 
 
o pobre e desvalido, daquele que o explora».
 
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Erguem-se contra mim testemunhas agressivas,
 
 
pedindo-me contas de coisas que eu nem sabia.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Pagam-me com o mal em vez do bem,
 
 
deixando a minha alma desolada.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Quando eles adoeciam, eu vestia-me de penitência<ref name="ftn182">Lit.: ''de saco'', tecido grosseiro para exprimir luto e penitência (Gn 37,34).</ref>,
 
 
humilhava a minha alma com jejuns,
 
 
e a minha oração ecoava no meu peito.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Como por um amigo ou um irmão,
 
 
andava triste e abatido,
 
 
como quem está de luto pela sua mãe.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Eles, porém, alegravam-se da minha queda
 
 
e reuniam-se em conluio contra mim.
 
 
Agrediam-me à traição
 
 
e dilaceravam-me sem descanso.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Rodeavam-me e escarneciam;
 
 
rangiam os dentes contra mim.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Como podes Tu ver isto, Senhor?
 
 
Retira a minha alma das desgraças deles;
 
 
das garras desses leões, a minha vida<ref name="ftn183">Lit.: ''a minha única''.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Eu te darei graças na solene assembleia<ref name="ftn184">É no templo que se reúnem estas grandes assembleias solenes (Sl 22,23; 30,5).</ref>,
 
 
no meio da imensa multidão te louvarei.
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Que não se riam de mim
 
 
os meus inimigos mentirosos,
 
 
nem troquem olhares de escárnio
 
 
os que me odeiam sem motivo.
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Pois eles não falam de paz;
 
 
e até contra gente pacífica maquinam calúnias.
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>Abrem descaradamente a boca para mim, dizendo:
 
 
«Ah! Conseguimos vê-lo com os nossos olhos!».
 
 
 
<span style="color:red"><sup>22</sup></span>Tu também viste, Senhor. Não fiques calado!
 
 
Senhor, não fiques longe de mim.
 
 
<span style="color:red"><sup>23</sup></span>Desperta e levanta-te em minha defesa!
 
 
Ó meu Deus e Senhor, defende a minha causa.
 
 
<span style="color:red"><sup>24</sup></span>Julga-me segundo a tua justiça, ó Senhor, meu Deus.
 
 
Que eles não se riam de mim.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>25</sup></span>Que eles não digam no seu coração:
 
 
«Ah! Era o nosso desejo!».
 
 
Nem possam dizer: «Devorámo-lo!».
 
 
<span style="color:red"><sup>26</sup></span>Fiquem igualmente confundidos e envergonhados
 
 
aqueles que se alegram com o meu mal.
 
 
Cubram-se de confusão e de ignomínia
 
 
os que se mostram arrogantes comigo.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>27</sup></span>Alegrem-se e rejubilem os que querem a minha justiça.
 
 
E que eles digam sem cessar: «Grande é o Senhor,
 
 
pois lhe agrada o bem-estar do seu servo!».
 
 
 
<span style="color:red"><sup>28</sup></span>Então a minha língua anunciará a tua justiça
 
 
e os teus louvores, durante todo o dia.
 
 
36(35)'''Malícia humana e bondade divina '''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Do servo do Senhor. De David''.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>O malfeitor tem um oráculo de pecado dentro do seu coração<ref name="ftn185">Como é habitual num salmo individual de súplica, a reflexão sobre a experiência humana é a oportunidade para tecer considerações de modelo sapiencial sobre a maneira como a prática do mal se instala e domina os comportamentos humanos. A fé em Deus é o caminho pelo qual se abre a possibilidade de ultrapassar esse círculo vicioso. O salmo põe em contraste a corrupção de um coração sem temor de Deus (vv. 2-5) e a imensa bondade com que Deus concede os seus benefícios aos seus fiéis (vv. 6-12).</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
diante dos seus olhos, não existe temor de Deus.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Porém, o seu Deus destrói-o com o seu olhar,
 
 
descobrindo a sua abominável iniquidade<ref name="ftn186">Ou: ''Ele ilude-se a si próprio, não vendo a sua culpa para a rejeitar''. </ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>As palavras da sua boca são de maldade e traição;
 
 
renunciou a ser sensato e a fazer o bem.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Maldade é o que ele planeia, deitado no seu leito.
 
 
Obstinado em seguir o seu mau caminho,
 
 
nem pensa em renunciar ao mal.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Ó Senhor, a tua misericórdia vai até aos céus,
 
 
e a tua fidelidade chega até às nuvens.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>A tua justiça é como as altas montanhas<ref name="ftn187">Lit.: ''as montanhas de Deus. ''Trata-se de uma expressão idiomática hebraica para significar o superlativo (cf. Sl 68,16; 80,11).'' ''</ref>,
 
 
e os teus juízos são um abismo profundo<ref name="ftn188">O cimo das montanhas e as profundezas do abismo representam os pontos extremos do espaço terrestre e do mundo, que funcionam aqui como medida da grandeza de Deus. O abismo profundo é o ''tehom,'' o abismo oceânico que é referido em Gn 1,2.</ref>:
 
 
ó Senhor, Tu salvas homens e animais.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Que maravilhosa é a tua misericórdia, ó Deus!
 
 
Os humanos refugiam-se à sombra das tuas asas.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Ficam saciados com a abundância da tua casa<ref name="ftn189">A casa de Deus é aqui a amplidão total do universo, onde todos os seres coabitam com Ele e podem beneficiar dos dons que Deus a todos concede.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
Tu lhes dás a beber dos teus rios de delícias<ref name="ftn190">O termo hebraico aqui utilizado tem assonâncias com o paraíso do Éden, cujo significado sugere a ideia de delícias (Gn 2,8).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Pois em ti se encontra a fonte da vida,
 
 
e é na tua luz que vemos a luz<ref name="ftn191">''A fonte e a luz'' são duas importantes metáforas da vida. A fonte de água viva (Jr 2,13; 17,13) jorrará de Jerusalém e do templo dando vida a toda a terra (Jl 4,18; Ez 47; Zc 14,8). A luz que vem de Deus é igualmente uma fonte de vida (Sl 4,7; 27,1; 43,3; 44,4; 80,4.8.20). Ambos os temas se encontram abundantemente referidos no NT (cf. Jo 4,14; 8,12; 9,5; 12,46; 1Jo 1,5; Ap 22,1).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Prolonga a tua misericórdia para os que te conhecem
 
 
e a tua justiça para os retos de coração.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Que os pés do orgulhoso não venham sobre mim,
 
 
e que a mão dos malfeitores me não expulse.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Eis como<ref name="ftn192">O advérbio ''cham'', normalmente traduzido por ''ali'', parece ser, neste caso, uma expressão equivalente a ''eis aí como''. A referência mais definida a um lugar não parece pertinente no contexto concreto deste salmo.</ref> caíram por terra os que praticam a iniquidade;
 
 
foram abatidos e não mais se conseguem levantar.
 
 
 
37(36)'''A sorte do justo e do ímpio'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''De David''.
 
 
 
''Alef''
 
 
Não te exaltes por causa dos criminosos<ref name="ftn193">A opção pelo ordenamento dos versos em sequência alfabética (cf. Sl 9 nota) dá a entender que se está diante de um salmo de modelo sapiencial onde se procede a uma meditação sobre a prática do bem e do mal e sobre a maneira como a fé em Deus se enquadra neste horizonte de grande relevância. O correr da reflexão segundo o modelo de um diálogo entre mestre e discípulo é mais uma caraterística do estilo sapiencial. O destino dos maus, mesmo bafejado por sucessos no imediato, está sujeito a uma fragilidade e a uma precariedade que lhes retira qualquer expetativa séria de continuidade. A razão e a justiça encontram-se do lado daqueles que adotam um comportamento bom e justo. A confiança em Deus é a garantia de que esta atitude está justificada e, como tal, garantida por Ele.</ref>
 
 
nem invejes os que praticam a iniquidade.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Pois como o feno depressa irão secar,
 
 
como a erva viçosa hão de murchar.
 
 
 
''Bet''
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Confia no Senhor e faz o bem;
 
 
habita nesta terra e cultiva a fidelidade<ref name="ftn194">Lit.: ''Habita na terra e pastoreia a fidelidade. ''O matiz específico do verbo ''chakan'' que significa ''estabelecer morada'', ''montar a tenda'', ajuda também a entender ''terra'' no sentido do próprio país. Haveria aqui um conselho a permanecer no país e aí procurar manter-se fiel. Mudar de terra poderia ser sempre uma ocasião de abandono da fidelidade a Javé (1Sm 26.19ss).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Põe no Senhor a tua felicidade,
 
 
e Ele há de satisfazer os desejos do teu coração.
 
 
''Guimel''
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Entrega ao Senhor o teu caminho;
 
 
confia nele e Ele atuará.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Há de fazer brilhar como luz a tua justiça,
 
 
e os teus direitos, como sol do meio-dia.
 
 
 
''Dalet''
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Descansa no Senhor e põe nele a tua esperança;
 
 
não te exasperes com os que prosperam,
 
 
nem com os que vivem de intrigas.
 
 
 
''He''
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Foge da ira e evita a indignação;
 
 
não te exasperes, pois só leva ao mal.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Com efeito, os criminosos serão exterminados,
 
 
mas os que esperam no Senhor possuirão a terra<ref name="ftn195">A relação de posse com a terra prometida implicava exigências de qualidade e um nível elevado de espiritualidade. Por isso esta expressão foi ganhando ressonâncias cada vez mais ideais e universais até passar a significar o reino de Deus (Mt 5,4).</ref>.
 
 
''Vau''
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Mais um pouco e já não se vê o malfeitor;
 
 
se procurares bem no seu lugar, já não está.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Os pobres, sim, possuirão a terra
 
 
e poderão deleitar-se em grande paz.
 
 
 
''Zain''
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>O malfeitor tece intrigas contra o justo
 
 
e range os dentes contra ele.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Mas o Senhor ri-se dele,
 
 
pois vê que o seu dia<ref name="ftn196">É o dia do malfeitor e refere-se ao dia em que ele terá de pagar pelos males que praticou.</ref> está a chegar.
 
 
 
''Het''
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Os malfeitores desembainham a espada e carregam o seu arco,
 
 
para abaterem o pobre e desvalido,
 
 
para sacrificarem os que seguem o caminho reto.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>A sua espada atravessará o seu próprio coração,
 
 
e os seus arcos serão despedaçados<ref name="ftn197">Esta é mais uma referência ao sistema de ideias morais segundo o qual o castigo faz parte de uma lógica implicada na própria maldade (Sl 7,15-17; 14,10; 94,24).</ref>.
 
 
 
''Tet''
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Mais vale o pouco de um justo
 
 
que a fortuna de muitos malfeitores.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Pois os braços dos malfeitores serão quebrados,
 
 
enquanto aos justos, o Senhor os sustenta.
 
 
 
''Yod''
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>O Senhor conhece bem os dias dos íntegros,
 
 
e a sua herança ficará para sempre.
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Não serão envergonhados no tempo da adversidade
 
 
e nos dias de fome serão saciados.
 
 
''Caf''
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Porém, os malfeitores hão de perecer;
 
 
os inimigos do Senhor, como a verdura dos campos,
 
 
murcham e dissipam-se em fumo.
 
 
''Lamed''
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>O malfeitor pede emprestado e não paga,
 
 
o justo tem compaixão e dá.
 
 
<span style="color:red"><sup>22</sup></span>Os que Deus abençoa possuirão a terra;
 
 
e os que Ele amaldiçoa serão exterminados.
 
 
 
''Mem''
 
 
<span style="color:red"><sup>23</sup></span>O Senhor dá firmeza aos passos do homem;
 
 
orienta-o e sente agrado no seu caminho.
 
 
<span style="color:red"><sup>24</sup></span>Se cair, não ficará por terra,
 
 
porque o Senhor o segura pela mão.
 
 
 
''Nun''
 
 
<span style="color:red"><sup>25</sup></span>Eu já fui jovem e agora sou velho;
 
 
mas nunca vi um justo abandonado,
 
 
nem os seus filhos a mendigar pão.
 
 
<span style="color:red"><sup>26</sup></span>Mostra-se compassivo e generoso, o dia inteiro,
 
 
e a sua descendência será abençoada.
 
 
 
''Samec''
 
 
<span style="color:red"><sup>27</sup></span>Afasta-te do mal e faz o bem
 
 
e sempre terás onde habitar<ref name="ftn198">Aparece mais uma vez a referência a uma morada estável na terra prometida com o mesmo verbo ''chakan,'' que ocorria no v. 3 e no v. 9 era objeto de especiais exigências.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>28</sup></span>Pois o Senhor ama a retidão
 
 
e não abandona os seus fiéis.
 
 
''Ain''
 
 
Estes serão guardados para sempre,
 
 
mas a descendência dos maus será destruída.
 
 
<span style="color:red"><sup>29</sup></span>Os justos possuirão a terra
 
 
e nela terão morada para sempre.
 
 
 
''Pé''
 
 
<span style="color:red"><sup>30</sup></span>A boca do justo profere sabedoria,
 
 
e a sua língua declara a justiça.
 
 
<span style="color:red"><sup>31</sup></span>Ele traz no coração a lei do seu Deus;
 
 
por isso não vacilam os seus passos.
 
 
 
''Sadé''
 
 
<span style="color:red"><sup>32</sup></span>O malfeitor espreita o justo
 
 
e procura a maneira de o matar<ref name="ftn199">Esta agressividade exprime a reação do mau pelo incómodo e interpelação que o comportamento do justo provoca no seu espírito (Sb 2,12-16).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>33</sup></span>Mas o Senhor não o abandonará nas suas mãos,
 
 
nem o deixará condenar em tribunal.
 
 
 
''Qof''
 
 
<span style="color:red"><sup>34</sup></span>Confia no Senhor e segue o seu caminho;
 
 
Ele te honrará com a posse da terra,
 
 
e poderás ver os malfeitores a serem exterminados<ref name="ftn200">Esta recomendação resume os temas essenciais tratados neste salmo: as exigências de comportamento que garantem permanência na terra prometida e confiança de que vencerão finalmente os ideais de bem e de justiça.</ref>.
 
 
''Resh''
 
 
<span style="color:red"><sup>35</sup></span>Eu vi um malfeitor encher-se de soberba,
 
 
a expandir-se como árvore nativa e frondosa<ref name="ftn201">O texto dos LXX diz: ''erguendo-se como os cedros do Líbano''. Esta leitura pressupõe um texto hebraico ligeiramente diferente.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>36</sup></span>Alguém ali passa<ref name="ftn202">A tradução dos LXX lê: ''passei ali e eis que''... Esta leitura mantém a primeira pessoa nos três verbos dos vv. 35-36. </ref> e eis que ele já não existe.
 
 
Ainda o procurei, mas já não se encontrava.
 
 
 
''Shin''
 
 
<span style="color:red"><sup>37</sup></span>Observa aquele que é honesto e repara no que é reto,
 
 
pois há futuro para o homem de paz.
 
 
<span style="color:red"><sup>38</sup></span>Os criminosos, porém, serão todos destruídos;
 
 
o futuro dos malfeitores será exterminado.
 
 
''Tau''
 
 
<span style="color:red"><sup>39</sup></span>A salvação dos justos vem do Senhor,
 
 
que é o seu refúgio na hora da angústia.
 
 
<span style="color:red"><sup>40</sup></span>O Senhor os ajuda e os liberta;
 
 
liberta-os dos malfeitores e assim os salva,
 
 
porque nele se refugiaram.
 
 
 
38(37)'''Doença e penitência'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Salmo. De David. Para memorial''.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Senhor, não me repreendas na tua ira<ref name="ftn203">Este salmo individual de súplica e de espírito penitencial faz parte da lista tradicionalmente designada como salmos penitenciais. O sofrimento de que o salmista ou o orante padeceu é descrito como tendo-o deixado em estado de aniquilamento, tanto no corpo como no espírito. A referência do título a um memorial poderia conter alguma relação com o sacrifício memorial de que se fala em Lv 2,2-9 e 24,7s. Neste caso, seria uma oração destinada a ser recitada durante o referido sacrifício. Qualquer oração tem sempre algum sentido de comemoração espiritual relativa a experiências marcantes.</ref>,
 
 
nem me castigues na tua indignação.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Pois as tuas setas cravaram-se em mim,
 
 
e caiu sobre mim a tua mão<ref name="ftn204">As enfermidades a que se alude nos vv. 4,6 e 9 são entendidas como golpes recebidos da mão de Deus. Está implícita a ideia de que tudo o que acontece no mundo vem da mão de Deus, mesmo quando se trata de coisas incómodas e difíceis de compreender.</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Nada de perfeito ficou no meu corpo,
 
 
por causa da tua ira.
 
 
Nada de são ficou nos meus ossos,
 
 
por causa do meu pecado.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>As minhas culpas sobem acima da minha cabeça
 
 
e me oprimem como um fardo pesado demais<ref name="ftn205">Os vv. 4-5 descrevem a lógica pressuposta neste salmo. O salmista reconhece que o peso excessivo do seu sofrimento se deve aos seus pecados e que foram estes que provocaram a ira de Deus.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>As minhas chagas são fétidas e purulentas,
 
 
por causa da minha insensatez.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Ando cabisbaixo e profundamente abatido;
 
 
arrasto-me enlutado, o dia inteiro.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>As minhas entranhas ardem em febre;
 
 
nada de perfeito resta no meu corpo.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Estou fraco e extremamente alquebrado;
 
 
e o meu gemido vem do tumulto do meu coração.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Diante de ti, Senhor, estão todos os meus anseios,
 
 
e o meu lamento não te passa despercebido.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Sinto o coração a palpitar e as forças a abandonarem-me,
 
 
e até a luz dos meus próprios olhos me falta.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Os meus amigos e companheiros
 
 
mantêm-se longe do meu sofrimento;
 
 
e até os meus parentes se mantiveram à distância<ref name="ftn206">As várias dimensões de sofrimento aqui descritas assemelham-se às referidas em Jb 19,13-21. A necessidade de manter esta distância levou S. Jerónimo a entender que esta ferida poderia ser de lepra. O teor literário do texto não exige uma definição tão rigorosa. </ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Armam ciladas os que atentam contra a minha vida;
 
 
os que me querem mal anunciam desgraças
 
 
e passam o dia a maquinar traições.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Eu, porém, como um surdo não ouço;
 
 
sou igual a um mudo que não abre a boca.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Tornei-me como alguém que não ouve,
 
 
e na sua boca não existe réplica.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Tudo isto, porque confiei em ti, Senhor,
 
 
e Tu me respondes, ó Senhor, meu Deus.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Por isso pedi: «Que eles não se riam de mim
 
 
nem se mostrem triunfantes, quando o meu pé vacila».
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Sim, eu estou prestes a cair,
 
 
e a minha dor está sempre presente.
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Por isso, confesso a minha culpa;
 
 
estou inquieto por causa do meu pecado.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Os meus inimigos estão vivos e fortes<ref name="ftn207">Considerando o paralelismo com Sl 35,19 e 69,5, poderia sugerir-se também ler no texto hebraico ''ḥinnam'' (''sem motivo'') em vez de ''ḥayyim'' (''vivos''). Daí resultaria a seguinte tradução: ''Os meus inimigos reforçam-se sem motivo''.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
são numerosos os que me odeiam sem razão.
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>Em vez do bem, eles pagam-me com o mal<ref name="ftn208">Retribuir com o mal quando se recebeu o bem é o cúmulo da maldade (Sl 35,12).</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
perseguem-me, porque procuro fazer o bem<ref name="ftn209">Alguns mss. gregos antigos e o saltério que aparece nos comentários de S. Agostinho acrescentam a este v.: ''Eles rejeitaram-me, a mim o dileto, como um morto que inspira horror'', associando esta referência a Jesus crucificado. A versão copta acrescenta ainda: ''Eles cravaram a minha carne''. Estas leituras são provavelmente de origem cristã e sublinham o sentido de algumas passagens deste salmo associadas com a figura de Jesus. Na sua totalidade, porém, este salmo penitencial não tem sido especialmente aplicado a Jesus.</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>22</sup></span>Não me abandones, ó Senhor,
 
 
meu Deus, não fiques longe de mim.
 
 
<span style="color:red"><sup>23</sup></span>Vem depressa em meu socorro,
 
 
ó Senhor, minha salvação.
 
 
 
39(38)'''Enigma e brevidade da vida'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Para Jedutun. Salmo de David''.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Eu disse para comigo: «Vigiarei a minha conduta<ref name="ftn210">Salmo individual de súplica. O salmista descreve a sua experiência de sofrimento e dela retira a conclusão de que a sua vida lhe parece extremamente passageira, sem com isso cair num pessimismo completo e desesperado. Pela referência que ocorre no título, o salmo está associado com o nome de ''Jedutun'', tal como acontece com os Sl 62 e 77. Este nome designa o chefe de um grupo de levitas encarregados do canto e das portas do templo (1Cr 25,1ss; 2Cr 5,12ss). A passagem de 1Cr 15,17 parece referir-se a ele com o nome de ''Etan''.</ref>,
 
 
para não pecar com a minha língua;
 
 
refrearei a minha boca,
 
 
enquanto o malfeitor se encontra à minha frente».
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Permaneci mudo, em silêncio, mas sem proveito,
 
 
pois a minha dor mais se agravou.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>O coração ardia-me no peito;
 
 
os meus murmúrios atiçavam mais o fogo,
 
 
até que a minha língua exclamou:
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>«Ó Senhor, dá-me a conhecer o meu fim
 
 
e qual será o número dos meus dias,
 
 
para que eu reconheça como sou efémero».
 
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Alguns palmos de caminho deste aos meus dias,
 
 
e a minha existência é como nada diante de ti,
 
 
cada ser humano é um sopro que está de pé<ref name="ftn211">A sensação de brevidade da vida deriva da consciência que se tem de elevados desejos e expetativas e sobretudo da confrontação com a grandeza da eternidade de Deus.</ref>.''Pausa''
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Na verdade, é na sombra que o homem se movimenta;
 
 
é por uma ilusão que ele se agita:
 
 
amontoa riquezas, mas não sabe quem as vai recolher.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>E agora, Senhor, que posso eu esperar?
 
 
A minha esperança está posta em ti.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Livra-me de todas as minhas culpas;
 
 
não me faças servir de escárnio para o insensato.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Fiquei calado e nem vou abrir a boca,
 
 
porque tudo é obra tua.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Afasta de mim os teus castigos;
 
 
com a dureza da tua mão, eu fico desfeito.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>É castigando as suas culpas
 
 
que Tu educas o ser humano.
 
 
Como a traça, destróis o que ele mais estima,
 
 
pois o homem não é mais que um sopro.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Escuta, Senhor, a minha oração
 
 
e atende o meu grito de súplica;
 
 
não fiques insensível às minhas lágrimas.
 
 
Pois sou como um forasteiro a viver junto de ti,
 
 
um hóspede, como todos os meus antepassados<ref name="ftn212">Sendo Deus o único dono da terra prometida, os hebreus sempre afirmaram a consciência de serem hóspedes e peregrinos numa terra que não é sua, desde o tempo dos antigos patriarcas (Gn 23,4; Ex 12,45; Lv 22,10; 25,23).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Desvia os olhos de mim, para eu poder respirar,
 
 
antes de me ir embora e deixar de existir<ref name="ftn213">Idênticos sentimentos exprime Job (7,16,21; 10,20-22; 14,6-16), mesmo mantendo as suas expetativas de vida imortal (Jb 10,13-19; 14,13-17).</ref>.
 
 
 
40(39)'''Ação de graças e súplica'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. De David. Salmo''.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Bem alto clamei<ref name="ftn214">Ou: ''Ansiosamente esperei pelo...''</ref> ao Senhor<ref name="ftn215">Este é principalmente um salmo individual de ação de graças. A confiança com que pede ajuda para os problemas com os quais se confronta (vv. 13-18) assenta essencialmente na gratidão que sente por outras ajudas recebidas de Deus em tempos passados (vv. 2-12). A parte final (vv. 14-18) aparece como texto completo de um outro salmo, com o número 70. Vários temas tratados fazem pensar na figura do Servo do Senhor no livro de Isaías. Por isso este salmo é especialmente referido no NT e algumas das suas expressões acabaram por ganhar ressonâncias cristológicas.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
Ele inclinou-se para mim e ouviu o meu clamor.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Retirou-me da cova fatal e de um charco de lodo;
 
 
colocou os meus pés sobre um rochedo
 
 
e deu firmeza aos meus passos<ref name="ftn216">As metáforas da cova e do atoleiro são tradicionalmente equivalentes do mundo dos mortos. Em contrapartida, o rochedo é o lugar de resgate e de salvação, evitando o afogamento.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Pôs na minha boca um cântico novo<ref name="ftn217">Este parece ser o título especial com que o salmista designa o hino dos vv. 5-11.</ref>,
 
 
um cântico de louvor ao nosso Deus.
 
 
Ao verem isto, muitos hão de sentir temor de Deus
 
 
e hão de pôr a sua confiança no Senhor.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Feliz o homem que pôs no Senhor a sua segurança
 
 
e não se voltou para os idólatras<ref name="ftn218">O termo traduzido por ''idólatras'' parece ter algo a ver com o monstro mítico chamado Raab, que aparece na Bíblia como a expressão de uma das forças do caos que Deus vence e domina (Sl 89,11; Jb 9,13).</ref>,
 
 
que se extraviam na mentira.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Grandes coisas Tu fizeste, Senhor, meu Deus;
 
 
com os teus prodígios e desígnios em nosso favor,
 
 
ninguém se pode comparar a ti.
 
 
Quisera anunciá-los e proclamá-los,
 
 
mas são tantos que nem se podem contar.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Não te agradaram sacrifícios nem oblações,
 
 
mas formaste-me ouvidos para escutar
 
 
e não pediste holocaustos nem vítimas pelo pecado.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Então exclamei: «Eis-me aqui!».
 
 
É para mim o que está escrito no livro.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Fazer a tua vontade, ó meu Deus, é o que eu quero;
 
 
e a tua lei está dentro do meu coração<ref name="ftn219">Os vv. 7-9 exprimem uma hierarquia de valores religiosos em que os méritos do bom comportamento são classificados acima dos que se exprimem através do ritual litúrgico (1Sm 15,22; Is 1,10-20; Jr 7,3s; Os 6,6; Mq 6,6-8; Zc 1,6; Sl 50; 51,19; 69,31s; 141,2; Pr 21,3; Sir 34,18; 35,10). No NT estes textos são aplicados a Jesus Cristo (Jo 4,34; 8,38; Heb 10,6-8).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Proclamei a justiça na grande assembleia;
 
 
Tu bem sabes, ó Senhor,
 
 
que eu não fiquei de boca fechada.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Não escondi, no fundo do meu coração, a tua justiça;
 
 
proclamei a tua fidelidade e salvação.
 
 
Não neguei a tua misericórdia e a tua lealdade,
 
 
diante da grande assembleia.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Não me recuses, Senhor, a tua compaixão;
 
 
que a tua misericórdia e a tua lealdade me protejam sempre.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Pois desgraças sem conta se acumularam sobre mim,
 
 
assediaram-me as minhas culpas e nem consigo ver;
 
 
são mais do que os cabelos da minha cabeça,
 
 
e o meu coração desfalece.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Senhor, digna-te libertar-me;
 
 
vem depressa em meu auxílio, ó Senhor.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Sejam cobertos de vergonha e de ignomínia
 
 
os que procuram tirar-me a vida.
 
 
Retrocedam e corem de vergonha
 
 
os que desejam a minha desgraça.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Fiquem desolados por causa da sua vergonha
 
 
aqueles que escarnecem de mim<ref name="ftn220">Ou: ''aqueles que me dizem: ''«''Ah! Ah!''»''.''</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Alegrem-se e exultem em ti todos os que te procuram;
 
 
e os que desejam a tua salvação digam sempre:
 
 
«O Senhor é grande!».
 
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Eu, porém, que sou pobre e desvalido,
 
 
o Senhor cuida de mim.
 
 
Tu és o meu auxílio e a minha libertação.
 
 
Ó meu Deus, não tardes!
 
 
41(40)'''Oração de um doente'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Salmo. De David''.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Feliz daquele<ref name="ftn221">Este salmo tem caraterísticas de um salmo de lamentação, mas também de ação de graças e até de súplica. A descrição do sofrimento é feita com tonalidades bastante dramáticas, como é habitual neste género literário. A doxologia final concluída com um duplo ''Amen'' pode dar a entender que se chegou a considerar que este salmo marcava o fim de uma secção do livro.</ref> que está atento ao pobre<ref name="ftn222">A tradução dos LXX e o targum aramaico dizem: ''ao pobre e ao indigente''.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
no dia da desgraça, o Senhor o salvará.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>O Senhor o guardará e lhe dará vida,
 
 
para ser feliz na terra;
 
 
e não o deixa entregue aos seus inimigos.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>O Senhor o sustentará no leito de sofrimento,
 
 
recuperando-o da sua prostração
 
 
e restabelecendo-o da doença.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Eu disse: «Senhor, tem piedade de mim;
 
 
cura a minha alma, pois pequei contra ti.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Os meus inimigos amaldiçoam-me, dizendo:
 
 
«Quando morrerá este e desaparecerá o seu nome?».
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Se algum me vem ver, fala com palavras vazias;
 
 
o seu coração está cheio de maldade;
 
 
quando ele fala, é ela que sai.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Todos os que me odeiam murmuram contra mim
 
 
e contra mim planeiam o que é mal:
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>«Uma peste maligna<ref name="ftn223">Lit.: ''uma coisa de Belial'' (cf. Dt 13,14s; Sl 18,5).</ref> o atingiu;
 
 
de onde está deitado não voltará a erguer-se».
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Até o meu melhor amigo, em quem eu confiava
 
 
e comia do meu pão, até ele se levantou contra mim<ref name="ftn224">Ou: ''ergueu sobre mim o calcanhar''. Este texto é por vezes associado com 2Sm 15,12; 17,23 e ainda 12,19. A tradução que chegou ao evangelho de João (13,18): ''levantou contra mim o seu calcanhar'', mesmo não sendo exatamente igual ao texto dos LXX, mantém a ideia de ''erguer sobre mim o calcanhar''.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Mas Tu, Senhor, tem piedade de mim e levanta-me,
 
 
para eu lhes poder retribuir.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Se o meu inimigo não cantar vitória sobre mim,
 
 
então reconhecerei que me queres bem.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>E a mim que conservaste na minha integridade<ref name="ftn225">Ou: ''em perfeita saúde.''</ref>,
 
 
Tu me estabelecerás na tua presença para sempre.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Bendito seja o Senhor, Deus de Israel,
 
 
desde sempre e para sempre. Amen! Amen<ref name="ftn226">Esta doxologia ou pequeno hino pode não pertencer propriamente ao texto do Sl 41, mas ser uma fórmula para encerrar a primeira parte do Saltério. Sendo assim, o salmo termina precisamente com uma confissão de fé na imortalidade junto de Deus.</ref>!
 
 
 
42(41)''' Nostalgia de Deus'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Poema dos filhos de Coré''.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Como o veado anseia pelas nascentes de água<ref name="ftn227">Este salmo individual de súplica apresenta como motivo não uma situação de doença mas, sim, o estado de ansiedade e tristeza que a saudade das celebrações do templo lhe provoca<nowiki>; e</nowiki> recorda como vivia de maneira entusiasmada essas festas. Essas recordações condizem com a menção dos filhos de Coré, que aparece no título, pois estes eram levitas votados ao serviço do templo. Esta referência aos agentes de culto faz com que o sentido do salmo possa perfeitamente ser aplicado ao sentir de toda a comunidade. Com este alargamento à experiência coletiva o próprio tema se amplia e, no final, acolhe já outras razões de preocupação que os salmos frequentemente tratam, como sejam as ameaças de inimigos. O designativo de poema, que lhe é dado no título, sugere o seu caráter sapiencial e didático<nowiki>; e este modelo sapiencial </nowiki>condiz com o significado referido.</ref>,
 
 
assim por ti anseia a minha alma, ó Deus.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo.
 
 
Quando poderei entrar para ver a face de Deus<ref name="ftn228">Este hemistíquio é de uma imensa síntese. O simples verbo ''entrar'' traz consigo toda a ressonância que significa entrar no templo. E o ''ver a face de Deus'' é uma metáfora densa que exprime não uma visão real de Deus que era impossível conseguir (Ex 33,20), mas a proximidade com tudo aquilo que manifesta a sua presença. O pudor em afirmar que se vê a Deus levou a que a vocalização massorética, à semelhança de outras leituras antigas, tivesse optado pelo sentido passivo de ser visto na presença de Deus.</ref>?
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>As minhas lágrimas têm-me servido de pão,
 
 
tanto de dia como de noite,
 
 
enquanto me repetem todo o dia:
 
 
«Onde está o teu Deus?».
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Recordo tudo isto e a minha alma estremece<ref name="ftn229">Lit.: ''e derrama-se em mim a minha alma.''</ref>,
 
 
como eu seguia em cortejo até à casa de Deus,
 
 
por entre brados de alegria e de louvor
 
 
da grande multidão em festa.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Porque estás prostrada, ó minha alma
 
 
e te perturbas dentro de mim?
 
 
Espera em Deus, que eu ainda o hei de louvar.
 
 
Ele me faz erguer o rosto em triunfo<ref name="ftn230">Lit.: ''Ele é a salvação do meu rosto''. Esta frase encontra-se como refrão no v. 12, de uma forma mais clara.</ref><nowiki>; é o meu Deus. </nowiki>
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>A minha alma está prostrada;
 
 
por isso me lembro de ti,
 
 
desde as terras do Jordão e do Hermon<ref name="ftn231">As terras do Hermon situam-se no norte da Palestina, a uma distância de Jerusalém que é já realmente significativa.</ref>
 
 
e da montanha de Miçar<ref name="ftn232">Esta montanha estava provavelmente situada nas proximidades do monte Hermon e, por conseguinte, próximo das nascentes do rio Jordão.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>De um abismo ressoa para outro abismo
 
 
o fragor das tuas cascatas;
 
 
todas as tuas vagas e torrentes<ref name="ftn233">A abundância de fontes e cascatas na região montanhosa que é referida e o estado de sofrimento em que se encontra o salmista parecem levá-lo a associar ressonâncias mitológicas ligadas às águas do caos, sugeridas pelas vagas e pelas torrentes. Senti-las passar por cima dele é uma experiência diluviana de afogamento.</ref>
 
 
passaram sobre mim.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>De dia, o Senhor há de mandar a sua misericórdia
 
 
e de noite está comigo o seu canto,
 
 
numa oração ao Deus da minha vida.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Quero exclamar: «Ó Deus<ref name="ftn234">A preposição ''lamed'' pode ter um sentido vocativo, com o qual, neste caso, se define melhor a invocação a Deus. Uma alternativa de tradução seria: ''Quero dizer a Deus.''</ref>, meu rochedo!
 
 
Porque te esqueceste de mim?
 
 
Porque hei de andar abatido,
 
 
sob a opressão do inimigo?
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Quando se quebram os meus ossos,
 
 
os adversários insultam-me
 
 
e vão-me repetindo, todo o dia:
 
 
«Onde está o teu Deus?».
 
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Porque estás prostrada, ó minha alma,
 
 
e porque me deixas perturbado?
 
 
Espera em Deus, que eu ainda o hei de louvar.
 
 
Ele me faz erguer o rosto em triunfo<ref name="ftn235">Refrão já usado no v. 6.</ref><nowiki>; é o meu Deus. </nowiki>
 
 
 
43(42)'''Nostalgia da casa de Deus'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>Faz-me justiça, ó Deus<ref name="ftn236">O facto de este, bem como o Sl 42, partilharem o mesmo refrão (42,6.12; 43,5) e tratarem do mesmo tema dá a entender que possivelmente eles constituíam uma única unidade literária e formavam de início um só salmo. Este é, portanto, um salmo individual de súplica à semelhança do anterior. Essa poderá ser também a razão para que este salmo não tenha os habituais títulos.</ref>!
 
 
E defende a minha causa contra gente sem piedade!
 
 
Livra-me do homem de traição e falsidade.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Na verdade, Tu és o Deus do meu refúgio.
 
 
Então, porque me rejeitaste?
 
 
Porque tenho de andar abatido,
 
 
sob a opressão do inimigo?
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Envia a tua luz e a tua verdade<ref name="ftn237">Ou: ''a tua fidelidade. ''O termo hebraico '''amiteka'' tem os dois sentidos. Se for ''luz'' é para guiar; se for ''fidelidade'' é para garantir o regresso.</ref>.
 
 
Que elas me conduzam à tua montanha santa,
 
 
ao lugar onde está a tua morada.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Vou aproximar-me do altar de Deus,
 
 
do Deus que é minha alegria e felicidade<ref name="ftn238">Da tradução grega dos LXX e, depois, da Vg veio uma tradução que era muito usada na liturgia em latim: ''do Deus que alegra a minha juventude''.</ref>.
 
 
Ao som da harpa cantarei o teu louvor,
 
 
ó Deus, meu Deus.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Porque estás prostrada, ó minha alma,
 
 
e porque te perturbas dentro de mim?
 
 
Espera em Deus, que ainda o hei de louvar.
 
 
É Ele que me faz erguer o rosto<ref name="ftn239">Ou'': Ele é a salvação do meu rosto''.</ref><nowiki>; é o meu Deus.</nowiki>
 
 
 
44(43)'''Súplica do povo '''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Para os filhos de Coré. Poema''.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Com os nossos ouvidos ouvimos, ó Deus<ref name="ftn240">É um salmo coletivo de súplica. Começa com um hino de louvor a Deus pelas maravilhas realizadas em favor dos antepassados (vv. 2-9); segue-se uma lamentação por causa de desgraças que deixaram toda a nação humilhada diante de outros povos (vv. 10-17) e conclui com uma queixa do povo, por causa do abandono que tudo aquilo parecia significar da parte de Deus (vv. 18-27). A intensidade dos problemas coletivos que aqui se espelham faz pensar numa época de particular aperto e insegurança como aquela que se seguiu à morte de Josias (2Rs 23,20-24,3). Com maior razão ainda se poderia ligar a origem deste salmo à destruição de Jerusalém em 587. O mesmo acontece com os salmos 74; 79; 80.</ref>!
 
 
Os nossos antepassados nos contaram
 
 
os prodígios que fizeste nos seus dias,
 
 
nos dias de antigamente.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Com a tua mão, expulsaste povos e castigaste nações;
 
 
e assim plantaste nesta terra os nossos pais
 
 
e aqui os fizeste crescer.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Não foi pela sua espada que conquistaram a terra,
 
 
nem foi o seu braço que lhes deu a vitória.
 
 
Foi a tua mão direita e o teu braço
 
 
e a luz do teu rosto, porque os amavas.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Tu és o meu rei, ó Deus.
 
 
Decreta a vitória para o povo de Jacob.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Contigo atacaremos os nossos adversários;
 
 
pelo teu nome calcaremos aos pés os nossos inimigos.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Não é no meu arco que eu tenho confiança,
 
 
nem é a minha espada que me salvará.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Pois Tu é que nos salvaste dos nossos inimigos
 
 
e cobriste de vergonha os que nos odiavam.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>A toda a hora te louvámos, ó Deus,
 
 
e havemos de celebrar o teu nome para sempre.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Porém, Tu nos rejeitaste e deixaste envergonhados
 
 
e já não sais com os nossos exércitos<ref name="ftn241">De um modo geral, a metáfora de acompanhar os protegidos é uma forma de exprimir a proteção que se lhe oferece. A ideia de Deus sair com os exércitos de Israel pode lembrar aqueles relatos em que a arca da aliança de Javé era levada para o acampamento dos israelitas (1Sm 4,4s; 2Sm 11,11).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Fazes-nos retroceder diante dos inimigos,
 
 
e os que nos odeiam saquearam os nossos bens.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Entregaste-nos como ovelhas para abate
 
 
e dispersaste-nos por entre os povos.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Vendeste o teu povo por uma ninharia
 
 
e nem discutiste os preços deles<ref name="ftn242">A entrega das ovelhas para o abate, a dispersão e exílio por terras estrangeiras e a venda do povo ao desbarato como escravos são metáforas que as práticas de guerra na antiguidade tornavam muito reais e frequentes (Jl 3,6; Am 1,6.9).</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Fizeste de nós o escárnio dos nossos vizinhos,
 
 
desprezo e zombaria dos que nos rodeiam.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Fizeste de nós um exemplo para os povos,
 
 
provocando o acenar de cabeça entre as nações<ref name="ftn243">É muito viva a maneira como os salmos costumam exprimir o sofrimento moral e psicológico e a vergonha de todo um povo, por causa dos maus tratos que lhe são infligidos, por efeito das guerras.</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Todo o dia tenho presente a minha desgraça,
 
 
e a vergonha me cobre o rosto,
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>com os gritos do que insulta e afronta,
 
 
à vista dos inimigos e opressores.
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Tudo isto nos aconteceu, sem nos esquecermos de ti
 
 
nem violarmos a tua aliança<ref name="ftn244">Uma certa lógica de causa e efeito a ligar os maus comportamentos e os insucessos de todo o povo era admitida em virtude dos compromissos da aliança (Ex 19,38; Dt 5,2ss). Por isso, a experiência de uma desgraça leva com frequência ao reconhecimento de pecados cometidos. Este texto intensifica o drama teológico ao declarar que não foram cometidos pecados que justificassem. Há aqui algo do drama teológico que se verifica em Job.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>O nosso coração não voltou atrás,
 
 
e os nossos passos não se desviaram do teu caminho.
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Porém, Tu esmagaste-nos no terreno das feras<ref name="ftn245">A metáfora pode designar o estado devastado em que se encontra o país (Is 34,13; Jr 9,10) ou um deserto, terra de chacais, para onde se refugiaram os judeus perseguidos (1Mac 2,29; 9,23).</ref>,
 
 
e envolveste-nos em profunda escuridão.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>Se tivéssemos esquecido o nome do nosso Deus
 
 
e estendido as mãos<ref name="ftn246">Estender as mãos para um deus estranho significa dirigir-se a ele em atitude de reconhecimento e oração.</ref> para um deus estranho,
 
 
<span style="color:red"><sup>22</sup></span>Deus teria certamente descoberto isso,
 
 
pois Ele conhece os recônditos do coração.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>23</sup></span>Por causa de ti<ref name="ftn247">Ou: ''Contra a tua vontade. ''A generalidade das traduções têm entendido esta expressão hebraica no sentido de ''por causa de ti'', mesmo que se torne algo difícil e subtil perguntar-se exatamente o que é que está aí em causa. No entanto, o texto hebraico poderia também ser entendido no sentido alternativo sugerido, i.e., que os maus tratos infligidos pelos povos são contrários àquilo que Deus quer.</ref>, temos sido trucidados todo o dia
 
 
e tratados como ovelhas para abate.
 
 
<span style="color:red"><sup>24</sup></span>Desperta, Senhor, porque dormes<ref name="ftn248">As expressões usadas para referir esta falta de intervenção de Deus são uma espécie de adormecimento ou uma atitude de rejeição e esquecimento, relativamente às quais o salmista pede a Deus que reconsidere e se volte de novo para o seu povo.</ref>?
 
 
Levanta-te e não nos rejeites para sempre.
 
 
<span style="color:red"><sup>25</sup></span>Porque escondes o teu rosto
 
 
e te esqueces da nossa miséria e tribulação?
 
 
<span style="color:red"><sup>26</sup></span>A nossa alma<ref name="ftn249">Ou: ''A nossa garganta''.</ref> está prostrada no pó,
 
 
e o nosso ventre pegado ao chão.
 
 
<span style="color:red"><sup>27</sup></span>Levanta-te para nosso auxílio
 
 
e resgata-nos pela tua misericórdia.
 
 
 
45(44)'''Poema para o rei'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Segundo "Os lírios". Poema dos filhos de Coré. Cântico de amor''.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>O meu coração vibra com belas palavras<ref name="ftn250">Salmo real, com um caráter festivo e solene. Poderia ser um poema lírico de casamento. As leituras que dele se fazem orientam-se frequentemente num sentido messiânico, associando esta celebração nupcial com a metáfora do casamento simbólico de Deus ou do messias com a comunidade dos fiéis, segundo a famosa imagem do profeta Oseias. Os traços descritivos são por alguns associados com o rei Salomão, eventualmente por ocasião do casamento deste com alguma princesa estrangeira (vv. 3-15). Qualquer rei representa uma função suficientemente importante para poder ser representado por estas descrições, numa qualquer das festas em que o rei ocupava o centro das atenções.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
vou dedicar ao rei a minha obra;
 
 
a minha língua é como pena de hábil escriba.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Tu és o mais belo dos homens<ref name="ftn251">Ou: ''dos filhos do homem''.</ref>!
 
 
O encanto se derrama em teus lábios.
 
 
Por isso Deus te abençoou para sempre.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Prende a tua espada à cintura, ó herói,
 
 
pois é o teu adorno e o teu esplendor.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Na tua glória, avança e cavalga,
 
 
pela causa da verdade e da justiça oprimida<ref name="ftn252">Ou: ''por causa da verdade, da mansidão e da justiça.''</ref>.
 
 
Que a tua direita te leve a descobrir
 
 
prodígios assombrosos!
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>As tuas flechas são penetrantes e povos caem a teus pés;
 
 
ficam sem coragem<ref name="ftn253">Ou: ''atingindo no coração os inimigos do rei.''</ref> os inimigos do rei.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>O teu trono é de Deus<ref name="ftn254">Ou: ''O teu trono, ó Deus,... ''Os LXX, a Vg e a NVg optam por entender ''Deus'' como um vocativo. Este vocativo poderia ser referido a Deus diretamente, mas pode também ser referido ao rei. Com efeito, as personagens que exercem certas funções importantes, nomeadamente a de reis, aparecem designados como deuses (Ex 4,16; 7,1; 22,6; Sl 82,6; Zc 12,8). O contexto sugere, no entanto, que o "tu" em todo este v. seja entendido como referido ao rei. Por outro lado, o trono real aparece também designado como trono de Deus (1Cr 28,5; 29,23). </ref>, é eterno e duradouro;
 
 
o teu cetro real é um cetro de retidão.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Amaste a justiça e odiaste a iniquidade;
 
 
por isso, Deus, o teu Deus, te ungiu,
 
 
de entre os teus companheiros, com o óleo da alegria.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>As tuas vestes exalam odor a mirra, aloés e cássia;
 
 
em palácios de marfim alegram-te os sons da lira.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Filhas de reis erguem-se entre as tuas damas de corte;
 
 
à tua direita está a favorita, ornada com ouro fino de Ofir<ref name="ftn255">O nome de ''Ofir'' ficou na Bíblia associado de forma indelével ao tipo de ouro mais precioso. Tradicionalmente pensava-se que a sua localização seria para sul de Israel, de algum modo relacionado com as regiões do Mar Vermelho. Mas não é impossível que a sua localização se encontre para os lados do Mar Mediterrâneo.</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Ouve, filha! Vê e presta atenção.
 
 
Esquece o teu povo e a casa do teu pai.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>O rei está enamorado da tua beleza;
 
 
presta-lhe homenagem, pois é ele o teu senhor.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>E da cidade de Tiro, com presentes,
 
 
os mais ricos do povo demandam os teus favores<ref name="ftn256">O facto de os presentes estrangeiros oferecidos ao rei estarem ligados com a cidade de Tiro, e serem feitos num ambiente festivo, parece dar a entender que o salmo poderia vir de um tempo razoavelmente antigo, em que Tiro era a expressão do êxito internacional desta região próxima da monarquia hebraica.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Em todo o esplendor está a filha do rei,
 
 
com suas vestes de brocados de ouro.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Com um manto multicolor é conduzida ao rei;
 
 
depois dela, as virgens, suas amigas, são-te apresentadas.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>São conduzidas entre júbilo e regozijo
 
 
e dão entrada no palácio do rei.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>No lugar dos teus pais estarão os teus filhos;
 
 
e tu farás deles príncipes sobre toda a terra.
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Farei lembrar o teu nome por todas as gerações.
 
 
Por isso, os povos hão de louvar-te por todo o sempre.
 
 
 
46(45)'''Deus, refúgio e força'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Dos filhos de Coré, em soprano''<ref name="ftn257">Cf. 1Cr 15,20; Sl 68,26.</ref>''. Cântico''.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Deus é para nós refúgio e força<ref name="ftn258">Este salmo é o primeiro da lista dos salmos de ''Sião'' (48; 76; 84; 87; 122). O nome de Sião é um nome alternativo para a cidade de Jerusalém. Este nome estava fortemente carregado de dimensões simbólicas, articuladas com o facto de Jerusalém ser vista como a cidade onde Javé tem a sua morada e onde se concentravam memórias e referências religiosas que os hebreus herdaram dos anteriores habitantes de Canaã, quando assumiram a sua língua e com ela muito da sua cultura. Esta é uma das muitas outras razões pelas quais Jerusalém é vista como inexpugnável. Este salmo parece ser a expressão de uma nova cosmogonia que Deus realiza a partir de Jerusalém.</ref>,
 
 
desde sempre foi auxílio nas angústias.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Por isso, não temos medo, ainda que a terra trema,
 
 
e as montanhas se precipitem no fundo dos mares<ref name="ftn259">Segundo a conceção cósmica bíblica as montanhas têm os seus fundamentos no coração de mares inferiores.</ref>,
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>fazendo com que as suas águas rujam e se agitem,
 
 
sacudindo os montes com a sua fúria.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Um rio com os seus canais alegra a cidade de Deus<ref name="ftn260">A cidade é Jerusalém. O rio e os seus canais são ingredientes simbólicos que procuram ver a cidade como uma fonte cósmica de nascentes de vida, à semelhança da visão apresentada no livro de Ezequiel, cujos caps. 47 e 48 poderiam quase ser considerados como um comentário ao presente v. deste salmo. O ponto de partida real e humilde para esta referência simbólica pode ser a nascente do Cédron, que brota debaixo do monte do templo.</ref>,
 
 
a mais santa das moradas do Altíssimo.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Deus está no meio dela; não a deixará vacilar.
 
 
Deus a socorrerá desde o raiar da aurora.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Os povos amotinam-se, os reinos agitam-se;
 
 
mas Ele faz ecoar a sua voz e a terra estremece<ref name="ftn261">Alguns associam este v. com os relatos constantes em 2Rs 18-19; referem-se às invasões assírias na Palestina, das quais Jerusalém conseguiu sair ilesa.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>O Senhor dos exércitos está connosco;
 
 
o Deus de Jacob é a nossa fortaleza.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Vinde e contemplai as obras do Senhor,
 
 
as coisas espantosas que realizou sobre a terra.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Ele faz parar as guerras até aos confins do mundo<ref name="ftn262">Lit.: ''até aos confins da terra.'' Poderia referir-se ao país, mas a referência aos confins e o tom cosmogónico de todo o texto sugere como mais plausível pensar nos confins do mundo.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
quebra os arcos, despedaça as espadas
 
 
e queima no fogo os escudos.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Rendei-vos! Reconhecei que Eu sou Deus:
 
 
dominarei sobre os povos; dominarei sobre a terra.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>O Senhor dos exércitos está connosco;
 
 
O Deus de Jacob é a nossa fortaleza.''Pausa''
 
 
 
47(46)'''Ao rei universal'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Dos filhos de Coré. Salmo''.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Povos todos, batei palmas<ref name="ftn263">Este salmo é um hino à realeza de Javé, tema que carateriza igualmente uma lista de outros salmos, nomeadamente, Sl 93,96,97,98 e 99. Nele se afirma a soberania universal de Javé e se convidam todos os povos a acorrer para um louvor unânime. Este salmo de realeza de Javé foi possivelmente atraído para este espaço pelo facto de com o salmo anterior se ter dado início ao conjunto de cânticos designados como salmos de Sião, onde convergem os temas da criação e da realeza.</ref>,
 
 
aclamai a Deus com brados de júbilo,
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>porque o Senhor, o Altíssimo, é temível;
 
 
é o grande rei sobre toda a terra.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>É Ele que submete os povos ao nosso poder,
 
 
colocando as nações a nossos pés.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Foi Ele que escolheu para nós a nossa herança,
 
 
o orgulho de Jacob, que Ele ama.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Deus subiu por entre aclamações,
 
 
o Senhor subiu ao som da trombeta<ref name="ftn264">Lit.: ''do chofar. ''O chofar é um chifre de carneiro, tradicionalmente usado pelos hebreus para lançar o som pregoeiro das grandes festas. O tema da subida apoteótica de Deus é a ideia nuclear desta última estrofe do salmo. O verbo ''subir'' ('''alah'') representa o itinerário religioso dos humanos para o templo. Para Deus, a subida é para o trono nas alturas (v. 9). E o seu título de soberano (v. 10 ) é derivado desta mesma raiz e significa lit. o que está ''elevado''. </ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Cantai hinos a Deus, cantai!
 
 
Cantai ao nosso rei, cantai!
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Pois Deus é o rei de toda a terra,
 
 
cantai-lhe um poema de louvor.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>É Deus quem reina sobre os povos;
 
 
Deus está sentado no seu trono sagrado.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Os grandes dos povos juntaram-se
 
 
ao povo do Deus de Abraão<ref name="ftn265">Seguindo o atual texto hebraico na leitura massorética alguns traduzem: ''Os grandes dos povos juntaram-se; é o povo do Deus de Abraão.''</ref>.
 
 
Pois a Deus estão sujeitos os poderosos da terra.
 
 
Desde sempre, Ele é soberano.
 
 
 
48(47)'''Sião, cidade de Deus '''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Cântico. Salmo dos filhos de Coré.''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>O Senhor é grande e digno de todo o louvor<ref name="ftn266">É o segundo salmo de Sião (cf. Sl 46 nota). Continuando a aproveitar a linguagem simbólica tradicional de Canaã, proclama que Sião se encontra nos píncaros do monte Safon. Esta era uma montanha de grande simbolismo religioso situada perto da cidade de Ugarit e considerada a habitação celeste do deus Baal (Is 14,13; 37,24). Nos tempos mais antigos dos hebreus na Palestina ainda não se notava o conflito entre a religiosidade dirigida a Javé e a que é votada a Baal. Os ataques descritos contra a cidade protegida por Deus podem conter referências a acontecimentos reais de guerra ou simplesmente fazer parte do género literário utilizado para este tipo de cânticos. Há quem veja como contexto histórico plausível para este hino o ataque dos reis de Damasco e da Samaria em 734 a.C. (2Rs 16,5; Is 7,1).</ref>,
 
 
na cidade do nosso Deus, sua montanha santa.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Bela elevação, alegria de toda a terra,
 
 
o monte Sião, acima do monte Safon,
 
 
é a fortaleza do grande rei<ref name="ftn267">A linguagem aqui implícita é a que descrevia o deus Baal no discurso religioso de Canaã como o grande rei. Por isso Sião não é declarada como ''a cidade'', mas sim a ''fortaleza'', ''castelo'' ou ''cidadela'' (''qiryat'')''.''</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>No meio das suas fortalezas,
 
 
Deus é reconhecido como um baluarte.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Mas eis que os reis se coligaram
 
 
e juntos decidiram avançar.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Mal a viram ficaram em pânico;
 
 
e, aterrorizados, puseram-se em fuga.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Ali mesmo os apanhou a ansiedade,
 
 
com dores como as da mulher no parto<ref name="ftn268">As dores de parto aparecem na literatura bíblica como a grande metáfora da dor e do sofrimento (Is 13,8; 21,3; Jr 6,24; 22,27; etc.).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Era como o vento leste,
 
 
que despedaça as naus de Társis<ref name="ftn269">As naus de Társis eram os navios de grande porte adequados às mais arriscadas viagens ao longo do Mediterrâneo (1Rs 10,22; 2Cr 20,36). Pelo que o texto diz, eram os ventos de leste o risco que estes navios fenícios mais temiam.</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Tal como nos contaram, assim o vimos<ref name="ftn270">As coisas prodigiosas que em Israel mais se faziam ouvir eram os relatos sobre a saída do Egito. A presente libertação de Sião era uma realidade comparável que se podia ter o privilégio de ver.</ref>,
 
 
na cidade do Senhor dos exércitos,
 
 
na cidade do nosso Deus,
 
 
que Deus consolidou para sempre.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Ó Deus, nós meditamos na tua misericórdia,
 
 
no interior do teu santuário.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Tal como o teu nome, ó Deus,
 
 
o teu louvor chega aos confins da terra.
 
 
A tua mão direita está cheia de justiça<ref name="ftn271">Os vv. 10-11 combinam dois pares de conceitos importantes: a grandeza do nome de Deus e a amplidão do louvor que lhe é votado, por um lado; e o padrão que preside à intervenção de Deus que é simultaneamente de misericórdia, pelo que exprime de relação com o povo crente, e de justiça, pela maneira como repõe as coisas na sua devida ordem.</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>O monte Sião alegra-se,
 
 
exultam as cidades de Judá<ref name="ftn272">Lit.: ''as filhas de Judá.'' Esta designação exprime localidades integradas numa região ou dependentes de uma cidade principal (Nm 21,25.32; Js 15,45).</ref>,
 
 
por causa dos teus decretos.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Percorrei Sião, caminhando em seu redor,
 
 
e contai as suas torres.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Examinai as suas fortalezas e palácios,
 
 
para poderdes contar à geração futura
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>que este é Deus, o nosso Deus para todo o sempre.
 
 
É Ele que eternamente nos conduz<ref name="ftn273">A última expressão do salmo ('''lmwt'') é vocalizada pelos massoretas como significando ''para / sobre a morte''<nowiki>; alguns acham que seria uma indicação semelhante às que ocorrem nos títulos dos salmos (</nowiki>''donzelas''), i.e., ''para sopranos''<nowiki>; a tradução dos LXX diz </nowiki>''pelos séculos'', sentido que se acolhe para esta tradução.</ref>.
 
 
 
49(48)'''Vaidade das riquezas'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Para os filhos de Coré. Salmo''.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Escutai bem isto, povos todos<ref name="ftn274">Este é um salmo sapiencial, onde se nota a maneira caraterística e habitual neste género literário para convidar os ouvintes a escutar a meditação que a seguir é desenvolvida. A meditação sapiencial, neste caso, incide sobre a sorte que espera tanto ricos como pobres, opressores e oprimidos, perante o destino comum a todos, a morte. Nessa perspetiva, interroga-se sobre o sentido dos bens terrenos, da prosperidade e do bem-estar. A questão intrigante suscitada pela experiência é a de saber porque é que os maus têm tanto sucesso? Esta questão preocupava bastante o homem bíblico (Sl 73; Jr 12,1; Abd 1,3). A resposta é a de que esse sucesso dos maus se limita a este mundo. No mundo dos mortos, o Cheol, nada de bom podem esperar (vv. 6-15.17-21). A esperança do salmista é a de ter um destino diferente na outra vida. É isso que ele declara de forma breve e explícita no v. 16.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
prestai atenção, habitantes do mundo inteiro.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Escutem-no tanto os humildes como os grandes,
 
 
os ricos e os pobres juntamente.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>A minha boca proferirá palavras sábias,
 
 
e o murmúrio do meu coração, entendimento.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Prestarei atenção aos provérbios,
 
 
apresentarei o meu enigma ao som da harpa.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Porque hei de temer os dias maus,
 
 
quando me cerca a iniquidade dos perseguidores?
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Eles confiam na sua opulência
 
 
e orgulham-se na enormidade da sua riqueza.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Contudo, nenhum humano consegue libertar-se,
 
 
nem pagar a Deus o seu resgate.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>É demasiado caro o resgate da sua vida,
 
 
ficaria sempre insuficiente.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Será que isso o faria viver para sempre,
 
 
sem chegar a ver a sepultura?
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Pois ele vê que também os sábios morrem,
 
 
tal como perecem os insensatos e os loucos,
 
 
deixando para outros as suas riquezas.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>É o túmulo que lhes servirá de casa para sempre,
 
 
e de morada por séculos sem fim,
 
 
apesar de proclamarem o seu nome sobre várias terras.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>O homem que vive na opulência não dura muito<ref name="ftn275">Lit.: ''não chega a passar a noite''.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
é semelhante aos animais que são abatidos<ref name="ftn276">Ou: ''que ficam mudos.''</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Este é o caminho dos pretensiosos,
 
 
o futuro dos que se comprazem nas suas palavras.''Pausa''
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Como um rebanho serão destinados ao mundo inferior<ref name="ftn277">Lit.: ''ao Cheol. ''Todo o conjunto do v. 15 apresenta dificuldades várias de tradução.</ref>,
 
 
e a morte será o seu pastor.
 
 
Assim se desfaz a sua imagem,
 
 
e o mundo inferior<ref name="ftn278">Lit.: ''Cheol.''</ref> é a sua morada.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Deus, porém, há de resgatar a minha alma
 
 
e retirar-me<ref name="ftn279">É com este verbo que se exprime o modo como são resgatados Henoc (Gn 5,24) e Elias (2Rs 2,9s), bem como David que é recolhido na corte de Saul (1Sm 18,2; Sl 18,17).</ref> das garras da morte.''Pausa''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Não te perturbes, quando um homem enriquece
 
 
e aumenta o esplendor da sua casa.
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Pois, quando morrer, nada disso vai levar;
 
 
o seu esplendor não vai descer com ele.
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Durante a vida, vangloria-se, dizendo:
 
 
«Eles elogiam-te, porque te saíste bem».
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Mas terá de ir para junto dos seus antepassados,
 
 
que jamais voltarão a ver a luz.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>O homem que vive em opulência e não pensa
 
 
é semelhante aos animais que são abatidos.
 
 
 
50(49)''' O verdadeiro sacrifício '''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Salmo. De Asaf.''
 
 
 
O Senhor, Deus dos deuses, falou<ref name="ftn280">Este salmo pertence ao género da exortação profética; constitui uma espécie de homilia sobre o cumprimento da lei e da aliança. Como noutros casos de meditação profético-sapiencial, esta reflexão está enquadrada num contexto litúrgico. Apesar disso chama-se a atenção para não se pensar que os rituais são aquilo que tem maior valor. Aquilo que realmente vale é o espírito com que esses atos são vividos. Sob este aspeto, o salmo lembra a mais autêntica pregação dos profetas (cf. Is 1,11-17; Jr 6,20; 7,21-23; Os 6,6; Am 5,21-25; Mq 6,6-8). Esta maneira de mostrar Deus a dirigir interpelações aos vários grupos do povo é também um sinal distintivo da literatura profética.</ref>
 
 
e convocou a terra, do nascer ao pôr do Sol.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Desde Sião, repleta de beleza,
 
 
Deus se manifesta com esplendor.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>O nosso Deus virá e não ficará calado.
 
 
À sua frente vem um fogo devorador
 
 
e à sua volta, a imensa tempestade.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Do alto, Deus convoca os céus e a terra,
 
 
para fazer o julgamento do seu povo<ref name="ftn281">Apesar de se tratar de um julgamento que incide diretamente sobre os comportamentos do povo de Israel, todo o universo é considerado uma verdadeira câmara de legitimidade. Daí falar-se de maneira insistente sobre uma convocatória dotada de toda esta amplitude. Este julgamento não se processa à porta fechada ou no interior delimitado das consciências. A sua objetividade exige o testemunho do universo inteiro.</ref>:
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>«Reúnam-se junto a mim os que me são fiéis,
 
 
que fizeram aliança comigo com um sacrifício<ref name="ftn282">Cf. Ex 19,20.</ref>».
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Os céus proclamam a sua justiça,
 
 
pois o próprio Deus é o juiz.''Pausa''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>«Escuta, meu povo, que Eu vou falar,
 
 
Israel, vou chamar-te a julgamento.
 
 
Eu sou Deus, o teu Deus.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Não é pelos teus sacrifícios que Eu te repreendo;
 
 
os teus holocaustos estão sempre diante de mim.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Não exijo os novilhos da tua casa,
 
 
nem os cabritos dos teus currais.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Pois são minhas todas as feras dos bosques
 
 
e os animais dos montes aos milhares.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Conheço todas as aves das montanhas,
 
 
e os bichos do campo são-me familiares.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Se tivesse fome não to diria,
 
 
porque meu é o mundo e tudo o que o preenche.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Será que Eu vou comer a carne dos touros
 
 
ou beber o sangue dos cabritos?
 
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Oferece a Deus um sacrifício de louvor
 
 
e cumpre as tuas promessas feitas ao Altíssimo.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Invoca-me no dia da tribulação;
 
 
Eu te livrarei e tu me glorificarás».
 
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Ao malfeitor, porém, Deus diz:
 
 
«Que mais te dá repetires tanto os meus preceitos
 
 
e trazer sempre na boca a minha aliança?
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Pois tu detestas a disciplina
 
 
e atiras as minhas palavras para trás das costas.
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Quando vês um ladrão, associas-te com ele
 
 
e fazes sociedade com os adúlteros.
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>A tua boca espalha o mal,
 
 
e a tua língua tece enganos.
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Sentas-te a falar contra o teu irmão
 
 
e difamas o filho da tua própria mãe<ref name="ftn283">Dos mandamentos (Ex 20,14-16; Dt 5,18-20) são principalmente lembrados aqueles que têm a ver com obrigações relativas aos humanos. Este é um padrão claro e incisivo ao longo da Bíblia.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>Fizeste tudo isto e Eu poderia ficar calado?
 
 
Achavas que Eu seria mesmo igual a ti?
 
 
Vou repreender-te e expor tudo diante dos teus olhos.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>22</sup></span>Compreendei bem isto, vós que esqueceis a Deus,
 
 
para Eu não vos despedaçar, sem haver quem vos livre.
 
 
<span style="color:red"><sup>23</sup></span>O que oferece sacrifícios de louvor, é esse que me honra;
 
 
e aí está o caminho<ref name="ftn284">A vocalização massorética lê: ''e estabelece o caminho''.</ref>, por onde lhe farei ver a salvação de Deus».
 
 
 
51(50)'''Prece de coração contrito '''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Salmo de David'',
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>''Quando o profeta Natan foi ao seu encontro, ''
 
 
''depois de ele ter ido encontrar-se com Betsabé.''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Tem piedade de mim, ó Deus, pela tua misericórdia<ref name="ftn285">Este é um salmo individual de súplica que ficou conhecido como o ''Miserere''. Esta é a palavra com a qual começa a sua tradução latina. É, por isso, o mais reconhecido dos salmos penitenciais. O conjunto do salmo pode enquadrar-se bem no conhecido episódio da vida de David, que é recordado no título (2Sm 12,1-13). Os últimos vv., no entanto, terão de ser considerados mais tardios. Isto deve ser um sinal de que o seu uso lhe dava cada vez mais capacidade para ser utilizado com outros sentidos e noutros contextos, para além do episódio a que se alude em título. Esta amplificação de sentidos para um texto é uma realidade que deverá ter acontecido com muitos salmos, se não mesmo com todos.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
segundo a tua grande compaixão, apaga a minha culpa.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Lava-me inteiramente da minha iniquidade
 
 
e purifica-me do meu pecado.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Pois eu reconheço as minhas culpas,
 
 
e o meu pecado está sempre diante de mim.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Contra ti, só contra ti pequei
 
 
e pratiquei o mal aos teus olhos.
 
 
E assim Tu és justo na tua sentença,
 
 
és íntegro no teu julgamento.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Eis que eu fui gerado na culpa,
 
 
a minha mãe me concebeu no pecado<ref name="ftn286">Não existem na Bíblia indícios para se pensar que possa estar ligado algum pecado ao ato de conceber um novo ser humano. Pelo contrário. Esta expressão significa a fragilidade que marca a condição humana e que, como tal, se encontra presente no ser humano desde a etapa mais embrionária, desde o primeiro momento da sua existência (cf. Jb 15,14; Pr 20,9). Ora, para o homem semita a origem é o equivalente da essência ou estrutura. A condição humana é, por conseguinte, frágil e deficiente por essência. </ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Eis que Tu aprecias a verdade no mais profundo;
 
 
e na intimidade ensinas-me a sabedoria.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Com o hissope<ref name="ftn287">O hissope é um arbusto, usado para vários rituais de aspersão com água (Ex 12,22; Lv 14,4-6; Nm 19,18; Heb 9,19).</ref>, retira-me o pecado e ficarei puro;
 
 
lava-me e ficarei mais branco do que a neve.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Faz-me ouvir palavras de alegria e de júbilo,
 
 
e exultem estes ossos que trituraste.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Desvia o teu rosto do meu pecado
 
 
e apaga todas as minhas iniquidades.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Cria para mim, ó Deus, um coração puro;
 
 
e renova dentro de mim um espírito firme.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Não me afastes da tua presença<ref name="ftn288">Lit.: ''Não me expulses da tua presença. ''Estar na presença de Deus é um privilégio (Sl 11,7; 41,13; 140,14), que o salmista como pecador temeu perder.</ref>,
 
 
nem retires de mim o teu santo espírito.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Dá-me de novo a alegria da tua salvação
 
 
e apoia-me com um espírito generoso.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Hei de ensinar aos transgressores os teus caminhos,
 
 
e os pecadores hão de voltar para ti.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Livra-me, ó Deus, dos crimes de sangue<ref name="ftn289">Fica em aberto a hipótese de se tratar de crimes cometidos ou, pelo contrário, serem sofridos pelo próprio.</ref>,
 
 
Deus da minha salvação.
 
 
Que a minha língua cante a tua justiça.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Abre, Senhor, os meus lábios,
 
 
e a minha boca anunciará o teu louvor.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Pois não recebes com agrado um sacrifício
 
 
nem te agrada qualquer holocausto que eu ofereça.
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>O meu sacrifício, ó Deus, é um espírito contrito<ref name="ftn290">Esta tradução reflete bem o texto hebraico consonântico. Ela coincide com uma tradução latina dos salmos aprovada por Pio XII e que esteve em uso na liturgia ainda antes do concílio Vaticano II. As dificuldades linguísticas não são grandes, mas as traduções, desde as mais antigas, têm hesitado na sua interpretação.</ref>.
 
 
Um coração contrito e humilhado, ó Deus, Tu não desprezas.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Na tua benevolência, trata Sião com bondade<ref name="ftn291">Estes dois últimos vv. deixam claramente a impressão de terem sido acrescentados ao salmo já em época posterior ao exílio, numa altura em que este salmo penitencial servia já para os hebreus se penitenciarem sobre os pecados de toda a nação, que tinham provocado a grande catástrofe.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
reconstrói os muros de Jerusalém.
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>Então hão de agradar-te os sacrifícios legítimos,
 
 
holocaustos ou oferendas completas;
 
 
então se podem colocar novilhos sobre o teu altar.
 
 
 
52(51)'''Contra o ímpio poderoso'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Poema de David''.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>''Quando Doeg, o edomita, ''
 
 
''foi levar a Saul a mensagem de que David estava em casa de Aimélec''.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Porque te vanglorias, ó prepotente<ref name="ftn292">Embora aqui apareçam misturados vários géneros literários, neste salmo parecem sobressair as caraterísticas de uma exortação profética. Como tal, pretende desmascarar a maldade dos maus e louvar o comportamento dos justos. Os contextos litúrgicos para este género literário podem ser numerosos, tais como as ocasiões propícias para celebrar a aliança. Na introdução ao salmo é referida uma personagem cujos comportamentos negativos se refletem no texto. Trata-se de um edomita chamado Doeg, referido em 1Sm 21,8 e 22,9. O salmo refere os castigos (vv. 3-7) e as lições (vv. 8-11) que se devem retirar daqueles episódios.</ref>,
 
 
no mal que fazes todo o dia a quem é fiel a Deus?
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Planeias destruição com a tua língua,
 
 
como navalha afiada, produzindo falsidade.''Pausa''
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Preferes sempre o mal ao bem;
 
 
declaras a mentira em vez da justiça.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Preferes sempre palavras corrosivas,
 
 
ó língua traiçoeira.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Também Deus te destruirá para sempre;
 
 
pegará em ti e te expulsará da tenda
 
 
e te arrancará da terra dos vivos.''Pausa''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Ao verem isto, os justos ficarão impressionados
 
 
e hão de escarnecer dele, dizendo:
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>«Eis aqui o herói que não sabe
 
 
colocar em Deus a sua fortaleza.
 
 
Confia na sua grande riqueza
 
 
e torna-se insolente na sua iniquidade».
 
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Eu, porém, como oliveira viçosa na casa de Deus,
 
 
confio na misericórdia de Deus, por todo o sempre.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Hei de louvar-te para sempre pelo que fizeste
 
 
e na presença dos teus fiéis
 
 
proclamarei como é bom o teu nome.
 
 
 
53(52)'''Os ímpios e o povo eleito'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Em coro. Poema de David''.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Diz o insensato no seu coração<ref name="ftn293">Este salmo pode igualmente ser classificado no género das exortações proféticas. É muito semelhante ao Sl 14, o qual, no entanto, usa o nome Javé, enquanto este usa simplesmente '''elohim'', i.e., Deus. A referência à restauração depois do exílio indicia que este salmo é testemunho de uma época de composição mais tardia e da maneira como um poema litúrgico se ia acomodando à mudança das circunstâncias históricas. A mensagem essencial é a de que a fé em Deus constitui a base de qualquer sobrevivência.</ref>:
 
 
«Aqui não há Deus!»<ref name="ftn294">Cf. Sl 14,1 nota.</ref>.
 
 
Corruptas e abomináveis são as suas ações;
 
 
não há nenhum que faça o bem.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Dos céus, Deus observa os seres humanos,
 
 
para ver se existe alguém sensato,
 
 
alguém que procure a Deus.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Mas todos se extraviaram; uns aos outros se corromperam.
 
 
Não há nenhum que faça o bem; nem um sequer.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Acaso não compreendem os que praticam a iniquidade
 
 
que devoram o meu povo como quem come pão
 
 
e não invocam a Deus?
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Eis como eles ficaram aterrorizados,
 
 
quando não havia razão para terror,
 
 
pois Deus dispersou os ossos dos que te cercam.
 
 
Tu deixa-los envergonhados, porque foram rejeitados por Deus<ref name="ftn295">O tema de um Deus que atemoriza, que afasta e desbarata os atacantes inimigos é um tópico caraterístico da literatura bíblica. Existem, no entanto, nas páginas da Bíblia referências históricas que correspondem mais diretamente a estas imagens, nomeadamente os ataques contra a Samaria e contra Jerusalém (2Rs 7,3-16; 19,35s; 2Cr 20,22-24). Uma das diferenças significativas entre este v. 6 e o Sl 14,5s e ainda o Sl 53,6 na leitura do hebraico consonântico atual, é que este está a dirigir-se a alguém que faz parte do grupo dos resgatados, possivelmente um representante dos mesmos. Em ambos os casos há problemas textuais que levaram as traduções antigas a apresentarem alternativas de leitura.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Quem dera que de Sião viesse a salvação para Israel!
 
 
Quando Deus fizer voltar os cativos do seu povo,
 
 
Jacob vai rejubilar, Israel vai alegrar-se.
 
 
54(53)'''Pedido de socorro'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Com instrumentos de corda. Poema de David''.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>''Quando chegaram alguns habitantes de Zif e anunciaram a Saul: ''
 
 
«''David encontra-se escondido entre nós''».
 
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Ó Deus, salva-me pelo teu nome<ref name="ftn296">Trata-se de um salmo individual de súplica. Nele se pede a ajuda de Deus contra os inimigos que colocam em perigo a sua vida (vv. 3-6), prometendo oferecer um sacrifício de ação de graças pelo auxílio que espera da parte de Deus. O acontecimento referido no v. 2 do título é relatado em 1Sm 23,19-29; 26,1s. Isto parece sugerir que David teria sido o autor deste salmo ou, pelo menos, que o tema se adapta àquela situação histórica reconhecida. A localidade de Zif encontrava-se na região sul de Judá. Apesar da sua brevidade, este salmo contém todos os pontos importantes que integram normalmente os salmos de súplica: invocação, exposição, súplica, confiança e ação de graças.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
pelo teu poder, faz-me justiça.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Escuta, ó Deus, a minha oração;
 
 
dá ouvidos às palavras da minha boca!
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Estranhos<ref name="ftn297">Traduções antigas apontariam mais para ''orgulhosos'' que o paralelismo com o segundo hemistíquio justificaria. No entanto, a tradição hebraica, vista no texto e em traduções targúmicas, aponta para o sentido de ''estrangeiros'', o qual pode traduzir alguma adaptação a preferências semânticas do tempo dos conflitos contra o helenismo.</ref> levantam-se contra mim
 
 
e soberbos procuram tirar-me a vida,
 
 
sem pensarem que Deus está diante deles.''Pausa''
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Porém, Deus é o meu auxílio;
 
 
o Senhor é quem sustenta a minha vida<ref name="ftn298">Ou: ''O Senhor está entre os que sustentam a minha vida.''</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Recaia o mal sobre os meus perseguidores;
 
 
pela tua fidelidade, extermina-os.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Oferecer-te-ei sacrifícios espontâneos<ref name="ftn299">Sacrifícios espontâneos são os que não derivam de um calendário ritual obrigatório, mas são voluntariamente apresentados (Ex 35,29; Lv 22,17-25).</ref>:
 
 
louvarei o teu nome, ó Senhor, porque ele é bom.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Foi ele que me livrou de todas as tribulações;
 
 
e assim posso olhar de frente os meus inimigos<ref name="ftn300">Lit.: ''e nos meus inimigos viram os meus olhos''. Esta é uma expressão idiomática frequente nos salmos (cf. Sl 92,12; 112,8; 118,7), para significar a vitória conseguida sobre eles. </ref>.
 
 
 
55(54)''' Oração de um perseguido '''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Com instrumentos de corda. Poema de David''.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Dá ouvidos, ó Deus, à minha oração<ref name="ftn301">Neste salmo individual de súplica, com o desgosto que o aflige, o salmista sente vontade de fugir para o deserto. O sofrimento de que se queixa parece dever-se à traição de um amigo muito próximo, envolvido num ambiente de grandes desavenças na cidade. Para além de afirmar a sua confiança em Deus, não descura retirar as conclusões morais da experiência vivida. Podem perceber-se ressonâncias dos conflitos relatados em torno a David em 2Sm 15,6-15, com uma linguagem parecida à de Jr 6,6-15.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
não te escondas perante a minha súplica.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Presta-me atenção e responde-me;
 
 
estou atormentado na minha angústia.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Perturbo-me com a voz do inimigo
 
 
e perante a opressão dos malfeitores.
 
 
Eles fazem cair a desgraça sobre mim
 
 
e perseguem-me com furor.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>O coração aperta-se no meu peito,
 
 
e os terrores da morte caem sobre mim.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>O medo e o tremor apoderam-se de mim;
 
 
o pavor cobre-me por completo.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>E exclamo: «Quem me dera ter asas como a pomba;
 
 
poderia voar e encontrar abrigo».
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Sim, fugiria para bem longe
 
 
e habitaria no deserto.''Pausa''
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Apressava-me em buscar um refúgio para mim,
 
 
contra a fúria do vento e a tempestade.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Confunde-os, Senhor, divide as suas línguas<ref name="ftn302">Cf. Gn 11,1-9.</ref>,
 
 
pois vi muita violência e discórdia na cidade.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Dia e noite fazem ronda por cima das muralhas,
 
 
e dentro da cidade reina o crime e a intriga.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Dentro dela é só calamidades;
 
 
opressão e fraude não desaparecem das suas ruas.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Se um adversário me ofendesse, eu suportaria;
 
 
se um inimigo se erguesse contra mim,
 
 
eu escondia-me dele.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Mas não tu, um ser humano tal como eu,
 
 
meu amigo e confidente!
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Nós que juntos partilhámos agradáveis segredos
 
 
e animados caminhámos para a casa de Deus!
 
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Que a morte caia sobre eles,
 
 
e vivos desçam ao mundo inferior<ref name="ftn303">Lit.: ''ao Cheol''. O facto de descerem vivos ao Cheol significa um castigo mais drástico do que a própria morte, como no caso dos companheiros de Coré (Nm 16,31-32).</ref>,
 
 
pois só maldades se alojam no seu interior.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Quanto a mim, dirijo a Deus o meu apelo;
 
 
e o Senhor me salvará.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>À tarde, de manhã e ao meio dia,
 
 
eu lamento-me e suspiro;
 
 
e Ele escuta a minha voz.
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Resgatou a minha alma, pondo-me em paz;
 
 
e aproximou-se de mim,
 
 
porque contra mim eles eram muitos<ref name="ftn304">Ou: ''Ele colocou em paz a minha alma''<nowiki>; / </nowiki>''resgatou-me dos muitos que me faziam guerra''.</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Deus escuta-me e há de retribuir-lhes,
 
 
pois é Ele que reina desde o princípio.''Pausa''
 
 
Eles não dão sinais de emenda
 
 
nem têm temor de Deus.
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>Levantam a mão contra os próprios aliados
 
 
e violam a aliança que fizeram.
 
 
<span style="color:red"><sup>22</sup></span>De boca são mais brandos que manteiga,
 
 
mas têm guerra no seu coração.
 
 
As suas palavras são mais suaves que o azeite;
 
 
mas, afinal, são espadas desembainhadas.
 
 
<span style="color:red"><sup>23</sup></span>Entrega ao Senhor os teus cuidados e Ele te apoiará;
 
 
Ele jamais permite que o justo venha a sucumbir.
 
 
<span style="color:red"><sup>24</sup></span>E Tu, ó Deus, hás de precipitá-los no abismo da perdição.
 
 
Gente de sangue e de mentira não vive metade dos seus dias.
 
 
Eu, porém, confio em ti.
 
 
 
56(55)'''Confiança no meio da perseguição'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Pela melodia, ''«''a pomba dos deuses distantes''»<ref name="ftn305">Tradução plausível segundo o texto hebraico consonântico.</ref>''. Elegia. ''
 
 
''De David, quando os filisteus se apoderaram dele em Gat.''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Tem piedade de mim, ó Deus<ref name="ftn306">Trata-se de um salmo individual de súplica, no qual são retomados os temas mais frequentemente tratados em textos deste género, tais como inimigos poderosos, confiança e perseverança e a certeza de que brevemente Deus ouvirá a sua súplica. Pressente-se no conjunto a ideia de que estes sentimentos são igualmente aplicáveis a todo o povo, que tem semelhantes razões de queixa relativamente a inimigos seus. O episódio histórico a que o título alude é contado em 1Sm 21,11-16 (cf. Sl 3 e 27).</ref>,
 
 
todo o dia o agressor me oprime.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Todo o dia os meus inimigos me perseguem.
 
 
São muitos os que se erguem a combater contra mim.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>No dia em que eu tenho medo,
 
 
é em ti que eu confio.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>É em Deus, cuja palavra glorifico,
 
 
é em Deus que eu confio, não tenho medo.
 
 
Que mal me pode fazer um mortal?
 
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Todo o dia distorcem as minhas palavras;
 
 
todos os seus pensamentos são contra mim.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Para fazer o mal, amotinam-se e escondem-se,
 
 
espiando os meus passos e atentando contra a minha vida.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Solta contra eles o jugo da desgraça,
 
 
derruba os povos com furor, ó Deus.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Tu mesmo registaste os passos do meu peregrinar.
 
 
Guarda as minhas lágrimas no teu odre.
 
 
Não está tudo no teu livro?
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Então os meus inimigos hão de retroceder,
 
 
no dia em que eu te invocar.
 
 
Por isso reconhecerei que Deus está por mim.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Em Deus me glorio e louvo a sua palavra;
 
 
no Senhor me glorio e louvo a sua palavra.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Em Deus confio, não tenho medo.
 
 
Que mal me pode fazer um ser humano?
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Mantenho as promessas que te fiz, ó Deus.
 
 
Quero pagar-tas com sacrifícios de louvor.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Pois Tu livraste da morte a minha vida,
 
 
os meus próprios pés, da queda,
 
 
para que eu possa caminhar na presença de Deus,
 
 
na luz dos vivos<ref name="ftn307">Ou: ''no campo dos vivos. ''Cf. Sl 27,13; 116,9. O salmo termina contrapondo as duas perspetivas de vida para além da morte, a mais corrente no Cheol e a extraordinária, numa privilegiada proximidade de Deus. O termo consonântico hebraico '''wr, ''vocalizado '''or'' significa ''luz''<nowiki>; vocalizado </nowiki>'''ur'' significa ''campo''. A tradução dos LXX optou por usar aqui o termo ''khṓra ''(terra, região). Para designar o enquadramento da imortalidade junto de Deus, ambas as semânticas da forma consonântica '''wr'' são pertinentes. Com efeito, em vez deste termo, usa-se também ''terra'' ou ''terras'' para exprimir o mesmo espaço da imortalidade (Sl 27,13; 116,8).</ref>.
 
 
 
57(56)'''Súplica na perseguição'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Pela melodia ''«''não destruas''»''. ''
 
 
''Elegia de David, quando fugiu de Saul e se escondeu na caverna''<ref name="ftn308">O episódio é narrado em 1Sm 24.</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Tem piedade de mim. Ó Deus, tem piedade<ref name="ftn309">É um salmo individual de súplica, contendo uma lamentação seguida de ação de graças. O contexto que se deduz é o de uma oração no templo. É esse contexto ritual, de algum modo já celebrativo, que justifica a justaposição de duas fases diferenciadas e contrastantes da experiência, uma concentrada no momento negativo da lamentação (vv. 2-6) e a outra de exultação no momento positivo da ação de graças (vv. 8-12). Fica implícito o ponto intermédio, o da resposta à lamentação apresentada. As duas fases explícitas no texto resumem o ciclo completo de uma experiência. O refrão repetido marca com clareza as duas partes referidas. É ali que o salmista espera ouvir a sentença de Deus a dar-lhe razão.</ref>,
 
 
que em ti minha alma se refugia.
 
 
À sombra das tuas asas me abrigo,
 
 
até passarem as calamidades.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Eu clamo por Deus, o Altíssimo,
 
 
pelo Deus que tudo faz por mim.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Que Ele envie dos céus para me salvar,
 
 
recriminando quem me procura destruir,''Pausa''
 
 
que Deus envie a sua misericórdia e fidelidade<ref name="ftn310">A misericórdia e a fidelidade são dois atributos de Deus que aqui se apresentam como que personificados e a serem enviados como autênticos mensageiros e mediadores da ação divina (Sl 43,3; 89,15). Esta é a linguagem de mediação que se utiliza para os anjos, por exemplo.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Encontro-me exposto entre leões
 
 
que devoram seres humanos;
 
 
os seus dentes são como lanças e flechas,
 
 
e a sua língua é a uma espada afiada.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Ergue, ó Deus, a tua glória
 
 
acima dos céus e sobre toda a terra.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Montaram uma armadilha para os meus passos,
 
 
para fazer sucumbir a minha alma.
 
 
Cavaram um fosso diante de mim,
 
 
mas foram cair dentro dele<ref name="ftn311">O v. 7, situado entre as duas partes paralelas do salmo, representa uma síntese de pensamento hebraico relativo ao ciclo do comportamento ético que constitui um ato humano completo, onde já vai implícita a sanção. Por isso a sanção é descrita como sendo aplicada com os mesmos meios usados no ato praticado. O nome de lei de talião, que na Idade Média foi aplicado a esta espécie de ricochete ético, é uma formulação mais simplificada.</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>O meu coração está preparado, ó Deus;
 
 
o meu coração está preparado:
 
 
quero entoar cânticos e salmos.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Desperta, meu coração! Despertai, harpa e cítara:
 
 
eu quero despertar a aurora!
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Hei de louvar-te, Senhor, entre os povos,
 
 
cantar-te-ei entre as nações.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Pois grande até aos céus é a tua misericórdia
 
 
e a tua fidelidade, até às nuvens.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Ergue, ó Deus, a tua glória
 
 
acima dos céus e sobre toda a terra.
 
 
58(57)'''Contra os maus juízes'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Pela melodia ''«''não destruas''»''. Elegia de David''.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Será que decidis com justiça, ó poderosos<ref name="ftn312">Este salmo tem caraterísticas de um salmo coletivo de súplica. Todo o povo expõe as suas queixas relativas ao mau estado da justiça no país. Pode, no entanto, ter igualmente sentido visto como lamentação individual, por injustiças recebidas da parte das autoridades. No Sl 82 aparece de novo o tema da justiça praticada pelos seus responsáveis. Os poderosos interpelados no início de ambos os salmos são designados como ''deuses'', que é um tipo de metáfora que se encontra com alguma frequência na Bíblia (cf. Sl 45,7s e Ex 21,6; 22,7).</ref>?
 
 
Dais sentenças com justiça para os humanos?
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Na verdade, é de propósito que forjais falsidades;
 
 
as vossas mãos espalham violência na terra.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Os malfeitores transviaram-se desde o seio materno;
 
 
erraram desde o ventre os que dizem falsidades<ref name="ftn313">Esta maneira de projetar as maldades cometidas para o início da vida é um modo de mostrar que a prática do mal é de tal modo profunda que marca de maneira essencial a vida dos malfeitores. Este modo de exprimir o essencial com a imagem das origens aparece igualmente no Sl 51,7. Cf. a respetiva nota.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Eles têm um veneno semelhante ao das víboras;
 
 
tapam os ouvidos e ficam surdos como serpentes.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Assim não ouvem a voz dos encantadores,
 
 
do mago experimentado em sortilégios.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Ó Deus, quebra-lhes os dentes que têm na boca!
 
 
Arranca, Senhor, os queixais desses leões!
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Que eles desapareçam como a água que corre.
 
 
Que eles murchem como erva que se calca aos pés<ref name="ftn314">Ou: ''Que, ao armarem o arco, encontrem as flechas quebradas''.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Que eles passem como o rasto do caracol;
 
 
como um aborto<ref name="ftn315">Lit.: ''Como aborto humano''.</ref> que não viu a luz do Sol.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Antes que produzam espinhos como o espinheiro,
 
 
que um furacão atire com eles para longe<ref name="ftn316">O estado atual do texto hebraico torna difícil uma tradução mais segura.</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>O justo há de alegrar-se por se ver vingado;
 
 
e lavará os seus pés no sangue dos malfeitores<ref name="ftn317">Ou: ''E lavará os seus pés do sangue dos malfeitores''.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>E dir-se-á: «Sim! Existe recompensa para o justo.
 
 
Há realmente um Deus que faz justiça sobre a terra»<ref name="ftn318">Ou:'' Há realmente deuses que fazem justiça sobre a terra.'' Este plural poderia ser entendido no sentido metafórico usado no v. 2.</ref>.
 
 
 
59(58)''' Oração de um perseguido '''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Não destruas! ''
 
 
''Elegia de David, quando Saul mandou cercar a sua casa para o matar.''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Livra-me dos meus inimigos, ó meu Deus<ref name="ftn319">Este salmo faz parte da categoria dos coletivos de súplica. Tal como outros, ele aproveita o título para criar ligações com a personagem e com a história de David. O acontecimento histórico a que se alude encontra-se em 1Sm 19,11-17. Tal como acontece com outros salmos deste género, vão sendo intercalados os motivos de súplica, lamentação e ação de graças em conclusão. Estes são os ingredientes que mais naturalmente se costumam encontrar nos textos de oração. As duas partes do salmo estão bem claras com um refrão conclusivo em cada parte (vv. 10 e 18). Uma espécie de refrão da maldade aparece em cada secção (vv. 7 e 15), ajudando a marcar ainda mais o ritmo entre as duas partes.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
protege-me dos que se levantam contra mim.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Livra-me dos que praticam a iniquidade
 
 
e salva-me dos homens sanguinários.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Vê, Senhor, como armam ciladas à minha vida
 
 
e contra mim conspiram os poderosos,
 
 
sem que eu tenha cometido crime nem pecado.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Sem eu ter culpa, agitam-se e preparam-se.
 
 
Desperta, vem ao meu encontro e vê!
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Ó Senhor, Deus dos exércitos, Deus de Israel,
 
 
levanta-te e castiga todos estes povos.
 
 
Não tenhas compaixão de traidores malvados.''Pausa''
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Pela tarde, regressam, ladrando como cães,
 
 
e dão voltas pela cidade.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Com a sua boca proferem ultrajes,
 
 
os seus lábios são autênticas espadas:
 
 
«Quem é que vai ouvir?»<ref name="ftn320">Apresentada sem introdução, esta frase é interpretada como sendo um desafio blasfemo dirigido a Deus. No entanto, ela poderia igualmente representar uma interrogação angustiada do salmista, perante aquele panorama de maldade.</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Mas Tu, Senhor, escarneces deles,
 
 
fazes troça de todos estes povos.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Ó minha força, é para ti que eu me volto<ref name="ftn321">Ou: ''é por ti que eu vigio''.</ref>,
 
 
pois Tu, ó Deus, és a minha fortaleza.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>A misericórdia do meu Deus<ref name="ftn322">Lit.: ''O meu Deus de misericórdia''.</ref> virá ao meu encontro;
 
 
Deus me fará ver o castigo dos meus opressores.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Não os mates, para que os do meu povo não se esqueçam.
 
 
Dispersa-os e derruba-os com o teu poder,
 
 
ó Senhor, nosso escudo protetor.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Cada palavra dos seus lábios é um pecado.
 
 
Eles caem na armadilha do seu próprio orgulho,
 
 
das mentiras e maldições que proferem.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Extermina-os com furor;
 
 
extermina-os, e que eles deixem de existir.
 
 
E todos saibam que Deus governa em Jacob
 
 
e até aos confins da terra.''Pausa''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Pela tarde, regressam, ladrando como cães,
 
 
e dão voltas pela cidade.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Vagueiam em busca de alimento;
 
 
e, se não se fartam, rondam toda a noite<ref name="ftn323">Ou: ''põem-se a rosnar. ''</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Eu, porém, cantarei o teu poder,
 
 
pela manhã celebrarei a tua misericórdia.
 
 
Pois Tu foste para mim amparo e refúgio,
 
 
no meu dia de tribulação.
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Ó minha força, é para ti que eu canto,
 
 
pois Tu és o Deus da minha fortaleza,
 
 
o meu Deus de misericórdia.
 
 
60(59)'''Oração após uma derrota '''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Pela melodia ''«''lírio do testemunho''»''. Elegia. ''
 
 
''Para ensinar. De David'',
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>''quando lutou contra Aram Naaraim e contra Aram de Soba. Ao regressar, ''
 
 
''Joab combateu contra Edom, derrotando doze mil no Vale do Sal.''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Tu nos rejeitaste, ó Deus, e te afastaste de nós<ref name="ftn324">Este salmo coletivo de súplica tem como pano de fundo atividades militares múltiplas, por onde se justifica o tom de experiência coletiva e de incitação ao encorajamento. Tendo sofrido grandes derrotas em batalha, o povo pede socorro e vitória contra os inimigos. A geografia de guerra sugerida no próprio salmo dá-lhe um sentido bastante amplo. A imagem deste território faz pensar no espaço político dos inícios da monarquia davídica. Nos pormenores e no vocabulário, o salmo está repleto de referências históricas implícitas. Como todos os salmos de súplica, também este junta os motivos de lamentação, súplica e confiança. O acontecimento que é referido e resumido no próprio título encontra-se em 2Sm 8,2.5-13; 10,13-18. Os vv. 7-14 deste salmo encontram-se também no Sl 108.</ref>.
 
 
Estás irado, mas volta para nós.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Fizeste tremer a terra até abrir brechas.
 
 
Repara as suas ruínas, porque se desmorona!
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Fizeste com que o teu povo passasse duras provas;
 
 
deste-nos a beber um vinho de entorpecer.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Deste<ref name="ftn325">Ou: ''Dá aos que te temem um sinal''.</ref> aos que te temem um sinal,
 
 
para poderem esquivar-se das flechas.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Para que os teus amigos sejam libertados,
 
 
salve-nos a tua mão direita e responde-nos.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Deus falou no seu santuário:
 
 
«Com alegria repartirei Siquém<ref name="ftn326">Siquém é uma localidade na Samaria; Sucot é a região central do lado oriental do Jordão.</ref>
 
 
e medirei o vale de Sucot.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>É minha a terra de Guilead; é minha a de Manassés<ref name="ftn327">Guilead e Manassés são regiões centrais da Palestina, situadas, a primeira a oriente do Jordão e a segunda de ambos os lados do rio.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
Efraim é o capacete da minha cabeça e Judá, o meu cetro<ref name="ftn328">Efraim representa a região norte da Palestina, enquanto Judá representa o sul. São expressões de totalidade.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Moab é a bacia onde me lavo;
 
 
sobre Edom ponho a minha sandália
 
 
e cantarei vitória sobre a Filisteia»<ref name="ftn329">Moab é a região sul, além do Jordão. Edom representa a região a oriente e a sul do Mar Morto. A Filisteia é a região sul na costa mediterrânica.</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Quem me conduziria à cidade fortificada<ref name="ftn330">Trata-se possivelmente da cidade de Bosra, nas regiões do sul ligadas aos edomitas.</ref>?
 
 
Quem me guiaria até Edom?
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Quem, senão Tu, ó Deus que nos rejeitaste
 
 
e já não sais, ó Deus, com os nossos exércitos?
 
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Concede-nos ajuda contra o adversário,
 
 
porque é vão qualquer socorro humano.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Por Deus alcançaremos a vitória
 
 
e Ele mesmo calcará aos pés os nossos inimigos.
 
 
 
61(60)'''Oração de um exilado'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Com instrumentos de corda. De David.''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Escuta, ó Deus, o meu grito<ref name="ftn331">O género deste texto é o de um salmo individual de súplica. O sujeito orante tem as caraterísticas de um rei, podendo tratar-se de um rei em condições de perigo político ou simplesmente preocupado com o seu destino ou com a sua função. Qualquer destas preocupações afeta sempre a sorte de toda a comunidade. O salmista parece encontrar-se longe, de modo físico ou simbólico. Alguns indícios, nomeadamente no v. 6, podem dar a entender que se trata realmente de um rei. Estas conotações mais transcendentes da função real fazem com que neste salmo se possam apreender ressonâncias de tipo messiânico (cf. Sl 20,10; 72; 89).</ref>,
 
 
atende a minha oração.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Dos confins da terra clamo por ti<ref name="ftn332">Clamar desde os confins da terra não significa propriamente a oração de um exilado. Esta lonjura significa provavelmente sentir-se distante de Deus; a atitude de oração acentua naturalmente esses sentimentos.</ref>,
 
 
com o meu coração abatido.
 
 
Leva-me a descansar no rochedo
 
 
que para mim é inacessível.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Tu tens sido para mim um refúgio
 
 
e uma torre sólida contra o inimigo!
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Possa eu viver eternidades na tua tenda
 
 
e abrigar-me à sombra das tuas asas.''Pausa''
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Pois Tu, ó Deus, aceitaste as minhas promessas
 
 
e concedeste a herança aos que temem o teu nome.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Acrescenta mais dias aos dias de vida do rei.
 
 
Que os seus anos prossigam de geração em geração.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Que ele reine para sempre na presença de Deus;
 
 
manda que a tua misericórdia e fidelidade o guardem<ref name="ftn333">Como acontece noutros casos (cf. Sl 57,4), a misericórdia e a fidelidade de Deus são personificadas e encarregadas de uma missão como mediadoras de Deus. Neste sentido, o termo ''man ''traduzido por ''manda'' é o imperativo da raiz ''manah'', que significa ''ordenar'', ''governar''.</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Assim cantarei para sempre o teu nome
 
 
e cumprirei, dia após dia, as minhas promessas.
 
 
 
62(61)'''Deus, único refúgio'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Para Jedutun''<ref name="ftn334">Cf. Sl 29,1.</ref>''. Salmo de David.''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Só em Deus descansa a minha alma<ref name="ftn335">Este salmo individual de confiança em Deus declara primeiramente essa convicção (vv. 1-9) e desenvolve-a em seguida numa meditação segundo o estilo sapiencial (vv. 10-13). Como é frequente acontecer em salmos deste género, começa em estilo de oração e prossegue em atitude de contemplação. O conteúdo tem alguma analogia com os assuntos do Sl 4. Os que aplicam este salmo a David ligam-no aos episódios da revolta do seu filho Absalão (2Sm 15).</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
dele vem a minha salvação.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Só Ele é meu rochedo e minha salvação;
 
 
é minha grande fortaleza: jamais serei abalado.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Até quando vos lançareis todos contra um homem,
 
 
para o abater, como parede inclinada ou muro a cair?
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Planeiam derrubá-lo do seu posto e recorrem à mentira;
 
 
abençoam com a boca e amaldiçoam com o coração.''Pausa''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Tu, porém, ó minha alma, descansa em Deus,
 
 
pois dele vem a minha esperança.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Só Ele é o meu rochedo e salvação;
 
 
é minha fortaleza: jamais serei abalado.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>É em Deus que assenta a minha salvação e a minha glória;
 
 
é o meu rochedo seguro, o meu refúgio está em Deus.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Confiai nele em todo o tempo, vós, seu povo;
 
 
abri diante dele o vosso coração.
 
 
Deus é o nosso refúgio.''Pausa''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Na verdade, os homens simples são como um sopro;
 
 
os importantes, uma desilusão.
 
 
Colocados juntamente na balança,
 
 
sobem mais leves que um sopro.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Não confieis na violência,
 
 
nem tenhais ilusões com o roubo.
 
 
Se as vossas riquezas crescerem,
 
 
não lhes entregueis o coração.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Uma palavra disse Deus e eu escutei uma e outra vez<ref name="ftn336">Lit.: ''uma vez falou Deus, duas eu escutei.'' Esta expressão, por vezes designada «provérbios numéricos», é muito do gosto da literatura sapiencial. É um recurso de sentido superlativo, progressivo ou intensivo, que se usa com gradações de diversos números (cf. Jb 40,5; Sir 23,16; 25,7; 26,19; Pr 6,16;30,18.21.29<nowiki>; Am 1,3</nowiki>). </ref>,
 
 
é que o poder pertence a Deus.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>É a ti, Senhor, que pertence a misericórdia,
 
 
pois Tu retribuis a cada um, segundo as suas obras.
 
 
 
63(62)'''Alma sedenta de Deus'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Salmo de David, quando se encontrava no deserto de Judá.''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Ó Deus, Tu és o meu Deus<ref name="ftn337">Este salmo pode ser classificado como num salmo individual de súplica. O primeiro motivo da confiança proclamada parece estar relacionado com a proximidade do santuário. No final, as preocupações individuais de uma oração deste género aparecem, entretanto, alargadas ao bem-estar do rei e de todo o povo. O próprio facto de uma oração ser feita no santuário favorece naturalmente este alargamento das preocupações e das intenções. A oração tende a ser solidária e universal. Pelo assunto, este salmo é análogo aos Sl 42 e 43. Possíveis contextos de comparação com a história de David podem encontrar-se em 1Sm 23,14 ou 2Sm 15,23.28. Estas referências possíveis a David podem pertencer à origem do salmo ou ter acontecido por ocasião de releituras do mesmo.</ref>!
 
 
É a ti que eu procuro desde a aurora<ref name="ftn338">Lit.: ''É por ti que eu madrugo!''</ref>!
 
 
A minha alma tem sede de ti.
 
 
O meu ser<ref name="ftn339">Lit.: ''a minha carne.''</ref> anseia por ti,
 
 
como terra seca e cansada, sem água.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Quero contemplar-te no santuário,
 
 
para ver o teu poder e a tua glória<ref name="ftn340">Pode ser uma referência à arca da aliança (cf. Sl 29,1; 78,61).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>A tua misericórdia vale mais do que a vida.
 
 
Por isso os meus lábios te louvarão.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Quero bendizer-te toda a minha vida
 
 
e em louvor do teu nome erguer as minhas mãos<ref name="ftn341">O gesto de elevar as mãos andava associado com determinadas modalidades de oração, mesmo na prática religiosa da Mesopotâmia.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Como a minha alma se delicia com leite e abundância,
 
 
meus lábios te louvarão em expressões de júbilo.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Se me lembro de ti no meu leito,
 
 
durante as vigílias da noite, medito em ti.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Pois Tu és o meu auxílio
 
 
e à sombra das tuas asas eu exulto.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>A minha alma está ligada a ti,
 
 
e a tua mão direita me sustenta.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Porém, os que procuram tirar-me a vida
 
 
entrarão nas profundezas da terra.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Esses hão de ser entregues à espada
 
 
e tornar-se-ão comida de chacais.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Porém, o rei há de alegrar-se em Deus,
 
 
e os que juram por Ele congratular-se-ão<ref name="ftn342">Em última análise, o ''ele'' a quem se dirige o juramento pode ser Deus e também o rei. Esta ambivalência entre ambos aparece igualmente no Sl 28,8.</ref>,
 
 
pois será calada a boca dos que proferem mentiras.
 
 
64(63)'''Castigo dos caluniadores'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Salmo de David.''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Escuta, ó Deus, a minha voz, o meu lamento<ref name="ftn343">É um salmo individual de súplica de alguém que se encontra em angústia e pede a proteção de Deus contra os que lhe dirigem acusações graves (vv. 2-7). A justiça neste conflito está colocada na mão de Deus, cuja intervenção se espera. E assim, mais uma vez, a súplica relativamente a um problema se transforma em ocasião para uma síntese sobre o comportamento humano e suas consequências. </ref>:
 
 
defende a minha vida do terror do inimigo.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Esconde-me da conspiração dos malvados,
 
 
do tumulto dos que praticam a iniquidade.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Eles aguçam a sua língua como uma espada
 
 
e disparam a sua flecha, palavras venenosas,
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>para atirar às escondidas contra o inocente,
 
 
atingindo-o de surpresa, sem nenhum temor.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Obstinam-se no que é mal,
 
 
conspiram às ocultas para armar ciladas,
 
 
dizendo: «Quem vai reparar nisto?».
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Planeiam crimes e apuram bem os seus planos<ref name="ftn344">Ou: ''escondem bem os seus planos''. Esta leitura consta em alguns mss..</ref>.
 
 
É profundo o interior do homem e o seu coração.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Mas Deus atira contra eles uma flecha<ref name="ftn345">A flecha de Deus, neste v., é como que uma resposta de Deus à flecha dos maus, no v. 4.</ref>,
 
 
de repente aparecem as suas feridas.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>A sua língua foi a armadilha em que caíram.
 
 
Quem os vê abana a cabeça.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Todos os seres humanos se encherão de temor
 
 
e anunciarão a obra de Deus,
 
 
reconhecendo tudo o que Ele fez.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>O justo alegra-se no Senhor e nele se refugia
 
 
e congratulam-se todos os retos de coração.
 
 
 
65(64)'''Providência de Deus e ordem do mundo'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Salmo de David. Cântico.''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>A ti, ó Deus<ref name="ftn346">O género literário deste salmo é claramente o de um hino coletivo de ação de graças. A maneira como engloba vários temas da relação de Deus com o universo e com Israel torna-o particularmente adequado para as grandes solenidades. A festa das colheitas, do ano novo, ou da entronização de Javé poderiam ser hipóteses plausíveis. O governo de todo o universo e a fertilidade do solo estão associados com a presença de Deus no seu santuário de Jerusalém.</ref>, é devido o louvor em Sião<ref name="ftn347">Ou: ''Para ti, ó Deus, o silêncio é louvor, em Sião''.</ref>,
 
 
e em tua honra se cumprem as promessas.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Porque Tu escutas as súplicas,
 
 
todos os seres<ref name="ftn348">Lit.: ''toda a carne se aproxima''.</ref> se aproximam de ti,
 
 
por causa das suas culpas.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Os nossos crimes são mais fortes que nós,
 
 
mas Tu no-los perdoas.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Feliz daquele que Tu escolhes e atrais,
 
 
para viver nos teus átrios.
 
 
Seremos saciados com a beleza da tua casa,
 
 
com a santidade do teu templo.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Tu nos respondes com prodígios de justiça,
 
 
ó Deus, nosso salvador.
 
 
Tu és a esperança dos confins da terra
 
 
e dos mares mais distantes.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>És aquele que dá firmeza às montanhas,
 
 
com o seu poder e revestido de força.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Tu acalmas o bramido dos mares,
 
 
o bramido das suas ondas e o tumulto dos povos.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Os habitantes dos confins tremem com os teus sinais;
 
 
Tu enches de júbilo as portas do nascente e do poente.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Cuidaste da terra, regando-a profundamente
 
 
e enchendo-a de grandes riquezas.
 
 
Como um rio caudaloso<ref name="ftn349">Ou: ''Um rio'' ''de Deus''.</ref> a transbordar de água,
 
 
Tu lhes preparas o trigo; é assim que preparas a terra.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Regas os seus sulcos e aplanas as leivas;
 
 
com a chuva amoleces o solo e abençoas o seu germinar.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Coroaste o ano com os teus benefícios
 
 
e dos rodados do teu carro escorre abundância.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Escorrem as pastagens do deserto,
 
 
e as colinas cingem-se de alegria.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Os campos cobrem-se de rebanhos,
 
 
e os vales se revestem de trigais.
 
 
Todos gritam de alegria e cantam hinos.
 
 
 
66(65)'''Hino de ação de graças'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Cântico. Salmo''.
 
 
 
Aclamai a Deus, terra inteira<ref name="ftn350">Este é um salmo coletivo de ação de graças. A primeira parte é um hino recordando os prodígios realizados por Deus em tempos antigos (vv. 1-7). É aqui que se encontra a garantia de segurança frente aos inimigos. A ação de graças coletiva (vv. 8-12) volta a lembrar a vitória alcançada numa batalha. Outra parte de ação de graças aparece na primeira pessoa do singular, embora esteja envolvida pelo sentido coletivo que principalmente marca as duas partes anteriores (vv. 13-20).</ref>,
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>cantai a glória do seu nome,
 
 
dai-lhe glória e louvor!
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Dizei a Deus: «Como são prodigiosas as tuas obras!
 
 
Pelo teu grande poder,
 
 
os teus inimigos curvam-se diante de ti.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Toda a terra te adora e canta,
 
 
canta hinos ao teu nome».''Pausa''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Vinde e vede as maravilhas de Deus,
 
 
prodígios espantosos em favor dos seres humanos.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Transformou o mar em terra firme,
 
 
e atravessaram o rio a pé enxuto<ref name="ftn351">A travessia do Mar Vermelho e a travessia do Jordão para entrar na terra prometida servem frequentemente para recordar e resumir para os hebreus todo o passado prodigioso que Deus lhes providenciou (cf. Sl 74,15; 114,3.5; Ex 14,16; Js 3,13; Is 44,27; 50,2).</ref>.
 
 
Por isso, nos alegramos nele.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Da sua fortaleza eterna governa o mundo;
 
 
os seus olhos vigiam os povos,
 
 
para que os rebeldes não se levantem contra Ele.''Pausa''
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Bendizei, ó povos, o nosso Deus;
 
 
fazei ressoar a voz do seu louvor.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Foi Ele que manteve a nossa alma em vida
 
 
e não permitiu que os nossos pés resvalassem<ref name="ftn352">Se alguma referência a experiências históricas se pode dar como implícita neste texto, poderia ser a das ameaças dos assírios relatadas em 2Rs 18,13-19,26; Is 36,1-37,37.</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Sim, Tu nos puseste à prova, ó Deus<ref name="ftn353">As metáforas usadas nos vv. 10-12 fazem parte dos recursos literários frequentes na Bíblia para descrever experiências de sofrimento e de catástrofe.</ref>,
 
 
e nos purificaste como se purifica a prata.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Fizeste-nos cair na armadilha,
 
 
puseste um pesado fardo às nossas costas.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Deixaste que cavalgassem sobre as nossas cabeças,
 
 
passámos pelo fogo e pela água,
 
 
mas fizeste-nos sair para o reconforto<ref name="ftn354">As traduções desde a antiguidade e as edições críticas dividem-se entre aceitar o texto consonântico hebraico como está agora (''rwyh'') ou pressupondo uma ligeira diferença inicial (''rwḥh''). Os matizes semânticos partilhados pelas duas leituras apontam para ''largueza, folga, respiração, satisfação''. Qualquer destes matizes servem como solução para a experiência negativa anteriormente relatada.</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Entrarei na tua casa com holocaustos<ref name="ftn355">Desde aqui até ao fim do salmo o texto está centrado numa única pessoa que fala em nome próprio. Faz sentido que quem toma de ora em diante a palavra seja uma personagem com capacidade de continuar a representar os interesses comuns de todo o povo. Há quem pense que a figura do rei Ezequias poderia ser significativa para assumir esta representação. Verifica-se, com efeito, que nos salmos o foco de interesse se desloca naturalmente entre o que interessa ao povo e o que diz respeito ao rei.</ref>,
 
 
cumprirei as promessas que te fiz.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>São promessas que meus lábios proferiram,
 
 
palavras da minha boca, quando estava em aflição.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Hei de oferecer-te animais gordos em holocausto;
 
 
com o fumo dos sacrifícios de carneiros,
 
 
apresentarei novilhos e cabritos.''Pausa''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Vinde e escutai, todos vós que temeis a Deus;
 
 
vou contar-vos aquilo que Ele fez por mim.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Com a minha boca clamei por Ele,
 
 
e o seu louvor estava já na minha língua.
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Se, em meu coração, eu visse maldade,
 
 
o Senhor não me teria escutado.
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>No entanto, Deus escutou-me,
 
 
atendeu ao clamor da minha súplica.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Bendito seja Deus que não recusou a minha oração
 
 
nem a sua misericórdia para comigo.
 
 
 
67(66)'''Convite ao louvor de Deus'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Com instrumentos de corda. Salmo. Cântico''.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Que Deus se compadeça de nós e nos abençoe<ref name="ftn356">Este é um salmo coletivo de ação de graças. É possível que esta ação de graças estivesse integrada num cântico próprio da festa das colheitas, uma vez que refere os produtos da terra como o sinal da bênção de Deus (vv. 7-8). No final do salmo e como é frequente neste género, a atenção amplia-se na contemplação da soberania de Deus sobre o mundo inteiro. É o processo natural de alargamento do olhar que a atitude de oração desenvolve. A referência sublinhada aos outros povos pode ter a ver com memórias de guerras passadas e celebradas na literatura bíblica, como é, por exemplo, a relatada em 2Rs 19, ou simplesmente como a maneira de proclamar a soberania de Deus sobre todo o mundo.</ref>
 
 
e mostre para connosco o seu rosto luminoso<ref name="ftn357">Este v. serve-se de uma fórmula tradicional de bênção usada na liturgia (cf. Ex 6,24-26).</ref>.''Pausa''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Que sejam conhecidos na terra os teus caminhos
 
 
e em todas as nações, a tua salvação<ref name="ftn358">Os caminhos de Deus são os padrões e princípios de comportamento que devem ser seguidos e também os modos que Deus tem de intervir no mundo e na história. A sua salvação são as vitórias e os êxitos que Ele garante àqueles a quem ajuda.</ref>!
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Que os povos te louvem, ó Deus!
 
 
Todos os povos te louvem!
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Alegrem-se e exultem as nações,
 
 
porque julgas os povos com retidão<ref name="ftn359">O que justifica a soberania de Deus proclamada sobre o mundo é o facto de essa soberania se traduzir no reconhecimento e na gestão equitativa dos interesses e direitos de cada povo.</ref>
 
 
e governas as nações sobre a terra.''Pausa''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Que os povos te louvem, ó Deus!
 
 
Todos os povos te louvem!
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>A terra produziu o seu fruto.
 
 
Deus, o nosso Deus, nos abençoa.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Que Deus nos abençoe,
 
 
e que o temam todos os confins da terra.
 
 
 
68(67)''' Cântico triunfal'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. De David. Salmo. Cântico''.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Deus levanta-se: os seus inimigos dispersam-se<ref name="ftn360">Este salmo parece claramente um salmo coletivo de ação de graças. O que nele aparece como motivo para o agradecimento não são tanto ajudas individualizadas e concretas. É, antes, uma síntese de todos os benefícios realizados por Deus em favor de Israel ao longo da sua história. Esta espécie de epopeia religiosa da história de Israel poderia eventualmente servir como hino especial para uma festa de celebração da aliança. Daí o facto de aparecerem bem sublinhadas as referências ao Sinai e as repercussões benéficas que a proteção de Deus garante para a vida quotidiana dos israelitas.</ref>
 
 
e fogem diante dele os que o odeiam.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Como se dissipa o fumo, assim eles se dissipam;
 
 
como a cera se derrete junto do fogo,
 
 
assim perecem os malfeitores diante de Deus.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Mas os justos alegram-se e rejubilam;
 
 
na presença de Deus exultam de alegria.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Cantai a Deus, entoai hinos ao seu nome,
 
 
abri caminho àquele que cavalga sobre os desertos.
 
 
Pois o seu nome é Senhor! Exultai na sua presença.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Pai dos órfãos e defensor das viúvas
 
 
é o Deus que habita no seu santuário.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Deus faz regressar a casa os que vivem sós
 
 
e faz sair os prisioneiros em liberdade,
 
 
mas os rebeldes ficarão em terra árida.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Quando saíste à frente do teu povo, ó Deus<ref name="ftn361">O texto dos vv. 8-10 está composto a imitar de algum modo o do cântico de Débora em Jz 5,4s.</ref>,
 
 
e caminhavas através do deserto,
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>a terra tremia e os céus gotejavam
 
 
na presença de Deus, o do Sinai,
 
 
na presença de Deus, o Deus de Israel.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Fizeste cair, ó Deus, a chuva com abundância;
 
 
e restituíste o vigor à tua herança enfraquecida.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>As tuas criaturas<ref name="ftn362">Lit.: ''o teu vivente'', no sentido coletivo.</ref> voltaram à terra,
 
 
que, na tua bondade, ó Deus, preparaste para o pobre.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>O Senhor proclama um oráculo,
 
 
as boas novas de um grande exército:
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>«Os reis dos exércitos fogem, fogem,
 
 
e uma dona de casa reparte os despojos.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Será que podeis ficar descansados entre os rebanhos<ref name="ftn363">Possível referência ao texto de Jz 5,16.</ref>,
 
 
com asas de pomba<ref name="ftn364">A pomba é uma imagem que aparece como representando o próprio Israel (Sl 74,19; Os 7,11). Os despojos de combate servem para eles se ornamentarem (Js 22,8; Jz 8,48-49).</ref> cobertas de prata
 
 
e as suas penas, de ouro fino?
 
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Quando o Todo Poderoso<ref name="ftn365">Lit.: ''chadday''. Como nome de Deus, El-Chadai era usado com frequência no tempo dos patriarcas (Gn 17,1; 49,25). As traduções costumam substitui-lo por nomes equivalentes, tais como ''Todo Poderoso'', ''Soberano'', etc..</ref> dispersava os reis,
 
 
um nevão caía sobre o monte Salmon<ref name="ftn366">Salmon é um monte de localização hoje desconhecida que deveria estar localizado a norte da margem oriental do rio Jordão.</ref>».
 
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Ó montanha elevada<ref name="ftn367">Lit.: ''Montanha de Deus''. Esta expressão é usada em hebraico com sentido de superlativo.</ref>, montanha de Basan<ref name="ftn368">A montanha de Basan, situada na região norte da margem oriental do Jordão, era conhecida pela sua produtividade. Este destaque faz com que Basan apareça com muita frequência referenciada na literatura bíblica.</ref>!
 
 
Montanha escarpada, montanha de Basan!
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Ó montes escarpados, por que razão invejais
 
 
a montanha que Deus desejou para sua morada<ref name="ftn369">O monte Sião é a montanha desejada por Deus para sua morada.</ref>?
 
 
Contudo, o Senhor há de habitar nela eternamente.
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Os carros de Deus<ref name="ftn370">Na Bíblia são famosos os carros de Salomão (1Rs 10,26), mas a alusão mais provável aqui deve ser aos carros divinos da visão de Eliseu (2Rs 6,17; Is 66,15).</ref> são milhares<ref name="ftn371">Lit.: ''duas'' ''miríades.''</ref> de esquadrões cintilantes;
 
 
neles vem o Senhor do Sinai para o santuário<ref name="ftn372">O texto hebraico atual significaria: ''O Senhor está neles, o Sinai é no santuário. ''É possível ver aqui indícios de releitura posterior, tendente a sublinhar que Sião é o Sinai, no sentido de valorizar a festa de Pentecostes como festa da entrega da Lei.</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Tu subiste às alturas, levando contigo prisioneiros;
 
 
recebeste homens, mesmo rebeldes, como tributo,
 
 
para ali habitares, ó Senhor e Deus.
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Bendito seja o Senhor, dia após dia;
 
 
Ele cuida de nós, é o Deus da nossa salvação.''Pausa''
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>Ele é o nosso Deus, é o Deus para a salvação.É pelo Senhor, nosso Deus<ref name="ftn373">Lit.: ''Adonai.''</ref>,
 
 
que é possível escapar da morte.
 
 
<span style="color:red"><sup>22</sup></span>Pois Deus esmaga a cabeça dos seus inimigos,
 
 
o crânio dos que persistem nas suas culpas.
 
 
<span style="color:red"><sup>23</sup></span>O Senhor disse: «De Basan os farei voltar,
 
 
farei voltar das profundezas do mar<ref name="ftn374">A tradução dos LXX pressupõe um texto consonântico com uma preposição diferente, resultando numa tradução alternativa para o segundo hemistíquio: ''farei voltar às profundezas do mar''. Como se refere a uma maneira de tratar os inimigos, a alternativa faz sentido.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>24</sup></span>Assim molharás os pés no seu sangue
 
 
e a língua dos teus cães terá os inimigos como ração».
 
 
<span style="color:red"><sup>25</sup></span>Eles viram, ó Deus, os teus cortejos triunfais,
 
 
os cortejos do meu Deus e rei no santuário.
 
 
<span style="color:red"><sup>26</sup></span>Os cantores vão na frente, os músicos atrás,
 
 
no meio, as donzelas tocando pandeiretas.
 
 
<span style="color:red"><sup>27</sup></span>Bendizei a Deus nas assembleias,
 
 
bendizei o Senhor, nas solenidades<ref name="ftn375">Lit.: ''nas convocatórias'', porque as solenidades eram objeto de uma «convocatória» e foi esta designação que ficou no texto hebraico.</ref> de Israel.
 
 
<span style="color:red"><sup>28</sup></span>Ali vai Benjamim, o mais novo, a comandar os outros;
 
 
depois, os chefes de Judá, com os seus grupos<ref name="ftn376">Ou: ''em duas filas''. Benjamim e Judá seguem na frente do cortejo, uma vez que fazem parte do Reino do Sul, onde o templo se encontra integrado (Js 15,8-63; 18,16; Jz 1,21). Zabulão e Neftali são duas tribos situadas na região setentrional do Reino do Norte, ou Samaria (Jz 4,6; Is 8,23).</ref>,
 
 
os chefes de Zabulão e os chefes de Neftali<ref name="ftn377">Numa festa da Páscoa do tempo de Ezequias é referida a presença das tribos do Norte (2Cr 30).</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>29</sup></span>Impõe claramente o teu poder, ó meu Deus<ref name="ftn378">Esta tradução pressupõe cortar diferentemente o texto hebraico de '''lhyk ''como '''elohay kî''. Este ''kî'' tem função de ênfase, significando ''claramente'', como o termo ''zû ''da segunda parte do v.. </ref>,
 
 
o poder com que intervieste em nosso favor, ó Deus.
 
 
<span style="color:red"><sup>30</sup></span>Do teu santuário, em Jerusalém,
 
 
onde os reis virão oferecer-te presentes<ref name="ftn379">Cf. Is 60,1-14; Ag 2,7-10; Tb 13,11.</ref>,
 
 
<span style="color:red"><sup>31</sup></span>domina a fera dos canaviais,
 
 
a manada de touros e povos como novilhos.
 
 
Eles rebaixam-se perante bocados de prata<ref name="ftn380">Vários termos hebraicos deste v. têm levantado dificuldades de tradução desde a antiguidade.</ref>.
 
 
Dispersa as nações que desejam a guerra!
 
 
<span style="color:red"><sup>32</sup></span>Do Egito chegarão ricos presentes
 
 
e a Etiópia acorrerá, estendendo as mãos para Deus.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>33</sup></span>Cantai a Deus, ó reinos da terra,
 
 
entoai hinos ao Senhor!''Pausa''
 
 
<span style="color:red"><sup>34</sup></span>Ele cavalga pelos céus, os céus de outrora,
 
 
e faz ouvir a sua voz, uma voz poderosa.
 
 
<span style="color:red"><sup>35</sup></span>Reconhecei o poder de Deus<ref name="ftn381">Lit.: ''Dai a Deus o poder.''</ref>!
 
 
A sua majestade resplandece sobre Israel,
 
 
e o seu poder na vastidão das nuvens.
 
 
<span style="color:red"><sup>36</sup></span>Deus é prodigioso, desde o seu santuário<ref name="ftn382">Tal como no v. 29, também aqui o conjunto consonântico hebraico ''mmqdchyk ''deveria ser cortado como'' mimmiqedachyô ''(''do seu santuário''), lendo o ''kî ''restante como ''pois'', a iniciar a frase seguinte.</ref>.
 
 
Pois é Ele o Deus de Israel que dá força e vigor ao seu povo.
 
 
Bendito seja Deus!
 
 
 
69(68)'''Oração do justo aflito'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Pela melodia ''«''Os lírios''»''. De David''.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Salva-me, ó Deus<ref name="ftn383">Neste salmo individual de súplica, o salmista lamenta o sofrimento que tem de suportar por causa de Deus e pede-lhe proteção contra os inimigos, prometendo agradecer essa ajuda. As tonalidades sapienciais de meditação que aqui se encontram contêm conotações análogas a algumas passagens de Job. Tem igualmente semelhanças com o Sl 22. Tendo em conta a maneira como as releituras cristãs do messianismo valorizaram o sofrimento do justo, é natural verificar que este salmo foi muito apreciado por parte dos primeiros cristãos. Como em muitos outros salmos, verifica-se também aqui uma referência à restauração do povo, a servir de conclusão. Isto pode sugerir que a data de composição do salmo é posterior ao exílio ou também que o tema importante da restauração foi sendo introduzido como complemento e atualização em textos de oração de época anterior.</ref>,
 
 
porque as águas me chegam até ao pescoço<ref name="ftn384">As situações de grande ameaça e sofrimento são expressas com metáforas derivadas dos mitos do caos e do mar. Cf. Sl 12,5.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Estou a afundar-me num lamaçal profundo,
 
 
não tenho ponto de apoio.
 
 
Entrei em águas profundas,
 
 
e a corrente arrasta-me.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Estou esgotado de tanto gritar,
 
 
e a minha garganta está rouca;
 
 
consomem-se já os meus olhos
 
 
de tanto esperar o meu Deus.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>São mais que os cabelos da minha cabeça
 
 
aqueles que injustamente me odeiam.
 
 
São poderosos os que me querem destruir,
 
 
os inimigos que mentem contra mim.
 
 
Terei eu então de restituir
 
 
aquilo que não roubei?
 
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Ó Deus, Tu conheces a minha insensatez,
 
 
e as minhas faltas não te são ocultas.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Não sejam confundidos por minha causa
 
 
os que esperam em ti, Senhor, Senhor dos exércitos.
 
 
Que não fiquem envergonhados por minha causa
 
 
aqueles que te procuram, ó Deus de Israel.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Por causa de ti, tenho suportado insultos,
 
 
o meu rosto cobriu-se de vergonha.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Tornei-me estranho para os meus irmãos,
 
 
um estrangeiro para os filhos da minha mãe.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Pois a paixão pela tua casa me consome<ref name="ftn385">Lit.: ''O ciúme da tua casa me consome. ''Antigos comentadores entendem aqui os ciúmes que os estrangeiros sentem do salmista por causa do santuário. O sentido de paixão como sentimento do próprio salmista é mais verosímil.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
os insultos dos que te insultam caíram sobre mim.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Mortifico a minha alma com jejuns,
 
 
e até isso provoca mais insultos contra mim.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Se me visto de luto,
 
 
sou para eles objeto de escárnio.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Murmuram contra mim, sentados à porta da cidade
 
 
e entoam cantigas contra mim, bebendo vinho.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Mas eu dirijo a ti a minha oração,
 
 
ó Senhor, no tempo favorável.
 
 
Responde-me, ó Deus, pela tua grande misericórdia,
 
 
pela fidelidade da tua salvação.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Retira-me do lodo, para que não me afunde!
 
 
Livra-me dos que me odeiam e das águas profundas!
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Não me cubram as ondas, nem me engula o abismo;
 
 
que a boca do poço não se feche sobre mim.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Responde-me, Senhor, pois a tua misericórdia é bondosa;
 
 
volta-te para mim, pela tua grande compaixão.
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Não escondas a tua face deste teu servo;
 
 
responde-me depressa, porque estou angustiado.
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Aproxima-te da minha alma e liberta-a,
 
 
resgata-me, por causa dos meus inimigos.
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Tu bem conheces o meu opróbrio,
 
 
a minha desilusão e vergonha;
 
 
tens bem presentes os que me perseguem.
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>O insulto despedaçou-me o coração até desfalecer:
 
 
esperei compaixão, mas não havia;
 
 
esperei por quem me confortasse e não encontrei.
 
 
<span style="color:red"><sup>22</sup></span>Colocaram fel na minha comida;
 
 
e, quando tive sede, deram-me vinagre a beber.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>23</sup></span>Que a sua mesa seja para eles uma armadilha
 
 
e uma cilada para os seus amigos.
 
 
<span style="color:red"><sup>24</sup></span>Que a vista se lhes escureça e não vejam,
 
 
e que os seus rins fraquejem sem cessar.
 
 
<span style="color:red"><sup>25</sup></span>Descarrega sobre eles a tua indignação;
 
 
que o furor da tua ira os atinja.
 
 
<span style="color:red"><sup>26</sup></span>Que o seu acampamento seja um deserto,
 
 
e não haja quem habite nas suas tendas.
 
 
<span style="color:red"><sup>27</sup></span>Pois perseguem aqueles que Tu castigaste
 
 
e acrescentam o sofrimento daqueles que feriste.
 
 
<span style="color:red"><sup>28</sup></span>Coloca mais culpa sobre a sua culpa;
 
 
e não tenham acesso à tua justiça.
 
 
<span style="color:red"><sup>29</sup></span>Sejam riscados do livro dos vivos
 
 
e não sejam inscritos na lista dos justos.
 
 
<span style="color:red"><sup>30</sup></span>Mas a mim, triste e aflito,
 
 
que a tua salvação, ó Deus, me restabeleça.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>31</sup></span>Louvarei, com cânticos, o nome de Deus
 
 
e proclamarei a sua grandeza como ação de graças.
 
 
<span style="color:red"><sup>32</sup></span>Isso agradará mais a Deus que o sacrifício de um touro
 
 
ou de um novilho já com chifres e cascos.
 
 
<span style="color:red"><sup>33</sup></span>Que os humildes vejam; e se alegrem os que buscam a Deus.
 
 
Que o vosso coração recupere a vida!
 
 
<span style="color:red"><sup>34</sup></span>Pois o Senhor escuta os necessitados
 
 
e não despreza o seu povo de prisioneiros.
 
 
<span style="color:red"><sup>35</sup></span>Que o louvem os céus e a terra,
 
 
os mares e tudo quanto neles se movimenta.
 
 
<span style="color:red"><sup>36</sup></span>Sim, Deus há de salvar Sião
 
 
e reconstruir as cidades de Judá.
 
 
Eles ali habitarão e tomarão posse dela.
 
 
<span style="color:red"><sup>37</sup></span>Os filhos dos seus servos recebê-la-ão em herança,
 
 
e os que amam o seu nome hão de ali morar.
 
 
 
70(69)'''Pedido de auxílio'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. De David. Em memorial''.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Ó Deus<ref name="ftn386">Este salmo individual de súplica retoma essencialmente os temas e a forma literária que integram a parte final do Sl 40,14-18 (cf. notas seguintes). A separação desta parte deveu-se provavelmente ao facto de constituir uma oração perfeita para pedir auxílio a Deus. O primeiro v. é utilizado na liturgia para dar início a todas as horas canónicas.</ref>, vem socorrer-me<ref name="ftn387">Ao copiar-se esta parte do Sl 40,14-18, ficou de fora o imperativo inicial: "''Digna-te"''.</ref>,
 
 
vem depressa em meu auxílio.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Sejam confundidos e cobertos de vergonha
 
 
os que procuram tirar-me a vida.
 
 
Retrocedam e corem de vergonha
 
 
os que desejam a minha desgraça.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Retirem-se<ref name="ftn388">O Sl 40,16 diz: ''fiquem desolados.''</ref> cobertos de vergonha
 
 
aqueles que escarnecem<ref name="ftn389">O Sl 40,16 acrescenta: ''contra mim.''</ref>: «Olha! Olha!».
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Alegrem-se e rejubilem por ti
 
 
todos aqueles que te procuram.
 
 
E proclamem sem cessar: «Deus<ref name="ftn390">No Sl 40,17, em vez de ''Deus'', é usado o nome de Javé (''Senhor'').</ref> é grande!»
 
 
aqueles que amam a tua salvação.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Eu sou pobre e necessitado;
 
 
ó Deus<ref name="ftn391">O Sl 40,18 usa aqui ''Senhor'' (''Adonai'').</ref>, vem até mim depressa<ref name="ftn392">O Sl 40,18 diz: ''cuida de mim''.</ref>!
 
 
Tu és o meu auxílio e a minha libertação.
 
 
Ó Senhor<ref name="ftn393">O Sl 40,18 usa: ''meu Deus''.</ref>, não tardes!
 
 
 
71(70)'''Súplica de um ancião'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>Em ti, Senhor, me refugio<ref name="ftn394">Este salmo individual de súplica descreve a situação de alguém que se encontra sujeito a dolorosas perseguições, mas reafirma toda a sua confiança em Deus. Devido talvez a este clima de confiança, verificamos que neste salmo não aparecem os ataques contra os inimigos que habitualmente se encontram em textos deste género. A imagem do salmista é a de um piedoso ancião (vv. 9 e 18), cuja vida se desenrolou no cumprimento dos seus deveres religiosos. Este salmo não apresenta em título nenhuma das referências que constam habitualmente no texto hebraico. Em contrapartida, na tradução grega dos LXX está escrito como título: ''De David. Dos filhos de Jonadab e primeiros exilados''.</ref>.
 
 
Que eu nunca mais seja confundido.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Pela tua justiça livra-me e protege-me;
 
 
inclina para mim os teus ouvidos e salva-me.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Sê para mim um rochedo de refúgio,
 
 
onde eu possa acolher-me sempre.
 
 
Tu decidiste salvar-me,
 
 
pois és a minha rocha e fortaleza.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Meu Deus, livra-me da mão do malfeitor,
 
 
das garras do opressor e do violento.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Senhor, Tu és a minha esperança;
 
 
és a minha confiança, desde a juventude, ó Senhor.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Em ti me apoio desde o ventre materno,
 
 
desde o seio de minha mãe Tu és meu protetor<ref name="ftn395">O termo hebraico entendido como pertencendo à raiz ''gzz ''poderia significar como ''o que corta o cordão umbilical'', oferecendo ao recém-nascido o primeiro acolhimento. O termo paralelo no Sl 22,10 também não é muito mais claro. Nos textos de Qumrân foi lido com '''ozzî ''(''minha força''). Não se trata da mesma raiz, mas serve como perceção de sentido segundo o contexto.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
para ti vai sempre o meu louvor.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Para muitos sou motivo de admiração,
 
 
porque Tu és o meu refúgio seguro.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>A minha boca está cheia dos teus louvores;
 
 
todo o dia proclamo a tua magnificência.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Não me rejeites no tempo da velhice,
 
 
não me abandones, quando se me acabam as forças.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Os meus inimigos falam contra mim
 
 
e entre si conspiram os que espiam a minha vida.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Eles dizem: «Deus abandonou-o.
 
 
Persigam-no e agarrem-no,
 
 
pois não há quem o salve».
 
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Ó Deus, não te afastes de mim!
 
 
Meu Deus, vem depressa socorrer-me.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Sejam confundidos e destruídos
 
 
aqueles que atentam contra a minha vida.
 
 
Cubram-se de opróbrio e vergonha
 
 
os que procuram a minha desgraça.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Eu, porém, esperarei continuamente
 
 
e proclamarei ainda mais o teu louvor.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>A minha boca anunciará a tua justiça<ref name="ftn396">Colocar em paralelo o conceito de justiça e o de salvação significa que se está a sublinhar neste conceito a dimensão radical de generosidade e exigência, muito para além da ideia limitada de dar o seu a seu dono.</ref>
 
 
e, todo o dia, a tua salvação,
 
 
mesmo sem as saber contar.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Eu entrarei nas tuas fortalezas<ref name="ftn397">O verbo ''entrar'' sugere que o contexto é o de um espaço delimitado, onde vai praticar um ato de piedade. ''As'' ''fortalezas'' é uma metáfora para indicar o templo, edifício de uma funcionalidade variada e complexa que justificava o plural, segundo o uso cananaico. A mesma relação entre ''entrar'' e ''tuas fortalezas'' reaparece, logo a seguir, no v. 18. </ref>, ó Senhor<ref name="ftn398">Lit.: ''Adonai''.</ref>,
 
 
e recordarei, Senhor, a tua justiça que é só tua.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Instruíste-me, ó Deus, desde a minha juventude
 
 
e até hoje tenho anunciado as tuas maravilhas.
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Também agora, na velhice e de cabelos brancos<ref name="ftn399">Esta referência à velhice pode aplicar-se ao indivíduo orante, mas também a um Israel envelhecido. Os profetas e os textos bíblicos servem-se frequentemente destas categorias de idade como expressão do acumular histórico de esperanças, desilusões e experiências.</ref>,
 
 
não me abandones, ó Deus,
 
 
enquanto eu anuncio a tua força<ref name="ftn400">Lit.: ''o teu braço. ''O braço é a metáfora caraterística para exprimir a intervenção de Deus realizada no êxodo.</ref> a esta geração
 
 
e a todos os que vão entrando nas tuas fortalezas.
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>A tua justiça, ó Deus, chega até às alturas,
 
 
pois fizeste grandes coisas.
 
 
Quem é igual a ti, ó Deus?
 
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Fizeste-me passar por grandes males e aflições;
 
 
mas voltarás a dar-me a vida<ref name="ftn401">O texto hebraico consonântico diz: ''voltarás a dar-nos vida. ''A nota marginal massorética recomenda que se leia no singular.</ref>
 
 
e dos abismos<ref name="ftn402">O hebraico usa, no plural, o mesmo termo que em Gn 1,2 é usado para designar o abismo ou caos inicial (''tehom''). O conceito de morte e mundo dos mortos associa todas estas conotações.</ref> da terra me erguerás de novo.
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>Acrescentarás a minha dignidade,
 
 
aproximando-te para me confortar.
 
 
<span style="color:red"><sup>22</sup></span>Por isso, quero louvar-te ao som da harpa,
 
 
louvar a tua fidelidade, ó meu Deus.
 
 
Quero cantar-te ao som da cítara,
 
 
ó santo de Israel.
 
 
<span style="color:red"><sup>23</sup></span>Ao cantar-te hinos, vibrarão de alegria meus lábios
 
 
e também a minha alma que Tu resgataste.
 
 
<span style="color:red"><sup>24</sup></span>A minha língua recitará, todo o dia, a tua justiça,
 
 
pois ficaram confundidos e cheios de vergonha
 
 
os que procuravam a minha desgraça.
 
 
72(71)'''Oração pelo rei ideal'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''De Salomão''<ref name="ftn403">Este título não significa que Salomão seja autor do salmo; significa que a imagem do grande rei ficou bem marcada na memória dos hebreus (1Rs 3,9.12.28; 4,20; 10,1-29; 1Cr 22,9). A tradição judaica e cristã viu nele a figura do messias, o qual leva também o título de Filho de David. </ref>''.''
 
 
 
Ó Deus, concede ao rei o teu modo de julgar<ref name="ftn404">Este é um salmo real que, segundo o título, é atribuído a Salomão, tal como acontece com o Sl 127. Por isso aparece com frequência utilizado em contextos messiânicos. Pode presumir-se que, pelo seu conteúdo, seja um salmo realmente composto durante o tempo da monarquia. Mas os traços bastante idealizados que o caraterizam podem também sugerir outras épocas possíveis de composição, mesmo quando Israel já não tinha reis. Segundo este salmo, as caraterísticas do rei ideal são a justiça no sentido pleno que a Bíblia lhe dá (vv. 1-4), universalidade e eternidade (vv. 5-11), cuidado dos pobres (vv. 12-15), prosperidade e esplendor (vv. 16-17). Neste sentido, o conteúdo deste salmo converge com o ideal de governação apresentado em Is 9,5; 11-15; Zc 9,9s.</ref>
 
 
e ao filho do rei, a tua justiça,
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>para que ele julgue o teu povo na justiça
 
 
e os teus pobres com equidade.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Que os montes tragam a paz ao povo<ref name="ftn405">A justiça da governação é completa, se a ela corresponder um bem-estar no mundo.</ref>
 
 
e as colinas, a justiça.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Que o rei tome a defesa dos humildes do povo,
 
 
ajude os necessitados e esmague os opressores.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Que ele possa permanecer como o Sol<ref name="ftn406">A lógica sequencial do texto faz com que este v. se deva entender como aplicado ao rei. Na verdade, a antiga tradução grega dos LXX vai nesse sentido. Para tal, costuma propor-se ler o termo hebraico ''yr'wk ''como ''y'ryk'', ''que ele prolongue'', em vez do primeiro, ''que eles te vejam''. A atual vocalização massorética daria como sentido: ''Que eles te vejam como o Sol''.</ref>
 
 
e como a Lua, de geração em geração.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Que ele seja como o cair da chuva sobre a relva,
 
 
como os aguaceiros que regam a terra.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Que em seus dias floresça o justo<ref name="ftn407">Lendo assim, o texto hebraico parece estar a sublinhar um sentido mais messiânico. As versões antigas leem ''justiça'', mantendo assim um sentido mais em aberto.</ref>
 
 
e abundância de paz, até se acabar a Lua<ref name="ftn408">A Lua faz aqui pendão com o Sol que aparecia no v. 5. A duração de ambos os astros é o padrão de duração para o tempo messiânico.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Que ele domine de um ao outro mar,
 
 
desde o rio<ref name="ftn409">Este rio deverá referir-se ao Eufrates, que era considerado como um dos pontos de referência para os limites da Palestina ideal. Cf. Jz 20,1s.</ref> até aos confins da terra.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Diante dele se inclinem as criaturas do deserto<ref name="ftn410">A expressão ''criaturas do deserto'' designa animais ou demónios que representam uma ameaça e servem de pendão aos outros inimigos (Is 13,21; 34,14; Jr 50,39; Ez 34,28).</ref>,
 
 
e os seus adversários tenham de lamber o pó.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Os reis de Társis<ref name="ftn411">Társis indica o extremo ocidente mediterrânico (Sl 48,5).</ref> e das ilhas oferecerão tributo;
 
 
os reis de Sabá<ref name="ftn412">Sabá é uma região situada no sul da península da Arábia, famosa pelos seus produtos exóticos.</ref> e Seba trarão suas ofertas.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Todos os reis se prostrarão diante dele;
 
 
todas as nações o servirão.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Ele socorrerá o pobre que o invoca
 
 
e o indigente que não tem quem o ajude.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Terá compaixão do humilde e do pobre
 
 
e salvará a vida dos necessitados.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Há de livrá-los da opressão e da violência,
 
 
porque o seu sangue é precioso a seus olhos.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Enquanto viver, ser-lhe-á dado ouro de Sabá!
 
 
Em favor dele se há de rezar sempre,
 
 
e todos os dias será abençoado<ref name="ftn413">A falta de sujeito explícito faz com que este texto se possa interpretar também como sendo o rei a interceder e a abençoar o povo.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Haverá nos campos fartura de trigo,
 
 
ondulando por cima dos montes.
 
 
 
O seu fruto será como o Líbano,
 
 
florescendo como a erva dos prados.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Que o seu nome permaneça pelos séculos;
 
 
que o seu nome esteja firme diante do Sol.
 
 
Por ele, todos os povos se sentirão abençoados
 
 
e todos o hão de felicitar.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Bendito seja o Senhor, que é Deus, o Deus de Israel;
 
 
Ele é o único a realizar maravilhas.
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Bendito seja para sempre o seu nome glorioso
 
 
e a terra inteira se encha da sua glória!
 
 
Amen! Amen<ref name="ftn414">Os vv. 18-19 constituem uma doxologia que encerra a segunda coleção de salmos, tal como no Sl 41,14. O v. 20 é um colofão para o grupo de salmos davídicos (Sl 51-72). Mais adiante aparecem, no entanto, mais salmos atribuídos a David (101; 108-110; 138-145).</ref>!
 
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>''Terminaram as orações de David, filho de Jessé.''
 
 
 
73(72)''' Retribuição do mal e do bem'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Salmo. De Asaf ''<ref name="ftn415">Asaf foi o chefe de um dos grupos da música do templo (1Cr 16,5-7.37; 25,1s). O seu nome aparece no título da série de salmos entre 73 e 83.</ref>.
 
 
 
Como Deus é bom para Israel<ref name="ftn416">Este salmo tem as caraterísticas de uma meditação sapiencial. Trata de questões candentes do comportamento humano, particularmente a questão do prémio e do castigo, que nem sempre parecem acontecer da maneira considerada mais justa. A solução que se propõe é a de reforçar a confiança em Deus (Jr 12,1-6; Hab 1,13; Ml 3,15). A posição de fundo que aqui aparece é, no geral, mais confiante do que aquela que frequentemente transparece no livro de Job. </ref>,
 
 
para os que têm coração puro!
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Ai de mim! Os meus pés estavam quase a resvalar,
 
 
por pouco os meus passos caíam em falso.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Pois senti inveja dos ímpios,
 
 
ao ver a prosperidade dos malfeitores.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Para eles não há dissabores;
 
 
o seu corpo é sadio e bem nutrido.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Fadigas humanas não as têm
 
 
nem são atormentados como os outros homens.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Por isso, o seu colar é de orgulho,
 
 
e o seu manto de adorno é a violência.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Do corpo obeso lhes sai a iniquidade<ref name="ftn417">Aproveitando a sugestão implícita na tradução grega dos LXX, parece mais provável ler '''wnmw, a sua iniquidade'', em vez de '''ynmw'', ''os seus olhos''. </ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
pelo seu coração perpassam ideias loucas.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Zombam e falam com malícia;
 
 
com altivez, fazem ameaças de opressão.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Contra o céu abrem a sua boca
 
 
e a sua língua percorre a terra.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Por isso o seu povo se volta para eles
 
 
e sorvem as suas palavras como se fosse água<ref name="ftn418">Ou: ''Por isso, estão sentados no alto / e a enchente não os atinge''. Este v. levanta muitas dificuldades para uma tradução segura.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>E dizem: «Como é possível que Deus saiba disto
 
 
e o Altíssimo tenha conhecimento?».
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>São assim os malfeitores,
 
 
sempre tranquilos e a amontoar riquezas.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>De nada me serve ter o coração puro
 
 
e as minhas mãos limpas e inocentes.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Terei de me atormentar durante todo o dia
 
 
e sentir-me castigado todas as manhãs?
 
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Se eu pensasse: «Vou falar como eles»,
 
 
estaria a atraiçoar a geração dos teus filhos.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Refleti melhor para entender estas coisas,
 
 
mas era muito penoso aos meus olhos.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Até que entrei no santuário de Deus<ref name="ftn419">O hebraico pode traduzir-se literalmente: ''os santuários de Deus, ''ou ''de deus ''ou ''de El'', o chefe do panteão de Canaã. O que está em causa é saber se está em questão uma ida ao santuário de Deus em Jerusalém (e nesse caso o plural ''santuários'' justifica-se pela grandeza das construções) ou se se trata de uma ida a santuários pagãos que motivou a reflexão que vem a seguir. </ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
compreendo agora o fim que os espera.
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Na verdade, Tu os colocas em plano escorregadio;
 
 
fizeste-os cair em ruínas.
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Num momento, ficam na desolação
 
 
e acabam transidos de pavor!
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Como quando se desperta de um sonho, Senhor,
 
 
ao acordar desprezarás a sua imagem<ref name="ftn420">Ou: ''Tu os desprezarás na cidade dos fantasmas.'' Esta alternativa assenta na leitura do texto hebraico consonântico ''ṣlmm'' como um plural (''ṣelamim'' – imagens ou fantasmas), significando com esta metáfora de cidade dos mortos, o mundo inferior, i.e., o Cheol. Esta alternativa possível de leitura oferece um interessante paralelo para o v. 24, segundo o qual aquele que é fiel será recebido por Deus na glória.</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>Outrora, o meu coração andava exasperado,
 
 
e eu consumia-me nas minhas entranhas.
 
 
<span style="color:red"><sup>22</sup></span>Como insensato, eu nada compreendia;
 
 
era como um animal<ref name="ftn421">O hebraico diz ''Behemot'', que poderia sugerir a figura monstruosa das mitologias de criação. Neste contexto parece mais que o salmista compara a sua insensatez e incapacidade de compreender à de um animal (cf. Jb 40,15).</ref> na tua presença.
 
 
<span style="color:red"><sup>23</sup></span>No entanto, estive sempre contigo,
 
 
e Tu seguraste a minha mão direita.
 
 
<span style="color:red"><sup>24</sup></span>Guiaste-me com o teu conselho<ref name="ftn422">Ou: ''Guiaste-me para o teu conselho.'' Entender aqui o termo '''a''ş''at ''como ''assembleia'', ''reunião'', ''conselho'', como alguns veem no Sl 1,1, oferece um bom paralelo para a ''glória'', no segundo hemistíquio. </ref>
 
 
e, por fim, hás de receber-me na glória.
 
 
<span style="color:red"><sup>25</sup></span>Quem mais tenho eu no céu?
 
 
E contigo nada mais desejo na terra.
 
 
<span style="color:red"><sup>26</sup></span>Se o meu corpo e o meu coração desfalecem,
 
 
Deus é o rochedo para o meu coração.
 
 
Deus é a minha herança para sempre.
 
 
<span style="color:red"><sup>27</sup></span>Aqueles que estão longe de ti perecerão;
 
 
Tu exterminas os que te são infiéis<ref name="ftn423">Lit.: ''aquele que se prostitui contra ti. ''Esta metáfora da infidelidade a Deus é frequente entre os profetas (cf. Os 1,2s).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>28</sup></span>Para mim, felicidade é estar próximo de Deus<ref name="ftn424">A imagem conclusiva que fica deste tratado de ética e de escatologia resume-se na fórmula final dos que ficam longe de Deus e daqueles que ficam perto dele.</ref>.
 
 
Coloquei no Senhor DEUS a minha confiança,
 
 
para proclamar todas as tuas obras<ref name="ftn425">A tradução dos LXX, a Vg e a NVg acrescentam: ''às portas da filha de Sião, ''expressão que pode vir do Sl 9,15.</ref>.
 
 
 
74(73)'''Oração pela libertação do povo'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Poema. De Asaf.''
 
 
 
Ó Deus, porque nos rejeitaste para sempre<ref name="ftn426">Salmo coletivo de súplica, onde se lamenta uma ofensa de alguns inimigos contra o santuário do Senhor. Lembra os prodígios que Deus realizou por ocasião da saída do Egito e da entrada na terra de Canaã, como motivo perene de confiança. No que diz respeito aos ataques referidos contra o santuário, eles podem ser muito variados, se bem que possamos tomar sempre como referência maior a destruição do mesmo pelos conquistadores neobabilónicos em 587 ou 586 ( 2Rs 25,9; Lm 1,4-10; 2,5-9); outra referência pode ser a profanação do templo por ordem de Antíoco IV, em 170 a.C., acontecimento que provocou a revolta dos Macabeus.</ref>?
 
 
Porque se inflama a tua ira
 
 
contra o rebanho de que és pastor?
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Lembra-te da tua comunidade, que há muito adquiriste,
 
 
da tribo que resgataste para tua herança,
 
 
do monte Sião, onde tens a tua morada.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Dirige os teus passos para estas ruínas sem fim;
 
 
o inimigo destruiu tudo no santuário.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Os teus adversários rugiram no meio das tuas assembleias,
 
 
hastearam ali as suas bandeiras como emblema.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Atacaram a entrada superior
 
 
e destruíram as madeiras a golpes de machado<ref name="ftn427">Ou: ''Pareciam lenhadores a brandir o machado / numa floresta espessa''. O hebraico deste v. torna difícil uma tradução segura. As portas do templo foram despedaçadas pelos soldados babilónicos (Lm 1,4; 2,9) e no tempo dos Macabeus foram queimadas pelos selêucidas (1Mac 4,38).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Deitaram abaixo todas as suas portas
 
 
a golpes de malho e de martelo.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Deitaram fogo ao teu santuário,
 
 
derrubaram e profanaram a morada do teu nome.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Disseram em seus corações: «Destruamo-los a todos!»
 
 
e incendiaram todas as assembleias de Deus no país<ref name="ftn428">Em qualquer das duas datas de ataque referidas, os hebreus tinham apenas um templo. Os inimigos podem estar a fazer um exagero ou generalização como opção retórica, atitude com que pretenderiam atingir o país inteiro (cf. Is 10,11).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Já não vemos os nossos sinais, nem existem mais profetas,
 
 
e ninguém entre nós sabe até quando.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Até quando, ó Deus, o inimigo nos vai ultrajar?
 
 
Poderá o adversário desprezar o teu nome para sempre?
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Porque retiras a tua mão
 
 
e escondes a direita no teu peito?
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Deus é o meu rei desde tempos antigos;
 
 
é Ele que alcança vitórias no meio do país.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Tu dividiste o mar com o teu poder<ref name="ftn429">Referência à travessia do Mar Vermelho (Ex 14,15).</ref>,
 
 
partiste as cabeças aos monstros marinhos.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Quebraste as cabeças de Leviatan<ref name="ftn430">Leviatan é o nome para um dos monstros marinhos na mitologia de Canaã. Na literatura de Ugarit era descrito como tendo sete cabeças (Is 27,1; Sl 104,26; Jb 3,8; 11,25ss.)</ref>
 
 
e deste-o a comer aos monstros do mar.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Tu fizeste brotar fontes e torrentes
 
 
e fizeste secar rios de caudal perene.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>O dia é teu e tua é também a noite;
 
 
Tu estabeleceste a lua<ref name="ftn431">Lit.: ''luzeiro e sol.''</ref> e o sol.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Tu fixaste todas as fronteiras da terra;
 
 
o verão e o inverno, Tu os formaste.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Lembra-te, Senhor, que o inimigo te insultou,
 
 
e um povo insensato desprezou o teu nome.
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Não entregues aos abutres a vida da tua pomba<ref name="ftn432">Ou: ''dos teus fiéis''. Oseias compara Israel a uma pomba: Os 7,11; 11,11 (cf. Ct 5,2).</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
não esqueças para sempre a vida dos teus pobres.
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Olha pela tua aliança,
 
 
pois os recantos do país estão cheios de violência.
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>Que os humildes não voltem confundidos;
 
 
que o pobre e o indigente possam louvar o teu nome.
 
 
<span style="color:red"><sup>22</sup></span>Ergue-te, ó Deus, defende a tua causa
 
 
e lembra-te das ofensas
 
 
que, todo o dia, te fazem os insensatos.
 
 
<span style="color:red"><sup>23</sup></span>Não te esqueças dos gritos dos teus inimigos,
 
 
do tumulto sempre crescente dos teus adversários.
 
 
 
75(74)'''Deus, juiz dos povos'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Pela melodia ''«''Não destruas''»''. Salmo. De Asaf. Cântico''.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Nós te louvamos, ó Deus, nós te louvamos<ref name="ftn433">Este salmo tem as caraterísticas próprias de uma exortação profética. Trata do julgamento que Deus há de realizar sobre o mundo. O tempo em que isso irá acontecer parece ser percebido como já próximo. Os adversários que aqui aparecem a ser condenados são aqueles que não reconhecem que a justiça de Deus é o único critério que servirá para julgar o mundo.</ref>!
 
 
Invocamos o teu nome, anunciamos os teus prodígios<ref name="ftn434">Ou: ''O teu nome está próximo dos que contam os teus prodígios.''</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>«No momento que Eu marcar,
 
 
vou julgar segundo o direito.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Mesmo que tremam a terra e todos os seus habitantes,
 
 
sou Eu quem sustenta os seus pilares».''Pausa''
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Digo aos arrogantes: «Não sejais insolentes!»
 
 
e aos malfeitores: «Não levanteis a cabeça!
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Não levanteis para o alto a vossa fronte;
 
 
não protesteis contra o rochedo antigo».
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Pois Ele é forte no Oriente e no Ocidente;
 
 
é forte no deserto e na montanha.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Sim, é Deus quem governa:
 
 
a uns derruba, a outros levanta.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Sim, há uma taça<ref name="ftn435">A imagem da taça aparece frequentemente na Bíblia: Sl 11,6; Jr 25,11; 48,26; 49,12; 51,17s; Ez 23,31; Ap 14,10. </ref> na mão do Senhor
 
 
cheia de vinho a espumar, que Ele deu a beber;
 
 
todos os criminosos da terra beberam dela
 
 
até chegarem às borras.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Assim, eu louvarei o Deus eterno,
 
 
entoarei cânticos ao Deus de Jacob.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Pois o poder dos criminosos será abatido,
 
 
e o poder dos justos será exaltado.
 
 
76(75)'''Cântico triunfal'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Com instrumentos de corda. Salmo. De Asaf. Cântico.''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Deus deu-se a conhecer em Judá<ref name="ftn436">Este salmo faz parte do conjunto designado como salmos ou cânticos de Sião. Nele se nota o eco de alguma vitória obtida pelos israelitas. Vários acontecimentos históricos poderiam ter contribuído para enriquecer os temas e as metáforas pertinentes, como, por exemplo, as imagens da batalha relatada em 2Sm 5,17-24. Mas estas referências ao passado que servem para criar a linguagem reconhecível transformam-se, na verdade, em paradigmas de futuro. Um outro acontecimento político e militar que seguramente está em condições de poder servir de referência a este salmo é o assédio de Senaquerib a Jerusalém no ano de 701 a.C. (2Rs 18,13-19,36).</ref>,
 
 
grande é o seu nome em Israel.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>A sua tenda está em Salém<ref name="ftn437">Salém, estando em paralelo com Sião, refere-se evidentemente a Jerusalém. É possível que o mesmo nome seja o que aparece em Gn 14,18; Jdt 4,4; e que Heb 7,1s refere. O conteúdo do salmo celebra a vitória sobre os exércitos invasores e a destruição das suas armas. O autor do salmo pode estar a aproveitar, para contraste, o significado de «paz» (''chalom'') que a literatura bíblica se habituou a associar com o nome de Jerusalém.</ref>
 
 
e a sua morada, em Sião.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Ali quebrou as flechas do arco,
 
 
os escudos, as espadas e armas de guerra<ref name="ftn438">O tema da destruição das armas de guerra é frequente na Bíblia (Sl 46,10; Is 2,4; Ez 39,9; Os 2,8; Zc 9,10).</ref>.''Pausa''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Tu resplandeces glorioso,
 
 
por sobre as montanhas de despojos<ref name="ftn439">As metáforas dos vv. 5-7 podem aludir à catástrofe que atingiu o exército de Senaqueribe, quando pretendia atacar Jerusalém, conforme consta em 2Rs 19,35.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Os mais valentes foram espoliados
 
 
e dormem o seu sono.
 
 
Os homens de guerra não conseguiram
 
 
encontrar o vigor dos seus braços.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Por causa das tuas ameaças, ó Deus de Jacob,
 
 
tanto carros como cavalos ficaram imóveis.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Tu, sim! Tu és temível!
 
 
Quem poderá resistir na tua presença,
 
 
quando se inflama a tua ira?
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Do alto do céu, proclamas a sentença;
 
 
a terra treme e fica silenciosa,
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>quando Deus se levanta para o julgamento,
 
 
para salvar os humildes da terra.''Pausa''
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Pois a ira do homem é para ti louvor,
 
 
e os que sobrevivem à ira festejarão à tua volta<ref name="ftn440">Ou: ''e com os que sobrevivem à ira farás uma cintura''. Esta imagem significaria a união entre Deus e os sobreviventes da ira (Jr 13,11; Sl 109,19).</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Fazei promessas e cumpri-as ao Senhor, vosso Deus!
 
 
Todos à sua volta levem presentes ao que é temível<ref name="ftn441">Já na antiguidade houve quem entendesse a expressão acima traduzida como ''ao que é temível ''(''lammora''') por uma alternativa: ''ao dador da lei ''(''lammoreh'').</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Ele corta a respiração aos governantes
 
 
e é temido pelos reis da terra.
 
 
 
77(76)'''Meditação sobre o passado'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Para Jedutun''<ref name="ftn442">Cf. Sl 39,1.</ref>''. De Asaf. Salmo.''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>A Deus ergo a minha voz e clamo<ref name="ftn443">Trata-se de um salmo coletivo de súplica. Começa com as referências explícitas aos gestos e atitudes de uma súplica dirigida a Deus. Entretanto, surgem queixas e experiências que parecem traduzir a sensação de algum abandono por parte de Deus, tanto mais que o ponto de comparação são os prodígios dos tempos antigos que soam já demasiado distantes.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
a Deus ergo a minha voz, para que Ele me ouça.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>No dia da minha angústia procurei o Senhor;
 
 
à noite, ergo as minhas mãos sem descanso,
 
 
e a minha alma recusa ser confortada.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Lembro-me de Deus e suspiro;
 
 
medito e o meu espírito desfalece.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Mantiveste abertos os meus olhos;
 
 
fiquei perturbado, sem nada dizer.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Pus-me a pensar nos tempos antigos,
 
 
nos anos do tempo passado.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>De noite, relembro o meu cântico;
 
 
com o meu coração medito,
 
 
e o meu espírito põe-se à procura.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Será que o Senhor nos vai abandonar para sempre?
 
 
Não voltará mais a ser-nos favorável?
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Acaso se esgotou para sempre a sua misericórdia,
 
 
retirando a promessa feita para gerações e gerações?
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Ter-se-á Deus esquecido da compaixão,
 
 
ou terá fechado com a ira as suas entranhas<ref name="ftn444">A expressão literal hebraica ''fechar as suas entranhas'' é equivalente ''a fechar o seu coração''.</ref>?
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Por isso eu digo: «A minha dor
 
 
é que a mão do Altíssimo tenha mudado assim»<ref name="ftn445">Sobre as diferenças que se podem verificar no modo de agir de Deus (cf. Jr 18,1-12). </ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Lembro-me dos prodígios<ref name="ftn446">Hebraico consonântico: ''Lembrarei os prodígios''. As traduções antigas e a vocalização massorética (''qere''') consideram que é o próprio salmista que se recorda. Esta é a opção que vai em texto. Segundo o texto hebraico consonântico (''ketib'') o que se afirma é a intenção do salmista em ''lembrar ''aos outros. </ref> do Senhor.
 
 
Sim. Lembro-me das tuas maravilhas de outrora.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Volto a pensar em todas as tuas obras
 
 
e medito nos teus prodígios.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Ó Deus, o teu caminho é de santidade.
 
 
Que outro deus é grande como o nosso Deus?
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Tu és o Deus que realiza maravilhas;
 
 
manifestaste entre os povos o teu poder.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Com o teu braço resgataste o teu povo,
 
 
os filhos de Jacob e de José<ref name="ftn447">As memórias evocadas neste salmo concentram-se na saída do Egito. Por isso os antepassados nomeados são os de Jacob, que seguiram com ele de Canaã para o Egito, e os de José, que já lá estavam com ele (Gn 46,26-27; Ex 1,1-5).</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Viram-te as águas, ó Deus;
 
 
viram-te as águas e tremeram
 
 
e até os abismos do mar se agitaram.
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>As nuvens deixaram cair a chuva;
 
 
ressoou a voz das trovoadas,
 
 
e as tuas setas corriam para todo o lado.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>O ruído do teu trovão ecoou pelo firmamento;
 
 
os relâmpagos iluminaram o mundo;
 
 
a terra agitou-se e estremeceu<ref name="ftn448">Alguns destes prodígios são reflexos da literatura oriental sobre a luta contra o caos que envolve o mar e outras forças cósmicas. Estas manifestações do poder de Deus aparecem aplicadas ao período de transição radical que medeia entre o Egito e o Sinai (Sl 68,8s; Jb 7,12s; Ex 19,16-18).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Pelo mar foi o teu caminho,
 
 
e o teu percurso, pelas águas caudalosas,
 
 
e as tuas pegadas não foram descobertas.
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>Conduziste o teu povo como um rebanho,
 
 
pela mão de Moisés e de Aarão.
 
 
 
78(77)''' Deus e o seu povo'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Poema. De Asaf.''
 
 
 
Escuta, meu povo<ref name="ftn449">Este salmo histórico propõe uma longa exposição sobre o significado do passado de Israel, segundo o modelo sapiencial. O convite a prestar bem atenção, feito logo ao início, é um sinal claro deste gosto sapiencial. A visão da história passada que se propõe divide-se entre a grandeza dos prodígios de Deus, a marcar as etapas decisivas da vida do povo, e os pontos baixos do comportamento do mesmo povo, que se revolta e desobedece às diretivas vindas da parte de Deus. Estão inclusivamente presentes os ecos de lutas e problemas ocorridos entre as várias tribos dos hebreus. É referida, em concreto, uma rejeição da tribo de Efraim por parte de Deus, daí resultando a primazia atribuída à tribo de Judá. Com esta particular maneira de analisar e sintetizar a história de Israel, este salmo partilha posições semelhantes àquelas que encontramos no Deuteronómio e na historiografia bíblica que nele se inspira.</ref>, o meu ensinamento<ref name="ftn450">Lit.: ''a minha lei. ''O termo usado é mesmo ''torah'', que é a mais importante das palavras usadas para designar lei, mas que significa realmente ''instrução''. Neste lugar, a palavra dá a todo o salmo um estatuto equivalente a um tratado normativo sobre a fé de Israel.</ref>.
 
 
Prestai bem atenção às palavras da minha boca.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Vou abrir a minha boca em provérbios
 
 
vou revelar os enigmas de outros tempos.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Assim o ouvimos e conhecemos
 
 
e os nossos antepassados nos contaram.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Não o ocultaremos aos seus filhos;
 
 
tudo contaremos às gerações vindouras.
 
 
São as glórias do Senhor e o seu poder,
 
 
e as coisas maravilhosas que Ele fez.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Ele estabeleceu uma norma em Jacob
 
 
e instituiu uma lei em Israel:
 
 
ordenou aos nossos pais
 
 
que a dessem a conhecer aos seus filhos.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>A fim de que as gerações futuras a conhecessem,
 
 
e os filhos que haviam de nascer
 
 
se erguessem e a contassem aos seus filhos;
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>para que pusessem em Deus a sua confiança
 
 
e não esquecessem os prodígios de Deus,
 
 
mas cumprissem os seus mandamentos;
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>para que não fossem como os seus pais,
 
 
uma geração rebelde e desobediente,
 
 
geração que não é firme no seu coração
 
 
e cujo espírito não é fiel ao seu Deus.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Os filhos de Efraim, arqueiros de erguer o arco,
 
 
viraram costas no dia do combate<ref name="ftn451">Não temos outros dados históricos concretos sobre um episódio que esteja por trás deste texto. Eventualmente, pode tratar-se de atribuir a Efraim, como principal tribo do Reino do Norte, a responsabilidade dos males que aconteceram a Israel.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Não guardaram a aliança de Deus,
 
 
recusaram-se a seguir a sua lei.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Esqueceram-se das suas obras,
 
 
das maravilhas que Ele lhes deu a ver.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Diante de seus pais Deus fez maravilhas,
 
 
na terra do Egito, nas planícies de Soan<ref name="ftn452">É a cidade egípcia de Tânis, situada num dos canais orientais do delta do Nilo, zona habitualmente associada com a estadia dos hebreus no Egito (Ex 5-11).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Dividiu o mar para os fazer passar,
 
 
conteve as águas como um dique.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Conduziu-os de dia por meio de uma nuvem
 
 
e toda a noite com um clarão de fogo.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Abriu rochedos no deserto
 
 
e deu-lhes a beber água como das torrentes do abismo<ref name="ftn453">As águas do grande abismo cósmico que aqui se chama ''tehom, ''tal como em Gn 1,2 não têm só conotações negativas como caos e ameaça. Também são fonte de vida. Nesse abismo não só há as águas salgadas, mas também as doces.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Deus fez brotar ribeiros de dentro da pedra,
 
 
e fez correr a água como grandes rios.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Mas eles continuaram a pecar contra Ele,
 
 
revoltando-se contra o Altíssimo na estepe árida.
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Provocaram a Deus em seus corações,
 
 
reclamando manjares segundo os seus apetites.
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Murmuraram contra Deus, dizendo:
 
 
«Será que Deus é capaz de nos preparar a mesa no deserto?».
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>E mesmo quando bateu na rocha e jorrou a água
 
 
e as torrentes correram abundantes, diziam:
 
 
«Será que Deus pode também dar pão
 
 
e preparar carne para o seu povo?».
 
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>Por isso, o Senhor ouviu e se indignou;
 
 
e um fogo foi ateado contra Jacob,
 
 
e a sua cólera cresceu também contra Israel.
 
 
<span style="color:red"><sup>22</sup></span>Pois eles não tiveram fé em Deus
 
 
e não confiaram na sua salvação.
 
 
<span style="color:red"><sup>23</sup></span>E do alto deu ordens às nuvens
 
 
e abriu as comportas do céu.
 
 
<span style="color:red"><sup>24</sup></span>Fez chover sobre eles o maná para comerem<ref name="ftn454">As difíceis condições de vida no deserto fizeram com que se aprofundasse a memória de um produto alimentar específico daquele ambiente, que os beduínos continuaram a usar. O próprio nome de ''maná'' tem raízes mais ligadas ao árabe que ao hebraico. O seu sabor a mel era outro aspeto que contribuía para construir a memória de um alimento providencial e milagroso (Ex 16,13-21; Nm 11,7-9). </ref>
 
 
e deu-lhes trigo do céu.
 
 
<span style="color:red"><sup>25</sup></span>Os homens comeram do pão dos fortes<ref name="ftn455">Ou: ''dos anjos'', conforme a interpretação que vem da tradução dos LXX e continuou na Vg. Estes ''fortes'' representam as personagens poderosas que, na cultura religiosa semítica, fazem parte da corte divina (Sl 103,20; 105,40).</ref>,
 
 
enviou-lhes comida até se saciarem.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>26</sup></span>Fez soprar pelos céus o vento leste<ref name="ftn456">Nos vv. 26-29 é recordado o episódio das codornizes que caíram à volta do acampamento para alimento dos israelitas (Ex 16,13; Nm 11,31-34).</ref>
 
 
e com seu poder conduziu o vento sul.
 
 
<span style="color:red"><sup>27</sup></span>Fez chover sobre eles carne como torrões
 
 
e aves tão numerosas como as areias do mar.
 
 
<span style="color:red"><sup>28</sup></span>Fê-las cair no meio do seu acampamento,
 
 
à volta das suas tendas de habitação.
 
 
<span style="color:red"><sup>29</sup></span>Comeram até ficarem bem saciados,
 
 
e concedeu-lhes tudo conforme os seus desejos.
 
 
<span style="color:red"><sup>30</sup></span>Quando mal tinham saciado o seu apetite<ref name="ftn457">Em Nm 11,33, este episódio é relatado quase com as mesmas palavras.</ref>
 
 
e tinham ainda a comida na boca,
 
 
<span style="color:red"><sup>31</sup></span>a ira de Deus ergueu-se sobre eles;
 
 
semeou a morte entre os mais fortes
 
 
e fez vergar os escolhidos de Israel.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>32</sup></span>Apesar de tudo isto, voltaram a pecar uma vez mais
 
 
e não acreditaram nas suas maravilhas.
 
 
<span style="color:red"><sup>33</sup></span>Por isso, Ele extinguiu os seus dias como um sopro
 
 
e os seus anos, como uma miragem.
 
 
<span style="color:red"><sup>34</sup></span>Quando os feria de morte, então eles procuravam-no
 
 
e de novo se voltavam para Deus<ref name="ftn458">Ou: ''e de novo, madrugando, o procuravam''. Os atos de culto no templo tendem a privilegiar as horas mais matinais. Por outro lado, estes ciclos de pecado e arrependimento estão bem espelhados no livro dos Juízes (Jz 2,11-23; 3,7-15; etc.).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>35</sup></span>Lembravam-se então que Deus era o seu rochedo
 
 
e o Altíssimo, o seu redentor<ref name="ftn459">O termo para ''redentor ''é ''go' el'', que designa aquele que, segundo a lei do levirato, tem capacidade e obrigação de resgatar ou redimir a mulher viúva e sem filhos que caía numa condição social desprotegida (Dt 25,5s).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>36</sup></span>Mas, enquanto o lisonjeavam com a sua boca,
 
 
a sua língua proferia mentiras contra Ele.
 
 
<span style="color:red"><sup>37</sup></span>O seu coração não era firme para com Ele,
 
 
e eles não eram fiéis à sua aliança.
 
 
<span style="color:red"><sup>38</sup></span>Mas Ele é misericordioso:
 
 
perdoava o pecado e não os destruía.
 
 
Muitas vezes conteve a sua ira
 
 
e não deixou desencadear todo o seu furor.
 
 
<span style="color:red"><sup>39</sup></span>Lembrou-se de que eles eram seres de carne,
 
 
um sopro que vai e não volta mais.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>40</sup></span>Quantas vezes o provocaram no deserto
 
 
e lhe causaram desgosto na estepe!
 
 
<span style="color:red"><sup>41</sup></span>Voltaram continuamente a pôr Deus à prova,
 
 
a provocar o Santo de Israel.
 
 
<span style="color:red"><sup>42</sup></span>Não se lembraram de que foi a sua mão
 
 
que, um dia, os libertou da angústia,
 
 
<span style="color:red"><sup>43</sup></span>quando, no Egito, realizou os seus prodígios<ref name="ftn460">Nos vv. 43-50, aparecem resumidas as várias pragas que Deus fez cair sobre os egípcios (Ex 7-11).</ref>
 
 
e as suas maravilhas nas planícies de Soan;
 
 
<span style="color:red"><sup>44</sup></span>quando converteu em sangue os seus rios e canais,
 
 
para que não tivessem que beber.
 
 
<span style="color:red"><sup>45</sup></span>Mandou contra eles moscas que os molestavam,
 
 
e rãs que os infestavam.
 
 
<span style="color:red"><sup>46</sup></span>Entregou as suas colheitas aos insetos
 
 
e o fruto do seu esforço aos gafanhotos.
 
 
<span style="color:red"><sup>47</sup></span>Destruiu as suas vinhas com o granizo
 
 
e os seus sicómoros com a geada.
 
 
<span style="color:red"><sup>48</sup></span>Cercou o seu gado com granizo
 
 
e os seus rebanhos com os raios.
 
 
<span style="color:red"><sup>49</sup></span>Enviou contra eles a sua ira,
 
 
a indignação, o furor e a aflição,
 
 
embaixada de mensageiros da desgraça.
 
 
<span style="color:red"><sup>50</sup></span>Deu livre curso à sua ira;
 
 
não os poupou à morte,
 
 
mas entregou as suas vidas à peste.
 
 
<span style="color:red"><sup>51</sup></span>Feriu todos os primogénitos no Egito,
 
 
as primícias do seu vigor nas tendas de Cam<ref name="ftn461">Os primogénitos que morreram (Gn 49,3; Dt 21,17) são considerados descendentes de Cam, porque este, na Bíblia, é declarado como segundo filho de Noé e como pai de Misraim, que é o Egito (Gn 10,6).</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>52</sup></span>Encaminhou o seu povo como ovelhas
 
 
e conduziu-os como um rebanho no deserto.
 
 
<span style="color:red"><sup>53</sup></span>Guiou-os em segurança e não tiveram medo,
 
 
enquanto o mar encobria os seus inimigos.
 
 
<span style="color:red"><sup>54</sup></span>Introduziu-os no seu território sagrado,
 
 
aquela montanha que a sua direita conquistou<ref name="ftn462">O território da terra prometida é identificado como se fosse uma única montanha. O significado desta identificação é múltiplo: os hebreus identificavam-se sobretudo com a parte montanhosa da Palestina; a montanha de Sião era simbolicamente o coração da terra e a montanha (Ex 15,17) é sempre a metáfora preferida para morada simbólica de Deus.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>55</sup></span>Desalojou povos da sua frente,
 
 
distribuiu entre eles a herança por medida
 
 
e nas suas tendas instalou as tribos de Israel.
 
 
<span style="color:red"><sup>56</sup></span>Mas eles puseram à prova o Deus Altíssimo
 
 
e revoltaram-se; não cumpriram os seus preceitos.
 
 
<span style="color:red"><sup>57</sup></span>Afastaram-se e atraiçoaram como os seus pais,
 
 
desviaram-se como um arco sem força.
 
 
<span style="color:red"><sup>58</sup></span>Irritaram-no em seus lugares altos<ref name="ftn463">Lugares altos é o nome que se dá aos santuários das religiões de Canaã que continuaram a existir, depois de os hebreus ali se terem instalado (1Sm 9,12; 1Rs 3,2).</ref>,
 
 
provocaram-lhe ciúmes com os seus ídolos.
 
 
<span style="color:red"><sup>59</sup></span>Deus ouviu isto e indignou-se
 
 
e repudiou profundamente Israel.
 
 
<span style="color:red"><sup>60</sup></span>Abandonou o santuário de Silo<ref name="ftn464">É uma alusão à captura da arca da aliança que estava em Silo. A arca era considerada a morada de Deus e não voltaria mais a Silo (1Sm 4,3-7,1; Jr 7,12-15).</ref>,
 
 
a tenda que Ele armou entre os homens.
 
 
<span style="color:red"><sup>61</sup></span>Colocou a sua fortaleza<ref name="ftn465">A sua fortaleza é a arca da aliança que funciona como morada de Deus.</ref> em cativeiro
 
 
e o seu esplendor na mão dos inimigos.
 
 
<span style="color:red"><sup>62</sup></span>Cercou o seu povo à espada,
 
 
irritou-se contra a sua herança.
 
 
<span style="color:red"><sup>63</sup></span>Os seus jovens, devorou-os o fogo,
 
 
e as suas virgens não tiveram cântico nupcial.
 
 
<span style="color:red"><sup>64</sup></span>Os seus sacerdotes tombaram à espada,
 
 
e as suas viúvas não choraram a sua morte.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>65</sup></span>Mas o Senhor despertou como de um sono,
 
 
qual guerreiro adormecido pelo vinho.
 
 
<span style="color:red"><sup>66</sup></span>Atacou e fez retroceder os seus inimigos<ref name="ftn466">Alude ao castigo contra os filisteus (1Sm 5,6.9).</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
cobriu-os de ignomínia para sempre.
 
 
<span style="color:red"><sup>67</sup></span>Assim repudiou a tenda de José
 
 
e não escolheu a tribo de Efraim<ref name="ftn467">Os vv. 67-68 referem-se ao facto de a arca da aliança ter deixado de estar em Silo, que se encontrava na tribo de Efraim e pertencia à família de José, tendo sido definitivamente transportada para o território da tribo de Judá.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>68</sup></span>Escolheu antes a tribo de Judá,
 
 
o monte de Sião que Ele amou.
 
 
<span style="color:red"><sup>69</sup></span>Construiu o seu santuário como os altos céus
 
 
e como a terra que Ele firmou para sempre.
 
 
<span style="color:red"><sup>70</sup></span>Escolheu o seu servo David,
 
 
e foi buscá-lo ao meio do redil.
 
 
<span style="color:red"><sup>71</sup></span>Retirou-o de andar atrás das ovelhas,
 
 
para ser pastor de Jacob, seu povo,
 
 
e de Israel, sua herança.
 
 
<span style="color:red"><sup>72</sup></span>E ele apascentou-os com a retidão do seu coração
 
 
e com a prudência das suas mãos os conduziu.
 
 
79(78)'''Destruição de Jerusalém'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Salmo. De Asaf.''
 
 
 
Ó Deus<ref name="ftn468">Com tonalidade compreensível de lamentação por situações de ataque contra Jerusalém (Sl 74), este é um salmo coletivo de súplica. O pedido consiste principalmente em que os males e desgraças infligidos à cidade pelos inimigos sejam vingados por uma intervenção do próprio Deus. Como fundo histórico para acontecimentos deste género, pode pensar-se em 2Rs 24-25 e Ez 36,5. Mais uma vez a destruição do templo em 587 ou 586 pelo exército neobabilónico e a sua profanação pelos selêucidas em 170 a.C. são os contextos de grande catástrofe que se prestam a servir de pano de fundo para estes salmos.</ref>, os povos invadiram a tua herança,
 
 
profanaram o teu santo templo
 
 
e puseram Jerusalém em ruínas<ref name="ftn469">Herança, templo e Jerusalém têm muito de sinónimo entre si. Com níveis de pertinência diferentes, o conceito de herança de Deus pode aplicar-se a cada um deles (Ex 15,17; Sl 74,7; Jr 51,51).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Deram os cadáveres dos teus servos
 
 
em alimento às aves do céu
 
 
e o corpo dos teus fiéis, às feras selvagens.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Derramaram o seu sangue como água
 
 
em torno de Jerusalém,
 
 
e ninguém lhes dá sepultura.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Tornámo-nos motivo de escárnio para os nossos vizinhos,
 
 
riso e desprezo para os que estão à nossa volta.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Até quando, Senhor, estarás irritado? Para sempre?
 
 
Será a tua indignação como um fogo abrasador?
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Derrama a tua ira sobre os povos que não te conhecem<ref name="ftn470">A razão da ira de Deus e o pedido de castigo não é por não conhecerem a Deus. A razão é a dos maus tratos a que sujeitam a «morada de Jacob».</ref>
 
 
e sobre os reinos que não invocam o teu nome.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Porque eles devoraram o povo de Jacob
 
 
e devastaram os seus domínios<ref name="ftn471">O termo hebraico que significa ''seus domínios'' ''(nawehu)'' serve para indicar vários tipos de propriedade, sejam campos, pastagens ou residências.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Não recordes contra nós as faltas dos antepassados<ref name="ftn472">A conceção moral de que as culpas dos pais poderiam motivar castigos contra os filhos (Ex 20,5; Lm 5,7) era recebida com alguma incomodidade.</ref>.
 
 
Que a tua compaixão venha depressa ao nosso encontro,
 
 
pois estamos totalmente esgotados.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Socorre-nos, ó Deus, nosso salvador, pela glória do teu nome!
 
 
Livra-nos e apaga os nossos pecados, por causa do teu nome.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Porque hão de perguntar os povos: «Onde está o seu Deus?».
 
 
Que nós vejamos como se reconhece entre os povos
 
 
que foi vingado o sangue derramado dos teus servos.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Chegue junto de ti o gemido dos cativos,
 
 
e com teu longo braço poupa da morte os condenados.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>E faz recair sete vezes no peito dos nossos vizinhos
 
 
as ofensas com que te ultrajaram, ó Senhor.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>E nós, teu povo e rebanho de que és pastor,
 
 
queremos glorificar-te para sempre
 
 
e contaremos os teus louvores, de geração em geração.
 
 
 
80(79)'''Oração pela restauração de Israel'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Segundo ''«''Os lírios são testemunho''»''. De Asaf. Salmo.''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Escuta<ref name="ftn473">Neste salmo coletivo de súplica, o contexto que justifica o pedido deverá ser algum perigo que ameaça o reino do Norte. Com efeito, o grupo humano que sofre ameaça e por causa dela dirige a Deus este pedido aparece representado pela menção das três principais tribos daquele reino, nomeadamente Efraim, Benjamim e Manassés. A data de composição plausível, nesta perspetiva, teria sido nas proximidades da invasão assíria que acabou por pôr fim ao reino da Samaria, em 721 a.C.. </ref>, pastor de Israel<ref name="ftn474">O título de pastor é também aplicado a Deus (Sl 23,1s; Is 40,11).</ref>,
 
 
Tu que apascentas José<ref name="ftn475">José representa sobretudo o grupo de tribos da Samaria, Efraim e Manassés. No entanto, numa leitura segundo o interesse dos israelitas em geral, José poderia ter alguma representatividade e sentido para o povo todo, pelo destaque que tem na associação com o patriarca Jacob e pelo ascendente que a memória da estadia no Egito lhe deixou.</ref> como um rebanho,
 
 
Tu que tens o teu trono sobre os querubins.
 
 
Mostra a tua grandeza
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>a favor de Efraim, Benjamim e Manassés<ref name="ftn476">Estas tribos são as três descendentes de Raquel, i.e., estamos na linha preferida da descendência de Jacob (Nm 2,17-24; Jr 31,15).</ref>!
 
 
Desperta o teu poder e vem para nos salvar!
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Ó Deus, volta-te para nós<ref name="ftn477">O pedido para que Deus volte é utilizado neste salmo à maneira de um refrão (vv. 4,8,15,20). Há quem traduza esta expressão como ''faz-nos voltar''. No entanto, a tradução proposta, sendo inteiramente justificada do ponto de vista gramatical, parece enquadrar-se bem melhor no contexto e na dinâmica de pensamento do salmo.</ref>!
 
 
Mostra o teu rosto luminoso e seremos salvos!
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Senhor, Deus dos Exércitos,
 
 
até quando te vais mostrar indignado,
 
 
perante as súplicas do teu povo?
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Deste-lhes a comer pão de lágrimas
 
 
e a beber, lágrimas a triplicar.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Fizeste de nós motivo de conversa para os nossos vizinhos,
 
 
e os nossos inimigos escarnecem de nós.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Ó Deus dos Exércitos, volta-te para nós!
 
 
Mostra o teu rosto luminoso e seremos salvos!
 
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Arrancaste uma videira do Egito<ref name="ftn478">A alegoria da videira, que serve para suportar a exposição entre os vv. 9 e 18, é bastante comum na literatura profética (cf. Is 5,1-5; Jr 2,21; 12,10<nowiki>;</nowiki> e ainda Mc 12,1-12; Jo 15,1-8). A passagem do Egito para a terra prometida é vista metaforicamente como se a videira fosse transplantada (Ex 23,31; Dt 4,37-38).</ref>,
 
 
desalojaste outros povos e transplantaste-a.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Preparaste-lhe o terreno
 
 
e ela foi ganhando raízes até encher a terra.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>As montanhas cobriram-se com a sua sombra,
 
 
e os seus ramos ultrapassaram os mais altos cedros<ref name="ftn479">Lit.: ''Os cedros de Deus''. A expressão tem o valor de um superlativo. </ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Estendeu os seus sarmentos até ao mar
 
 
e até ao grande rio, os seus rebentos<ref name="ftn480">O mar aqui referido é seguramente o Mediterrâneo e o rio deve ser o Eufrates, visto como uma espécie de fronteira ideal de Israel: Gn 15,18; Dt 11,24; 2Rs 24,7; Zc 9,10. Isto significa que os israelitas integram na sua imagem de identidade cultural a Síria até ao Eufrates, que nunca lhes pertenceu como realidade política.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Porque derrubaste os seus muros,
 
 
deixando que a vindimem quantos passam pelo caminho?
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>É devastada pelo javali da floresta
 
 
e serve de pastagem para os animais do campo<ref name="ftn481">Estes animais ameaçadores são metáforas das nações, as mais poderosas como a Assíria ou a Babilónia, ou as vizinhas mais modestas, cuja força e ambições colocam Israel continuamente em perigo (Sl 83,7s; 137,7; Abd 11).</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Ó Deus dos Exércitos, volta, por favor!
 
 
Do céu, olha e vê; cuida desta vinha!
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Protege aquilo que a tua direita plantou,
 
 
o filho<ref name="ftn482">Mesmo continuando a desenvolver a metáfora da videira, o texto acaba por se referir explicitamente a Israel, tratando-o como filho.</ref> que tornaste forte para ti.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Aqueles que a queimaram no fogo como desperdício
 
 
pereçam diante do teu rosto ameaçador.
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Põe a tua mão sobre o homem da tua direita<ref name="ftn483">Como o salmo tem a atenção concentrada na Samaria, este ''homem da tua direita'' pode ser uma maneira de se referir a Benjamim, cujo nome significa ''filho da direita''. Com esta expressão pode estar a tomar a parte pelo todo, i.e., a tribo de Benjamim pela totalidade do reino do Norte, ao qual esta tribo pertence. Associando esta expressão com o Sl 110,1, em que quem está à direita de Deus é o rei, poderia perceber-se aqui alguma ressonância de tipo messiânico. O salmo dá a entender que se trata de uma personalidade concreta muito importante. A referência poderia ser para Zorobabel (Esd 3,2; Ag 1,1).</ref>
 
 
sobre o filho de homem que tornaste forte para ti.
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Nunca mais nos afastaremos de ti.
 
 
Dá-nos vida e continuaremos a invocar o teu nome.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Senhor, Deus dos Exércitos, volta-te para nós!
 
 
Mostra o teu rosto luminoso e seremos salvos!
 
 
 
81(80)'''Aliança eterna'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Sobre a lira de Gat. De Asaf.''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Alegrai-vos em Deus, nossa força<ref name="ftn484">Este salmo obedece às caraterísticas de uma exortação profética. Começa com um hino (vv. 1-6), convidando para a festa, e integra seguidamente um oráculo divino (vv. 7-17), que recorda os mandamentos e as experiências vividas pelo povo no deserto.</ref>,
 
 
aclamai o Deus de Jacob!
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Erguei um cântico, tocai tambor
 
 
e cítara suave juntamente com a harpa.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Fazei ressoar a trombeta<ref name="ftn485">Lit.: ''o chofar'', trombeta feita de um chifre de carneiro e utilizada pelo sumo-sacerdote para anunciar as festas de grande solenidade.</ref> na lua nova
 
 
e na lua cheia, nossos dias de festa<ref name="ftn486">A lua nova e a lua cheia eram os dois momentos mais significativos do movimento mensal da lua e representavam os dias festivos mais importantes do mês. Elas definiam um ciclo quinzenal de festas, num mês dividido pelas fases da lua em quatro semanas (Lv 23,33-34; Nm 28,11-15; 29,12-39; Am 8,5).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Pois isto é um preceito para Israel,
 
 
uma sentença do Deus de Jacob;
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>é um testemunho que deixou em José<ref name="ftn487">Os salmos de Asaf manifestam especial atrativo pela personagem de José (Sl 77,16; 78,67; 80,2). Pelo que diz respeito a este salmo, esse facto poderia sugerir alguma intencionalidade de convite destinado à população do norte de Israel.</ref>,
 
 
quando saiu da terra do Egito:
 
 
 
«Eu ouvi<ref name="ftn488">Desde as mais antigas traduções se tem sentido a dificuldade em saber se esta última frase do v. 6 pertence ou não ao discurso direto que preenche todo o resto do salmo. O facto de nesta frase os verbos estarem já na primeira pessoa parece apontar para esse entendimento. Assim, toda a secção final seria uma espécie de declaração ou testemunho posto na boca de Deus como mensagem a conservar desde a saída do Egito. A opção de deixar esta primeira frase fora do discurso de Deus é mais habitual, mas é também mais difícil de enquadrar na sequência do texto.</ref> a voz de alguém que não conhecia<ref name="ftn489">O texto pretende sublinhar que antes de Deus ter escolhido Israel como seu povo, enquanto estava no Egito era como se o não conhecesse. É isso que dá a entender o texto de Am 3,1s.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Então retirei os seus ombros do jugo,
 
 
as suas mãos deixaram de carregar os cestos.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Na angústia, tu chamaste e Eu te libertei,
 
 
respondi-te, do meio do trovão.
 
 
E pus-te à prova junto das águas de Meribá.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Escuta, meu povo, que Eu vou avisar-te!
 
 
Ó Israel, vê se me escutas!
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Não deve existir em teu meio nenhum deus estranho,
 
 
nem te prostrarás diante de qualquer deus estranho.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Eu sou o Senhor, teu Deus,
 
 
aquele que te fez subir da terra do Egito.
 
 
Abre bem a tua boca e Eu enchê-la-ei.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Mas o meu povo não escutou a minha voz,
 
 
e Israel não quis nada comigo.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Por isso, entreguei-o à teimosia dos seus corações.
 
 
Que eles sigam os seus propósitos.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Quem dera que o meu povo me escutasse,
 
 
e que os de Israel seguissem os meus caminhos!
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Num instante, Eu humilharia os seus inimigos
 
 
e ergueria a minha mão contra os seus adversários.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Os que odeiam o Senhor têm de curvar-se perante Ele,
 
 
o seu destino está traçado para sempre.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Mas Eu alimentarei o povo com a flor da farinha
 
 
e te saciarei com mel dos rochedos»<ref name="ftn490">Ou: ''Então Eu os alimentaria com a flor da farinha / e os saciaria com o mel dos rochedos.'' Esta tradução colocando o segundo hemistíquio na terceira pessoa do plural já aparece na tradução dos LXX e é seguida na Vg e na NVg.</ref>.
 
 
82(81)'''Deus, juiz supremo'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Salmo. De Asaf.''
 
 
 
Deus ergueu-se<ref name="ftn491">Este é um salmo coletivo de súplica. Além do pedido que formula, tem dados que o assemelham a uma exortação profética. Deus é apresentado como um juiz que preside ao funcionamento do universo como presidente supremo de uma corte divina, segundo a conceção geral das culturas de Canaã. Nas religiões semíticas a corte divina é formada por todos os deuses.</ref> na assembleia divina<ref name="ftn492">As várias tradições religiosas da região de Canaã tinham como caraterística comum o facto de representarem os deuses como formando uma assembleia presidida por um deus supremo. De acordo com este quadro, Deus é aqui apresentado numa posição de superioridade e autoridade acima dos restantes deuses (Sl 86,8; 136,2; Ex 18,11; Dt 10,17). Isto parece, no entanto, uma imagem para justificar a interpelação aos que têm de administrar a justiça, para o fazerem com inteira equidade (v. 2). Quem se encontra aqui debaixo de mira são muito provavelmente reis, governantes e chefes responsáveis por que seja assegurada justiça no exercício das suas funções. E estas autoridades são metaforicamente designadas por ''deuses'' (v. 6; Sl 45,7; 58,2 e ainda Ex 21,6; Jo 10,33-36).</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
no meio dos deuses, Ele profere a sentença:
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>«Até quando proferireis sentenças iníquas<ref name="ftn493">Esta interpelação aos responsáveis pela justiça é frequente nos profetas: Is 1,17ss; Jr 5,28; 21,12; 22,3; Ez 22,27.29; Mi 3,1-11; Za 7,9s; cf. Jb 29,12; Pr 18.5; 24,11s.</ref>
 
 
e deixareis que os malvados levantem a cabeça?
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Defendei o oprimido e o órfão;
 
 
fazei justiça ao humilde e ao pobre.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Libertai o oprimido e o necessitado
 
 
e livrai-os das mãos dos malfeitores».
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Eles não conhecem nem compreendem;
 
 
vagueiam na escuridão;
 
 
e os fundamentos da terra ficam abalados<ref name="ftn494">Segundo a Bíblia, a importância do conceito de justiça ultrapassa a simples ordem social; ela é de tal modo abarcante e profunda que lhe cabe assegurar a consistência de todas as coisas.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Eu disse: «Vós sois deuses,
 
 
todos vós sois filhos do Altíssimo<ref name="ftn495">Esta frase também poderia ser lida como uma interrogação para sublinhar a crítica.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Porém, como qualquer mortal, morrereis
 
 
e, como qualquer um dos príncipes, havereis de cair».
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Levanta-te, ó Deus, para julgar a terra,
 
 
porque tens o domínio sobre todos os povos.
 
 
 
83(82)'''Os inimigos do povo de Deus'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Cântico. Salmo. De Asaf.''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Ó Deus, não fiques calado<ref name="ftn496">Este salmo coletivo de súplica dirige-se a Deus para que proteja o povo de Israel. O inimigo principal cujas ameaças se pressentem poderiam ser os assírios. Na verdade, o salmo dá indícios de ter sido composto antes do exílio. Como acontece sistematicamente com textos deste género, os argumentos e imagens aduzidos para justificar a proteção de Deus consistem numa revisão dos prodígios realizados por Ele no passado. O que serve para processar esta recordação são os nomes dos inimigos que sofreram as consequências da intervenção divina.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
não fiques mudo nem impassível, ó Deus!
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Vê como os teus inimigos se agitam
 
 
e levantam a cabeça aqueles que te odeiam.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Engendram planos astuciosos contra o teu povo
 
 
e conspiram contra os teus protegidos.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Dizem: «Andem! Vamos exterminá-los como povo!
 
 
E não volte mais a ser lembrado o nome de Israel».
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Assim decidiram de comum acordo
 
 
e estabeleceram uma aliança contra ti:
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>as tendas de Edom e os ismaelitas<ref name="ftn497">Nos vv. 7-9 aparece a lista dos inimigos ordenados em vários grupos. O primeiro é caraterizado como gente das tendas. São povos a sul da Palestina, vários deles ainda nómadas, tais como edomitas, ismaelitas, agarenos, descendentes de Agar, guebalitas e amalecitas. Os filhos de Lot já não são conhecidos em tempo histórico dos hebreus, mas seriam mais um grupo do sul. Outro grupo é o dos filisteus e fenícios de Tiro que viviam na costa do Mediterrâneo.</ref>,
 
 
Moab e os agarenos,
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Guebal, Amon e Amalec,
 
 
os filisteus com os habitantes de Tiro.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Até os assírios se juntaram com eles,
 
 
e foram o braço dos filhos de Lot<ref name="ftn498">A quantidade de povos referidos nos vv. 7 a 9 serve para configurar a variedade de inimigos que se contrapõem a Deus e ao seu povo. Trata-se de um aglomerado simbólico em que se sintetizam todas as recordações de guerra com os povos seus vizinhos que os israelitas conservavam. A associação dos assírios com os filhos de Lot, que seriam os moabitas e amonitas, não nomeados no texto, pode servir o aspeto simbólico pretendido. Este conjunto de povos também poderia sugerir leituras para uma época mais recente, como a dos selêucidas. Nesse caso, o nome de assírios poderia fazer lembrar os sírios, pois o reino selêucida situava-se na Síria.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Trata-os como fizeste com Madian e Sísera<ref name="ftn499">Os acontecimentos e as personagens referidas nos vv. 10-12 correspondem ao que vem relatado em Jz 4,7s. Estes nomes recordam grandes vitórias ocorridas no passado e que aqui servem como modelo para desenhar as coordenadas da intervenção divina que se solicita.</ref>,
 
 
como a Jabin na ribeira de Quichon.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Foram destruídos em En-Dor,
 
 
serviram de adubo para as terras.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Trata os seus príncipes como Oreb e Zeeb;
 
 
e todos os seus chefes como Zeba e Salmuna.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Pois eles tinham declarado:
 
 
«Tomemos para nós os campos de Deus<ref name="ftn500">Ou: ''os melhores campos''.</ref>».
 
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Ó meu Deus, atira-os para o redemoinho,
 
 
como palha levada pelo vento,
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>como o fogo que devora a floresta
 
 
e como a chama que incendeia os montes.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Persegue-os com a tua tempestade;
 
 
atormenta-os com o teu turbilhão!
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Cobre-lhes o rosto de ignomínia;
 
 
e que então procurem o teu nome, ó Senhor.
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Sejam confundidos e abalados para sempre,
 
 
sejam envergonhados e pereçam.
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Fiquem a saber que o teu nome é Senhor<nowiki>;</nowiki>
 
 
Tu és o único Altíssimo sobre toda a terra!
 
 
 
84(83)'''Saudades da casa de Deus'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor do coro. Sobre a lira de Gat. Dos filhos de Coré. Salmo.''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Quão amáveis são as tuas moradas<ref name="ftn501">Este é mais um dos salmos de Sião (cf. Sl 46,2 nota). Nele se manifesta o enlevo que produz sobre o peregrino o facto de pensar no santuário do Senhor, em Sião. A morada de Deus no santuário é descrita com recurso a palavras no plural, como no v. 2, o qual, na tradição de Canaã, sublinha a grandeza de quem ali habita e a amplidão dos palácios. Assim se usava engrandecer os palácios dos reis no antigo Oriente. Ora, Deus é aqui apresentado como um rei em Sião (1Rs 6). A referência às primeiras chuvas no v. 7 poderia ser uma alusão ao tempo da festa das Tendas que ocorria no início do outono. Tem algumas semelhanças com os salmos de peregrinação, que acompanhavam a viagem para as grandes festas a celebrar em Jerusalém (Ex 23,17; Dt 16,16).</ref>,
 
 
ó Senhor, Deus dos Exércitos.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>A minha alma se consome,
 
 
suspirando pelos átrios do Senhor<nowiki>;</nowiki>
 
 
o meu coração e o meu corpo
 
 
exultam de alegria pelo Deus vivo.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Até os pássaros encontram abrigo,
 
 
e as andorinhas têm um ninho
 
 
e ali põem os seus filhotes.
 
 
É junto dos teus altares, Senhor dos Exércitos,
 
 
meu rei e meu Deus.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Felizes os que habitam na tua casa,
 
 
e continuamente cantam os teus louvores.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Feliz aquele que tem em ti a sua força
 
 
e no seu coração as peregrinações.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Os que atravessam o vale do pranto<ref name="ftn502">A referência ao ''vale do pranto'' pode corresponder ao vale de Gué Hinom, situado a oeste de Jerusalém, por onde os peregrinos entravam na cidade e onde se encontravam os caminhos vindos do norte, do sul e do oeste. Se o salmo se enquadra na festa das Tendas, esta entrada acontece no outono, que é realmente o tempo das primeiras chuvas.</ref>
 
 
fazem dele uma nascente,
 
 
como as primeiras chuvas o cobrem de bênçãos.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Caminharão cada vez com mais forças,
 
 
até contemplarem a Deus, em Sião.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Ó Senhor, Deus dos Exércitos, escuta a minha prece;
 
 
presta-me atenção, ó Deus de Jacob.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Olha para aquele que é o nosso escudo, ó Deus;
 
 
põe os olhos no rosto do teu ungido<ref name="ftn503">A referência ao escudo e ao ungido sugerem que uma proteção especial de Deus era pedida para o rei, personagem a quem aqueles dois conceitos correspondem de forma especial. Se o salmo for de depois do exílio, o ungido pode ser o sumo-sacerdote, uma vez que se tornara o centro da comunidade e do templo. Aos retornados está reservada uma espécie de paz messiânica prometida por Isaías e Zacarias.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>É melhor um dia nos teus átrios
 
 
do que mil em minha casa<ref name="ftn504">Ou: ''em lugar por mim escolhido''. Há quem leia ''baħarti'' como início da frase seguinte: ''Já escolhi.''</ref>.
 
 
É melhor ficar à porta da casa do meu Deus
 
 
do que habitar nas tendas do malfeitor.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Pois Deus, o Senhor, é como um Sol e um escudo;
 
 
o Senhor concede a graça e a glória.
 
 
Ele não recusa os seus favores
 
 
àqueles que vivem com retidão.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Ó Senhor dos Exércitos,
 
 
feliz aquele que em ti confia.
 
 
 
85(84)'''A salvação está perto'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Dos filhos de Coré. Salmo''.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Foste favorável para a tua terra, Senhor<ref name="ftn505">Este salmo coletivo de súplica procura valorizar todos os sinais possíveis de recuperação e de esperança. Este espírito e estas expetativas parecem adequar-se particularmente bem a um tempo de recomeço, depois do exílio. De qualquer maneira, estes sentimentos podem ter lugar em qualquer época da história, segundo a conceção bíblica.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
restauraste a prosperidade de Jacob<ref name="ftn506">Ou: ''fizeste regressar Jacob do exílio.''</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Perdoaste a iniquidade do teu povo,
 
 
cobriste todos os seus pecados.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Recolheste a tua imensa indignação,
 
 
fizeste retroceder o furor da tua ira.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Volta para nós, ó Deus, nosso salvador,
 
 
e acalma a tua indignação para connosco.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Estarás para sempre irritado contra nós
 
 
ou prolongarás o teu furor, de geração em geração?
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Voltarás certamente a dar-nos vida,
 
 
e o teu povo se alegrará em ti.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Mostra-nos, Senhor, a tua misericórdia
 
 
e concede-nos a tua salvação.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Quero escutar o que Deus diz;
 
 
pois o Senhor fala de paz
 
 
ao seu povo e aos seus fiéis,
 
 
aos que voltam a ter confiança nele<ref name="ftn507">Ou, segundo os LXX: ''aos que se voltam para Ele de coração''.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Sim. A sua salvação está perto dos que o temem,
 
 
e a sua glória há de habitar a nossa terra<ref name="ftn508">Ou'': porque a sua glória habita na nossa terra''. Se o salmo se enquadrar em tempo de regresso do exílio, seria a própria glória de Deus que regressa, depois de ter abandonado o templo ao ser destruído (Ez 11,23; 43,2; Ag 2,9).</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>A misericórdia e a verdade vão-se encontrar,
 
 
vão-se beijar a paz e a justiça<ref name="ftn509">Duas duplas de conceitos caraterizam neste v. o agir de Deus e o mundo ideal. Deus é misericórdia e verdade; a perfeição do mundo humano é paz e justiça. O ideal é encontrarem-se e funcionarem juntas.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Da terra há de brotar a verdade,
 
 
e a justiça espreitará do céu.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Assim o Senhor nos concederá os seus favores,
 
 
e a nossa terra produzirá seus frutos<ref name="ftn510">Entre o céu e a terra, o divino e o humano, a norma de funcionamento é de perfeita harmonia.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>A justiça caminhará na sua frente
 
 
e marcará o caminho com os seus passos<ref name="ftn511">Ou: ''e a paz pelo caminho dos seus passos''. Há quem proponha esta tradução alternativa, com base na associação entre justiça e paz no v. 11. A tradução dos LXX sugere uma tradução mais fiel ao estado atual do texto hebraico. Em conclusão, toda a prioridade é atribuída à justiça. </ref>.
 
 
 
86(85)'''Oração do humilde'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Oração. De David.''
 
 
 
Inclina, Senhor, o teu ouvido<ref name="ftn512">Este salmo individual de súplica refere motivos de perigo e perseguição, alguns dos quais aparecem iguais em outros salmos ( v. 14 e Sl 54,5), mas concentra-se principalmente em manifestar sentimentos de serenidade e em recolher motivos de esperança. Parece até preocupado em juntar neste género literário tudo o que sejam motivos de confiança. A promessa de ação de graças, natural neste tipo de orações, ocupa a parte central do salmo. Em suma, é um salmo prestável para ser rezado em muitas ocasiões.</ref><nowiki>; </nowiki>
 
 
responde-me, que estou aflito e necessitado.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Guarda a minha alma, porque sou fiel.
 
 
Tu és o meu Deus!
 
 
Salva o teu servo que em ti confia.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Tem compaixão de mim, Senhor,
 
 
que por ti clamo todo o dia.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Alegra o ânimo do teu servo,
 
 
pois a ti, Senhor, elevo a minha alma.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Pois Tu, ó Senhor, és bom e indulgente,
 
 
rico em misericórdia para quantos te invocam.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Senhor, escuta a minha oração,
 
 
atende ao clamor das minhas súplicas.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>No meu dia de angústia clamo por ti,
 
 
na certeza de que me responderás.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Entre os deuses não há como Tu, Senhor,
 
 
e nada se compara às tuas obras.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Todas as nações que Tu fizeste virão
 
 
e inclinar-se-ão diante de ti, Senhor,
 
 
e darão glória ao teu nome<ref name="ftn513">A convicção generalizada entre os profetas de que todos os povos hão de reconhecer o seu Deus quer dizer que o significado que atribuem a Deus e a maneira como veem a sua relação com ele é prestável para a generalidade dos humanos. O sentido com que o fazem é de harmonia universal. Quando está articulado com a correção de injustiças cometidas por outros povos, envolve conotações de castigo infligido por Deus contra as más ações.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Pois Tu és grande e fazes maravilhas;
 
 
Tu, só Tu és Deus.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Ensina-me, Senhor, o teu caminho,
 
 
pois quero caminhar na tua verdade;
 
 
que ela oriente o meu coração no temor do teu nome.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Hei de louvar-te de todo o coração, Senhor, meu Deus,
 
 
e glorificar o teu nome para sempre.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Pois é grande a tua misericórdia para comigo,
 
 
e libertaste a minha alma das profundezas da morte<ref name="ftn514">Lit.: ''do Cheol.''</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Os orgulhosos erguem-se contra mim, ó Deus,
 
 
a turba dos prepotentes ameaça a minha vida
 
 
e não te têm presente diante deles.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Tu, porém, Senhor, és um Deus terno e compassivo,
 
 
paciente e rico em misericórdia e fidelidade.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Volta para mim a tua face e tem compaixão de mim;
 
 
concede a tua força ao teu servo
 
 
e salva o filho da tua serva.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Faz para comigo um gesto de bondade,
 
 
e que os meus inimigos sejam confundidos,
 
 
ao verem que Tu, Senhor, me ajudaste e confortaste.
 
 
 
87(86)'''A glória de Sião '''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Dos filhos de Coré. Salmo. Cântico''.
 
 
 
Fundada por Ele sobre montanhas sagradas<ref name="ftn515">Este salmo parece ser um caso característico dos cânticos de Sião (Cf. Sl 46). Nele ressoam os oráculos proféticos sobre a grandeza de Jerusalém. A realeza universal de Deus que dali se afirma faz com que Sião seja vista como a meta de peregrinação, e mais ainda se afirme como sendo a origem dos mais variados povos do mundo. Parece ressoar neste salmo um certo espírito da festa de Pentecostes, por ocasião da qual se juntavam muitos peregrinos de longe em Jerusalém. O que o salmo proclama é o entusiasmo vivido por todos os que consideram Sião como capital espiritual do mundo.</ref>,
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>o Senhor ama as portas de Sião
 
 
mais do que todas as moradas de Jacob.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Coisas gloriosas se proclamam de ti,
 
 
ó cidade de Deus.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Lembrarei Raab<ref name="ftn516">Raab é um dos nomes dados a um monstro marinho identificado com o caos, tal como acontece com outros monstros (Sl 89,11; Is 51,9; Jb 9,13; 26,12). Aqui deve referir-se ao Egito (Is 30,7), que partilha a mesma imagem, ainda que neste salmo não pareça tão negativo.</ref> e a Babilónia entre os que me conhecem.
 
 
Eis a Filisteia, Tiro e a Etiópia<ref name="ftn517">Lit.: ''Cuche. ''Era uma população africana situada a sul do Egito, na região que depois se chamou Etiópia.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
cada um ali nasceu.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>De Sião, porém, se dirá:
 
 
«Um e outro, todos ali nasceram;
 
 
e o próprio Altíssimo a estabeleceu».
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>O Senhor apontará no registo dos povos:
 
 
«Este nasceu ali».''Pausa''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>E dançando, eles cantarão<ref name="ftn518">A tradução dos LXX com alguns mss. leem: ''Tanto príncipes como crianças''.</ref>:
 
 
«As minhas fontes estão todas em ti».
 
 
 
88(87)'''Oração no meio do sofrimento'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Cântico. Salmo dos filhos de Coré. Ao diretor. Em coro. Poema. ''
 
 
''De Heman, o ezraíta''<ref name="ftn519">Sobre Heman, o ezraita, pode ver-se Sl 89,1; 1Rs 5,11; 1Cr 6,18. Ezraíta significa ''nativo, autóctone''.</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Ó Senhor, meu Deus e salvador<ref name="ftn520">Este salmo individual de súplica descreve de uma forma ampla, pormenorizada e intensa as queixas que sustentam o seu pedido. São males que o apoquentam desde muito jovem e que o deixam às portas da morte. Pela modalidade quase biográfica que mostra do sofrimento e da sua interferência na vida espiritual do orante, este salmo bem como o salmo 39 apresentam fortes analogias com o caso de Job. O título do salmo parece ter sofrido alguma duplicação.</ref>,
 
 
na tua presença, eu clamo dia e noite.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Chegue diante de ti a minha oração,
 
 
inclina o teu ouvido para o meu clamor.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>A minha alma está saturada de amarguras,
 
 
os meus dias chegaram ao abismo da morte<ref name="ftn521">Este abismo da morte traduz o termo Cheol, espaço imaginário onde se localiza a referência aos mortos. Cf. v. 6; Sl 6,6; 9,18; 86,13; Nm 15,33; Am 9,1-4.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Estou contado entre os que descem à sepultura<ref name="ftn522">Os vv. 5-7 e 11-13 exprimem bem o que os hebreus sentem relativamente às condições dos humanos no mundo do Cheol.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
sou como um guerreiro já sem forças.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Estou largado entre os mortos,
 
 
como os defuntos que jazem no sepulcro.
 
 
Desses já não te lembras mais,
 
 
pois foram separados da tua mão<ref name="ftn523">Por este v. se pode avaliar qual a sensação com que a cultura dos semitas, de que os hebreus fazem parte, olhava para a condição dos mortos e o tipo de vida desvalorizada que lhes restava no Cheol. Ali, estavam longe de Deus.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Lançaste-me nas profundezas da cova,
 
 
nas trevas, nos abismos.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Pesa sobre mim a tua indignação,
 
 
e com todas as tuas ondas me oprimes.''Pausa''
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Afastaste de mim os meus conhecidos,
 
 
tornaste-me abominável para eles;
 
 
estou como um preso, sem poder sair.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>A minha vista apagou-se de tanto sofrer.
 
 
Todos os dias clamo por ti, Senhor,
 
 
e estendo para ti as minhas mãos.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Será que fazes prodígios para os mortos?
 
 
Irão os defuntos levantar-se para te louvar?
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Porventura se conta a tua misericórdia no sepulcro,
 
 
ou a tua fidelidade no lugar da perdição<ref name="ftn524">Último traço da descrição do mundo dos mortos, este termo de perdição ('''abaddon'') não significa a ideia de ''condenação'', mas tem o sentido de ''ruína'', ''destruição'' e quase ''aniquilamento''. Cf. Jb 26,5; 28,22; Pr 15,11.</ref>?
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Serão as tuas maravilhas conhecidas na escuridão,
 
 
ou a tua justiça na terra do esquecimento?
 
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Por isso, venho a ti, Senhor, e clamo por socorro;
 
 
e, pela manhã, a minha oração se apresenta diante de ti.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Porque rejeitas a minha alma, ó Senhor,
 
 
e escondes de mim o teu rosto?
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Infeliz de mim, que agonizo desde a juventude;
 
 
de tanto suportar os teus temores, estou esgotado.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Sobre mim passaram as tuas indignações,
 
 
os teus terrores me aniquilaram.
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Como vagas, rodeiam-me todo o dia;
 
 
e todos juntos caem sobre mim.
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Afastaste de mim amigos e companheiros;
 
 
os meus conhecidos são as trevas.
 
 
 
89(88) '''Aliança messiânica'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Poema. De Etan, o ezraíta''<ref name="ftn525">''Etan'' era um sábio (1Rs 5,11), cujo nome andava ligado aos domínios da música no templo de Jerusalém (cf. 1Cr 6,27-29; 15,17-19). O qualificativo ezraíta significa ''nativo'', ''autóctone''.</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Cantarei para sempre as misericórdias do Senhor<ref name="ftn526">Este salmo real começa por celebrar o próprio Deus como rei do universo e de Israel. Recorda-se em discurso direto (vv. 4-5) a aliança que Deus estabelecera com a casa de David (2Sm 7), prometendo que a tornaria firme para sempre. Daí a classificação de salmo messiânico que se lhe atribui. Este entusiasmo não anula o tom de lamentação e de súplica com que o salmo termina (vv. 39-53). Isto significa que a época em que o salmo foi composto estava marcada por acontecimentos trágicos, vividos no presente ou relembrados do passado. As imagens da destruição de Jerusalém parecem pairar no seu horizonte.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
de geração em geração anunciarei
 
 
a tua fidelidade por minha boca.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Por isso, proclamo que a tua misericórdia
 
 
está edificada para sempre,
 
 
e a tua fidelidade está firme como os céus<ref name="ftn527">Ou ''nos céus''.</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>«Fiz uma aliança com o meu escolhido<ref name="ftn528">Este discurso direto poderia originalmente ter como introdução: ''Tu disseste'', que, no texto hebraico atual, aparece no início do v. 3 e que desde a antiguidade sempre deixou a impressão de que o contexto pediria uma segunda pessoa (Deus) e não uma primeira (salmista).</ref>,
 
 
fiz um juramento em favor de David, meu servo:
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Estabelecerei a tua descendência para sempre
 
 
e firmarei o teu trono de geração em geração».
 
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Os céus louvarão as tuas maravilhas, ó Senhor<nowiki>;</nowiki>
 
 
e a assembleia dos santos, a tua fidelidade<ref name="ftn529">Esta assembleia dos santos é uma expressão para designar o conjunto dos deuses, segundo a tradição religiosa de Canaã. Os hebreus acabaram por aproveitar a expressão para diversos usos metafóricos e, mais tarde, para designar a assembleia de Deus com os seus anjos (Jb 1,6; 5,1; 15,15; Dn 4,14; Zc 14,5).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Quem nas alturas se pode igualar ao Senhor?
 
 
Quem se assemelha ao Senhor entre os deuses<ref name="ftn530">Lit.: ''filhos de Deus''.</ref>?
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Deus é respeitado no conselho dos santos,
 
 
superior e temível para todos os que o rodeiam.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Quem é como Tu, Senhor, Deus dos Exércitos?
 
 
És poderoso, Senhor,
 
 
e a tua fidelidade é a corte à tua volta.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Tu governas a fúria dos mares<ref name="ftn531">Os vv. 10-14 tratam do poder que Deus exerce sobre o mundo e sobre as principais forças da natureza.</ref>
 
 
e acalmas o fragor das suas ondas.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Tu despedaçaste o cadáver de Raab<ref name="ftn532">Raab é um monstro mítico que personifica o caos (Sl 87,4; Jb 7,14; 9,13; Is 51,9). Tal como no Sl 87,4, aqui poderia referir-se ao Egito e, sendo assim, a referência histórica vai para o tema omnipresente da saída do Egito. Mas pode simplesmente tratar-se de uma referência geral à vitória de Deus sobre as forças do caos.</ref>,
 
 
dispersaste os teus inimigos com a força do teu braço.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>O céu é teu e a terra é tua também;
 
 
formaste o mundo e tudo aquilo que o preenche.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>O norte e o sul, Tu os criaste;
 
 
o Tabor e o Hermon rejubilam com o teu nome<ref name="ftn533">Os montes Tabor e Hermon são montanhas famosas no norte de Israel que tinham grande simbolismo religioso (Sl 42,7; Os 5,1).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>O teu braço é poderoso,
 
 
a tua mão é robusta, e excelsa, a tua direita.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Justiça e retidão são o fundamento do teu trono<ref name="ftn534">Temos aqui a hierarquização dos atributos de Deus: a sua essência é justiça e retidão; a verdade e a misericórdia são critérios prioritários na aplicação da justiça.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
verdade e misericórdia caminham à tua frente.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Feliz o povo dos que te sabem aclamar, Senhor:
 
 
caminharão à luz do teu rosto.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Em teu nome se regozijam todo o dia
 
 
e se orgulham com a tua justiça.
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Pois Tu és a nossa honra e força;
 
 
e com o teu desígnio nos fazes erguer a cabeça.
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Na verdade, o nosso escudo é o Senhor,
 
 
e o nosso rei é o Santo de Israel.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Outrora declaraste em visão<ref name="ftn535">Os vv. 20-30 propõem uma explicação ampliada da promessa que os vv. 4-5 continham em forma essencial.</ref>
 
 
e disseste aos teus fiéis<ref name="ftn536">Esta declaração parece ter sido feita ao profeta Natan e ao juiz Samuel, que tiveram papel significativo na ascensão de David ao trono (Sl 2,7; 18,31; 22,11; 1Sm 16,1; 2Sm 7,3-5.12-17.27).</ref>:
 
 
«Eu prestei ajuda a um herói<ref name="ftn537">Se se tomar em consideração o paralelismo do v. 40, que parece fazer pendão com este v., poderíamos traduzir: ''Coloquei uma coroa na cabeça de um herói''.</ref>,
 
 
promovi um jovem do meio do povo.
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>Encontrei David, meu servo,
 
 
e ungi-o com o meu óleo santo.
 
 
<span style="color:red"><sup>22</sup></span>Pois a minha mão estará firmemente com ele,
 
 
e o meu braço há de torná-lo forte.
 
 
<span style="color:red"><sup>23</sup></span>O inimigo não se levantará contra ele<ref name="ftn538">Ou: ''O inimigo não o há de surpreender''.</ref>,
 
 
nem o homem perverso há de humilhá-lo.
 
 
<span style="color:red"><sup>24</sup></span>Derrubarei diante dele os seus adversários
 
 
e destruirei aqueles que o odeiam.
 
 
<span style="color:red"><sup>25</sup></span>A minha fidelidade e misericórdia estarão com ele,
 
 
e pelo meu nome crescerá o seu poder.
 
 
<span style="color:red"><sup>26</sup></span>Estenderei o poder da sua mão esquerda sobre o mar
 
 
e o da sua direita sobre os rios<ref name="ftn539">Do mar Mediterrâneo ao rio Eufrates e afluentes é o espaço do Israel ideal, que aparece associado ao reino de David e provavelmente nunca passou de um ideal para os hebreus.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>27</sup></span>Ele me invocará, dizendo: "Tu és meu pai,
 
 
és o meu Deus e o rochedo da minha salvação!"
 
 
<span style="color:red"><sup>28</sup></span>E Eu farei dele o primogénito,
 
 
o mais excelso entre os reis da terra.
 
 
<span style="color:red"><sup>29</sup></span>Hei de assegurar-lhe para sempre a minha misericórdia,
 
 
e a minha aliança manter-se-á fiel com ele.
 
 
<span style="color:red"><sup>30</sup></span>Estabelecerei para sempre a sua descendência,
 
 
e o seu trono permanecerá como os céus.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>31</sup></span>Se os seus filhos abandonarem a minha lei
 
 
e não caminharem segundo os meus preceitos;
 
 
<span style="color:red"><sup>32</sup></span>se transgredirem as minhas ordens
 
 
e não guardarem os meus mandamentos,
 
 
<span style="color:red"><sup>33</sup></span>então hei de castigar o seu crime com uma vara
 
 
e a sua maldade com um chicote.
 
 
<span style="color:red"><sup>34</sup></span>Porém, não lhes retirarei a minha misericórdia,
 
 
nem faltarei à minha promessa.
 
 
<span style="color:red"><sup>35</sup></span>Não profanarei a minha aliança,
 
 
nem mudarei a palavra da minha boca.
 
 
<span style="color:red"><sup>36</sup></span>Jurei uma vez pela minha santidade
 
 
que não enganaria David.
 
 
<span style="color:red"><sup>37</sup></span>A sua descendência permanecerá para sempre
 
 
e o seu trono será como o Sol, diante de mim.
 
 
<span style="color:red"><sup>38</sup></span>Estará firme para sempre como a Lua,
 
 
testemunha fiel no firmamento».
 
 
 
<span style="color:red"><sup>39</sup></span>Tu, porém, rejeitaste e abandonaste o teu ungido<ref name="ftn540">Os vv. 39-52 tratam de uma situação completamente diferente. O destino do povo e do seu rei encontra-se numa fase de angústia. Preocupações semelhantes se encontram em Sl 39,5s; 79,5; 80,13-17. </ref>
 
 
e te irritaste contra ele.
 
 
<span style="color:red"><sup>40</sup></span>Renegaste a aliança com o teu servo
 
 
e profanaste por terra a sua coroa.
 
 
<span style="color:red"><sup>41</sup></span>Derrubaste todos os seus muros,
 
 
reduziste a escombros as suas fortalezas.
 
 
<span style="color:red"><sup>42</sup></span>Todos os transeuntes o saquearam;
 
 
tornou-se motivo de escárnio para os seus vizinhos.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>43</sup></span>Ergueste a mão dos seus inimigos,
 
 
encheste de alegria todos os seus adversários.
 
 
<span style="color:red"><sup>44</sup></span>Mas a ele, desgastaste-lhe o fio da espada
 
 
e não lhe deste vitória na batalha.
 
 
<span style="color:red"><sup>45</sup></span>Fizeste cessar o seu esplendor,
 
 
deitaste por terra o seu trono.
 
 
<span style="color:red"><sup>46</sup></span>Abreviaste os dias da sua juventude
 
 
e cobriste-o de vergonha.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>47</sup></span>Até quando, Senhor, continuarás escondido?
 
 
Arderá para sempre a tua ira como fogo?
 
 
<span style="color:red"><sup>48</sup></span>Lembra-te de mim. Que breve existência!
 
 
Para que ilusão criaste os seres humanos?
 
 
<span style="color:red"><sup>49</sup></span>Quem é tão forte que possa viver sem ver a morte
 
 
e consiga livrar a sua alma das garras do abismo?
 
 
<span style="color:red"><sup>50</sup></span>Onde está a tua misericórdia de outrora,
 
 
a qual juraste a David pela tua fidelidade?
 
 
<span style="color:red"><sup>51</sup></span>Lembra-te, Senhor, das injúrias contra os teus servos,
 
 
pois trago no peito o ultraje de tantas nações poderosas<ref name="ftn541">O salmista preocupa-se com o destino do povo como uma criança que ele traz ao colo, interiorizando uma expressão usada pelo próprio Moisés em diálogo com Deus: Nm 11,12.</ref>!
 
 
<span style="color:red"><sup>52</sup></span>Como os teus inimigos proferem injúrias, Senhor!
 
 
Como injuriam os passos do teu ungido!
 
 
 
<span style="color:red"><sup>53</sup></span>Bendito seja o Senhor para sempre! Amen! Amen<ref name="ftn542">Este v. é uma doxologia com a qual termina o terceiro livro dos salmos (cf. Sl 41,14; 72,19).</ref>!
 
 
 
90(89)'''Brevidade da vida'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Oração. De Moisés, homem de Deus''<ref name="ftn543">Esta atribuição a Moisés pode dever-se às analogias do texto deste salmo com algumas passagens do Génesis e especialmente com o cântico de Moisés em Dt 32.</ref>.
 
 
 
Ó Senhor, Tu foste para nós um refúgio<ref name="ftn544">Este salmo coletivo de súplica está composto segundo o espírito e os modelos dos salmos sapienciais. Vários dos seus temas apontam para o domínio da meditação sapiencial. Os temas mais concretos que costumam enquadrar as orações de súplica são aqui menos notórios. A situação espelhada é uma expressão mais genérica da experiência humana. O facto de recolher vários temas do passado poderia eventualmente sugerir uma data de composição razoavelmente recente.</ref>,
 
 
de geração em geração.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Antes de terem nascido as montanhas
 
 
e serem dados à luz a terra e o mundo,
 
 
desde sempre e para sempre, Tu és Deus.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Tu podes fazer voltar o mortal ao pó;
 
 
basta dizeres<ref name="ftn545">Poderia perceber-se aqui uma referência a Gn 3,19.</ref>: «Regressai, ó seres humanos!».
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Pois mil anos aos teus olhos
 
 
são como o dia de ontem que passou
 
 
ou uma vigília da noite<ref name="ftn546">A vigília é uma terça parte da noite, marcada pela mudança de turno das sentinelas: Jz 7,19.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Se os arrebatas durante o sono,
 
 
de manhã são como a erva que se corta.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Se de manhã está verdejante e é cortada,
 
 
pela tarde, já está murcha e depois seca.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Em verdade, fomos consumidos pela tua ira,
 
 
estamos perturbados pela tua indignação.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Colocaste diante de ti as nossas culpas,
 
 
os nossos segredos estão à luz dos teus olhos.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Todos os nossos dias decorreram debaixo da tua cólera,
 
 
os nossos anos dissipam-se como um suspiro.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Os nossos dias de vida podem ser setenta anos
 
 
ou, para os mais fortes, oitenta.
 
 
E a sua agitação é trabalho e miséria;
 
 
depressa a satisfação passa, e nós desaparecemos.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Quem pode compreender a violência da tua ira
 
 
e a tua cólera contra aqueles que te temem?
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Ensina-nos a orientar corretamente os nossos dias,
 
 
para entrarmos no pórtico da sabedoria<ref name="ftn547">Dadas as dificuldades de sintaxe reconhecidas neste texto, vemos em ''lbb ''a preposição ''le ''(para) e o termo ''bab'', conhecido no semítico geral como ''porta'' ou ''pórtico''. Poderia ser a porta da casa onde a sabedoria acolhe e recebe aqueles que a procuram (Pr 9,1-6). A tradução alternativa tradicional é: ''para chegarmos ao coração da sabedoria''. </ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Volta, Senhor! Até quando?
 
 
Tem compaixão dos teus servos.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Que a tua misericórdia nos sacie pela manhã,
 
 
para exultarmos e nos alegrarmos todos os nossos dias.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Dá-nos tantos dias de alegria
 
 
como aqueles em que nos afligiste,
 
 
como os anos em que vimos a desgraça.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Manifesta aos teus servos a tua obra,
 
 
e aos filhos deles, o teu esplendor.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Desça sobre nós a bondade do Senhor, nosso Deus!
 
 
E confirma para nós a obra das nossas mãos.
 
 
Sim! Confirma a obra das nossas mãos!
 
 
 
91(90)'''Deus, refúgio e proteção'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>Aquele que habita sob a proteção do Altíssimo<ref name="ftn548">Este é um salmo de modelo sapiencial, com o qual se propõe uma meditação sobre o que pressupõe e significa a confiança em Deus. O modelo de vida sobre o qual incide esta meditação é o de alguém que vive acolhido no templo (vv. 1-2). Alguém que tem por missão propor as verdades da sabedoria, segundo a relação mestre-discípulo, dirige-se a ele na segunda pessoa, pormenorizando o que significa encontrar-se sob proteção de Deus (vv. 3-13). No final, há uma espécie de oráculo em que Deus confirma e acentua o pensamento que o mestre de sabedoria tinha exposto (vv. 14-16). O destinatário desta lição de sabedoria é literariamente uma pessoa singular, mas o espírito que se incute projeta-se sobre a experiência da nação inteira.</ref>
 
 
e se acolhe à sombra do Omnipotente,
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>esse poderá exclamar: «Ó Senhor,
 
 
Tu és o meu refúgio e minha cidadela;
 
 
és o meu Deus, em quem confio!»<ref name="ftn549">A estrofe constituída pelos dois primeiros vv. junta quatro maneiras de designar a Deus: Altíssimo ('''elyon''), Omnipotente ('''el-chadday)'', Senhor (''yahweh'') e Deus ('''elohim'').</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>É Ele que te há de livrar da armadilha
 
 
e proteger-te da peste<ref name="ftn550">As consoantes do hebraico que os massoretas vocalizaram para significar ''flagelo'' ou ''peste'' podem igualmente ser vocalizadas como ''dabar'', significando ''palavra'' ou ''coisa''. E assim foi entendida por algumas traduções antigas, bem como por outras modernas.</ref> maligna.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Ele te cobrirá com as suas penas;
 
 
debaixo das suas asas terás refúgio;a sua fidelidade é escudo e couraça.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Não temerás o terror da noite,
 
 
nem a seta que voa de dia.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Não temerás a peste que alastra nas trevas,
 
 
nem o flagelo que devasta em pleno dia<ref name="ftn551">Os termos da expressão ''flagelo que devasta'' ganharam na tradição hebraica conotações demoníacas. Por isso, algumas traduções antigas entendiam ''o demónio do meio dia''.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Podem cair mil à tua esquerda
 
 
e dez mil à tua direita,
 
 
que a ti não te atingirá.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Basta abrires os olhos
 
 
e verás a paga dos malfeitores.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Pois tu disseste: «O Senhor é meu refúgio»
 
 
e fizeste do Altíssimo o teu abrigo.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Nenhuma desgraça se aproximará de ti,
 
 
nenhuma epidemia chegará à tua tenda.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Por ti, Ele deu ordens aos seus anjos,
 
 
para te guardarem em todos os teus caminhos<ref name="ftn552">Os anjos são personagens superiores encarregadas de determinadas funções em nome de Deus. Aqui é a função de proteger os seres humanos.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Eles hão de transportar-te na palma das mãos,
 
 
para que o teu pé não tropece em nenhuma pedra.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Poderás caminhar sobre serpentes e víboras,
 
 
calcar aos pés leões e dragões.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>«Porque se entregou a mim, Eu o libertarei;
 
 
defendê-lo-ei, porque conhece o meu nome<ref name="ftn553">Conhecer o nome de Deus significa reconhecer e aceitar os seus atributos e a sua intervenção.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Ele invoca-me e Eu respondo-lhe,
 
 
estarei com ele na tribulação,
 
 
para o livrar e cobrir de honra.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Hei de saciá-lo com longos dias de vida
 
 
e farei com que veja a minha salvação».
 
 
92(91)''' Em louvor da justiça de Deus'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Salmo. Cântico. Para o dia de sábado.''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Como é bom dar graças<ref name="ftn554">Este salmo tem os recortes de um hino de ação de graças individual. Com efeito, os benefícios agradecidos são referidos na primeira pessoa. O título hebraico do salmo sublinha que se trata de um cântico destinado ao sábado. Um cântico de ação de graças no templo poderia sempre alcançar ressonâncias nacionais, válidas para todo o povo. O facto de no v. 11 se fazer referência a uma unção com óleo perfumado poderia acentuar mais este sentido nacional, vendo ali uma referência ao rei. No entanto, o termo em hebraico não é o que se usa tecnicamente para a unção de consagração real. O tom geral didático sobre os comportamentos humanos dá-lhe igualmente algumas ressonâncias sapienciais.</ref> ao Senhor<ref name="ftn555">Os dois hemistíquios deste v. podem ler-se em paralelo, dirigindo-se ambos a Deus na segunda pessoa. Lendo um ''lamed'' vocativo em ''layawheh'' o primeiro hemistíquio seria: ''Como é bom dar graças, ó Senhor.''</ref>,
 
 
e cantar hinos ao teu nome, ó Altíssimo!
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>É bom anunciar de manhã a tua misericórdia
 
 
e a tua fidelidade durante a noite<ref name="ftn556">Os dois tempos maiores de oração eram a manhã e o fim da tarde. No entanto, o hebraico usa para o segundo momento ''baleylot'', que se pode traduzir como ''nas vigílias da noite. ''Esta leitura é possível aqui e ainda nos Sl 16,7 e 134,1. Com efeito, esta última passagem parece referir-se a um programa de oração que se prolonga ao longo da noite.</ref>,
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>com a lira de dez cordas e a cítara
 
 
e ao som melodioso da harpa.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Tu me alegraste, Senhor, com os teus feitos,
 
 
e exulto com as obras das tuas mãos.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Como são grandiosas as tuas obras, ó Senhor!
 
 
Quão profundos são os teus desígnios!
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>O homem insensato não entende estas coisas,
 
 
e o ignorante não compreende nada disto.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Ainda que os malfeitores cresçam como a erva
 
 
e floresçam todos os que praticam a maldade,
 
 
é para serem exterminados para sempre.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Tu, porém, Senhor,
 
 
és o excelso para sempre.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Por isso, os teus inimigos, Senhor,
 
 
os teus inimigos hão de perecer
 
 
e serão dispersos todos os que praticam a iniquidade.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Fizeste-me erguer a cabeça como um búfalo<ref name="ftn557">Na Bíblia, o búfalo é símbolo de força e coragem (Nm 23,22).</ref>
 
 
e ungiste-me com óleo perfumado.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Os meus olhos hão de ver o fim dos que me espiam
 
 
e os meus ouvidos hão de ouvir
 
 
os gritos<ref name="ftn558">Ou: ''as desventuras.''</ref> dos que se erguem contra mim.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>O justo florescerá como a palmeira
 
 
e crescerá como um cedro no Líbano<ref name="ftn559">A palmeira e o cedro do Líbano, altos e vicejantes, exprimem o entusiasmo do justo, contrastando com a pequenez do mau referida no v. 8.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Plantados na casa do Senhor,
 
 
florescerão nos átrios do nosso Deus.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Até de cabelos brancos continuam viçosos
 
 
e hão de manter sempre a seiva e o vigor,
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>para proclamar que o Senhor é reto,
 
 
é o meu rochedo e nele não há falsidade.
 
 
 
93(92)'''Deus reina sobre a criação '''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>O Senhor é rei<ref name="ftn560">Este salmo é uma fórmula concentrada de hino sobre a realeza de Javé. Outros hinos semelhantes aparecem até ao Sl 100. Os Sl 93,97 e 99 iniciam igualmente com a proclamação de que Javé é rei. Esta era uma fórmula de aclamação para um novo rei (2Sm 15,10; 2Rs 9,13). Tal realeza extravasa o tempo histórico e manifesta-se no domínio sobre o universo e sobre as forças de caos que resistem ao seu crescimento ordeiro e eficaz. A visão do mundo que representa as culturas de Canaã está aqui retomada e integrada na conceção do Deus único que se define na Bíblia. </ref>, revestido de majestade;
 
 
o Senhor, revestido e cingido de poder!
 
 
Ele firmou o universo, que não vacilará<ref name="ftn561">O poder de Deus que governa o mundo é o que lhe dá consistência e solidez.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>O teu trono, ó Deus, está firme desde o princípio,
 
 
pois Tu és desde a eternidade.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Ergueram as torrentes, ó Senhor,
 
 
ergueram as torrentes o seu bramido,
 
 
ergueram as torrentes o seu fragor.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Porém, mais que o bramido das águas caudalosas,
 
 
mais poderoso que o rebentar das vagas do mar
 
 
é poderoso o Senhor lá nas alturas.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Os teus preceitos são inteiramente eficazes,
 
 
a tua casa está adornada de santidade,
 
 
por dias sem fim, ó Senhor<ref name="ftn562">Ou: ''O teu trono está firme desde o início, / que a tua casa seja um espaço de santidade, / ó Senhor, por longos dias sem fim. ''Com uma ou outra alternativa de tradução, este v. olha para o templo e para a história do povo que nele se concentra como uma realidade estável e persistente. </ref>!
 
 
 
94(93)''' Deus, juiz do mundo'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>Ó Senhor, Deus justiceiro<ref name="ftn563">O texto tem as caraterísticas de um salmo individual de súplica. No entanto, a amplidão das situações de injustiça que aparecem lamentadas e a grande ressonância que, desde início, é atribuída à ação de Deus como vingador de todo o mal podem sugerir que se trate de uma súplica de interesse coletivo perante uma desgraça nacional. A convicção essencial aqui expressa é claramente a de uma confiança inabalável em que a justiça, exercida por Deus, é a norma de convívio entre todos e a garantia da plena satisfação dos direitos de cada um.</ref>!
 
 
Deus justiceiro<ref name="ftn564">Literalmente, a expressão hebraica significa: ''Deus das vinganças''. O conceito de vingança tem na Bíblia a conotação forte de uma justiça devida que é aplicada diretamente e de forma eficaz por alguém a quem se reconhece o direito e o dever de a exercer. Essa função compete a alguém que para isso tem especiais relações de solidariedade para com o ofendido. Por isso se evita o termo de Deus vingador, por vezes usado neste contexto. </ref>, manifesta-te!
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Levanta-te, juiz da terra;
 
 
retribui aos soberbos a paga merecida.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Até quando os malfeitores, Senhor,
 
 
até quando os malfeitores triunfarão?
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Todos os que praticam a iniquidade
 
 
vomitam palavras insolentes e vangloriam-se.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Eles esmagam o teu povo, Senhor,
 
 
e oprimem a tua herança.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Matam a viúva e o estrangeiro
 
 
e assassinam os órfãos<ref name="ftn565">As malfeitorias descritas nos vv. 5-6 são o resumo essencial dos males que podem ofender a qualidade da vida social e que os profetas vituperam com frequência (Is 1,23; 10,1s; Ez 22,7; Zc 7,10).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Eles dizem: «O Senhor<ref name="ftn566">Neste v. e no v. 12, o Senhor aparece expresso sob a forma de ''Yah, ''mais abreviada do que o habitual ''Yahweh''.</ref> não vai ver;o Deus de Jacob não se aperceberá!».
 
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Compreendei isto, ó gente imbecil!
 
 
E vós, insensatos, quando ganhareis juízo?
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Aquele que implantou o ouvido não ouviria?
 
 
Aquele que formou os olhos não haveria de ver?
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Aquele que corrige os povos não castigaria?
 
 
Se é Ele que ensina aos humanos a sabedoria!
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>O Senhor conhece bem os pensamentos dos humanos
 
 
e sabe que eles são uma ilusão<ref name="ftn567">A palavra aqui traduzida por ''ilusão'' é a mesma que aparece quase como um refrão ao longo do livro do Coélet ou Eclesiastes.</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Feliz o homem a quem Tu corriges, Senhor,
 
 
e ensinas com a tua lei<ref name="ftn568">A lei é, neste caso, designada com a expressão mais nobre que se conhece na Bíblia, a ''torah.''</ref>!
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Assim terá descanso nos dias de aflição,
 
 
enquanto se abre a cova para o malfeitor.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Pois o Senhor não rejeita o seu povo<ref name="ftn569">A justiça exercida por Deus não se foca exclusivamente nas necessidades de um indivíduo, mas enquadra-se nos interesses que dizem respeito a todo o povo.</ref>
 
 
e não abandona a sua herança.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Voltará a haver equidade na justiça<ref name="ftn570">Ou: ''O justo voltará a ser tratado com justiça''.</ref>
 
 
e hão de segui-la todos os de coração reto.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Quem se levantará por mim contra os maus?
 
 
Quem resistirá por mim contra os que praticam o mal?
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Se o Senhor não fosse o meu auxílio,
 
 
num instante a minha alma habitaria o silêncio<ref name="ftn571">O silêncio é aqui uma expressão equivalente ao Cheol, i.e., o lugar onde residem os mortos (Sl 88,11; 115,17).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Mal eu digo: «Os meus pés vacilam»,
 
 
logo a tua misericórdia, Senhor, me ampara.
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Quando crescem as preocupações dentro de mim,
 
 
os teus gestos de conforto deliciam a minha alma.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Poderá aliar-se contigo um tribunal iníquo,
 
 
que forja injustiças contra o direito?
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>Atentam contra a vida do justo
 
 
e condenam à morte o inocente<ref name="ftn572">Lit.: ''e condenam o sangue inocente.''</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>22</sup></span>Mas o Senhor é a minha fortaleza
 
 
e o meu Deus é o rochedo onde me refugio.
 
 
<span style="color:red"><sup>23</sup></span>Fará recair sobre eles a sua iniquidade
 
 
e os destruirá com a sua própria maldade.
 
 
O Senhor, nosso Deus, os destruirá!
 
 
 
95(94)'''Exortação ao louvor de Deus'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>Vinde! Exultemos de alegria no Senhor<ref name="ftn573">Este salmo de exortação profética exprime igualmente uma grande intencionalidade litúrgica. O hino inicial sublinha que os motivos para louvar a Deus são o seu domínio absoluto sobre o universo, a sua transcendência criadora e a sua aliança com o povo de Israel (vv. 1-7). O final é um oráculo divino, no sentido de despertar atitudes de fé e docilidade à voz de Deus. A estreita ligação com a piedade litúrgica é o motivo que justifica o frequente uso deste salmo como introdução a diversos ofícios litúrgicos e também a outros exercícios de piedade individual.</ref>,
 
 
aclamemos o rochedo<ref name="ftn574">Além da referência genérica à proteção de Deus, este rochedo, tendo em conta a parte final do salmo, pode ser uma referência ao rochedo de onde, no deserto, brotaram águas providenciais, numa calamidade de sede (Ex 17,1s).</ref> da nossa salvação.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Vamos à sua presença com hinos de louvor,
 
 
aclamemo-lo com cânticos.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Pois grande Deus é o Senhor,
 
 
é rei poderoso acima de todos os deuses.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Na sua mão estão as profundezas da terra,
 
 
e são suas as alturas das montanhas.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Seu é o mar, pois foi Ele quem o fez,
 
 
e a terra firme que as suas mãos modelaram.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Entrai, inclinemo-nos e prostremo-nos;
 
 
ajoelhemos diante do Senhor que nos criou.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>É Ele o nosso Deus e nós, o povo de que Ele é pastor<ref name="ftn575">Com a metáfora do pastoreio para exprimir o governo do povo, o salmista está, para maior garantia, a colocar nas mãos de Deus a função de governar eficazmente o mesmo povo, tarefa que na vida quotidiana devia ser bem exercida pelos reis e outros responsáveis (Sl 74,1; 79,13; 80,1; 100,3).</ref>,
 
 
as ovelhas que a sua mão conduz.
 
 
Oxalá ouvísseis hoje a sua voz<ref name="ftn576">O ''hoje'' sublinha a intenção do salmista em sugerir que os hebreus seus contemporâneos mostrem melhor acolhimento aos planos de Deus que os seus antepassados no deserto. O texto dos vv. 8-11 aparece como discurso direto de Deus a repropor uma meditação sobre aquilo que se tinha passado no deserto.</ref>!
 
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>«Não endureçais os vossos corações como em Meribá,
 
 
como no dia de Massá, no deserto<ref name="ftn577">''Meribá'', que significa ''discussão'' e ''Massá'', ''provocação'', são uma imagem da rebeldia contra as orientações e planos de Deus (Nm 20,1-13; Ex 17,1-7; Dt 6,16; 9,22; 33,8; Sl 81,8). Esta imagem vem de uma época emblemática da história bíblica, e aquilo que o salmista pretende é que o povo não volte a repetir a mesma rebeldia.</ref>,
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>quando os vossos pais me provocaram e puseram à prova,
 
 
apesar de terem visto as minhas obras.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Durante quarenta anos<ref name="ftn578">Os quarenta anos são o tempo apontado para a permanência dos hebreus no deserto, depois da saída do Egito (Nm 14,34).</ref> abominei tal geração,
 
 
e disse: "São um povo de coração desorientado
 
 
e não reconheceram os meus caminhos!"
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Por isso jurei na minha ira:
 
 
"Não entrarão no meu lugar de repouso<ref name="ftn579">A expressão hebraica dá a entender que se trata de um lugar que é de Deus e serve de repouso para o povo. A terra prometida é aqui a alusão mais provável. Haveria ainda a hipótese de ser uma referência ao templo como lugar de repouso de Deus.</ref>».
 
 
 
96(95)'''Deus, rei do universo'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>Cantai ao Senhor um cântico novo<ref name="ftn580">Este salmo da realeza de Javé é todo ele um hino litúrgico, muito bem enquadrado no contexto do templo de Jerusalém e provavelmente num período já posterior ao do exílio na Babilónia. O seu conteúdo assemelha-se ao do Sl 47 e o seu texto aparece quase por inteiro no livro das Crónicas (1Cr 16,8-36). O contexto ali descrito é o do transporte da arca da aliança para Jerusalém.</ref>,
 
 
cantai ao Senhor, terra inteira!
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Cantai ao Senhor, bendizei o seu nome,
 
 
anunciai de dia em dia a sua salvação.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Ide contar entre os povos a sua glória,
 
 
em todas as nações, as suas maravilhas.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Pois o Senhor é grande e digno de todo o louvor,
 
 
é mais temível do que todos os deuses.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Todos os deuses dos povos são apenas ídolos,
 
 
mas o Senhor é que fez os céus<ref name="ftn581">A ideia que distingue Javé dos outros deuses é a de que este, pelo facto de ter criado os céus que significam a totalidade do universo, mostra ser um Deus eficaz e não um simples ídolo.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Na sua presença há majestade e esplendor,
 
 
no seu santuário, beleza e poder<ref name="ftn582">Beleza e poder é por alguns entendida como referência à arca da aliança (Sl 71,8; 78,61).</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Dai ao Senhor, famílias dos povos,
 
 
dai ao Senhor glória e poder.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Dai ao Senhor a glória do seu nome,
 
 
levai as ofertas e entrai nos seus átrios.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Inclinai-vos diante do Senhor no esplendor do santuário;
 
 
e trema diante dele a terra inteira!
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Proclamai entre os povos: «O Senhor é rei!».
 
 
Por isso, a terra está firme, sem vacilar,
 
 
pois Ele faz justiça aos povos com equidade.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Alegrem-se os céus e rejubile a terra;
 
 
ressoe o mar e tudo o que ele contém.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Regozijem-se os campos e tudo o que neles existe
 
 
e que todas as árvores da floresta rejubilem,
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>diante do Senhor que vem,
 
 
que vem para julgar a terra!
 
 
Ele julga o mundo com justiça
 
 
e os povos com a sua fidelidade.
 
 
 
97(96)'''Reinado universal de Deus'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>O Senhor é rei: exulte a terra<ref name="ftn583">Este é mais um salmo da realeza de Javé. O hino apresenta em primeiro lugar a entrada solene do grande rei (vv. 1-6). As consequências da sua instalação no templo são a derrota de todos os outros deuses com os seus seguidores e uma confiança imensa por parte dos que são justos e fiéis a Deus.</ref>
 
 
e alegrem-se as ilhas numerosas!
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Em seu redor há nuvens e tempestades<ref name="ftn584">Os vv. 2-5 descrevem a entrada de Deus com o seu cortejo na qualidade de juiz universal. Os grandes fenómenos da natureza são a expressão da sua intervenção e as realidades cósmicas reagem com respeito e temor a tão portentosa manifestação de poder. </ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
a justiça e o direito são a base do seu trono.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Um fogo caminha à sua frente
 
 
e incendeia os seus adversários, em volta.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Os seus relâmpagos iluminam o mundo;
 
 
a terra viu e estremeceu.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>As montanhas derreteram-se como cera, diante do Senhor,
 
 
diante do senhor de toda a terra.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Os céus apregoam a sua justiça<ref name="ftn585">Os vv. 6-7 exprimem a ambivalência de posicionamentos que resulta da intervenção soberana de Deus. Os céus transformam-se em porta-voz da gloriosa manifestação e os deuses que representavam a alternativa contraposta de poder saem envergonhados do confronto.</ref>,
 
 
e todos os povos viram a sua glória.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Sejam envergonhados todos os que servem estátuas,
 
 
aqueles que se vangloriam em ídolos.
 
 
Diante dele se prostrem todos os deuses.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Sião ouviu e encheu-se de alegria<ref name="ftn586">Os vv. 8-9 mostram que para os hebreus o espetáculo é de triunfo e de regozijo (Sl 48,12).</ref>,
 
 
e as cidades de Judá regozijaram,
 
 
por causa das tuas sentenças, ó Senhor.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Pois Tu, Senhor, és o Altíssimo sobre toda a terra
 
 
e subiste muito acima de todos os deuses.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Os que amam o Senhor odeiam o mal;
 
 
Ele guarda as almas dos seus fiéis
 
 
e livra-os das mãos dos inimigos.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Uma luz desponta para o justo,
 
 
e a alegria para os retos de coração<ref name="ftn587">Se, em vez de '''or'' (''luz''), se ler '''ur'' (''campo'') poderia traduzir-se por: ''Há uma terra fértil ''(lit.: ''de semente'') ''para o justo / e a felicidade para os retos de coração. ''Qualquer das leituras poderia conter a alusão a uma visão de um além de imortalidade, diferente daquele que se perspetiva no mundo dos mortos.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Alegrai-vos, justos, no Senhor,
 
 
e celebrai a memória do seu nome santo.
 
 
 
98(97)'''Hino ao rei do universo'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Salmo.''
 
 
 
Cantai ao Senhor um cântico novo<ref name="ftn588">Este é mais um salmo da realeza de Javé, que mantém grandes pontos de analogia com o Sl 96. Os temas sublinhados são, mais uma vez, a ideia de que Deus é rei e, de todo o universo, povos e nações se juntam em grande festa. É grande o entusiasmo universalista e pode traduzir o novo espírito que marca o regresso do exílio.</ref>,
 
 
porque Ele fez maravilhas!
 
 
A sua mão direita e o seu santo braço
 
 
lhe deram a vitória<ref name="ftn589">Os hebreus gostam de sublinhar que a obra de salvação conseguida por Deus é uma vitória exclusivamente sua (Is 59,16; 63,5; cf. Lc 1,54; 3,6).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>O Senhor anunciou a sua vitória,
 
 
revelou a sua justiça aos olhos dos povos.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Lembrou-se da sua misericórdia e fidelidade
 
 
para com a casa de Israel.
 
 
Todos os confins da terra viram
 
 
a salvação do nosso Deus<ref name="ftn590">O tema desta primeira estrofe, em que o braço de Deus realiza uma vitória que faz exultar todos os confins da terra, ressoa em grande sintonia com o texto de Is 52,7-10, em que se anuncia solenemente o regresso dos exilados.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Aclamai o Senhor, terra inteira,
 
 
gritai, rejubilai e cantai.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Cantai ao Senhor, ao som da harpa,
 
 
ao som da harpa e da lira.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Com as trombetas e ao som do cornetim,
 
 
aclamai na presença do Senhor, que é rei.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Ressoe o mar e tudo o que ele contém<ref name="ftn591">Na última estrofe do salmo (vv. 7-9), é toda a natureza que toma parte na manifestação religiosa, como em Is 35,1s; 44,23; 55,12; cf. Sl 96,11-13).</ref>,
 
 
o mundo e os que nele habitam.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Que os rios batam palmas,
 
 
em coro, as montanhas gritem de alegria,
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>diante do Senhor, que vem julgar a terra!
 
 
Ele julga o mundo com justiça
 
 
e os povos com retidão.
 
 
 
99(98)'''Rei supremo e santo'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>O Senhor é rei<ref name="ftn592">Cf. Sl 96,10.</ref>, tremam os povos<ref name="ftn593">Este salmo encerra a lista dos hinos que tratam da realeza de Javé e mantém-se fiel aos temas mais caraterísticos deste grupo, nomeadamente: a realeza divina, a importância de Sião, a participação dos povos, o papel da justiça, o temor e o respeito, a festa e a recordação das principais figuras da história de Israel. Sublinha de um modo particular a santidade de Deus, reiterada à maneira de refrão, no final de cada estrofe (vv. 3,5,9).</ref>!
 
 
O seu trono é sobre os querubins<ref name="ftn594">Os querubins aparecem ainda noutros textos da Bíblia para indicar o lugar onde Deus tem o seu trono (Sl 80,2). Trata-se muito provavelmente de seres superiores que se encontravam representados na cobertura da arca da aliança (Ex 25,18-22; cf. 1Sm 4,4; 2Sm 6,2; 1Rs 8,6; 18,11).</ref>.
 
 
Que a terra inteira estremeça.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>O Senhor é grande em Sião
 
 
e é excelso sobre todos os povos.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Que eles louvem o teu nome, grande e terrível,
 
 
porque ele é santo!
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>A força de um rei está em amar a justiça.
 
 
Ora, Tu estabeleceste a equidade,
 
 
o direito e a justiça em Jacob.
 
 
Tu é que o realizaste.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Exaltai o Senhor, nosso Deus,
 
 
prostrai-vos junto ao estrado dos seus pés,
 
 
pois Ele é santo.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Moisés e Aarão estão entre os seus sacerdotes<ref name="ftn595">Sobre estes grandes intercessores, cf. Sl 106,23; Ex 32,11; Nm 17,11-13.</ref>
 
 
e Samuel, entre os que invocam o seu nome.
 
 
Invocavam o Senhor e Ele respondia-lhes.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>De uma coluna de nuvem Deus falava;
 
 
eles guardaram os seus preceitos
 
 
e a lei que lhes tinha dado.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Senhor, nosso Deus, Tu respondeste-lhes;
 
 
foste um Deus indulgente para com eles,
 
 
mesmo castigando as suas maldades<ref name="ftn596">Pode referir-se às maldades do povo em geral ou às cometidas pelo grupo dos intercessores (Nm 20,12.24; 27,14; Dt 1,37; 3,23-27).</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Exaltai o Senhor, nosso Deus,
 
 
prostrai-vos junto da sua montanha santa,
 
 
pois o Senhor, nosso Deus, é santo.
 
 
 
100(99)'''Hino de ação de graças'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Salmo. Para ação de graças.''
 
 
 
Aclamai o Senhor, terra inteira<ref name="ftn597">Este é um hino de ação de graças, que convida todos os povos a louvarem a Deus no santuário (cf. Is 2,3; 56,6s). Do ponto de vista do conteúdo doutrinal, este convite apoia-se em algumas afirmações essenciais a respeito de Deus: Ele criou o seu povo e a sua bondade e misericórdia são eternos. Com este salmo fica encerrada a série de salmos da realeza de Javé, que se iniciou com o Sl 91. Poderia ser um hino de entrada, por ocasião dos sacrifícios de comunhão (cf. Lv 7,11s).</ref>!
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Servi ao Senhor com alegria,
 
 
ide à sua presença com júbilo!
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Sabei que só o Senhor é Deus;
 
 
foi Ele que nos fez e a Ele pertencemos<ref name="ftn598">O texto hebraico consonântico das edições críticas normalmente aceites diz: ''Foi Ele que nos fez e não nós''. A tradução dos LXX e outras versões antigas leram desta maneira, no que foram seguidas pela Vg. No entanto, esta leitura parece depender de uma troca de escriba entre ''lô'' (''para ele'') e ''lo''' (''não''). Alguns mss. hebraicos antigos testemunham esta versão textual. A tradução latina aprovada por Pio XII, a NVg e as traduções atuais, de uma forma geral, seguem esta leitura.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
somos o seu povo e o rebanho de que Ele é pastor.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Entrai nas suas portas em ação de graças,
 
 
nos seus átrios com hinos de louvor;
 
 
agradecei-lhe e bendizei o seu nome.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Pois o Senhor é bom;
 
 
é eterna a sua misericórdia<ref name="ftn599">Este refrão parece ser bastante apreciado entre os hebreus (Jr 33,11) e muitas vezes usado nos salmos como entrada ou como refrão. O caso mais expressivo é o do Sl 136. Aparece ainda citado em 2Cr 5,13; 7,3; 20,21; Jdt 13,21 Vg; 1Mac 4,24. </ref>,
 
 
e a sua fidelidade continua de geração em geração.
 
 
 
101(100)'''O rei ideal'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''De David. Salmo.''
 
 
 
Quero cantar a misericórdia e a justiça<ref name="ftn600">Este salmo é por muitos considerado um salmo real, apesar de nenhuma das suas expressões estar exclusivamente ligada aos temas da realeza. O que o salmo apresenta é uma espécie de declaração de princípios destinados a guiar a conduta do rei como figura central e como modelo para o comportamento coletivo. Esta oração tinha provavelmente lugar numa cerimónia litúrgica e poderia até representar um juramento que o rei deveria fazer no dia da sua entronização. Por isto e porque o texto contém ressonâncias de definição para uma sociedade ideal, este salmo aproxima-se dos horizontes do messianismo. O ritmo litúrgico de elegia parece sugerir uma composição tardia.</ref>.
 
 
Para ti, Senhor, dirijo o meu canto.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Quero compreender bem o caminho da honestidade.
 
 
Quando virás ao meu encontro<ref name="ftn601">Os tradutores sentem alguma dificuldade em definir o enquadramento para esta pergunta. Uma alternativa seria lê-la como afirmativa e não interrogativa: ''Compreendo bem o caminho da honestidade, / quando Tu vens ao meu encontro''.</ref>?
 
 
Caminharei na integridade do meu coração,
 
 
no interior da minha casa.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Não porei diante dos meus olhos coisas indignas<ref name="ftn602">Lit.: ''coisas de Belial.'' Podem ser comportamentos não recomendáveis ou práticas religiosas ilegítimas dedicadas a deuses ou outras entidades não reconhecidas (cf. Sl 18,5; Na 2,1).</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
odeio os que praticam perversidades,
 
 
não se hão de ligar a mim.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>O coração perverso ficará longe de mim;
 
 
não quero saber do homem mau.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Aquele que em segredo difama o seu próximo,
 
 
reduzi-lo-ei ao silêncio.
 
 
O que tem olhar altivo e coração ambicioso,
 
 
esse eu não suportarei<ref name="ftn603">A versão dos LXX traduz este texto como: ''Eu não comerei com ele.''</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span> </nowiki>Os meus olhos estão com a gente fiel da terra,
 
 
para poder habitar comigo.
 
 
Aquele que segue pelo caminho da honestidade,
 
 
esse estará ao meu serviço.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Dentro da minha casa não habitará
 
 
aquele que comete o engano.
 
 
Aquele que profere mentiras
 
 
não se aguentará diante dos meus olhos.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Cada manhã<ref name="ftn604">O tempo matinal era propício para receber os favores divinos (cf. Sl 17,15ss); era também o tempo para aplicar a justiça (Sl 46,6; 73,14; 2Sm 15,2; Jb 7,18; Is 33,2: Jr 21,12; Sf 3,5).</ref>, reduzirei ao silêncio
 
 
todos os malfeitores da terra,
 
 
para eliminar da cidade do Senhor
 
 
todos os que praticam a iniquidade.
 
 
 
102(101)'''Oração de um aflito '''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Oração de um aflito que, a desfalecer, expôs diante do Senhor o seu lamento.''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Senhor, escuta a minha oração<ref name="ftn605">Este salmo é uma súplica individual em espírito de penitência. No entanto, os vv. 13-23 representam uma súplica coletiva preocupada com o destino de Sião. Isto significa que todo o conjunto do salmo pode representar tanto experiências e preocupações de um indivíduo como as de toda a comunidade. Desta amplitude de sentidos decorre a apetência do salmo para uso litúrgico. A parte relativa à súplica por Sião parece ainda sugerir tonalidades de pós-exílio, sensivelmente análogas àquelas que podemos encontrar em Is 40-66. É, como muitos outros, um salmo de múltiplos sentidos e épocas.</ref>,
 
 
e chegue junto de ti o meu clamor!
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Não escondas de mim o teu rosto,
 
 
no dia em que eu estiver em aflição.
 
 
Inclina para mim o teu ouvido;
 
 
no dia em que eu gritar, responde-me depressa!
 
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Pois os meus dias se desvanecem como fumo,
 
 
e os meus ossos ardem como um braseiro.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Como erva cortada, o meu coração está ressequido;
 
 
até me esqueço de comer o meu pão.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>De tanto gritar e gemer,
 
 
os meus ossos colaram-se-me à carne<ref name="ftn606">A doença grave que atinge os ossos é uma metáfora bem expressiva do extremo sofrimento a que se está sujeito (Jb 30,30; Lm 1,13).</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Estou parecido com um mocho do deserto,
 
 
sou como uma coruja das ruínas.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Não consigo dormir e assim fico<ref name="ftn607">Por comparação com o Sl 77, a tradução latina aprovada por Pio XII e como ela outras recentes traduzem: ''Não consigo dormir e suspiro''.</ref>
 
 
como um pássaro solitário no telhado.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Os meus inimigos insultam-me todo o dia,
 
 
os que me louvavam amaldiçoam-me<ref name="ftn608">Lit.: ''servem-se de mim como maldição.'' O sentido pode ser: ''usam o meu nome como maldição'' (cf. Is 65,15; Jr 29,22).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Em vez de pão, tenho comido cinza<ref name="ftn609">Cinza e lágrimas são referências simbólicas de luto e dor (Is 61,3; Lm 3,16).</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
e misturo a minha bebida com lágrimas.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Foi por causa da tua indignação e do teu furor,
 
 
pois levaste-me ao alto e a seguir deitaste-me fora.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Meus dias são como sombra que se prolonga,
 
 
e eu vou secando tal como a erva.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Tu, porém, Senhor, permaneces para sempre,
 
 
e a tua memória por todas as gerações.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Levanta-te e tem compaixão de Sião;
 
 
é tempo de lhe perdoares, chegou a hora.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Os teus servos querem muito às suas pedras
 
 
e têm pena das suas ruínas.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Os povos hão de temer o nome do Senhor,
 
 
e os reis da terra a tua glória.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Quando o Senhor tiver reconstruído Sião
 
 
e se manifestar na sua glória<ref name="ftn610">Cf. Is 41,14-20; 44,24-28; 59,17-21.</ref>,
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>há de voltar-se para a oração do indigente
 
 
e não desprezará as suas súplicas.
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Que isto fique escrito para a geração futura,
 
 
e os que ainda hão de nascer louvarão o Senhor<ref name="ftn611">O hebraico usa aqui a forma abreviada ''Yah''.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Pois o Senhor observa do alto do seu santuário,
 
 
lá do céu fixa os olhos na terra,
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>para escutar os gemidos dos prisioneiros
 
 
e abrir as portas aos que estão condenados a morrer;
 
 
<span style="color:red"><sup>22</sup></span>para anunciar em Sião o nome do Senhor
 
 
e o seu louvor em Jerusalém,
 
 
<span style="color:red"><sup>23</sup></span>quando se reunirem os povos e os reinos,
 
 
para juntos servirem o Senhor.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>24</sup></span>Ele esgotou-me as forças no caminho
 
 
e abreviou os meus dias.
 
 
<span style="color:red"><sup>25</sup></span>E eu disse: «Não me leves, meu Deus, a meio dos meus dias!».
 
 
Os teus anos duram por todas as gerações<ref name="ftn612">A eternidade de Deus é uma referência que na consciência do homem bíblico serve de comparação e contraste com a brevidade da vida humana (Sl 90,4s). Este olhar comparativo parece também implicar algum desejo de beneficiar ou participar nessa eternidade (cf. Sl 16,11; 21,5; 36,10; 116,8s).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>26</sup></span>Ao princípio, assentaste os fundamentos da terra
 
 
e os céus são obra das tuas mãos.
 
 
<span style="color:red"><sup>27</sup></span>Eles perecerão, mas Tu permanecerás;
 
 
como um tecido, todos se desgastam.
 
 
Como se muda de vestido Tu os mudarás e desaparecerão.
 
 
<span style="color:red"><sup>28</sup></span>Tu, porém, és o mesmo;
 
 
os teus anos não acabarão.
 
 
<span style="color:red"><sup>29</sup></span>Os filhos dos teus servos terão onde viver,
 
 
e os seus descendentes estarão firmes diante de ti.
 
 
 
103(102)'''Hino à misericórdia de Deus'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''De David.''
 
 
 
Bendiz, ó minha alma, o Senhor<ref name="ftn613">Este salmo apresenta as caraterísticas de um hino em honra de Deus, marcado por um estilo muito pessoal e íntimo que se exprime numa espécie de meditação em diálogo com a própria alma. O texto que agora conhecemos pode ter tido a sua origem num hino de ação de graças individual. Os motivos do louvor dirigido a Deus consistem no seu amor eterno, compassivo e misericordioso. Poderia dizer-se que temos aqui um verdadeiro ''Te Deum'' do AT. Neste sentido, o final do salmo estende o convite para um hino universal que deverá ser entoado pelos anjos, pelos astros do céu e por todas as obras de Deus.</ref>,
 
 
e todo o meu íntimo bendiga o seu santo nome.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Bendiz, ó minha alma, o Senhor,
 
 
e não esqueças nenhum dos seus benefícios.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>É Ele quem perdoa as tuas culpas,
 
 
quem cura todas as tuas enfermidades.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>É Ele quem resgata do túmulo a tua vida
 
 
e te coroa de misericórdia e ternura.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>É Ele quem sacia de bens a tua existência<ref name="ftn614">A tradução dos LXX entendeu ''a tua existência'' como os'' teus desejos.'' A palavra hebraica, no entanto, parece ter algo a ver com o advérbio '''od'', o qual se refere à duração, neste caso, da vida, como acontece no Sl 104,33.</ref>
 
 
e renova como a águia a tua juventude.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>O Senhor garante justiça
 
 
e direito para todos os oprimidos.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Deu a conhecer os seus caminhos a Moisés
 
 
e os seus prodígios aos filhos de Israel<ref name="ftn615">Cf. Ex 33,13.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>O Senhor é bondoso e compassivo,
 
 
paciente e cheio de misericórdia<ref name="ftn616">Estes são os atributos de Javé declarados a Moisés (Ex 34,6s), que os salmos desenvolvem sublinhando a misericórdia e a bondade (cf. Sl 17,18 com Ex 20,6).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Não está continuamente a repreender,
 
 
nem a sua ira dura para sempre.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Não nos tratou conforme os nossos pecados,
 
 
nem nos pagou de acordo com as nossas culpas.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Pois tal como o céu está bem alto acima da terra,
 
 
assim é forte a sua misericórdia para os que o temem.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Como o Oriente está afastado do Ocidente,
 
 
assim Ele afasta de nós os nossos pecados.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Como um pai se compadece dos filhos,
 
 
assim o Senhor se compadece dos que o temem.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Pois Ele conhece a nossa inclinação,
 
 
lembrando-se de que somos pó<ref name="ftn617">Esta palavra ''pó'' sugere variados matizes: o pó de que Deus formou o homem (Gn 2,7), as intenções próprias dos humanos (Is 26,3; 1Cr 29,18), os homens maus (Gn 6,5; 8,21; Dt 31,21) e ainda as más inclinações, sugeridas pelo termo ''yṣr'' no primeiro hemistíquio (Sir 15,14; cf. 21,11).</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Para um ser humano, os seus dias são como a erva<ref name="ftn618">A ideia da brevidade e fragilidade da existência humana (Sl 90,5s; Jb 14,2; Is 40,6-8; 51,12) é sublinhada em contraste com a consistência das obras divinas, expressa nos vv. 17-19.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
como a flor do campo, também ele floresce.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Quando o vento lhe passa por cima, desaparece,
 
 
e já nem se reconhece o seu lugar.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Mas a misericórdia do Senhor é de sempre e para sempre
 
 
para aqueles que o temem;
 
 
e a sua justiça é também para os filhos dos seus filhos.
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Ela é para os que guardam a sua aliança
 
 
e se lembram de cumprir os seus preceitos.
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>O Senhor estabeleceu nos céus o seu trono,
 
 
e a sua realeza domina tudo o que existe.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Bendizei o Senhor, vós, os seus anjos<ref name="ftn619">Nas culturas religiosas de Canaã, os deuses tinham ao seu serviço para efeitos de comunicação e mediação figuras quase-divinas a quem encarregavam de missões específicas. Estas conceções continuam a aparecer na linguagem bíblica e acabam por coincidir em muitos sentidos com aquilo que posteriormente se integra no conceito bíblico e teológico de anjos. Alguns matizes posteriores da ideia de anjos, no entanto, não se encontram ainda explícitos nos textos bíblicos mais antigos (cf. Sl 148,2; Lc 2,13; 2Pd 2,11; Ap 5,11).</ref>,
 
 
poderosos mensageiros que executais as suas ordens,
 
 
sempre atentos à sua palavra.
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>Bendizei o Senhor, todos os seus exércitos,
 
 
servidores e executores da sua vontade.
 
 
<span style="color:red"><sup>22</sup></span>Bendizei o Senhor, todas as suas obras,
 
 
em todos os lugares do seu domínio.
 
 
Bendiz, ó minha alma, o Senhor!
 
 
 
104(103)'''Hino ao criador do universo'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>Bendiz, ó minha alma, o Senhor<ref name="ftn620">Este salmo consiste num hino em forma de meditação sapiencial. Ele descreve de maneira pormenorizada como a vida quotidiana do universo é percebida, em resultado da ação e do cuidado com que Deus o governa. Esta leitura compreensiva do significado da vida quotidiana é pedra fundamental da espiritualidade espelhada nas culturas religiosas do antigo Oriente. Estes sentimentos podem encontrar-se de modo muito semelhante em outras literaturas religiosas daquele tempo. Um hino muito semelhante é aquele que o faraó Amenófis IV do Egito, também conhecido como Akenaton, dedicou ao seu deus solar Aton. Ambos os hinos exprimem um fundo de espiritualidade comum das religiões do antigo Oriente.</ref>!
 
 
Senhor, meu Deus, como Tu és grande!
 
 
Estás revestido de esplendor e majestade.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>És aquele que está envolto de luz como de um manto,
 
 
que estende os céus como um toldo;
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>aquele que armazena de água as suas altas moradas<ref name="ftn621">Os povos do antigo Oriente pensavam que sobre as nuvens do céu havia um grande oceano que, em princípio, seria de água doce, pois era dele que caía a chuva (Gn 1,7; Sl 148,4). São os armazéns de Deus, acima dos quais se encontra a sua morada superior.</ref><nowiki>; </nowiki>
 
 
aquele que faz das nuvens o seu carro
 
 
e caminha sobre as asas do vento;
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>aquele que faz dos ventos os seus mensageiros
 
 
e dos relâmpagos, seus servidores;
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>aquele que fundou a terra sobre as suas bases,
 
 
para não vacilar jamais.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Tu a cobriste com o manto do oceano,
 
 
e as águas mantinham-se por cima das montanhas.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Com a tua ameaça, elas fugiram;
 
 
ao fragor do teu trovão, precipitaram-se.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Subiam para as montanhas e desciam às profundezas,
 
 
conforme o lugar que lhes preparaste.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Estabeleceste um limite para as águas não ultrapassarem
 
 
e não voltarem a cobrir a terra.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>És Tu que envias a água das nascentes para os rios,
 
 
que correm por entre as montanhas.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Eles dão de beber a todos os animais do campo;
 
 
ali matam a sede os burros selvagens.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Por cima dos rios moram as aves do céu
 
 
e de entre as ramagens entoam o seu canto.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>És aquele que rega as montanhas desde as tuas altas moradas.
 
 
A terra fica saciada com o fruto das tuas obras.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>És o que faz brotar a erva para o gado
 
 
e as verduras para benefício dos homens,
 
 
para assim fazerem brotar da terra o seu pão
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>e o vinho que alegra o coração dos humanos.
 
 
Assim obtém azeite para fazer brilhar o seu rosto
 
 
e pão que lhe reconforta o ânimo.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Ficam satisfeitas as árvores do Senhor,
 
 
os cedros do Líbano que Ele plantou.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Ali fazem os pássaros o seu ninho;
 
 
dos cedros faz a cegonha a sua casa<ref name="ftn622">Ou: ''no seu cimo tem a cegonha a sua casa.''</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Os altos montes são para as cabras,
 
 
os penhascos são o refúgio dos roedores.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>A Lua procede conforme os tempos,
 
 
e o Sol conhece o seu ocaso.
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Tu estendes a escuridão e faz-se noite<ref name="ftn623">Este salmo apresenta o dia como o espaço natural da vida dos seres humanos. Os vv. 20-22 sugerem que o tempo da noite é o contexto natural de vida para os animais selvagens e outros seres semelhantes a eles.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
nela vagueiam todos os animais da selva.
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>Os leões rugem em busca da presa,
 
 
pedindo a Deus o seu alimento.
 
 
<span style="color:red"><sup>22</sup></span>Nasce o Sol, logo se retiram,
 
 
para se recolherem nos seus refúgios.
 
 
<span style="color:red"><sup>23</sup></span>Sai o homem para a sua tarefa,
 
 
para o seu trabalho até ao anoitecer.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>24</sup></span>Como são numerosas as tuas obras, Senhor!
 
 
Tudo fizeste com sabedoria;
 
 
a terra está cheia das tuas criaturas.
 
 
<span style="color:red"><sup>25</sup></span>Eis ali o mar, grande e de vastas extensões,
 
 
onde se agitam, sem número,
 
 
animais pequenos e grandes.
 
 
<span style="color:red"><sup>26</sup></span>Por ali andam os navios e o Leviatan,
 
 
monstro que formaste para com ele brincar<ref name="ftn624">Leviatan, que aparece na literatura de Ugarit como Lotan, é um monstro mitológico do mar, com sete cabeças. Representa o caos primitivo ou as forças de caos que continuam a resistir ao esforço de criação. Na literatura de Canaã e na Bíblia, assume várias formas: serpente tortuosa e fugidia (Jb 25,12-13), dragão do mar (Is 27,1), crocodilo (Jb 40,25-41,26), e pode evocar o Egito como inimigo de Israel (Ex 32,2-8). Em Ap 12,3, aparece como dragão, simbolizando todos os inimigos dos cristãos (cf. Sl 74,14; Jb 3,8; 40,25-26; Is 27,1).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>27</sup></span>Todos esperam por ti,
 
 
para lhes dares o alimento a seu tempo.
 
 
<span style="color:red"><sup>28</sup></span>Tu lhes dás e eles recolhem;
 
 
abres a tua mão e ficam saciados de bens.
 
 
<span style="color:red"><sup>29</sup></span>Se deles escondes o teu rosto<ref name="ftn625">Do rosto de Deus sai a luz que mantém vivos os seres que beneficiam de um espírito de vida. </ref>, ficam perturbados;
 
 
se lhes retiras o alento, expiram
 
 
e voltam ao pó de onde saíram.
 
 
<span style="color:red"><sup>30</sup></span>Se lhes envias o teu espírito<ref name="ftn626">O espírito de Deus era um elemento essencial na composição do ser vivo, para além do corpo e da alma. O que carateriza este elemento, o espírito, é que ele se encontra sempre em ligação e dependência de Deus. Ele coloca-o num ser para lhe dar vida, mas também o pode retirar e então é a morte.</ref>, são de novo criados.
 
 
E assim renovas a face da terra.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>31</sup></span>Que a glória do Senhor seja para sempre!
 
 
Que o Senhor se alegre nas suas obras!
 
 
<span style="color:red"><sup>32</sup></span>Ele observa a terra e ela estremece<ref name="ftn627">O salmo integra nesta epifania da vida os grandes fenómenos cósmicos que são os tremores de terra e os vulcões.</ref>,
 
 
toca nos montes e eles fumegam.
 
 
<span style="color:red"><sup>33</sup></span>Quero cantar ao Senhor, enquanto eu viver;
 
 
tocarei para o meu Deus, enquanto existir.
 
 
<span style="color:red"><sup>34</sup></span>Que o meu poema lhe seja agradável,
 
 
pois no Senhor está a minha alegria.
 
 
<span style="color:red"><sup>35</sup></span>Desapareçam da terra os pecadores<ref name="ftn628">O salmo apresenta a visão do mundo e a vida dos humanos com um horizonte de otimismo e felicidade. É quase como uma espécie de esconjuro que surge o desejo final. Num mundo assim equilibrado e feliz não deveriam aparecer aqueles que destoam deste espírito e chocam com o seu bem-estar.</ref>!
 
 
E não existam mais os malfeitores!
 
 
Bendiz, ó minha alma, o Senhor!
 
 
Aleluia<ref name="ftn629">A expressão ''Aleluia'', que significa ''louvai a Javé'', aparece a concluir vários salmos: 105; 106; 113; 115; 116; 117; 135; 146-150. Aparece também no início dos salmos 146-150 e torna-se uma espécie de refrão litúrgico. No NT aparece apenas em Ap 19,1.3.4.6. Acabou por se tornar uma das mais frequentes fórmulas de aclamação na linguagem litúrgica, tanto do judaísmo como do cristianismo.</ref>!
 
 
 
105(104)'''Deus e a história de Israel'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>Louvai o Senhor, aclamai o seu nome<ref name="ftn630">Este é um salmo didático que se apresenta como uma meditação teológica e sapiencial sobre a experiência histórica dos israelitas. O seu espírito é o de um hino, tal como acontece com o Sl 78. Parte deste salmo, nomeadamente os vv. 1-15 aparecem em 1Cr 16,8-22 e este facto sugere que o salmo era utilizado na liturgia em ligação com a transferência da arca da aliança para o monte Sião. O salmo está quase inteiramente focado nos acontecimentos que marcam a memória dos hebreus e são provenientes da sua história. Os temas principais são: os patriarcas (8-15), José (16-23), Moisés (24-27), as pragas do Egito (28-36) e a chegada a Canaã (44-45). O que se pretende é inculcar a convicção de que é na fidelidade de Deus que assenta a grandeza de toda esta história e só pela fidelidade o povo se pode mostrar digno destes e de outros favores divinos. As referências aos episódios da história relembrada encontram-se nos lugares paralelos indicados para este mesmo salmo.</ref>,
 
 
dai a conhecer entre os povos os seus prodígios.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Cantai, entoai hinos em sua honra,
 
 
proclamai todas as suas maravilhas.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Gloriai-vos no seu santo nome;
 
 
alegre-se o coração dos que procuram o Senhor.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Recorrei ao Senhor e ao seu poder,
 
 
buscai continuamente a sua face.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Recordai as maravilhas que Ele fez,
 
 
os seus prodígios e as sentenças da sua boca<ref name="ftn631">Referência antecipada à narrativa sobre as pragas do Egito e outros inimigos de Israel nos vv. 28-36.</ref>,
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>vós que sois descendentes de Abraão, seu servo,
 
 
e filhos de Jacob, seu escolhido.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Ele é o Senhor, nosso Deus,
 
 
por toda a terra vigoram as suas sentenças.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Ele lembra-se eternamente da sua aliança<ref name="ftn632">Os vv. 8-10 resumem o tema da aliança com os patriarcas Abraão (Gn 12,7; 15,18), Isaac (Gn 26,3) e Jacob (Gn 28,13). Esta aliança com os patriarcas apresenta-se como o fundamento da aliança entre Deus e o povo de Israel.</ref>,
 
 
da palavra que estabeleceu por mil gerações,
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>do pacto que fez com Abraão
 
 
e do juramento que fez a Isaac.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Ele confirmou-a como lei para Jacob,
 
 
como aliança eterna para Israel.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Pois disse: «A ti darei a terra de Canaã,
 
 
como parte que vos cabe em herança».
 
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Eles eram, então, um pequeno número<ref name="ftn633">Sobre o tempo em que os patriarcas eram um pequeno número e considerados como estrangeiros, cf. Gn 34,30; 23,4; Heb 11,9.13.</ref>,
 
 
poucos e estrangeiros naquela terra;
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>iam vagueando de povo em povo<ref name="ftn634">Nos vv. 13-15 há um resumo da vida seminómada dos patriarcas (Gn 12,26) e do castigo aplicado ao faraó (Gn 12,17), bem como a Abimélec (Gn 20,3; 26,11). A importância atribuída aos patriarcas faz com que sejam considerados ungidos ou consagrados a Deus e profetas, que são títulos de grande significado na religião bíblica.</ref>
 
 
e de um reino para outra nação.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Ele não permitiu que ninguém os oprimisse
 
 
e castigou reis por causa deles:
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>«Não toqueis nos meus ungidos,
 
 
não maltrateis os meus profetas».
 
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Depois, chamou a fome sobre aquela terra,
 
 
destruindo todas as searas de pão.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Enviou à frente deles um homem
 
 
que fora vendido como escravo, José.
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Prenderam-lhe os pés com grilhões
 
 
e o pescoço, numa argola de ferro,
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>até ao tempo em que se realizou a sua palavra
 
 
e a declaração do Senhor lhe deu razão.
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Enviou então um rei, para que o soltassem<ref name="ftn635">Ou: ''Um rei mandou que o soltassem. ''A leitura mais tradicional deste v. é a que se apresenta em nota. Esta interpretação faz do rei ou faraó o sujeito do verbo mandar/enviar. Parece, no entanto, que o sentido que se recolhe do original hebraico é o de que o verbo ''chalaḥ'', que inicia a frase nos vv. 17,20,26,28 e tem sempre Deus como sujeito, o qual, nos momentos cruciais da história, envia agentes seus com uma missão específica, nomeadamente José, o rei-faraó, Moisés e finalmente as trevas. Exprimindo-se desta maneira o salmista está a declarar que todo o desenrolar desta história depende da intervenção de Deus. Com isto, toda a história se transforma em teologia.</ref>,
 
 
e um soberano de povos, para lhe abrir a porta.
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>Este nomeou-o senhor da sua casa
 
 
e governador de todos os seus bens,
 
 
<span style="color:red"><sup>22</sup></span>para instruir por si mesmo os seus príncipes
 
 
e tornar sábios os seus anciãos<ref name="ftn636">Os exegetas estão de acordo em que as narrativas sobre a personagem de José no Génesis têm a intenção de apresentá-lo como uma figura de sábio. Este salmo traduz a mesma perspetiva. Este pormenor é importante porque os próprios hebreus conheciam a fama de que o Egito era um povo de sábios.</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>23</sup></span>Foi então que Israel entrou para o Egito,
 
 
Jacob foi como imigrante para o país de Cam.
 
 
<span style="color:red"><sup>24</sup></span>Deus fez frutificar grandemente o seu povo
 
 
e tornou-o mais forte do que os seus adversários.
 
 
<span style="color:red"><sup>25</sup></span>Mudou o coração dos outros e passaram a odiar o povo de Deus,
 
 
tratando com artimanhas os seus servos.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>26</sup></span>Enviou então o seu servo Moisés
 
 
e Aarão, que foi o seu escolhido.
 
 
<span style="color:red"><sup>27</sup></span>Estes realizaram maravilhas entre os egípcios
 
 
e prodígios no país de Cam<ref name="ftn637">Segundo a nova geografia do mundo, repovoado depois do dilúvio, o Egito, que na Bíblia se chama ''Misraim'', é também o nome de um dos filhos de Cam, segundo filho de Noé (Gn 10,6), tal como o próprio Canaã.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>28</sup></span>Enviou as trevas e tudo escureceu<ref name="ftn638">O resumo das pragas do Egito segue a narrativa de Ex 7-11, mas numa ordem diferente. Começa pela nona e omite a quinta e a sexta (cf. também Sl 78,43-51).</ref>,
 
 
mas eles não fizeram caso das suas palavras.
 
 
<span style="color:red"><sup>29</sup></span>Converteu as suas águas em sangue
 
 
e fez morrer todos os seus peixes.
 
 
<span style="color:red"><sup>30</sup></span>Encheu de rãs todo o seu país,
 
 
até nos aposentos do seu rei.
 
 
<span style="color:red"><sup>31</sup></span>Deus ordenou e chegaram nuvens de insetos
 
 
e mosquitos, por todo o seu território.
 
 
<span style="color:red"><sup>32</sup></span>Em vez das chuvas deu-lhes granizo
 
 
e línguas de fogo por todo o país.
 
 
<span style="color:red"><sup>33</sup></span>Destruiu as suas vinhas e figueiras<ref name="ftn639">O sublinhar de vinhas e figueiras como sendo os piores estragos causados pelo granizo parece representar uma sensibilidade palestinense sobre os prejuízos que a referida praga costuma provocar.</ref>
 
 
e destroçou as árvores do seu território.
 
 
<span style="color:red"><sup>34</sup></span>Deu ordens e chegaram os gafanhotos
 
 
e larvas, em número incalculável;
 
 
<span style="color:red"><sup>35</sup></span>devoraram toda a verdura dos campos
 
 
e comeram os frutos das suas terras.
 
 
<span style="color:red"><sup>36</sup></span>Feriu de morte todos os primogénitos do país,
 
 
as primícias de todo o seu vigor.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>37</sup></span>Fê-los<ref name="ftn640">Refere-se aos israelitas que estão sempre implícitos no sentido do salmo (cf. Ex 12,35-36). </ref> sair levando prata e ouro,
 
 
e ninguém fraquejou entre as suas tribos<ref name="ftn641">Cf. Dt 8,4; 29,15.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>38</sup></span>Alegrou-se o Egito com a saída deles,
 
 
pois recaíra sobre eles o medo dos israelitas.
 
 
<span style="color:red"><sup>39</sup></span>Estendeu uma nuvem de proteção
 
 
e um fogo para os iluminar à noite.
 
 
<span style="color:red"><sup>40</sup></span>Pediram-lhe e chegaram as codornizes,
 
 
e saciou-os com pão do céu.
 
 
<span style="color:red"><sup>41</sup></span>Abriu o rochedo e brotou água,
 
 
que corria pelo deserto como um rio.
 
 
<span style="color:red"><sup>42</sup></span>Pois Ele lembrou-se da sua palavra sagrada
 
 
para com Abraão, seu servo,
 
 
<span style="color:red"><sup>43</sup></span>e fez sair o seu povo com alegria
 
 
e os seus escolhidos com gritos de júbilo.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>44</sup></span>Entregou-lhes as terras de outros povos
 
 
e eles recolheram as riquezas das nações,
 
 
<span style="color:red"><sup>45</sup></span>com o propósito de guardarem os seus preceitos
 
 
e observarem as suas leis<ref name="ftn642">A conclusão (vv. 44-45) deste hino sobre a experiência histórica é que as obrigações implicadas na aliança (v. 8) foram cumuladas de benefícios pelas riquezas recebidas.</ref>.
 
 
Aleluia!
 
 
 
106(105)'''Infidelidades de Israel '''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>Aleluia!
 
 
Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom<ref name="ftn643">Este é um salmo coletivo de súplica, onde se faz uma revisão dos pecados cometidos pelo povo ao longo da sua história. Daí que se apresente como uma continuação natural da exposição histórica feita no Sl 105 e à semelhança do que acontece também no Sl 78. Sublinha especialmente as vicissitudes dos quarenta anos no deserto (vv. 13-33). A confissão das próprias culpas, passadas e presentes, oferece ao salmista a oportunidade para exaltar a infinita misericórdia de Deus. O v. 6 dá ao salmo o teor de uma confissão pública (cf. Ne 9). Os últimos vv. situam-se provavelmente depois do exílio, concluindo-se com uma doxologia que encerra a quarta parte do saltério. </ref>,
 
 
porque é eterna a sua misericórdia.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Quem poderá contar os feitos do Senhor
 
 
e apregoar todos os seus louvores?
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Feliz daquele que observa o direito
 
 
e cumpre a justiça em todo o tempo.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Lembra-te de mim<ref name="ftn644">A tradução grega, alguns mss. antigos e a Vg, seguida pela NVg, leem os pronomes dos vv. 4-5 no plural, referindo-se explicitamente ao povo todo como «nós».</ref>, Senhor, pelo bem do teu povo,
 
 
vem visitar-me com a tua salvação,
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>para que eu veja a felicidade dos teus escolhidos,
 
 
para me alegrar com a alegria do teu povo
 
 
e me sentir feliz com a tua herança.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Nós pecámos, tal como os nossos pais,
 
 
cometemos crimes e maldades.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Os nossos pais, no Egito,
 
 
não compreenderam as tuas maravilhas;
 
 
não se lembraram da grandeza da tua misericórdia
 
 
e revoltaram-se junto ao mar, no Mar Vermelho.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Mas Ele salvou-os, para honra do seu nome
 
 
e para manifestar o seu poder.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Ameaçou o Mar Vermelho e ele secou
 
 
e fê-los caminhar nas profundezas como num deserto.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Salvou-os das mãos dos que os odiavam
 
 
e resgatou-os da mão do inimigo.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>As águas cobriram os seus adversários;
 
 
de modo que nem um só deles sobreviveu.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Então acreditaram nas suas palavras
 
 
e cantaram o seu louvor.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Mas eles depressa esqueceram as suas obras
 
 
e não confiaram no seu projeto.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>No deserto, deixaram-se vencer pelos seus apetites
 
 
e puseram Deus à prova, no descampado.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Deus concedeu-lhes o que pediam
 
 
e expulsou das suas almas o definhamento<ref name="ftn645">Ou: ''e enviou alimento para a sua fome. ''Referência ao episódio das codornizes (Nm 11,33).</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Porém, tiveram inveja de Moisés no acampamento;
 
 
e de Aarão, o consagrado do Senhor.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Abriu-se, então, a terra e engoliu Datan
 
 
e fechou-se sobre a seita de Abiram;
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>o fogo consumiu os seus partidários,
 
 
e as chamas devoraram os malvados.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Construíram um bezerro no monte Horeb
 
 
e prostraram-se diante de uma estátua.
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Trocaram o seu Deus glorioso
 
 
pela imagem de um touro que remói erva.
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>Esqueceram a Deus, que os salvara,
 
 
realizando prodígios no Egito,
 
 
<span style="color:red"><sup>22</sup></span>maravilhas no país de Cam,
 
 
coisas tremendas junto ao Mar Vermelho.
 
 
<span style="color:red"><sup>23</sup></span>Deus declarou que os ia aniquilar,
 
 
se não fosse Moisés, o seu escolhido:
 
 
este colocou-se como barreira diante de Deus,
 
 
para impedir que a sua ira os destruísse.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>24</sup></span>Mostraram desprezo pela terra deliciosa<ref name="ftn646">Este desprezo refere-se à desconfiança com que foram recebidas as informações prestadas pelos exploradores da terra de Canaã (Nm 13,25-14,38; Dt 1,22-46).</ref>,
 
 
não acreditaram na sua palavra.
 
 
<span style="color:red"><sup>25</sup></span>Murmuraram nas suas tendas
 
 
e não escutaram a voz do Senhor.
 
 
<span style="color:red"><sup>26</sup></span>Por isso, ergueu a sua mão contra eles,
 
 
jurando que os faria cair no deserto,
 
 
<span style="color:red"><sup>27</sup></span>que faria cair os seus filhos entre os povos,
 
 
dispersando-os por entre as nações.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>28</sup></span>Depois, ligaram-se ao deus Baal de Peor<ref name="ftn647">Os vv. 28-31 referem-se aos factos narrados em Nm 25. Pela sua ação Fineias foi constituído sacerdote e, segundo a tradição bíblica, foi o antepassado de Sadoc e da geração de sumos sacerdotes.</ref>
 
 
e comeram de sacrifícios em honra dos mortos.
 
 
<span style="color:red"><sup>29</sup></span>Provocaram-no com as suas iniquidades,
 
 
e a peste irrompeu no meio deles.
 
 
<span style="color:red"><sup>30</sup></span>Fineias ergueu-se, para garantir o direito,
 
 
e então a peste acabou.
 
 
<span style="color:red"><sup>31</sup></span>A sua ação foi-lhe reconhecida como justa,
 
 
por todas as gerações e para sempre.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>32</sup></span>Eles irritaram a Deus, junto das águas de Meribá,
 
 
e Moisés teve de sofrer por causa deles<ref name="ftn648">Por ter proferido palavras de impaciência e falta de confiança em Deus, Moisés ficou impedido de entrar na terra prometida (Nm 20,12).</ref>,
 
 
<span style="color:red"><sup>33</sup></span>porque lhe amarguraram o espírito
 
 
e ele proferiu desatinos com seus lábios.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>34</sup></span>Não exterminaram os povos<ref name="ftn649">Os vv. 34-35 são referência aos episódios narrados em Ex 23,32-33; Dt 7,2-6; Jz 1,21-33; 2,1-3.</ref>
 
 
que o Senhor lhes tinha indicado.
 
 
<span style="color:red"><sup>35</sup></span>Pelo contrário, misturaram-se com esses povos
 
 
e aprenderam os seus costumes.
 
 
<span style="color:red"><sup>36</sup></span>Prestaram culto aos seus ídolos,
 
 
que foram para eles uma armadilha.
 
 
<span style="color:red"><sup>37</sup></span>Ofereceram em sacrifício os seus filhos<ref name="ftn650">Esta prática (Ex 16,20-21) era vista como sendo o máximo das abominações cometidas pelos cananeus (Dt 12,29-31; 18,9-14; cf. 2Rs 16,3; 21,6; Jr 7,31).</ref>
 
 
e as suas filhas aos demónios.
 
 
<span style="color:red"><sup>38</sup></span>Derramaram o sangue inocente,
 
 
o sangue dos seus filhos e filhas,
 
 
que sacrificaram aos ídolos de Canaã;
 
 
e a terra ficou manchada com o sangue.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>39</sup></span>Deixaram-se contaminar com as suas obras<ref name="ftn651">Os vv. 39-43 resumem uma sequência de infidelidades de Israel seguidas de castigos da parte de Deus, muito semelhante ao que aparece no livro dos Juízes (Jz 2,11-19; 3,5-15, etc.).</ref>
 
 
e prostituíram-se<ref name="ftn652">Esta prostituição é uma metáfora caraterística dos profetas para designar a infidelidade do povo de Israel quando se volta para divindades cananaicas (Sl 73,27; Os 1,2ss).</ref> com os seus crimes.
 
 
<span style="color:red"><sup>40</sup></span>Por isso, o Senhor se indignou com o seu povo
 
 
e sentiu desgosto pela sua herança.
 
 
<span style="color:red"><sup>41</sup></span>Então entregou-os nas mãos dos povos,
 
 
e foram dominados por aqueles que os odiavam.
 
 
<span style="color:red"><sup>42</sup></span>Os seus inimigos oprimiram-nos,
 
 
e foram submetidos ao seu poder.
 
 
<span style="color:red"><sup>43</sup></span>Muitas vezes Ele os libertou,
 
 
mas eles mostraram-se rebeldes nas suas ideias
 
 
e cada vez mais se afundavam na sua maldade.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>44</sup></span>Contudo, Ele olhou para eles na aflição,
 
 
ao ouvir os seus lamentos.
 
 
<span style="color:red"><sup>45</sup></span>Lembrou-se da sua aliança para com eles
 
 
e compadeceu-se deles, na sua imensa misericórdia.
 
 
<span style="color:red"><sup>46</sup></span>Fez com que eles fossem tratados com benevolência
 
 
por parte dos seus conquistadores<ref name="ftn653">Esta alusão a tratamentos benevolentes por parte de alguns conquistadores poderia ser aplicável a várias situações históricas, nomeadamente às mencionadas em 1Rs 8,50; 2Rs 25,27-29; Esd 1; 7; 9,9: Ne 2; Ne 9,5-31; Jr 42,10-12. Estas referências fazem com que esta parte do salmo possa estar ligada a épocas diferentes da história.</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>47</sup></span>Salva-nos, ó Senhor, nosso Deus,
 
 
e volta a reunir-nos de entre os povos<ref name="ftn654">Cf. Sir 36,13.</ref>,
 
 
para darmos graças ao teu santo nome
 
 
e celebrarmos os teus louvores.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>48</sup></span>Bendito seja o Senhor, Deus de Israel,
 
 
desde sempre e para sempre.
 
 
E diga todo o povo: «Amen!»
 
 
Aleluia<ref name="ftn655">A tradução grega entendeu que este ''aleluia ''constituía o início do salmo seguinte. </ref>!
 
 
 
107(106)'''Deus salva de todos os perigos'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom<ref name="ftn656">Este salmo de ação de graças aparece num contexto de solene ambiente litúrgico. Tal solenidade é percetível na dupla série de refrões (vv. 6,13,19,28; e 8,15,21,31). Celebra a providência de Deus para com os hebreus, quando se encontravam perdidos no deserto, cativos, enfermos e errantes. Segue-se um hino com traços messiânicos, que complementa a satisfação pelo passado com uma expetativa esperançosa para o futuro. Estas ressonâncias apontariam para uma ação de graças coletiva. É, no entanto, frequente vê-lo classificado como salmo individual de ação de graças. Na verdade, a separação entre o individual e o coletivo em matéria de ação de graças, como noutros temas, não é fácil de fazer nem parece ser de grande utilidade.</ref>,
 
 
porque é eterna a sua misericórdia.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Que o digam os resgatados pelo Senhor<ref name="ftn657">Esta referência ao regresso de exilados parece enquadrar-se bem com o final do salmo anterior.</ref>,
 
 
os que Ele resgatou da mão do inimigo,
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>aqueles que Ele reuniu de entre as nações,
 
 
do Oriente e do Ocidente, do Norte e do mar a sul<ref name="ftn658">Os grandes testemunhos da tradição textual (LXX, TM, Vg e mesmo NVg) insistem em manter a leitura: ''do Norte e do mar''. As traduções insistem em declarar que a lógica dos quatro pontos cardeais aqui suposta sugere uma complementaridade entre Norte e Sul. Não parece que seja necessário corrigir o texto hebraico, pressupondo ''yamîn ''(''direita'') em vez de ''yam ''(''mar''). A referência aos pontos cardeais parece beneficiar da precisão com que a sua lógica se impõe para se permitir alguma variedade no uso dos termos. É o que acontece em Is 43,5s; 49,12. Daí a tradução: ''e do mar a sul''.</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Andavam errantes pelo deserto e descampado<ref name="ftn659">O primeiro quadro simbólico parece descrever o exílio como um deserto inóspito.</ref>,
 
 
sem encontrar o caminho de uma cidade onde habitar<ref name="ftn660">Neste e no v. 7 a expressão hebraica '''ir môchab'' poderia também ser traduzida por ''cidade habitada''. De uma maneira ou de outra parece ser uma alusão a Jerusalém/Sião, cuja imagem fica tanto mais saliente quanto menos nomeada.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Andavam esfomeados e sedentos;
 
 
e o seu ânimo já lhes desfalecia.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Mas, na sua angústia, clamaram ao Senhor,
 
 
e Ele livrou-os das suas aflições.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Encaminhou-os por um caminho direito,
 
 
para chegarem a uma cidade onde habitar.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Que eles deem graças ao Senhor, pela sua misericórdia
 
 
e pelas suas maravilhas em favor dos humanos.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Pois Ele matou a sede aos sequiosos
 
 
e aos que tinham fome encheu de bens.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Eles jaziam na escuridão e nas trevas<ref name="ftn661">O segundo quadro simbólico representa as trevas, que significam perigo, infelicidade e miséria (Is 9,2).</ref>,
 
 
prisioneiros da aflição e dos ferros,
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>por se terem revoltado contra as ordens de Deus
 
 
e desprezado os desígnios do Altíssimo.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Abateu-lhes o coração com dificuldades;
 
 
tropeçavam e ninguém os socorria.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Mas, na sua angústia, clamaram ao Senhor,
 
 
e Ele salvou-os das suas aflições.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Fê-los sair das trevas e da escuridão
 
 
e despedaçou as suas cadeias.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Que eles deem graças ao Senhor, pela sua misericórdia
 
 
e pelas suas maravilhas em favor dos humanos.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Ele despedaçou as portas de bronze
 
 
e quebrou as barras de ferro!
 
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Enfraquecidos pelos seus caminhos de pecado<ref name="ftn662">O terceiro quadro simbólico mostra um estado de espírito deprimido que mais parece de agonia.</ref>
 
 
e aflitos por causa das suas culpas,
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>qualquer alimento lhes causava náuseas
 
 
e já chegavam às portas da morte.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Mas, na sua angústia, clamaram ao Senhor,
 
 
e Ele salvou-os das suas aflições.
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Deus enviou a sua palavra para os curar
 
 
e para os livrar das suas chagas<ref name="ftn663">Algumas traduções modernas interpretam: ''para os livrar do fosso'' (cova). Para tal precisam de fazer um correção desnecessária no hebraico. Desde sempre, as traduções entenderam que, segundo o paralelismo de curar, no primeiro hemistíquio se trataria de uma referência a doenças.</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>Que eles deem graças ao Senhor, pela sua misericórdia
 
 
e pelas suas maravilhas em favor dos humanos.
 
 
<span style="color:red"><sup>22</sup></span>Ofereçam sacrifícios de ação de graças
 
 
e anunciem as suas obras com júbilo.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>23</sup></span>Os que vão para o mar com os seus navios<ref name="ftn664">O quarto quadro simbólico é o dos náufragos. Não sendo os israelitas muito experimentados em atividades de mar, elas eram bem conhecidas e tinham grande ressonância na cultura da região (Jn 1).</ref>,
 
 
fazendo negócio pela imensidão das águas,
 
 
<span style="color:red"><sup>24</sup></span>esses viram as obras do Senhor
 
 
e as suas maravilhas no alto mar.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>25</sup></span>Ele falou e ergueu-se um vento de tempestade
 
 
que levantou as ondas do mar.
 
 
<span style="color:red"><sup>26</sup></span>Os marinheiros subiam até aos céus e desciam às profundezas,
 
 
com a alma desfeita pela desgraça;
 
 
<span style="color:red"><sup>27</sup></span>rodavam e cambaleavam como ébrios
 
 
e toda a sua perícia se tornava inútil.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>28</sup></span>Mas, na sua angústia, clamaram ao Senhor,
 
 
e Ele tirou-os das suas aflições.
 
 
<span style="color:red"><sup>29</sup></span>Transformou a tempestade em leve brisa,
 
 
e acalmaram-se as ondas do mar.
 
 
<span style="color:red"><sup>30</sup></span>Eles alegram-se quando as ondas ficam calmas,
 
 
e Ele guia-os para o seu porto desejado.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>31</sup></span>Que eles deem graças ao Senhor pela sua misericórdia
 
 
e pelas suas maravilhas em favor dos humanos.
 
 
<span style="color:red"><sup>32</sup></span>Que o exaltem na assembleia do povo<ref name="ftn665">A ''assembleia do povo'' era a ação litúrgica; o ''conselho dos anciãos'' era o espaço oficial da comunidade. Ambos os lugares são legítimos para a celebração do louvor a Deus pelos benefícios recordados.</ref>
 
 
e o louvem no conselho dos anciãos.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>33</sup></span>Ele transformou os rios em deserto
 
 
e as fontes de água em terra árida;
 
 
<span style="color:red"><sup>34</sup></span>transformou a terra fértil em chão salgado,
 
 
pela maldade dos que nela habitavam;
 
 
<span style="color:red"><sup>35</sup></span>mudou o deserto em lago de água
 
 
e a terra árida em nascentes de água,
 
 
<span style="color:red"><sup>36</sup></span>para fazer habitar ali os famintos,
 
 
e eles estabelecerem uma cidade para habitar.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>37</sup></span>Semearam campos e plantaram vinhas
 
 
e tiveram uma colheita abundante.
 
 
<span style="color:red"><sup>38</sup></span>Abençoou-os e cresceram em grande número
 
 
e não deixou que os seus rebanhos ficassem reduzidos.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>39</sup></span>Ficaram reduzidos e abatidos,
 
 
por causa da opressão, da maldade e da angústia.
 
 
<span style="color:red"><sup>40</sup></span>Porém, aquele que derrama desprezo sobre os poderosos
 
 
e os faz vaguear pelo vazio, sem caminhos,
 
 
<span style="color:red"><sup>41</sup></span>Ele mesmo levanta o pobre da angústia<ref name="ftn666">Ou: ''Ele mesmo protege o pobre no seu refúgio.''</ref>
 
 
e multiplica as famílias como um rebanho.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>42</sup></span>Os íntegros veem isto e alegram-se,
 
 
e toda a maldade fica de boca fechada.
 
 
<span style="color:red"><sup>43</sup></span>Aquele que for sábio guardará estas coisas
 
 
e todos compreenderão as misericórdias do Senhor.
 
 
 
108(107)'''Hino e súplica'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Cântico. Salmo. De David.''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>O meu coração está firme, ó Deus<ref name="ftn667">Este é um salmo coletivo de súplica. Nele se apresenta o destino do povo sempre ligado com o destino da cidade de Jerusalém, representada pelo santuário do monte Sião, santuário de Deus. É dali que se afirma o seu domínio sobre as terras em volta. Os vv. 2-7 coincidem com o texto do Sl 57,8-12; e os vv. 8-14 aparecem no Sl 60,7-14. No entanto, o nome de Deus utilizado neste salmo é ''Elohim'' e não Javé, como nos Sl 57 e 60. Este facto significa que esta versão deve ser de um tempo mais tardio, quando o mundo hebraico tendia cada vez mais a não usar tanto o nome de Javé. </ref>,
 
 
o meu coração está firme!
 
 
Quero cantar e salmodiar! Anima-te, minha alma<ref name="ftn668">Lit.: ''Anima-te, minha glória''. A tradição que vem desde os LXX propõe a ideia de despertar já no v. 2. O termo hebraico ''kebodî'' pode referir-se à glória de Deus, à glória que sente aquele que salmodia e ainda ser um equivalente da alma do salmista. As simples consoantes do hebraico poderiam ainda ler-se ''kebedî ''(''meu fígado''), significando a pessoa humana. As traduções dividem-se entre estas alternativas.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Despertai, harpa e lira,
 
 
que eu quero despertar a aurora!
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Hei de louvar-te entre os povos, Senhor,
 
 
hei de cantar-te salmos entre as nações;
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>pois a tua misericórdia é mais alta que os céus
 
 
e a tua fidelidade chega até às nuvens.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Ó Deus, ergue-te acima dos céus
 
 
e enche a terra inteira da tua glória!
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Para que os teus amigos sejam libertados,
 
 
mostra a tua direita salvadora e responde-me<ref name="ftn669">O texto correspondente do Sl 60,7 diz: ''responde-nos''. E algumas traduções optam por aplicá-lo também neste salmo.</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Deus falou no seu santuário:
 
 
«Com alegria repartirei Siquém<ref name="ftn670">Sobre o conteúdo dos vv. 8-14, cf. as notas aos vv. correspondentes do Sl 60.</ref>
 
 
e medirei o vale de Sucot!
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>É minha a terra de Guilead e de Manassés;
 
 
Efraim é o capacete da minha cabeça e Judá, meu cetro real.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Moab é a bacia em que me lavo;
 
 
sobre Edom ponho a minha sandália
 
 
e cantarei vitória sobre os filisteus».
 
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Quem me conduzirá à cidade fortificada?
 
 
Quem me guiará até Edom?
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Quem senão Tu, ó Deus, que nos rejeitaste
 
 
e já não sais, ó Deus, com os nossos exércitos!
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Concede-nos ajuda contra o inimigo,
 
 
porque é vã a salvação que vem do homem.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Com Deus, havemos de fazer proezas:
 
 
e Ele calcará aos pés os nossos inimigos.
 
 
 
109(108)'''Prece contra os inimigos'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. De David. Salmo.''
 
 
 
Ó Deus, não sejas surdo ao meu louvor<ref name="ftn671">É um salmo individual de súplica, por parte de um inocente que apela à justiça divina. Refere as palavras dos seus inimigos no intuito de que elas sirvam de sentença segundo a qual eles devem ser castigados juntamente com as suas famílias. A maldição traduz uma consciência forte de que os comportamentos humanos deviam ser assumidos com seriedade e responsabilidade. A este nível emocional, o castigo dos males sofridos é algo no qual o suplicante põe toda a intensidade e urgência. Nos vv. 21-31 o salmista atinge o nível de serenidade numa oração que exprime a sua confiança em Deus.</ref>!
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Pois contra mim abriram a boca,
 
 
a sua boca cheia de maldade e traição,
 
 
e falaram de mim com língua mentirosa.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Com palavras de ódio me cercaram
 
 
e me combatem sem razão.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Em paga do meu amor, acusam-me;
 
 
e eu, em oração.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Retribuem-me com o mal em paga do bem,
 
 
e com o ódio em paga do meu amor.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>«Seja nomeado contra ele um malvado<ref name="ftn672">O discurso dos vv. 6-15 é normalmente entendido como sendo uma espécie de citação do que dizem os adversários do salmista orante. Contra isto, está o que pensa o salmista a partir do v. 16. O caráter sintético do texto e o jogo de contraposição entre os contextos podem consentir, entretanto, outras maneiras diferentes de compreender o seu alcance. </ref>
 
 
e que à sua direita esteja um acusador.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Quando for julgado, que ele saia condenado
 
 
e o seu pedido seja mais um crime.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Que os seus dias de vida sejam limitados
 
 
e que outro se apodere da sua função!
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Que os seus filhos fiquem órfãos,
 
 
e a sua mulher fique viúva.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Que os seus filhos andem errantes a mendigar
 
 
e a procurar por entre as suas ruínas.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Que o credor lhe retire todos os seus haveres,
 
 
e os estranhos o despojem do fruto do seu suor.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Que ninguém tenha compaixão dele
 
 
nem se compadeça dos seus filhos órfãos.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Seja exterminada a sua descendência,
 
 
e o seu nome apagado na geração seguinte.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Que a culpa de seus pais seja recordada ao Senhor
 
 
e jamais se apague o pecado da sua mãe.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Que o Senhor os tenha sempre presentes
 
 
e extermine da terra a sua memória».
 
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Visto que não se lembrou de agir com misericórdia,
 
 
mas perseguiu o pobre e o desvalido
 
 
e o de coração atribulado, para os matar.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Preferiu a maldição: que ela venha sobre ele!
 
 
Não procurou a bênção: que ela se afaste dele!
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Que ele se vista de maldição como um manto;
 
 
que ela entre como água para o seu interior
 
 
e como óleo penetre nos seus ossos.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Seja como a roupa que o envolve,
 
 
como a cinta com que se aperta sempre.
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>É isto que o Senhor faz aos meus acusadores,
 
 
aos que dizem calúnias contra mim.
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>Mas Tu, ó Senhor, trata bem de mim,
 
 
para honra do teu nome, Senhor.
 
 
Salva-me, pela tua bondade e misericórdia!
 
 
<span style="color:red"><sup>22</sup></span>Pois estou pobre e desvalido
 
 
e dentro de mim tenho o coração angustiado.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>23</sup></span>Vou passando como sombra que se prolonga;
 
 
vejo-me enxotado como um gafanhoto.
 
 
<span style="color:red"><sup>24</sup></span>Os meus joelhos vacilam de tanto jejuar
 
 
e o meu corpo definha de magreza.
 
 
<span style="color:red"><sup>25</sup></span>Tornei-me para eles um objeto de escárnio;
 
 
olham para mim e abanam a cabeça.
 
 
<span style="color:red"><sup>26</sup></span>Socorre-me, Senhor, meu Deus;
 
 
salva-me, pela tua misericórdia.
 
 
<span style="color:red"><sup>27</sup></span>Que eles saibam que isto é da tua mão,
 
 
que Tu, Senhor, o fizeste.
 
 
<span style="color:red"><sup>28</sup></span>Eles podem amaldiçoar, mas Tu abençoas.
 
 
Levantem-se os meus inimigos e sejam envergonhados
 
 
e que o teu servo se regozije.
 
 
<span style="color:red"><sup>29</sup></span>Que os meus inimigos se cubram de vergonha;
 
 
que eles se cubram da sua confusão como de um manto.
 
 
<span style="color:red"><sup>30</sup></span>Com a minha boca, darei muitas graças ao Senhor
 
 
e louvá-lo-ei no meio da multidão.
 
 
<span style="color:red"><sup>31</sup></span>Pois Ele coloca-se à direita<ref name="ftn673">Segundo o que está implícito no v. 6, à direita punha-se o acusador. Aqui é o Senhor que ocupa esse lugar, mas como defensor. O salmo é bastante sugestivo quanto a esta correção de situações (cf. Sl 16,8; 119,5; 121,5).</ref> do pobre,
 
 
para o salvar dos que o condenam à morte.
 
 
 
110(109)'''Promessa de Deus ao seu ungido'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''De David. Salmo.''
 
 
 
Oráculo do Senhor para o meu senhor<ref name="ftn674">Este é um salmo bem caraterístico da realeza. Nele aparecem profundamente articuladas as categorias da realeza com as conceções religiosas de Israel. A expressão ''meu senhor'' refere-se naturalmente ao rei. Quanto ao tempo da sua composição, é uma questão bastante difícil de declarar de forma taxativa. O seu teor institucional e formal, bem como algumas expressões arcaicas relativamente à linguagem corrente, poderiam sugerir uma composição bastante antiga, possivelmente dos inícios da monarquia, eventualmente aproveitando mesmo fórmulas de entronização vindas das culturas mais antigas de Canaã. Outros pensariam numa composição de época tardia, tendo em conta algumas ideias que parecem associar realeza, messianismo e sacerdócio. Este salmo foi muito utilizado nos primeiros tempos do cristianismo, pelas ressonâncias messiânicas evidentes que oferecia.</ref>:
 
 
«Senta-te à minha direita
 
 
que Eu farei dos teus inimigos um assento,
 
 
um estrado para os teus pés»<ref name="ftn675">Ou: ''enquanto Eu ponho os teus inimigos / como estrado para os teus pés. ''A leitura tradicional assenta na interpretação do termo '''ad'' como advérbio, significando ''enquanto''. É reconhecido, no entanto, que o significado de «enquanto» não parece jogar bem com a dinâmica imediata de um oráculo de entronização real nem com a sintaxe da frase. Ora, da literatura cananaica de Ugarit conhecemos um termo com as mesmas consoantes, '''d, ''e o significado de ''assento, trono''<nowiki>; esta hipótese dá a um oráculo solene e formal maior ritmo e ressonância. Ao tempo da tradução dos LXX este antigo vocábulo técnico de trono seria já desconhecido.</nowiki></ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>De Sião, o Senhor estenderá o cetro do teu poder.
 
 
Domina os teus inimigos no combate!
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>A tua estirpe é de nobreza,
 
 
no dia do teu poder!
 
 
Entre esplendores de santidade,
 
 
das entranhas da madrugada
 
 
como orvalho te fiz nascer<ref name="ftn676">Ou: ''como orvalho te gerei''. Este salmo e particularmente este v. são muito importantes nas leituras, mas o texto hebraico apresenta dificuldades de tradução, reconhecidas desde a antiguidade. A vocalização massorética de ''yaldutêka'' (''da tua juventude'') parece ser uma maneira de evitar matizes teológicos considerados excessivos. No entanto, algumas traduções de renome seguem ainda esta leitura. A tradução dos LXX leu um verbo, ''yalad, ''o qual, quando o sujeito é feminino, se usa na conjugação ''qal'' e significa ''dar à luz''<nowiki>; quando o sujeito é masculino como aqui, usa-se o </nowiki>''hifil'' e significa tornar-se pai de alguém. A tradução com o verbo ''gerar'' corresponde ao que se usa nas genealogias do NT, onde o termo ''gerou'' corresponde ao hebraico ''holîd''. Na fórmula de entronização trata-se de uma filiação adotiva. </ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>O Senhor jurou e não se arrepende:
 
 
«Tu és sacerdote para sempre,
 
 
segundo a ordem de Melquisedec»<ref name="ftn677">Melquisedec era uma figura de rei e sacerdote da cidade de Salém, nome associado com o de Jerusalém, e que aparece muito ligado à história do patriarca Abraão (Gn 14,18). No que diz respeito aos reis hebreus, não são vistos como sacerdotes, mas também é verdade que reis e sacerdotes partilham entre si a caraterística de serem ungidos, i.e., consagrados para uma função que tem sentido religioso. Nas conceções messiânicas do NT voltou a valorizar-se a figura de Melquisedec como sacerdote e rei (Heb 7,1-12). </ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>O Senhor está à tua direita;
 
 
Ele há de esmagar reis, no dia da sua ira.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Ele ditará a justiça entre as nações, amontoará cadáveres,
 
 
esmagará cabeças pela vastidão da terra.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>No caminho, beberá da torrente;
 
 
e assim erguerá bem alto a cabeça<ref name="ftn678">Ou: ''O Soberano o colocou no trono, / e assim lhe fará erguer a cabeça.'' A possibilidade de ler no termo ''drk'' mais um equivalente de ''trono'', de algum modo sinónimo do termo '''d ''(''assento'')'' ''que aparece no v. 1, dá um sentido mais bem enquadrado no tema do salmo e ultrapassa as dificuldades que a leitura tradicional suscita.</ref>.
 
 
 
111(110)'''Hino às obras de Deus'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>Aleluia!
 
 
''Alef''
 
 
Louvarei o Senhor de todo o coração<ref name="ftn679">Este salmo de louvor é um hino dirigido a Deus pela maravilha que são as suas obras e que estão sobretudo representadas pelas grandezas da natureza e pelos prodígios realizados ao longo da história. Os motivos invocados, tal como acontece frequentemente nos salmos, incidem de modo especial nas memórias do Êxodo e nos episódios da entrada em Canaã. É um salmo alfabético tal como os Sl 9, 10, 25, 34, 37, 112, 119 e 145. </ref>,
 
 
''Bet''
 
 
no conselho dos justos e na assembleia<ref name="ftn680">Estes são os dois espaços mais nobres da comunidade (Sl 107,32; 149,1).</ref>.
 
 
''Guimel''
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Grandes são as obras do Senhor,
 
 
''Dalet''
 
 
dignas de meditação para quem as ama.
 
 
''He''
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>As suas obras têm majestade e esplendor
 
 
''Wau''
 
 
e a sua justiça permanece para sempre.
 
 
''Zain''
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Tornou memoráveis as suas maravilhas;
 
 
''Het''
 
 
o Senhor é compassivo e bondoso.
 
 
''Tet''
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Dá sustento aos que o temem
 
 
''Yod''
 
 
e lembra-se da sua aliança para sempre.
 
 
''Kaf''
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Mostrou ao seu povo o poder das suas obras<ref name="ftn681">Nos vv. 6-9 aparecem bastante sintetizados os acontecimentos da história de Israel, que fazem a ligação entre a saída do Egito e a entrada na terra prometida, concluindo com a chave da aliança.</ref>,
 
 
''Lamed''
 
 
entregando-lhes a herança de outros povos.
 
 
''Mem''
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>As obras das suas mãos são verdade e justiça;
 
 
''Nun''
 
 
são firmes todos os seus preceitos.
 
 
''Samec''
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Foram estabelecidos para séculos e séculos
 
 
''Ain''
 
 
e estão feitos de verdade e retidão.
 
 
''Pe''
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Enviou a libertação ao seu povo,
 
 
''Sadé''
 
 
estabeleceu a sua aliança para sempre;
 
 
''Qof''
 
 
santo e tremendo é o seu nome.
 
 
 
''Resh''
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>O princípio<ref name="ftn682">No pensamento semita, este conceito de princípio significa a essência. O temor de Deus aparece com frequência definido como a essência da sabedoria (Pr 1,7; 9,10).</ref> da sabedoria é o temor do Senhor<nowiki>;</nowiki>
 
 
''Sin''
 
 
têm bom entendimento aqueles que os praticam<ref name="ftn683">A tradução dos LXX leu ''quem a pratica'', que segundo o teor do texto grego se refere à sabedoria.</ref>.
 
 
''Tau''
 
 
O seu louvor permanece para sempre.
 
 
 
112(111)'''Elogio do homem honrado'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>Aleluia!
 
 
''Alef''
 
 
Feliz o homem que teme o Senhor<ref name="ftn684">Este salmo constitui uma meditação sapiencial na qual se propõem as bases fundamentais e mais imediatas para uma vida feliz. Pertence ao género das bem-aventuranças, tal como acontece com o Sl 1 que serve de introdução ao conjunto do saltério. O motivo que presidiu à organização literária do salmo é a ordem das letras do alfabeto hebraico. Isto significa que a par da exposição doutrinal houve igualmente a preocupação de recurso estético com algum requinte lúdico (cf. Sl 9; 111).</ref>
 
 
''Bet''
 
 
e muito se compraz nos seus mandamentos.
 
 
''Guimel''
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>A sua descendência será poderosa sobre a terra,
 
 
''Dalet''
 
 
é bendita a geração dos que são honestos.
 
 
''He''
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Na sua casa haverá abundância e riqueza
 
 
''Wau''
 
 
e a sua justiça durará para sempre.
 
 
''Zain''
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Nas trevas, brilha uma luz para os honestos;
 
 
''Het''
 
 
Ele é generoso, compassivo e justo.
 
 
''Tet''
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>É bom o homem que se compadece e empresta,
 
 
''Yod''
 
 
pois administra os seus bens com justiça.
 
 
''Kaf''
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Esse jamais vacilará;
 
 
''Lamed''
 
 
o justo terá memória eterna.
 
 
''Mem''
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>De más notícias não terá medo;
 
 
''Nun''
 
 
o seu coração está firme e confiante no Senhor.
 
 
''Samec''
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>O seu coração está seguro e nada teme
 
 
''Ain''
 
 
até ver o fim dos seus inimigos.
 
 
''Pé''
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Reparte e dá aos necessitados,
 
 
''Sadé''
 
 
a sua justiça permanece para sempre
 
 
''Qof''
 
 
e a sua frente se erguerá em glória.
 
 
''Resh''
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>O malfeitor vê e fica furioso,
 
 
''Sin''
 
 
e rangendo os dentes, desfalece.
 
 
''Tau''
 
 
O desejo dos malfeitores fracassará.
 
 
113(112)'''A misericórdia de Deus'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>Aleluia!
 
 
Louvai, ó servos do Senhor<ref name="ftn685">Este salmo de louvor é um hino dirigido a Deus, celebrando a sua misericórdia. Este é o primeiro salmo do chamado grupo do ''Halel'', que se prolonga até ao Sl 118. Este conjunto é recitado pelos judeus nas grandes solenidades de peregrinação, nomeadamente na festa da Páscoa (Mt 26,30; Mc 14,26). O contexto que nele se revela é de cariz claramente litúrgico. Apresenta analogias com o cântico de Ana no livro de Samuel (1Sm 2,1-10) e ainda com o cântico de Maria, o ''Magnificat'' (Lc 1,46-55).</ref>,
 
 
louvai o nome do Senhor.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Bendito seja o nome do Senhor,
 
 
desde agora e para sempre.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Desde o nascer do Sol até ao seu ocaso,
 
 
seja louvado o nome do Senhor.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>O Senhor ergue-se acima de todos os povos,
 
 
acima dos céus está a sua glória.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Quem é como o Senhor, nosso Deus,
 
 
que está entronizado nas alturas?
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Ele inclina-se para observar
 
 
o que acontece nos céus e na terra.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Ele levanta do pó o indigente
 
 
e ergue das cinzas o necessitado,
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>para o fazer sentar com os nobres,
 
 
com os nobres do seu povo.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Ele faz com que a estéril se sente em casa<ref name="ftn686">O salmo aponta para uma reversão completa da situação da mulher hebraica quando se revelava estéril, a qual costumava ser menosprezada e até mesmo rejeitada pelo divórcio. Normalmente, a mulher não se sentava, mas ficava de pé a servir os outros. A esta acontece-lhe como a Sara (Gn 16,1; 17,15-21; 18,9-15; 21,1-7) e a Ana (1Sm 1-2).</ref>,
 
 
como mãe feliz de muitos filhos.
 
 
Aleluia!
 
 
 
114'''(113,1-8) Hino sobre a saída do Egito'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>Quando Israel saiu do Egito<ref name="ftn687">Este salmo de louvor é um hino de tema pascal particularmente festivo. Ele descreve a maravilhosa saída do Egito, a passagem do Mar Vermelho e do rio Jordão, assim como o milagre das águas tiradas do rochedo no deserto, em Meribá. O tema da água domina completamente os motivos deste salmo. O estilo é de grande teatralidade e mesmo de um virtuosismo jocoso, que quadra bem com o ambiente de festa em que se insere. Na liturgia judaica, este é o salmo cantado precisamente na oitava da Páscoa. A menção paralela de Israel e Judá para representar a dupla referência complementar da identidade hebraica bíblica parece sugerir que a sua composição se poderia situar antes de 721 a.C., data em que o reino do Norte, Israel, foi conquistado e desapareceu.</ref>
 
 
e a casa de Jacob, do meio de um povo estranho,
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Judá tornou-se seu santuário<ref name="ftn688">Judá aparece aqui como sendo o principal centro de interesse do povo de Israel e é caraterizado sobretudo como um santuário. Este apresenta-se como o motivo essencial de ligação com Deus. O povo de Israel é cada vez mais uma comunidade religiosa.</ref>
 
 
e Israel, os seus domínios.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>O mar<ref name="ftn689">O Mar Vermelho: Ex 14-15.</ref> viu e afastou-se,
 
 
o Jordão<ref name="ftn690">O rio Jordão: Js 3.</ref> voltou para trás.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Os montes saltaram<ref name="ftn691">O monte Sinai: Ex 19,18.</ref> como carneiros,
 
 
as colinas como cordeirinhos.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Que tens, ó mar, para assim fugires?
 
 
E tu, Jordão, porque voltas para trás?
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Ó montes, porque saltais como carneiros
 
 
e vós, colinas, como cordeirinhos?
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Em presença do Senhor, treme, ó terra<ref name="ftn692">Os vv. 7-8 dão a resposta da natureza às interrogações precedentes (cf. Sl 107,35).</ref>,
 
 
em presença do Deus de Jacob.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Pois Ele transforma rochedos em lagos
 
 
e as pedras, em fontes de água<ref name="ftn693">Alusão aos acontecimentos narrados em Ex 17,6; Nm 20,11.</ref>.
 
 
115'''(113,9-26)Deus verdadeiro e único '''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>Não a nós, ó Senhor, não a nós<ref name="ftn694">É um salmo coletivo de confiança. Nele se exprime a preocupação de que Deus manifeste aos outros povos as razões que os israelitas sentem para ter confiança em Deus (vv. 1-8; 9-11). É particularmente marcante a definição de contrastes entre o Deus dos hebreus e os outros deuses, sobretudo no modo de sublinhar a inutilidade dos ídolos (vv. 4-8). A crítica aos ídolos é dos temas mais importantes da Bíblia. Bem caraterística do ambiente litúrgico em que se enquadra o salmo é também a longa secção de bênçãos que ocupa os vv. 12-18.</ref>,
 
 
mas ao teu nome dá glória,
 
 
pela tua misericórdia e fidelidade.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Porque hão de perguntar os povos:
 
 
«Onde está o seu Deus?».
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>O nosso Deus está nos céus;
 
 
tudo o que lhe agrada, Ele o faz.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Os ídolos deles são prata e ouro,
 
 
obra das mãos dos homens:
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>têm boca, mas não falam;
 
 
têm olhos, mas não veem;
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>têm ouvidos, mas não ouvem;
 
 
têm nariz, mas não cheiram;
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>têm mãos, mas não tocam;
 
 
têm pés, mas não caminham;
 
 
e da sua garganta não emitem qualquer som.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Sejam como eles aqueles que os fazem
 
 
e todo aquele que neles confia.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Ó Israel, confia no Senhor,
 
 
pois Ele é para todos ajuda e proteção.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Vós, casa de Aarão<ref name="ftn695">A ''casa de Aarão'' é a classe dos sacerdotes, por isso aparece destacada neste hino litúrgico.</ref>, confiai no Senhor,
 
 
pois Ele é para todos ajuda e proteção.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Vós que temeis o Senhor, confiai no Senhor,
 
 
pois Ele é para todos ajuda e proteção<ref name="ftn696">Os três grupos referidos nos vv. 9-11 são uma maneira de representar a totalidade daqueles que integram a comunidade religiosa de Israel (cf. Sl 118,2-4): o povo, os sacerdotes e os estrangeiros tementes a Deus. Estes últimos vivem integrados social e religiosamente com o povo de Deus.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>O Senhor lembrou-se de nós e nos abençoará,
 
 
abençoará a casa de Israel,
 
 
abençoará a casa de Aarão,
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>abençoará os que temem o Senhor,
 
 
os pequenos junto com os grandes.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Que o Senhor vos acrescente prosperidade
 
 
a vós e aos vossos filhos.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Que sejais abençoados pelo Senhor,
 
 
que fez o céu e a terra!
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Os céus, esses são para o Senhor,
 
 
mas a terra, deu-a aos seres humanos.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Não são os mortos que louvam o Senhor,
 
 
nem os que descem ao mundo do silêncio<ref name="ftn697">''Silêncio'' é um termo que pode também representar o próprio mundo dos mortos. Por isso, não se pode esperar que venha de lá qualquer louvor a Deus, que é expressão de vivos.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Nós é que louvaremos o Senhor,
 
 
desde agora e para sempre.
 
 
Aleluia!
 
 
 
116'''(114-115)Hino de ação de graças'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>Foi por amor de mim<ref name="ftn698">Este salmo individual de ação de graças encontra-se bem enquadrado no ambiente litúrgico. Num momento de perigo, o salmista prometeu a Deus um sacrifício de ação de graças (v. 14). O momento preciso do salmo é a altura em que ele se vai apresentar na assembleia litúrgica (vv. 14.18) e ali declara o seu agradecimento, proclamando as lições de fé que são válidas para todos (vv. 5.6.15) e assumindo os propósitos pessoais para o futuro (vv. 15-19). Os LXX e tradição deles derivada dividem o salmo em dois: 1-9 e 10-19.</ref> que o Senhor escutou<ref name="ftn699">Ou: ''Eu amo o Senhor, porque Ele ouviu''.</ref>
 
 
a minha voz, a minha súplica.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Pois Ele inclinou para mim o seu ouvido
 
 
nos dias em que o invocava.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Envolviam-me os laços da morte,
 
 
alcançaram-me as angústias do abismo;
 
 
encontrava-me aflito e angustiado.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Mas invoquei o nome do Senhor:
 
 
«Por favor, Senhor, salva a minha alma!».
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>O Senhor é benevolente e justo,
 
 
o nosso Deus é compassivo.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>O Senhor guarda os simples;
 
 
eu estava sem forças e Ele veio salvar-me.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Volta, ó minha alma, ao teu repouso,
 
 
porque o Senhor foi generoso para contigo.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Pois tu, minha alma, foste libertada da morte<ref name="ftn700">Esta é a tradução segundo o texto consonântico. Alternativa: ''Pois Tu libertaste a minha alma da morte'', a qual representa a tradução segundo a vocalização massorética do texto. Outra alternativa ainda seria: ''Pois Ele libertou a minha alma da morte''. Esta tradução segue traduções antigas e é assumida pela NVg, mas não tem suporte textual consonântico nem vocálico.</ref>,
 
 
os meus olhos, das lágrimas e os meus pés, da queda.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Hei de caminhar na presença do Senhor,
 
 
na terra dos vivos<ref name="ftn701">Lit.: ''nas terras dos vivos''. </ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Eu acreditei, mesmo quando dizia:
 
 
«É muito grande a minha aflição!».
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Na minha perturbação, dizia:
 
 
«Todos os homens são mentirosos!».
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Como hei de retribuir ao Senhor
 
 
todos os seus benefícios para comigo?
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Erguerei o cálice da salvação
 
 
e invocarei o nome do Senhor<ref name="ftn702">Esta elevação do cálice tem a ver com uma cerimónia que consiste numa libação de vinho que é derramado sobre o altar, para agradecimento, em virtude da salvação que foi alcançada. Em 1 Cor 10,16 é referido um cálice de agradecimento bebido em comunidade de oração.</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Pagarei as minhas promessas ao Senhor,
 
 
e que seja diante de todo o seu povo.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>É preciosa aos olhos do Senhor<ref name="ftn703">A expressão hebraica de que ''é preciosa aos olhos do Senhor'' pode também ser interpretada como: ''é'' ''dolorosa aos olhos do Senhor.''</ref>
 
 
a morte dos que lhe são fiéis.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Por favor, Senhor! Eu sou teu servo,
 
 
sou teu servo, filho da tua serva;
 
 
Tu abriste as minhas cadeias.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>A ti oferecerei sacrifícios de louvor,
 
 
invocando o nome do Senhor.
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Pagarei as minhas promessas ao Senhor,
 
 
e que seja diante de todo o seu povo,
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>nos átrios da casa do Senhor,
 
 
no meio de ti, Jerusalém!
 
 
Aleluia!
 
 
 
117(116)'''Louvor ao Senhor'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>Louvai ao Senhor, todos os povos<ref name="ftn704">Este salmo, apesar de ser excecionalmente curto, contém em essência as caraterísticas de um hino dirigido a Deus, tendo como motivação a sua ação que atinge o mundo inteiro e de modo muito particular a história de Israel. É importante por representar um convite a todo o mundo para se associar no louvor a Deus. Este aspeto dá-lhe uma tonalidade messiânica.</ref>,
 
 
glorificai-o, todas as nações!
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Pois é poderosa<ref name="ftn705">A mesma fórmula aparece no Sl 103,11. O sentido da raiz ''gabar ''que significa ''ser forte'', ''ser herói'' sugere para a fórmula usada nos dois casos a ideia de que a misericórdia de Deus sobre nós é forte e poderosa.</ref> sobre nós a sua misericórdia,
 
 
e a fidelidade do Senhor é para sempre.
 
 
Aleluia!
 
 
 
118(117)'''Cântico triunfal de ação de graças'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>Louvai o Senhor, porque Ele é bom<ref name="ftn706">Este é um salmo coletivo de ação de graças e apresenta-se com uma esquematização literária que esboça um percurso ritual bastante pormenorizado. Nos vv. 1-18 o cenário situa-se fora do templo, com o desenvolvimento de uma procissão. Depois de ultrapassadas as portas da justiça (vv. 19-20), é proclamada a ação de graças (vv. 21-25), com uma explicitação bastante sintética dos motivos. Praticamente é o v. 22 o ponto central, com a declaração entusiasta de que uma pedra rejeitada foi colocada por Deus como pedra angular. Segue-se a bênção (vv. 26-27) e um solene convite final que renova o primeiro convite ao louvor com que o salmo se iniciou. O foco mantém-se, portanto, no domínio das ideias fundamentais. Há quem veja a festa de consagração das muralhas de Jerusalém em Ne 6,15; 8,13-18; 12,27-43 como um momento que condiz bem com o teor deste salmo (cf. Esd 3,4.11; Zc 14,16). Com este se termina o grupo de salmos chamados ''Halel'' iniciado com o Sl 113.</ref>,
 
 
porque é eterna a sua misericórdia.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Que o diga a casa de Israel<ref name="ftn707">O convite à intervenção de três coros (vv. 1-4) dirige-se aos israelitas e depois aos da família sacerdotal de Aarão, concluindo com os tementes a Deus. </ref>:
 
 
«É eterna a sua misericórdia!».
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Que o diga a casa de Aarão:
 
 
«É eterna a sua misericórdia!».
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Que o digam os que temem o Senhor:
 
 
«É eterna a sua misericórdia!».
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Do meio da angústia, clamei ao Senhor<nowiki>;</nowiki>
 
 
o Senhor respondeu, pondo-me a salvo.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>O Senhor está comigo, nada temo.
 
 
Que mal me pode fazer o homem?
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>O Senhor está comigo para minha ajuda,
 
 
e eu hei de ver o fim dos meus inimigos.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>É melhor refugiar-se no Senhor
 
 
do que confiar no homem.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>É melhor refugiar-se no Senhor
 
 
do que confiar nos grandes.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Todos os povos me cercavam,
 
 
mas, em nome do Senhor, eu os enfrentei.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Voltaram de novo a cercar-me,
 
 
mas, em nome do Senhor, eu os enfrentei.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Cercavam-me como enxames de vespas;
 
 
a sua fúria crepitava como fogo entre os espinhos,
 
 
mas, em nome do Senhor, eu os enfrentei.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Empurraram-me<ref name="ftn708">Literalmente, o hebraico poderia dar a seguinte tradução: ''Tu bem me empurraste, para eu cair''. No entanto, desde as traduções mais antigas se tem optado por entender um sujeito indefinido com este verbo ''empurravam-me''. Aparentemente não se conseguia definir uma identidade para o sujeito de segunda pessoa que o verbo hebraico ainda continua a insinuar. O salmista enfrenta-se em discurso direto com alguém que o empurrou. O paralelismo do v. 18 parece sugerir que se trata de um despique entre morte e salvação. E o salmista faz um relato direto da situação, tratando a morte por tu.</ref> com violência para cair,
 
 
mas o Senhor socorreu-me.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>O Senhor é a minha força e o meu cântico de júbilo;
 
 
foi Ele a minha salvação.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Há vozes de alegria e de vitória
 
 
nas tendas dos justos<ref name="ftn709">As ''tendas dos justos'' pode ser uma metáfora de tipo geral, mas poderia também ser uma referência às tendas ou abrigos da festa das Tendas, que, segundo Ne 8,13-18, se seguiu à inauguração das muralhas de Jerusalém.</ref>:
 
 
«A direita do Senhor fez prodígios!
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>A direita do Senhor foi excelsa,
 
 
a direita do Senhor fez prodígios!».
 
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Eu não hei de morrer. Vou viver
 
 
e vou contar as obras do Senhor.
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>O Senhor castigou-me com dureza,
 
 
mas não me entregou à morte.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Abri-me as portas da justiça<ref name="ftn710">Alusão a uma cerimónia de entrada no templo onde se fazia um pedido solene de que fossem abertas as portas (cf. Sl 24,7-10).</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
quero entrar por elas e darei graças ao Senhor.
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Esta é a porta que leva ao Senhor<nowiki>;</nowiki>
 
 
os justos entrarão por ela.
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>Eu te louvo, porque me respondeste
 
 
e foste para mim a salvação.
 
 
<span style="color:red"><sup>22</sup></span>A pedra que os construtores rejeitaram
 
 
tornou-se a pedra angular<ref name="ftn711">Sobre a pedra angular, cf. Jr 51,26. </ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>23</sup></span>Isto aconteceu da parte do Senhor<nowiki>;</nowiki>
 
 
é maravilhoso aos nossos olhos.
 
 
<span style="color:red"><sup>24</sup></span>Este é o dia em que o Senhor atuou<ref name="ftn712">Ou: ''Este é o dia que o Senhor fez. ''Apesar de não ter, no AT, especiais conotações messiânicas, estes dois vv. aparecem no NT com sentido messiânico e usados na definição da identidade cristológica de Jesus (Mt 21,42-44, Mc 13,10; Lc 20,17-18; At 4,11; 1Pd 2,4-7).</ref>,
 
 
cantemos e alegremo-nos nele.
 
 
<span style="color:red"><sup>25</sup></span>Por favor, Senhor, faz com que sejamos salvos<ref name="ftn713">É na fórmula hebraica deste grito de socorro («salva-nos, por favor»'') ''que tem origem a fórmula litúrgica do ''hossana'', uma das expressões hebraicas que se mantém no vocabulário litúrgico tanto do judaísmo como do cristianismo (cf. Mt 21,9; Mc 11,9s).</ref>!
 
 
Senhor, faz com que prosperemos, por favor!
 
 
 
<span style="color:red"><sup>26</sup></span>Bendito seja aquele que vem em nome do Senhor<ref name="ftn714">Ou: ''Bendito seja em nome do Senhor aquele que vem''.</ref>!
 
 
Da casa do Senhor, nós vos abençoamos.
 
 
<span style="color:red"><sup>27</sup></span>O Senhor é Deus; Ele nos ilumina.
 
 
Entrançai ramagens de festa<ref name="ftn715">A festa das Tendas, marcadamente campestre, era celebrada com desfiles em que se transportavam ramos de árvores, como ainda hoje acontece. </ref>,
 
 
até aos ângulos do altar!
 
 
 
<span style="color:red"><sup>28</sup></span>Tu és o meu Deus e eu te dou graças.
 
 
Tu és o meu Deus e te exaltarei.
 
 
<span style="color:red"><sup>29</sup></span>Louvai o Senhor, porque Ele é bom,
 
 
porque é eterna a sua misericórdia.
 
 
 
119(118)'''Grandeza e mistério da lei de Deus'''
 
 
 
''Alef''
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>Felizes os que seguem um caminho íntegro<ref name="ftn716">Este salmo consiste numa longa meditação de modelo sapiencial. Trata-se realmente do mais longo dos salmos. O esquema literário que nele se desenvolve é razoavelmente sofisticado. As suas vinte e duas estrofes são compostas de oito versos cada uma e cada um desses versos começa com a mesma letra do alfabeto hebraico (cf. Sl 9<nowiki>; 25)</nowiki>. Cada uma das estrofes constitui uma unidade literária onde se pode descobrir um tema específico. O tema geral do salmo é simultaneamente de meditação e louvor sobre a maneira como Deus, com a sua lei, definiu os caminhos para o comportamento humano. É sobretudo a dimensão pessoal da ética aquilo que mais se sublinha. A lei não é apenas um conjunto de regras<nowiki>;</nowiki> é principalmente a manifestação de todo o tipo de relações pessoais e subtis, normativas e afetivas entre Deus e o seu povo. A ressonância que é aqui sublinhada situa-se principalmente no íntimo da consciência de cada ser humano. Este núcleo de significados aparece diluído numa grande variedade de sinónimos: leis, mandamentos, preceitos, decretos, sentenças, promessas, palavras...</ref>,
 
 
que caminham segundo a lei do Senhor.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Felizes os que cumprem os seus preceitos
 
 
e o procuram de todo o coração,
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>que não praticam a maldade,
 
 
mas andam nos caminhos do Senhor.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Tu estabeleceste os teus preceitos,
 
 
para serem cumpridos fielmente.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Oxalá os meus passos sejam firmes,
 
 
para cumprir os teus decretos.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Então não terei de me envergonhar, prestando atenção
 
 
a todos os teus mandamentos.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Poderei louvar-te de coração sincero,
 
 
instruído pelas tuas justas sentenças.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Hei de cumprir as tuas leis;
 
 
não me abandones jamais.
 
 
 
''Bet''
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Como poderá um jovem manter íntegro o seu caminho?
 
 
Guardando as tuas palavras.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Eu procuro-te com todo o meu coração;
 
 
não me deixes desviar dos teus mandamentos.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Guardo no meu coração as tuas palavras,
 
 
para não pecar contra ti.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Bendito sejas, Senhor!
 
 
Ensina-me as tuas leis.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Com os meus lábios tenho anunciado
 
 
todos os decretos da tua boca.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Tenho mais alegria em seguir as tuas ordens
 
 
do que com todas as riquezas.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Meditarei nos teus preceitos
 
 
e prestarei atenção aos teus caminhos.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Nas tuas leis estão as minhas delícias;
 
 
não esquecerei as tuas palavras.
 
 
 
''Guimel''
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Concede um favor ao teu servo:
 
 
que eu viva e guarde a tua palavra!
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Abre os meus olhos para que eu veja
 
 
as maravilhas da tua lei.
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Eu sou um peregrino nesta terra<ref name="ftn717">Provavelmente o salmista não está a falar da vida humana em geral como sendo uma realidade passageira no mundo; o termo ''peregrino ''designa a condição de estrangeiro que reside numa terra que não é dele. A sua obrigação é informar-se sobre as leis com que deve governar-se nessa terra. Para o salmista a terra dos israelitas pertence a Deus. Todos eles são, portanto, estrangeiros e peregrinos.</ref>,
 
 
não escondas de mim os teus mandamentos.
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Desfalece a minha alma,
 
 
no desejo das tuas sentenças, a toda a hora.
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>Tu repreendes os orgulhosos<ref name="ftn718">Neste salmo, são estes os grandes inimigos de Deus: vv. 51,69,78,85,122. (cf. Sl 19,14; 86,14; Is 13,11; Ml 3,19).</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
malditos são os que transgridem os teus mandamentos.
 
 
<span style="color:red"><sup>22</sup></span>Afasta de mim insultos e desprezos,
 
 
porque tenho observado os teus ensinamentos.
 
 
<span style="color:red"><sup>23</sup></span>Ainda que os grandes se sentem a conspirar contra mim,
 
 
o teu servo meditará nos teus decretos.
 
 
<span style="color:red"><sup>24</sup></span>Sim. Os teus preceitos são as minhas delícias;
 
 
são eles os membros do meu conselho.
 
 
 
''Dalet''
 
 
<span style="color:red"><sup>25</sup></span>A minha alma está colada ao pó<ref name="ftn719">Esta prostração pode ser entendida como estado de sofrimento ou como atitude de oração.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
restitui-me a vida segundo a tua palavra.
 
 
<span style="color:red"><sup>26</sup></span>Contei-te os meus caminhos e Tu respondeste-me;
 
 
ensina-me as tuas leis.
 
 
<span style="color:red"><sup>27</sup></span>Faz-me compreender o caminho dos teus preceitos,
 
 
para meditar nas tuas maravilhas.
 
 
<span style="color:red"><sup>28</sup></span>A minha alma chora de tristeza;
 
 
reconforta-me segundo a tua palavra.
 
 
<span style="color:red"><sup>29</sup></span>Afasta de mim os caminhos da mentira
 
 
e concede-me a graça da tua lei.
 
 
<span style="color:red"><sup>30</sup></span>Escolhi o caminho da fidelidade
 
 
e dei preferência às tuas sentenças.
 
 
<span style="color:red"><sup>31</sup></span>Apeguei-me aos teus ensinamentos, Senhor,
 
 
não deixes que fique envergonhado.
 
 
<span style="color:red"><sup>32</sup></span>Quero correr pelo caminho dos teus mandamentos,
 
 
porque dás largueza ao meu coração.
 
 
 
''He''
 
 
<span style="color:red"><sup>33</sup></span>Ensina-me, Senhor, o caminho das tuas leis,
 
 
que eu quero guardá-las como recompensa<ref name="ftn720">Ou: ''guardá-las'' ''passo a passo.''</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>34</sup></span>Dá-me entendimento para eu cumprir a tua lei;
 
 
hei de obedecer-lhe de todo o coração.
 
 
<span style="color:red"><sup>35</sup></span>Faz-me caminhar pela senda dos teus mandamentos,
 
 
porque neles sinto satisfação.
 
 
<span style="color:red"><sup>36</sup></span>Inclina o meu coração para os teus ensinamentos,
 
 
e não para a cobiça.
 
 
<span style="color:red"><sup>37</sup></span>Desvia os meus olhos daquilo que é falso<ref name="ftn721">Ou: ''de ídolos vãos.''</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
faz com que eu viva nos teus caminhos.
 
 
<span style="color:red"><sup>38</sup></span>Confirma ao teu servo a tua promessa,
 
 
destinada àqueles que te temem.
 
 
<span style="color:red"><sup>39</sup></span>Afasta de mim a afronta que eu temo,
 
 
pois são agradáveis as tuas sentenças.
 
 
<span style="color:red"><sup>40</sup></span>Vê como tenho desejado os teus preceitos;
 
 
faz-me viver segundo a tua justiça.
 
 
 
''Vau''
 
 
<span style="color:red"><sup>41</sup></span>Venha sobre mim, Senhor, a tua misericórdia,
 
 
venha a tua salvação, conforme a tua promessa.
 
 
<span style="color:red"><sup>42</sup></span>Darei, então, resposta àqueles que me insultam,
 
 
porque confio na tua palavra.
 
 
<span style="color:red"><sup>43</sup></span>Não retires jamais da minha boca a palavra da verdade,
 
 
porque pus a minha esperança nas tuas sentenças.
 
 
<span style="color:red"><sup>44</sup></span>Guardarei continuamente a tua lei
 
 
para todo o sempre.
 
 
<span style="color:red"><sup>45</sup></span>Andarei por caminhos espaçosos,
 
 
pois procurei as tuas instruções<ref name="ftn722">O verbo ''procurar'' (''darach'') exprime uma preocupação de estudo e também de prática. Este termo está na origem do conceito de ''midrach'', que é um método de estudo e aprofundamento das lições que a Bíblia propõe.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>46</sup></span>Diante de reis, falarei dos teus preceitos
 
 
e não me envergonharei.
 
 
<span style="color:red"><sup>47</sup></span>Ponho as minhas delícias nos teus mandamentos,
 
 
que eu muito amo.
 
 
<span style="color:red"><sup>48</sup></span>Eu hei de levantar as minhas mãos
 
 
pelos teus mandamentos que eu amo
 
 
e meditarei nas tuas leis.
 
 
 
''Zain''
 
 
<span style="color:red"><sup>49</sup></span>Lembra-te da palavra dada ao teu servo,
 
 
da qual fizeste a minha esperança.
 
 
<span style="color:red"><sup>50</sup></span>A minha consolação na minha angústia
 
 
é que a tua palavra me dê vida.
 
 
<span style="color:red"><sup>51</sup></span>Os orgulhosos zombaram muito de mim,
 
 
mas não me desviei da tua lei.
 
 
<span style="color:red"><sup>52</sup></span>Recordo-me dos teus decretos de outrora;
 
 
neles encontro a consolação, ó Senhor.
 
 
<span style="color:red"><sup>53</sup></span>Domina-me a indignação contra os malfeitores,
 
 
que rejeitam a tua lei.
 
 
<span style="color:red"><sup>54</sup></span>Os teus decretos são os meus cânticos
 
 
na casa do meu peregrinar.
 
 
<span style="color:red"><sup>55</sup></span>De noite, lembro-me do teu nome, Senhor,
 
 
e guardo vigília com a tua lei<ref name="ftn723">Ou: ''e observo a tua lei''.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>56</sup></span>Uma coisa contou sempre para mim:
 
 
o guardar os teus preceitos.
 
 
 
''Het''
 
 
<span style="color:red"><sup>57</sup></span>Eu disse: a minha herança é o Senhor,
 
 
é pôr em prática as tuas palavras.
 
 
<span style="color:red"><sup>58</sup></span>De todo o coração eu te imploro:
 
 
tem piedade de mim, segundo a tua promessa.
 
 
<span style="color:red"><sup>59</sup></span>Refleti sobre os meus caminhos
 
 
e volto a dirigir os meus passos pelos teus preceitos.
 
 
<span style="color:red"><sup>60</sup></span>Apressei-me e não me deixei esmorecer
 
 
em cumprir os teus mandamentos.
 
 
<span style="color:red"><sup>61</sup></span>Cercaram-me as redes dos malfeitores,
 
 
mas não me esqueci da tua lei.
 
 
<span style="color:red"><sup>62</sup></span>A meio da noite levanto-me para te louvar,
 
 
por causa das tuas sentenças de justiça.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>63</sup></span>Sou amigo de todos os que te temem
 
 
e dos que cumprem as tuas ordens.
 
 
<span style="color:red"><sup>64</sup></span>Ó Senhor, a terra está cheia da tua bondade;
 
 
ensina-me as tuas leis.
 
 
 
''Tet''
 
 
<span style="color:red"><sup>65</sup></span>Trataste com bondade o teu servo,
 
 
segundo a tua palavra, Senhor.
 
 
<span style="color:red"><sup>66</sup></span>Ensina-me o bom senso e o conhecimento,
 
 
pois confio nos teus mandamentos.
 
 
<span style="color:red"><sup>67</sup></span>Antes de ter sido humilhado, eu era transgressor;
 
 
mas agora cumpro a tua palavra.
 
 
<span style="color:red"><sup>68</sup></span>Tu és bom e fazes o bem,
 
 
ensina-me as tuas leis.
 
 
<span style="color:red"><sup>69</sup></span>Os soberbos forjam mentiras contra mim,
 
 
mas eu cumpro as tuas instruções de todo o coração.
 
 
<span style="color:red"><sup>70</sup></span>O seu coração ficou pesado<ref name="ftn724">Lit.: ''ficou insensível de gordura.'' A metáfora da gordura é usada para exprimir insensibilidade ou insensatez e falta de compreensão (cf. Sl 17,10).</ref> e insensível;
 
 
quanto a mim, na tua lei estão as minhas delícias.
 
 
<span style="color:red"><sup>71</sup></span>Foi bom para mim ter sido afligido,
 
 
pois assim aprendi as tuas leis.
 
 
<span style="color:red"><sup>72</sup></span>É melhor para mim a lei da tua boca
 
 
do que milhões em ouro e prata.
 
 
 
''Yod''
 
 
<span style="color:red"><sup>73</sup></span>As tuas mãos me criaram e formaram;
 
 
dá-me inteligência para aprender os teus mandamentos.
 
 
<span style="color:red"><sup>74</sup></span>Ao verem-me, hão de alegrar-se os que te temem,
 
 
porque pus a minha esperança na tua palavra.
 
 
<span style="color:red"><sup>75</sup></span>Senhor, eu sei que as tuas sentenças são justas
 
 
e é com verdade que me humilhas.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>76</sup></span>Peço que a tua misericórdia me sirva de conforto,
 
 
como prometeste ao teu servo.
 
 
<span style="color:red"><sup>77</sup></span>Que a tua compaixão venha sobre mim e viverei,
 
 
porque na tua lei estão as minhas delícias.
 
 
<span style="color:red"><sup>78</sup></span>Sejam confundidos os soberbos
 
 
que com falsidades me desorientam,
 
 
enquanto eu medito nos teus preceitos.
 
 
<span style="color:red"><sup>79</sup></span>Voltem para mim os que te temem
 
 
e que conhecem os teus preceitos.
 
 
<span style="color:red"><sup>80</sup></span>Que o meu coração seja perfeito nas tuas leis,
 
 
e deste modo não ficarei envergonhado.
 
 
 
''Caf''
 
 
<span style="color:red"><sup>81</sup></span>A minha alma consome-se à espera da tua salvação:
 
 
confio na tua palavra.
 
 
<span style="color:red"><sup>82</sup></span>Consomem-se os meus olhos pela tua promessa,
 
 
perguntando quando virás reconfortar-me.
 
 
<span style="color:red"><sup>83</sup></span>Estou como quem chora por causa do fumo<ref name="ftn725">Texto de difícil interpretação. Alternativa tradicional: ''Estou como um odre ao fumo''.</ref>,
 
 
mas não me esqueci dos teus preceitos.
 
 
<span style="color:red"><sup>84</sup></span>Quantos dias de vida terá o teu servo?
 
 
Quando farás justiça contra os que me perseguem?
 
 
<span style="color:red"><sup>85</sup></span>Os orgulhosos abriram covas para mim;
 
 
isso não condiz com a tua lei.
 
 
<span style="color:red"><sup>86</sup></span>Todos os teus mandamentos são verdade;
 
 
perseguem-me sem razão. Ajuda-me!
 
 
<span style="color:red"><sup>87</sup></span>Por pouco não me eliminaram da terra,
 
 
mas eu nunca abandonei os teus preceitos.
 
 
<span style="color:red"><sup>88</sup></span>Dá-me a vida pela tua misericórdia
 
 
e cumprirei as ordens da tua boca.
 
 
 
''Lamed''
 
 
<span style="color:red"><sup>89</sup></span>Senhor, a tua palavra permanece para sempre,
 
 
mais estável do que os céus.
 
 
<span style="color:red"><sup>90</sup></span>De geração em geração dura a tua fidelidade;
 
 
estabeleceste a terra e ela continua firme.
 
 
<span style="color:red"><sup>91</sup></span>Os teus decretos ainda hoje se mantêm,
 
 
porque todos eles são obra tua<ref name="ftn726">Ou: ''são servos teus.''</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>92</sup></span>Se eu não tivesse na tua lei as minhas delícias,
 
 
já teria sucumbido na minha aflição.
 
 
<span style="color:red"><sup>93</sup></span>Jamais esquecerei os teus preceitos,
 
 
pois é por eles que me dás a vida.
 
 
<span style="color:red"><sup>94</sup></span>Eu sou teu: salva-me,
 
 
pois sempre tenho procurado os teus preceitos!
 
 
<span style="color:red"><sup>95</sup></span>Os malfeitores esperam pela minha perdição,
 
 
mas eu presto atenção às tuas ordens.
 
 
<span style="color:red"><sup>96</sup></span>Para toda a perfeição eu vi limites;
 
 
mas a largueza dos teus mandamentos é grande.
 
 
 
''Mem''
 
 
<span style="color:red"><sup>97</sup></span>Quanto amo, Senhor, a tua lei!
 
 
Nela medito durante todo o dia.
 
 
<span style="color:red"><sup>98</sup></span>O teu mandamento faz-me mais sábio que os meus inimigos,
 
 
porque está sempre comigo.
 
 
<span style="color:red"><sup>99</sup></span>Tornei-me mais instruído que todos os meus mestres,
 
 
porque os teus preceitos são a minha meditação.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span><span style="color:red"><sup>0</sup></span>Tenho mais entendimento que os anciãos,
 
 
porque tenho cumprido as tuas instruções.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span><span style="color:red"><sup>1</sup></span>Desviei os meus pés de todo o mau caminho,
 
 
para obedecer à tua palavra.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span><span style="color:red"><sup>2</sup></span>Não me tenho desviado das tuas sentenças,
 
 
pois foste Tu que me instruíste.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span><span style="color:red"><sup>3</sup></span>Como é doce para o meu paladar a tua palavra!
 
 
Mais doce do que o mel para a minha boca.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span><span style="color:red"><sup>4</sup></span>Dos teus preceitos recebi entendimento;
 
 
por isso detesto qualquer caminho de mentira.
 
 
 
''Nun''
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span><span style="color:red"><sup>5</sup></span>A tua palavra é lanterna para os meus passos
 
 
e luz para os meus caminhos.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span><span style="color:red"><sup>6</sup></span>Eu jurei e vou mesmo cumprir;
 
 
vou observar os teus justos decretos.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span><span style="color:red"><sup>7</sup></span>Sinto-me profundamente angustiado,
 
 
dá-me a vida, Senhor, segundo a tua palavra.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span><span style="color:red"><sup>8</sup></span>Aceita, Senhor, os louvores<ref name="ftn727">Estes ''louvores ''a Deus ditos naturalmente em palavras são metaforicamente expressos com o nome ritual de um sacrifício espontâneo (cf. Lv 7,16; Heb 13,15).</ref> da minha boca
 
 
e ensina-me os teus decretos.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span><span style="color:red"><sup>9</sup></span>A minha alma está nas mãos do eterno<ref name="ftn728">Lit.: ''A minha alma está sempre na minha mão''. Uma alternativa plausível como: ''A minha alma está sempre nas tuas mãos ''seria algo esperado e consoante o referido em Sl 31,6. Faltam, no entanto, evidências textuais claras para esta leitura. A tradução proposta entende ''tamîd ''como um adjetivo substantivado significando ''aquele que é perene'' e não o simples advérbio ''sempre''.</ref>,
 
 
e não esqueço a tua lei.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span><span style="color:red"><sup>0</sup></span>Os malfeitores armaram-me uma cilada,
 
 
mas nunca me afastei dos teus preceitos.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span><span style="color:red"><sup>1</sup></span>As tuas ordens são minha herança para sempre,
 
 
pois são elas a alegria do meu coração.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span><span style="color:red"><sup>2</sup></span>Orientei o meu coração para cumprir as tuas leis:
 
 
esta é a recompensa para sempre<ref name="ftn729">Cf. v. 33 e nota.</ref>.
 
 
 
''Samec''
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span><span style="color:red"><sup>3</sup></span>Detesto espíritos fingidos
 
 
e amo a tua lei.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span><span style="color:red"><sup>4</sup></span>Tu és o meu refúgio, meu escudo protetor;
 
 
na tua palavra pus a minha confiança.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span><span style="color:red"><sup>5</sup></span>Afastai-vos de mim, perversos,
 
 
pois quero cumprir os mandamentos do meu Deus.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span><span style="color:red"><sup>6</sup></span>Ampara-me, segundo a tua promessa, e viverei;
 
 
e não me deixes envergonhado por causa da minha esperança.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span><span style="color:red"><sup>7</sup></span>Ajuda-me e assim serei salvo;
 
 
e estarei sempre atento aos teus decretos.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span><span style="color:red"><sup>8</sup></span>Tu repudias todos os que se desviam das tuas leis,
 
 
porque os seus projetos são de mentira.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span><span style="color:red"><sup>9</sup></span>Consideras como lixo todos os malvados da terra;
 
 
por isso, eu amo os teus preceitos.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span><span style="color:red"><sup>0</sup></span>O meu corpo estremece com medo de ti
 
 
e as tuas sentenças infundem-me temor.
 
 
 
''Ain''
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span><span style="color:red"><sup>1</sup></span>Tenho praticado o direito e a justiça;
 
 
não me entregues aos meus opressores.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span><span style="color:red"><sup>2</sup></span>Sê fiador do teu servo para o bem;
 
 
que não me oprimam os orgulhosos.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span><span style="color:red"><sup>3</sup></span>Os meus olhos consumiram-se, à espera da tua ajuda
 
 
e da justiça que prometeste.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span><span style="color:red"><sup>4</sup></span>Trata o teu servo conforme a tua misericórdia
 
 
e ensina-me as tuas leis.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span><span style="color:red"><sup>5</sup></span>Eu sou teu servo, dá-me entendimento,
 
 
para que eu conheça os teus preceitos.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span><span style="color:red"><sup>6</sup></span>Já é tempo de agires, Senhor<nowiki>;</nowiki>
 
 
eles desprezaram a tua lei.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span><span style="color:red"><sup>7</sup></span>É por isso que eu amo os teus mandamentos
 
 
muito mais que o ouro, o ouro fino.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span><span style="color:red"><sup>8</sup></span>Por isso, eu segui a direito todos os teus preceitos
 
 
e detesto os caminhos da mentira.
 
 
 
''Pé''
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span><span style="color:red"><sup>9</sup></span>Os teus preceitos são admiráveis;
 
 
por isso a minha alma os tem cumprido.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span><span style="color:red"><sup>0</sup></span>A explicação das tuas palavras ilumina,
 
 
dá inteligência aos simples.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span><span style="color:red"><sup>1</sup></span>Abro com avidez a minha boca,
 
 
porque tenho fome dos teus mandamentos.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span><span style="color:red"><sup>2</sup></span>Volta-te para mim e trata-me com bondade,
 
 
como é tua norma com os que amam o teu nome.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span><span style="color:red"><sup>3</sup></span>Dá firmeza aos meus passos, segundo a tua promessa;
 
 
não permitas que me domine qualquer maldade.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span><span style="color:red"><sup>4</sup></span>Livra-me dos que oprimem os humanos
 
 
e guardarei os teus preceitos.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span><span style="color:red"><sup>5</sup></span>Que o teu rosto se ilumine para o teu servo;
 
 
e ensina-me as tuas leis.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span><span style="color:red"><sup>6</sup></span>Dos meus olhos descem rios de água,
 
 
porque a tua lei não está a ser cumprida.
 
 
 
''Sadé''
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span><span style="color:red"><sup>7</sup></span>Tu és justo, ó Senhor,
 
 
e as tuas sentenças são retas.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span><span style="color:red"><sup>8</sup></span>Estabeleceste os teus preceitos com justiça
 
 
e com inteira fidelidade.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span><span style="color:red"><sup>9</sup></span>O meu zelo me consome,
 
 
porque os meus inimigos desprezam as tuas palavras.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span><span style="color:red"><sup>0</sup></span>A tua promessa foi comprovada;
 
 
por isso o teu servo lhe tem amor.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span><span style="color:red"><sup>1</sup></span>Eu sou ainda jovem e pouco estimado,
 
 
mas não me esqueço dos teus preceitos.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span><span style="color:red"><sup>2</sup></span>A tua justiça é justiça para sempre
 
 
e a tua lei é a verdade.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span><span style="color:red"><sup>3</sup></span>A aflição e a angústia atingiram-me,
 
 
mas as minhas delícias estão nos teus mandamentos.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span><span style="color:red"><sup>4</sup></span>A justiça das tuas ordens é para sempre;
 
 
ajuda-me a compreendê-las e viverei.
 
 
 
''Qof''
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span><span style="color:red"><sup>5</sup></span>Eu clamo por ti, Senhor, com todo o coração;
 
 
responde-me, pois quero cumprir os teus decretos.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span><span style="color:red"><sup>6</sup></span>Clamo por ti, salva-me,
 
 
e cumprirei os teus preceitos.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span><span style="color:red"><sup>7</sup></span>De manhã cedo vou implorar o teu auxílio,
 
 
porque tenho confiança na tua palavra.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span><span style="color:red"><sup>8</sup></span>Os meus olhos antecipam as vigílias da noite,
 
 
para meditar na tua promessa.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span><span style="color:red"><sup>9</sup></span>Ouve a minha voz, Senhor, pela tua misericórdia,
 
 
dá-me vida, conforme a tua sentença.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span><span style="color:red"><sup>0</sup></span>Aproximam-se os que correm atrás da iniquidade
 
 
e se afastam da tua lei.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span><span style="color:red"><sup>1</sup></span>Tu estás próximo, Senhor,
 
 
e todos os teus mandamentos são verdade.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span><span style="color:red"><sup>2</sup></span>Desde muito cedo conheço os teus preceitos;
 
 
pois Tu os estabeleceste para sempre.
 
 
 
''Resh''
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span><span style="color:red"><sup>3</sup></span>Vê a minha aflição e livra-me,
 
 
pois não esqueci a tua lei.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span><span style="color:red"><sup>4</sup></span>Defende a minha causa e resgata-me;
 
 
dá-me vida, segundo a tua promessa.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span><span style="color:red"><sup>5</sup></span>A salvação está longe dos malfeitores,
 
 
porque não procuram os teus decretos.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span><span style="color:red"><sup>6</sup></span>Grande é a tua compaixão, Senhor,
 
 
dá-me vida, conforme a tua sentença.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span><span style="color:red"><sup>7</sup></span>Muitos são os inimigos que me perseguem,
 
 
mas eu não me desvio dos teus preceitos.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span><span style="color:red"><sup>8</sup></span>Vi os traidores e fiquei desgostoso,
 
 
porque não guardaram a tua palavra.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span><span style="color:red"><sup>9</sup></span>Vê como eu amo os teus decretos:
 
 
Senhor, dá-me vida pela tua misericórdia.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span><span style="color:red"><sup>0</sup></span>A verdade é o princípio da tua palavra;
 
 
são eternos os decretos da tua justiça.
 
 
 
''Sin''
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span><span style="color:red"><sup>1</sup></span>Os poderosos perseguem-me sem razão,
 
 
mas o meu coração só teme a tua palavra.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span><span style="color:red"><sup>2</sup></span>Sinto-me tão feliz com a tua promessa,
 
 
como quem encontrou grandes despojos.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span><span style="color:red"><sup>3</sup></span>Detesto e abomino a mentira,
 
 
mas tenho muito amor à tua lei.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span><span style="color:red"><sup>4</sup></span>Sete vezes por dia eu te louvo<ref name="ftn730">''Sete vezes'' significa, em termos bíblicos, a medida do que está completo ou perfeito (Pr 24,16; Mt 18,21-22). Na prática litúrgica da Igreja, as sete vezes acabaram por se transformar nas sete horas canónicas, número de vezes em que se distribui ao longo do dia a recitação do ofício divino.</ref>
 
 
pelos teus decretos de justiça.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span><span style="color:red"><sup>5</sup></span>Grande paz espera os que amam a tua lei;
 
 
não há nada onde possam tropeçar.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span><span style="color:red"><sup>6</sup></span>Aguardo a tua salvação, Senhor,
 
 
e cumpro os teus mandamentos.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span><span style="color:red"><sup>7</sup></span>A minha alma observa os teus preceitos,
 
 
e amo-os profundamente.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span><span style="color:red"><sup>8</sup></span>Observo os teus preceitos e as tuas leis,
 
 
pois todos os meus caminhos estão diante de ti.
 
 
 
''Tau''
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span><span style="color:red"><sup>9</sup></span>Senhor, que o meu clamor se aproxime da tua presença,
 
 
dá-me entendimento, conforme a tua palavra.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span><span style="color:red"><sup>0</sup></span>Que a minha súplica chegue à tua presença;
 
 
livra-me, conforme a tua promessa.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span><span style="color:red"><sup>1</sup></span>Dos meus lábios brota o louvor,
 
 
pois tu me ensinas os teus preceitos.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span><span style="color:red"><sup>2</sup></span>Que a minha língua responda à tua palavra,
 
 
porque todos os teus mandamentos são de justiça.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span><span style="color:red"><sup>3</sup></span>Esteja a tua mão pronta para me ajudar,
 
 
pois eu escolhi os teus preceitos.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span><span style="color:red"><sup>4</sup></span>Anseio pela tua salvação, Senhor!
 
 
Na tua lei estão as minhas delícias.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span><span style="color:red"><sup>5</sup></span>Que a minha alma tenha vida e possa louvar-te,
 
 
e que os teus decretos me ajudem.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span><span style="color:red"><sup>6</sup></span>Andei errante, como ovelha perdida<ref name="ftn731">O tema profético da ovelha perdida (Is 53,6; Ez 34,5s; Mq 2,12-13; Zc 11,15-17) encontra-se aqui aplicado ao indivíduo.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
vem procurar o teu servo,
 
 
pois não me esqueci dos teus mandamentos.
 
 
 
120(119)'''Súplica contra os maldizentes '''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Cântico das peregrinações''
 
 
 
Na minha angústia, clamei ao Senhor<ref name="ftn732">Este salmo é uma súplica individual, pela forma literária que assume. No entanto, o título de cântico de peregrinação sugere um significado que ultrapassa explicitamente o do simples indivíduo. Os motivos da súplica são apresentados de forma direta e concisa. Esta modalidade de síntese manifesta bem a experiência e sensibilidade coletivas que ele representava. Este é o primeiro de uma série de salmos que se designam como ''cânticos de peregrinação'' (Sl 120-134); eram usados na subida para o templo de Jerusalém por ocasião das grandes festas (cf. Ex 23,14-17; Lv 23,1). Em hebraico são designados como ''cânticos das subidas'', porque a ida para o santuário é considerada sempre um caminho de subida, seja no sentido físico seja no sentido simbólico. Na liturgia católica chamava-se ''salmo gradual'' (do latim ''gradus'': ''degrau'', ''subida'') a um salmo que se canta entre as leituras da missa. Estes salmos eram igualmente utilizados em situações muito variadas.</ref>,
 
 
e Ele me respondeu.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Livra a minha alma, Senhor,
 
 
dos lábios de mentira e das línguas de traição.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Que é que Deus te há de dar em paga
 
 
e que te há de acrescentar<ref name="ftn733">Esta expressão alude a uma fórmula imprecatória em crescendo usada para pedir uma maldição contra alguém: Rt 1,17ss; 1Sm 3,17; 14,44; 20,13; 25,22.</ref>, ó língua traiçoeira?
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>São setas agudas de guerreiro
 
 
com carvões acesos de giesta!
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Ai de mim, que vivo como estrangeiro em Méchec,
 
 
acampado junto às tendas de Quedar<ref name="ftn734">Este v. refere uma coexistência indesejada com grupos de gente muito distante e de estranhos costumes, como seriam os casos de Méchec, situado muito para o norte e onde pertence o mítico rei Gog (Gn 10,2; Ez 27,13<nowiki>; 38,2</nowiki>) e Quedar (Is 21,16), conjunto de tribos árabes que se tinham espalhado até à Síria.</ref>!
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Há muito que a minha alma vive
 
 
entre gente que odeia a paz.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Por mim é a paz e assim o proclamo;
 
 
mas por eles é apenas a guerra.
 
 
 
121(120)''' Deus, auxílio e proteção'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Cântico das peregrinações.''
 
 
 
Levanto os meus olhos<ref name="ftn735">A forma e os conteúdos deste salmo são os de uma oração individual de confiança. Ele sublinha com grande intensidade a ideia de que é Deus quem guarda Israel. Esta metáfora vai sendo repetida como palavra refrão e sugere a ideia de que a confiança proclamada ultrapassa manifestamente o plano individual e abrange todo o povo. O seu conteúdo aproveita alguns dos temas bíblicos mais clássicos, tais como as ideias de criação, segurança, tranquilidade e proteção. A experiência espiritual própria de um texto de oração coletivo exprime-se na estrutura quase de diálogo em que alguém declara as suas preocupações e logo adianta a perspetiva de confiança (vv. 1-2), enquanto outra voz lhe responde longamente a confirmar essa perspetiva de esperança (vv. 3-8).</ref> para as montanhas<ref name="ftn736">As montanhas para as quais o salmista desesperado olha podem significar o horizonte distante de onde uma inesperada ajuda pode surgir. Seria a metáfora genérica da esperança distante. Porém, a própria Jerusalém é sentida como estando assente sobre as montanhas que a cultura anterior de Canaã enriquecia de ressonâncias simbólicas. Neste salmo, nem o monte de Sião nem sequer o templo são explicitamente referidos. Porém, o essencial da confiança vem do Senhor e este é amplamente recordado como fonte de auxílio e segurança. </ref>:
 
 
de onde me pode vir o auxílio?
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>O meu auxílio vem do Senhor,
 
 
que fez o céu e a terra.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Ele não vai permitir que o teu pé tropece;
 
 
aquele que te guarda não se deixa adormecer.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Pois não vai dormir nem dormitar
 
 
aquele que é guarda de Israel.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>O Senhor é quem te guarda,
 
 
o Senhor é tua sombra protetora:
 
 
está presente ao teu lado direito.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Durante o dia, o Sol não te fará mal,
 
 
nem a Lua, durante a noite<ref name="ftn737">A cultura de Canaã tinha consciência de que o Sol era também causa de seca, morte e sofrimento (Sb 18,3; Is 49,10; Ap 7,16). A Lua serve para fazer paralelismo com o Sol, na construção equilibrada do v., mas também se acreditava que ela podia trazer certos malefícios e doenças, como o caso dos «lunáticos» (Mt 17,15).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>O Senhor guarda-te de todo o mal;
 
 
é Ele que guarda a tua alma.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>O Senhor guarda as tuas saídas e as tuas entradas<ref name="ftn738">As entradas e as saídas representam a totalidade da vida humana (Nm 27,17; 31,2; Js 14,11).</ref>,
 
 
desde agora e para sempre.
 
 
 
122(121)'''Em louvor de Jerusalém'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Cântico das peregrinações. De David.''
 
 
 
Exultei com quantos<ref name="ftn739">Ou: ''Exultei quando.''</ref> me diziam<ref name="ftn740">Para além de ser um cântico de peregrinação para Jerusalém, a própria cidade constitui o centro de todo o texto. Sião é olhada com toda a ternura que suscita o facto de ser o lugar do santuário e o símbolo da organização que David deixou para o quotidiano dos hebreus. A beleza física da cidade é valorizada por todos estes aspetos simbólicos. O texto divide-se entre felizes descrições da cidade e convites à participação entusiasta por parte daqueles que se integram na peregrinação.</ref>:
 
 
«Vamos para a casa do Senhor!».
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Os nossos passos paravam finalmente
 
 
às tuas portas, Jerusalém!
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Jerusalém, construída como uma cidade,
 
 
toda ela bem articulada<ref name="ftn741">Os pormenores descritivos da construção e da estética da cidade nem sempre se conseguem definir de forma clara. No entanto, no NT continuamos a encontrar referências ao efeito produzido pelo aspeto arquitetónico e simbólico de Jerusalém: Mc 13,1; 1Pd 2,5; Ap 21,10-27. </ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Para lá sobem as tribos, as tribos do Senhor,
 
 
como é de norma em Israel,
 
 
para louvar o nome do Senhor<ref name="ftn742">Este v. refere-se ao costume, transformado em lei para os israelitas, de peregrinarem a Jerusalém para celebrar as grandes festas: Sl 81,5; Ex 23,14-17; 34,24; Dt 12,4-19; 16,16; Lc 2,41-42.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Ali foram instalados os tribunais da justiça<ref name="ftn743">Cf. 2Sm 15,2-6.</ref>,
 
 
os tribunais da casa de David.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Desejai paz a Jerusalém<ref name="ftn744">Lit.: ''Pedi a paz de Jerusalém. ''Esta é uma fórmula caraterística de saudação, que se adapta bem ao momento da entrada dos peregrinos na cidade. Além disso, é possível que o salmista seja sensível à maneira como os hebreus sentiam o significado do nome de Jerusalém que na última parte (''chalem'') lhes lembrava o termo «paz» (''chalom''). O nome pode ter uma origem diferente, mas para a etimologia popular dos hebreus era daquela maneira que soava (Sl 76,3).</ref>:
 
 
«Estejam em segurança os que te amam.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Haja paz dentro das tuas muralhas,
 
 
segurança nos teus palácios».
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Por bem dos meus irmãos e dos meus amigos,
 
 
proclamo que haja paz dentro de ti.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Por bem da casa do Senhor, nosso Deus,
 
 
peço para ti o bem-estar.
 
 
 
123(122)'''Oração de confiança em Deus'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Cântico das peregrinações.''
 
 
 
Para ti levanto os meus olhos<ref name="ftn745">Este salmo, que pode ser de súplica ou lamentação coletiva, começa, na verdade, com uma súplica em primeira pessoa do singular, mas abre imediatamente para uma situação coletiva, tanto na expressão da confiança em Deus como na súplica, para que Ele se mostre sensível à situação da comunidade. A situação descrita parece consistir em ameaças e desprezo por parte dos povos vizinhos, segundo o que se depreende dos vv. 3-4. A situação poderia fazer lembrar as referências de Ne 4,1-15.</ref>,
 
 
para ti, que estás entronizado nos céus.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Como os olhos dos servos nas mãos dos seus senhores,
 
 
como os olhos da serva nas mãos da sua senhora,
 
 
assim os nossos olhos estão postos no Senhor<ref name="ftn746">Pela força e intencionalidade dos olhos dos servos e da serva na mão dos seus senhores o salmista já não explicitou o fixar dos olhares dos piedosos israelitas na mão do Senhor: refere apenas o próprio Senhor, deixando implícito o significado da mão de Deus como metáfora de intervenção e salvação.</ref>, nosso Deus,
 
 
até que tenha piedade de nós.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Tem piedade de nós, Senhor, tem piedade de nós,
 
 
porque estamos saturados de desprezo.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Saturada está também a nossa alma,
 
 
com o escárnio dos arrogantes e o desprezo dos orgulhosos.
 
 
 
124(123)'''Libertação de Israel'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Cântico das peregrinações. De David''.
 
 
 
Se não fosse o Senhor, que estava por nós<ref name="ftn747">Este é um salmo coletivo de ação de graças pela experiência passada. A história vivida é considerada muito positiva. Isso é atribuído ao facto de Deus ter estado ao lado do povo de Israel (v. 1). As fórmulas e o estilo são caraterísticos dos cânticos de peregrinação.</ref>,
 
 
que o diga agora Israel<ref name="ftn748">Transparece aqui um convite a que a assembleia repita estas frases mais importantes (cf. Sl 118,2).</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>se não fosse o Senhor, que estava por nós,
 
 
quando os homens se levantaram contra nós,
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>ter-nos-iam, então, engolido vivos<ref name="ftn749">''Engolir vivo'' significa uma destruição rápida e total, sem deixar vestígios (cf. Sl 56,16; Nm 16,30; Pr 1,12; Is 5,13-14).</ref>,
 
 
quando a sua fúria ardia contra nós.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Então as águas ter-nos-iam submergido<ref name="ftn750">As metáforas dos vv. 4-5 são clássicas na Bíblia para exprimir a catástrofe e o caos (cf. Sl 18,5.17; 69,2).</ref>,
 
 
a torrente teria passado sobre nós.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Então, sim, teriam passado sobre nós
 
 
as águas turbulentas!
 
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Bendito seja o Senhor,
 
 
que não nos entregou
 
 
como presa para os seus dentes!
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>A nossa alma foi resgatada,
 
 
como um pássaro do laço dos caçadores;
 
 
o laço foi quebrado e nós fomos libertados.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>O nosso auxílio está no nome do Senhor,
 
 
que fez os céus e a terra.
 
 
 
125(124)'''Confiança em tempo de opressão'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Cântico das peregrinações''.
 
 
 
Aqueles que confiam no Senhor são como o monte Sião<ref name="ftn751">Expressão de confiança coletiva, onde a segurança do justo é comparada com a do monte Sião, ''que não vacila e está firme para sempre'' (vv. 1-2). O salmo é composto ao modo de uma exortação profética, para incutir perseverança na fidelidade a Deus, para os tempos difíceis, marcados pela dominação estrangeira (v. 3). O contexto poderia ser aquele que se exprime em Ne 6.</ref>
 
 
que não vacila e está firme para sempre.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Jerusalém tem as montanhas à sua volta;
 
 
assim o Senhor se mantém à volta do seu povo,
 
 
desde agora e para sempre.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>O cetro do malfeitor não pesará sobre o lote dos justos,
 
 
para que os justos não estendam as mãos para a maldade.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Sê bondoso, Senhor, para com os que são bons
 
 
e para os que são retos em seus corações.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Mas aos que se desviam por seus atalhos tortuosos,
 
 
que o Senhor os expulse com os que praticam o mal<ref name="ftn752">Esta pode ser uma referência aos israelitas que atraiçoaram o povo, segundo o referido em Ne 6,17-19.</ref>.
 
 
Haja paz em Israel.
 
 
 
126(125)'''Cântico de restauração'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Cântico das peregrinações.''
 
 
 
Quando o Senhor restabeleceu o destino de Sião<ref name="ftn753">O tema do regresso do exílio e as dificuldades em retomar num ritmo satisfatório os trabalhos de restauração parece ser o contexto e o conteúdo que preenche este salmo coletivo de súplica. A esperança consiste em que Deus ajude a completar a obra de reconstrução encetada, de modo a aproximar-se dos níveis de sucesso que já tinham sido atingidos no passado (cf. Ne 5; Ag 1-2; Zc 3-4).</ref>,
 
 
estávamos como que a sonhar.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>A nossa boca encheu-se de sorrisos,
 
 
e a nossa língua de canções de júbilo.
 
 
Até se dizia entre os povos:
 
 
«O Senhor fez por eles grandes coisas!».
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Sim. O Senhor fez por nós grandes coisas;
 
 
por isso exultamos de alegria.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Restabelece, Senhor, o nosso destino<ref name="ftn754">Ou: ''Regressa, Senhor, com os nossos exilados''.</ref>
 
 
como as torrentes no deserto do Négueb<ref name="ftn755">Négueb é o deserto situado ao sul da Palestina, região árida e seca. Ali não havia fontes de água para uma irrigação permanente. Uma torrente de repente provocada pela chuva surtia o efeito de um verdadeiro milagre (cf. Jb 6,15).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Aqueles que semeavam entre lágrimas<ref name="ftn756">A sucessão de metáforas expressivas de sofrimento e satisfação é uma maneira viva de contabilizar de forma positiva a longa experiência do exílio como sementeira de restauração.</ref>
 
 
hão de recolher com alegria.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Ao ir, ele vai caminhando a chorar,
 
 
carregando e lançando a semente;
 
 
ao regressar, vem com canções de júbilo,
 
 
carregando os seus feixes de espigas.
 
 
 
127(126)'''A Providência divina'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Cântico das peregrinações. De Salomão.''
 
 
 
Se o Senhor não edificar a casa<ref name="ftn757">Este salmo segue o modelo de uma meditação sapiencial e celebra, em primeiro lugar, a maneira como Deus está presente por dentro do trabalho humano de criação (vv. 1-2). Tomando a metáfora mais à letra poderia ver-se aqui a dificuldade em reconstituir e reorganizar a comunidade depois do desastre do exílio (Ne 4,9-14; 7,4). Em seguida o salmo exalta a importância dos filhos, sobretudo criados em idade jovem (vv. 3-5). Tal como acontece com o Sl 72, o título classifica este salmo como sendo de Salomão. Neste caso, há quem pense que foi a referência ''ao seu amigo'', no v. 2, que levou a que a referência a Salomão fosse explicitada em título (cf. 2Sm 12,25).</ref>,
 
 
em vão se esforçam os construtores.
 
 
Se o Senhor não guardar a cidade,
 
 
em vão vigiam os guardas.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>De nada vos serve levantar mais cedo e deitar mais tarde,
 
 
para comerem o pão das canseiras,
 
 
pois Ele o dá ao seu amigo, enquanto dorme<ref name="ftn758">Na sequência da menção de Salomão no título do salmo, há quem veja neste sono uma referência ao sonho de Salomão em Guibeon (1Rs 3,5).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Olhai! os filhos são herança do Senhor<ref name="ftn759">Se as preocupações de criatividade deste salmo tiverem a ver com a reconstrução de Jerusalém, os vv. 3-4 poderiam significar um incentivo ao repovoamento da cidade de Jerusalém (Ne 4,9-17; 11,1s).</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
o fruto das entranhas é recompensa.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Como flechas na mão de um guerreiro,
 
 
assim são os filhos da juventude.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Feliz o homem que deles encheu a sua aljava!
 
 
Esses não se envergonharão,
 
 
quando tiverem que discutir em tribunal
 
 
com os seus adversários, à porta da cidade<ref name="ftn760">As discussões sobre direitos ou prejuízos entre cidadãos, de molde a tomar sobre isso decisões mais ou menos formais, costumavam decorrer em sessões de assembleia pública, que tinham lugar na praça pública, junto da entrada da cidade (cf. Gn 23,3; Rt 4,1; Pr 31,23.31).</ref>.
 
 
 
128(127)'''Bênçãos da família'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Cântico das peregrinações''.
 
 
 
Feliz todo aquele que teme o Senhor<ref name="ftn761">Tal como o anterior salmo, também este segue o modelo de composição sapiencial. Ele pretende demonstrar que seguir a lei de Deus é a melhor garantia para se assegurar uma vida próspera e feliz. O padrão de felicidade final referido é o bem-estar de Jerusalém, mas o enquadramento concreto desta harmonia entre bom comportamento e felicidade no quotidiano é o quadro de uma vida familiar em que todos os elementos mostram a sua forma natural de serem produtivos.</ref>
 
 
e anda pelos seus caminhos.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Comerás do trabalho das tuas mãos.
 
 
Feliz e afortunado és tu!
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>A tua esposa será como videira produtiva
 
 
na intimidade do teu lar.
 
 
Os teus filhos serão como rebentos de oliveira
 
 
ao redor da tua mesa.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>É assim que há de ser abençoado
 
 
o homem que teme o Senhor.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Que o Senhor te abençoe de Sião,
 
 
e possas ver a prosperidade de Jerusalém,
 
 
todos os dias da tua vida.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Possas tu ver os filhos dos teus filhos!
 
 
Haja paz em Israel!
 
 
 
129(128)'''O libertador de Israel'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Cântico das peregrinações.''
 
 
 
Muito me atacaram desde a minha juventude<ref name="ftn762">Este cântico de confiança e de esperança descreve em primeira pessoa uma experiência que acaba por se alargar a todo o povo de Israel. Esta meditação de estilo sapiencial procura extrair as lições que decorrem da experiência vivida e exprime as aventuras sofridas, servindo-se de uma série de metáforas integradas num sistema de referências que nos remete para as experiências duras do trabalho agrícola. </ref>.
 
 
Que o diga Israel agora<ref name="ftn763">O convite para que Israel repita a declaração (cf. Sl 118,2) é cumprido logo no v. 2.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Muito me atacaram desde a minha juventude<ref name="ftn764">As referências à juventude, nos vv. 1 e 2 referem-se aos problemas dos primeiros tempos, no Egito (Ex 1ss), e primeiros tempos na terra prometida (Jz 3; 4; etc.)</ref>,
 
 
mas não conseguiram vencer-me.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Sobre as minhas costas lavraram os lavradores
 
 
e prolongaram os seus sulcos<ref name="ftn765">Esta imagem, que exprime tradicionalmente o tratamento de escravatura aplicado a alguém, aplica-se bem ao facto de o dorso sobre o qual lavram os lavradores ser o de Israel, cujo solo humilhado por poderes estrangeiros é o motivo que parece ter suscitado este salmo. Cf. Is 50,6; Am 1,3; Hab 3,12.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Mas o Senhor, que é justo, libertou-me
 
 
das cadeias dos malfeitores.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Sejam humilhados e obrigados a retroceder
 
 
todos os que odeiam Sião.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Sejam como a erva dos telhados,
 
 
que, antes de ser arrancada, já está seca<ref name="ftn766">Ou: ''que o vento leste faz murchar.''</ref>,
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>de modo que não dá uma mão cheia para o ceifeiro,
 
 
nem um braçado para quem ata os feixes.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Nem poderão dizer os que passam pelo caminho<ref name="ftn767">Na ocasião das colheitas, parecia ser costume que os que passavam perto saudavam os ceifeiros, celebrando a boa colheita (cf. Rt 2,4).</ref>:
 
 
«Que a bênção do Senhor desça sobre vós;
 
 
nós vos abençoamos em nome do Senhor».
 
 
 
130(129)'''Cântico de esperança'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Cântico das peregrinações''.
 
 
 
Do fundo do abismo<ref name="ftn768">Lit. ''Das profundezas''. Este plural traduz os momentos de profundo sofrimento, mas para o exprimir abre a porta para as ressonâncias míticas desta imagem que exprimem o caos visto como o oceano profundo de todos os perigos.</ref> clamo a ti, Senhor<ref name="ftn769">Este salmo individual de súplica integra-se no conjunto de salmos de espírito comunitário como são realmente os cânticos de peregrinação. Neles se encontram normalmente presentes os ingredientes caraterísticos de confiança e de festa. No entanto, o salmo trata de um tema bastante ligado com a experiência pessoal e o sentido expresso desde o princípio sugere um horizonte de grande angústia. Ao longo da história, tornou-se um texto muito representativo da liturgia dos defuntos, sendo conhecido como o ''De profundis'', por causa das palavras iniciais do seu texto em latim, segundo a Vg. Este é um dos salmos penitenciais.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Senhor, ouve a minha voz!
 
 
Estejam os teus ouvidos atentos
 
 
à voz da minha súplica.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Se Tu, Senhor, tiveres em conta os pecados,
 
 
ó Senhor, quem poderá resistir?
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Pois junto de ti está o perdão;
 
 
por isso é que infundes temor<ref name="ftn770">Esta ligação entre o perdão e o temor de Deus é um bom elemento para definir como a ideia de temor de Deus tem na Bíblia conotações positivas.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Eu espero no Senhor. Sim, a minha alma espera!
 
 
E confio na sua palavra!
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>A minha alma volta-se para o Senhor,
 
 
mais do que as sentinelas para a manhã<ref name="ftn771">Trata-se das sentinelas que fazem vigilância na cidade durante a noite. Aquilo por que mais aspiram é começar a descortinar os primeiros sinais do amanhecer.</ref>.
 
 
Mais do que as sentinelas esperam pela manhã,
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>que Israel ponha a esperança no Senhor.
 
 
Pois é junto do Senhor que há misericórdia
 
 
e com Ele é abundante a redenção.<span style="color:red"><sup>8</sup></span>É Ele que há de redimir Israel
 
 
de todos os seus pecados.
 
 
 
131(130)'''Oração de humilde confiança'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Cântico das peregrinações. De David''.
 
 
 
Senhor, o meu coração não é orgulhoso<ref name="ftn772">Este salmo individual de confiança manifesta a serenidade de espírito por parte de alguém que se sente animado pelo Senhor (v. 3). O seu estado de alma, expresso com a metáfora de uma criança no colo da mãe depois de ser amamentada, situa o orante numa tranquilidade de infância espiritual e reconcilia-o consigo mesmo. Com este desdobramento entre si e a sua alma, o salmista está a identificar-se como sendo filho e mãe de si mesmo. </ref>
 
 
nem os meus olhos são altivos.
 
 
Não corro atrás de grandezas
 
 
ou coisas demasiado grandiosas para mim.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Pelo contrário! Estou sossegado e de alma tranquila.
 
 
Como criança saciada ao colo da mãe
 
 
está a minha alma saciada no meu colo<ref name="ftn773">Esta imagem de proteção maternal pode também ser referida a Deus, como acontece em Sl 32,20-22; 130,6s.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Que Israel espere no Senhor,
 
 
desde agora e para sempre.
 
 
132(131)'''Promessas de Deus a David'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Cântico das peregrinações''.
 
 
 
Senhor, lembra-te de David<ref name="ftn774">Este salmo costuma ser incluído na categoria dos salmos reais. Com efeito, a figura central em todo ele é a do rei David. E isto, por vários motivos. Primeiro, porque tomou a decisão de procurar um lugar para estabelecer o santuário do Senhor. Em segundo lugar, porque Deus fez a promessa de lhe garantir em Sião uma dinastia perene de descendentes. A simbologia da realeza e dos seus agentes, tanto no culto como na política, está relacionada com a aliança entre Deus e o povo. A dúvida de saber se o diadema real, referido no último v., diz respeito a Deus ou ao rei tem marcado a história das traduções desde a antiguidade. Ambas as hipóteses podem fazer algum sentido, tendo em conta o pensamento hebraico e mesmo oriental sobre a realeza. É no realizar de forma eficaz e honesta as funções superiores do poder que o homem mostra ser imagem de Deus. Na fórmula criacional registada em Gn 1,26 os três sinónimos com que se define o humano são: homem, imagem nossa (de Deus), poder.</ref>
 
 
e de todos os seus trabalhos.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Ele fez um juramento ao Senhor,
 
 
um voto ao Poderoso de Jacob<ref name="ftn775">''O Poderoso de Jacob'' é um título equivalente a um nome de Deus, particularmente associado às tradições do patriarca Jacob (cf. Gn 49,24). O voto expresso nos vv. seguintes não aparece explicitamente na Bíblia, mas os factos referidos correspondem ao que é relatado em 2Sm 6-7 (cf. 1Cr 13-17).</ref>:
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>«Não entrarei no abrigo da minha casa,
 
 
nem subirei para o meu leito de repouso;
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>não concederei sono aos meus olhos
 
 
nem descanso às minhas pálpebras,
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>enquanto não encontrar um lugar para o Senhor,
 
 
uma digna morada<ref name="ftn776">A ''digna'' ''morada'' é o templo, cuja ideia se atribui a David e cuja construção coube ao seu filho Salomão (cf. 1Cr 28,1-19; 2Cr 1,18-5,1).</ref> para o Poderoso de Jacob».
 
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Ouvíamos dizer que a arca<ref name="ftn777">Lit.: ''ela.''</ref> estava em Efrata<ref name="ftn778">As palavras dos vv. 6-10 são postas na boca dos israelitas, seja dos contemporâneos de David seja dos que em qualquer época assumiam em oração este salmo, revivendo o espírito dos acontecimentos referenciados, numa viagem simbólica no interior do território de Efrata, que incluía Belém, terra natal de David (Gn 35,19; Rt 4,11) e Jaar, também conhecida como Quiriat-Iarim. Deste modo se refazia a viagem da arca da aliança, dali até Jerusalém (cf. 1Sm 7,1s; 2Sm 6,3). A viagem simbólica começa com um convite dirigido ao Senhor (v. 8) para aceitar a transferência para Jerusalém.</ref>,
 
 
encontrámo-la nos campos de Jaar.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Entremos na sua morada!
 
 
Prostremo-nos junto ao estrado dos seus pés!
 
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Levanta-te e vem, Senhor, para o teu lugar de repouso,
 
 
Tu e a arca do teu poder!
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Que os teus sacerdotes se revistam de justiça,
 
 
e os teus fiéis exultem de alegria.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Por amor de David, teu servo,
 
 
não deixes de acolher o teu ungido<ref name="ftn779">Lit.: ''não desvies a face do teu ungido''. Este pedido é mais urgente se, depois do fim da primeira monarquia, se referir a uma personagem nova como Zorobabel, para quem se volta a reclamar a linhagem de David (cf. Esd 3,2; Ag 1,1s.6.21; Zc 4).</ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>O Senhor fez um juramento a David<ref name="ftn780">Esta promessa a David vem mais amplamente relatada em Sl 89,28-38; 2Sm 7.</ref>,
 
 
promessa firme, da qual não volta atrás:
 
 
«Será um dos teus descendentes
 
 
que Eu hei de colocar no trono por ti.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Se os teus filhos guardarem a minha aliança
 
 
e os preceitos que Eu lhes ensino,
 
 
também os filhos deles, para sempre,
 
 
hão de sentar-se no trono por ti».
 
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Pois o Senhor escolheu Sião
 
 
e desejou que fosse ali a sua morada:
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>«Este será para sempre o meu lugar de repouso,
 
 
aqui hei de habitar, porque assim o desejei.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Abençoarei, sim, abençoarei as suas provisões,
 
 
saciarei de pão os seus pobres.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Revestirei de esplendor<ref name="ftn781">Lit.: ''de salvação.'' Este revestimento é uma bênção de Deus. Quando no v. 9 se convidam os sacerdotes a revestirem-se de justiça é da responsabilidade e da iniciativa deles.</ref> os seus sacerdotes,
 
 
e os seus fiéis hão de exultar de alegria.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Ali farei germinar o poder de David<ref name="ftn782">Lit.: ''um chifre de David.'' Podendo significar riqueza e abundância, o termo ''qeren'' significa principalmente o poder. Em Zc 6,12, Zorobabel é designado como ''rebento'' ou ''gérmen'', termo que é da mesma raiz aqui usada para significar ''germinar.''</ref>,
 
 
pois preparei uma lâmpada<ref name="ftn783">''A lâmpada'' é símbolo de vida e prosperidade (cf. Sl 18,29; 2Sm 14,7; Pr 24,20).</ref> para o meu ungido.
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Aos seus inimigos cobrirei de vergonha,
 
 
mas sobre ele florirá o seu diadema<ref name="ftn784">A tradução dos LXX diz: ''o meu diadema, ''o qual também se enquadra bem no simbolismo da ideologia real.</ref>».
 
 
 
133(132)'''A união fraterna'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Cântico das peregrinações. De David''.
 
 
 
Eis como é bom e agradável<ref name="ftn785">Esta meditação sapiencial fixa-se na vida de Israel em comunidade, vendo-o como uma grande família de irmãos. As imagens do óleo e do orvalho sugerem a fertilidade da terra (Gn 27,28). A personagem de Aarão introduz neste quadro uma referência histórica de encantamento e solenidade<nowiki>;</nowiki> e o monte Hermon ajuda a erguer a modesta colina de Sião aos píncaros das altas montanhas do norte de Canaã, cobertas de antigos mitos e simbolismos religiosos que Israel assume.</ref>
 
 
viverem os irmãos bem unidos!
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>É como óleo perfumado sobre a cabeça,
 
 
que desce pela barba, a barba de Aarão,
 
 
que desce pela gola das suas vestes.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>É como orvalho do monte Hermon,
 
 
que desce pelas colinas de Sião.
 
 
É ali que o Senhor estabelece a sua bênção,
 
 
a vida para a eternidade.
 
 
 
134(133)'''Convite ao louvor de Deus'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Cântico das peregrinações''.
 
 
 
Vinde! Bendizei o Senhor<ref name="ftn786">Este salmo parece uma simples fórmula de convite carateristicamente litúrgico para se louvar o Senhor. Convida à atitude de louvor, sem sequer introduzir motivações concretas como é costume em tais textos. Na verdade, louvar o Senhor não precisa de motivações; é natural e evidente. Este texto parece um daqueles refrões puramente funcionais de que as liturgias costumam servir-se como fórmulas de cerimónia. Mesmo assim foi integrado no grupo dos cânticos de peregrinação, talvez porque esta categoria recolhia também conotações deste tipo e fazia sempre sentido naquele contexto.</ref>,
 
 
todos vós, os servos do Senhor
 
 
que permaneceis na casa do Senhor,
 
 
durante as vigílias da noite.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Erguei as vossas mãos para o santuário
 
 
e bendizei o Senhor!
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Que o Senhor te abençoe de Sião,
 
 
Ele que fez os céus e a terra.
 
 
 
135(134)'''As maravilhas de Deus '''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>Aleluia!
 
 
Louvai o nome do Senhor<ref name="ftn787">Este salmo é um hino de grande intencionalidade litúrgica, não somente porque se concentra intensamente na ideia do louvor, onde está o sentido e o espírito da adoração e da liturgia, mas também porque apresenta a realidade do povo de Israel segundo as várias casas, com a sua representatividade institucional. Do ponto de vista do conteúdo, este hino está recheado dos mais importantes temas históricos e teológicos da tradição hebraica. A pedra de toque é o Deus que habita em Sião. Relativamente a este Deus, o hino celebra a supremacia sobre a criação (vv. 5-7) e o acompanhamento e defesa do seu povo ao longo da história (vv. 8-14), a partir do tempo do Egito. É ali que o salmo fundamenta a identidade do povo hebreu. E nisto se concentra toda a realidade e todo o sentido da vida. Outros deuses simplesmente não existem. O monoteísmo é assumido de uma forma feliz.</ref><nowiki>; </nowiki>
 
 
louvai-o, ó servos do Senhor,
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>vós que permaneceis no templo do Senhor,
 
 
nos átrios da casa do nosso Deus.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Louvai o Senhor, porque o Senhor é bom;
 
 
cantai ao seu nome, porque é agradável.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Pois o Senhor escolheu para si Jacob,
 
 
escolheu Israel como sua propriedade.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Sim, eu sei que o Senhor é grande,
 
 
o nosso Senhor é mais que todos os deuses.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Tudo aquilo que o Senhor quer, Ele o faz,
 
 
nos céus e na terra, nos mares e em todos os abismos.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Dos confins da terra, faz subir as nuvens;
 
 
com os relâmpagos produz a chuva
 
 
e dos seus reservatórios faz sair o vento.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Foi Ele que atingiu os primogénitos do Egito<ref name="ftn788">Os vv. 8-9 tratam das pragas do Egito, vistas como sinais benfazejos para os hebreus.</ref>,
 
 
tanto dos homens como dos animais.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Enviou sinais e prodígios para dentro de ti, ó Egito,
 
 
contra o faraó e todos os seus servos.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Foi Ele que atingiu grandes nações
 
 
e matou reis poderosos:
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Seon, rei dos amorreus, e Og, rei de Basan,
 
 
e todos os reinos de Canaã.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>E entregou a terra deles como herança,
 
 
como herança a Israel, seu povo.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Ó Senhor, o teu nome é para sempre,
 
 
a tua memória, Senhor, de geração em geração.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Pois o Senhor defende a causa do seu povo<ref name="ftn789">As injustiças e perigos sofridos pelos hebreus no relacionamento com os inimigos são assumidos por Deus como um caso de justiça que lhe diz respeito.</ref>
 
 
e deixa-se compadecer em favor dos seus servos.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Os ídolos dos povos são apenas prata e ouro<ref name="ftn790">Os vv. 15-18 são semelhantes aos do Sl 115,4-8.</ref>,
 
 
são obra das mãos do homem.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Têm boca, mas não falam;
 
 
têm olhos, mas não veem;
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>têm ouvidos, mas não ouvem;
 
 
nem sequer há sopro na sua boca.
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Sejam iguais a eles aqueles que os fazem
 
 
e todo aquele que neles confia.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Casa de Israel, bendizei o Senhor<ref name="ftn791">Os vv. 19-21 são uma antífona de gosto tradicional que serve de conclusão a todo o hino (cf. Sl 115,10-13; 118,2-4).</ref>!
 
 
Casa de Aarão, bendizei o Senhor!
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Casa de Levi, bendizei o Senhor!
 
 
Vós que temeis o Senhor, bendizei o Senhor!
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>Bendito seja o Senhor, de Sião,
 
 
Ele que habita em Jerusalém!
 
 
Aleluia<ref name="ftn792">O ''aleluia'' final, que também se encontra no Sl 104,35, foi transportado pela tradução dos LXX para o início do salmo seguinte.</ref>!
 
 
 
136(135)''' Hino de ação de graças'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom<ref name="ftn793">Este é mais um hino de louvor a Deus, onde a marca de enquadramento litúrgico se nota sobretudo no refrão que compõe a segunda metade de cada v.. Este refrão é, ele mesmo, um espelho da prática litúrgica de Israel que aparece testemunhada noutros lugares da Bíblia (cf. Sl 106; 107; 118; 2Cr 7,3; Esd 3,11). Os temas regressam aos lugares clássicos da história teológica dos israelitas, tratando da criação do universo e recapitulando, com grande pormenor, o itinerário que vai do Egito à entrada em Canaã, que já aparecia em esboço no salmo anterior (Sl 135,10-14). Com o seu estilo de grande solenidade, este salmo é chamado o «grande ''Hallel''» (hino de louvor) e é cantado pelos judeus na festa da Páscoa. Os dois últimos vv. saem do esquema teológico de base histórica e situam-se num âmbito que é geral e fundamental ao mesmo tempo. Em conclusão, são recapituladas as razões mais práticas, pelas quais é de primeiro interesse para os humanos dar louvor a Deus.</ref>,
 
 
porque é eterna a sua misericórdia!
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Dai graças ao Deus dos deuses,
 
 
porque é eterna a sua misericórdia!
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Dai graças ao Senhor dos senhores,
 
 
porque é eterna a sua misericórdia!
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Pois só Ele faz grandes maravilhas,
 
 
porque é eterna a sua misericórdia!
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Ele fez os céus com sabedoria,
 
 
porque é eterna a sua misericórdia!
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Estendeu a terra sobre as águas,
 
 
porque é eterna a sua misericórdia!
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Fez os grandes luzeiros,
 
 
porque é eterna a sua misericórdia!
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Fez o Sol para governar o dia,
 
 
porque é eterna a sua misericórdia!
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Fez a Lua e as estrelas para governar a noite,
 
 
porque é eterna a sua misericórdia!
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Ele atingiu o Egito nos seus primogénitos<ref name="ftn794">As referências bíblicas para o conteúdo dos vv. 10-16 encontram-se em Ex 17-19.</ref>,
 
 
porque é eterna a sua misericórdia!
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Fez sair Israel do meio dos egípcios,
 
 
porque é eterna a sua misericórdia!
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Atuou com mão forte e braço estendido,
 
 
porque é eterna a sua misericórdia!
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Dividiu o Mar Vermelho em duas partes,
 
 
porque é eterna a sua misericórdia!
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Fez passar Israel pelo meio do mar,
 
 
porque é eterna a sua misericórdia!
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>E precipitou o faraó e o seu exército no Mar Vermelho,
 
 
porque é eterna a sua misericórdia!
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Fez caminhar o seu povo pelo deserto,
 
 
porque é eterna a sua misericórdia!
 
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Ele atingiu grandes reis<ref name="ftn795">Sobre estas vitórias contra os reis inimigos, cf. Nm 21,10-33; Dt 29,6s; cf. Sl 135,10-12. </ref>,
 
 
porque é eterna a sua misericórdia!
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>E deu morte a reis poderosos,
 
 
porque é eterna a sua misericórdia!
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Seon, rei dos amorreus,
 
 
porque é eterna a sua misericórdia!
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>E Og, rei de Basan,
 
 
porque é eterna a sua misericórdia!
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>E deu a terra deles como herança,
 
 
porque é eterna a sua misericórdia!
 
 
<span style="color:red"><sup>22</sup></span>Como herança a Israel, seu servo,
 
 
porque é eterna a sua misericórdia!
 
 
<span style="color:red"><sup>23</sup></span>Pois lembrou-se de nós, na nossa pequenez<ref name="ftn796">As referências a estes tempos intermitentes de depressão e ressurgimento poderiam trazer à memória períodos como os que são descritos em Jz e 1Sm.</ref>,
 
 
porque é eterna a sua misericórdia!
 
 
<span style="color:red"><sup>24</sup></span>E livrou-nos dos nossos inimigos,
 
 
porque é eterna a sua misericórdia!
 
 
<span style="color:red"><sup>25</sup></span>Ele dá alimento a todos os seres vivos,
 
 
porque é eterna a sua misericórdia!
 
 
<span style="color:red"><sup>26</sup></span>Dai graças ao Deus dos céus<ref name="ftn797">Este título de ''Deus dos céus'' é usado para Javé em Gn 24,3 e parece ter estado particularmente em voga a partir da época persa (cf. Esd 1,2; 7,12; Ne 1,4; Dn 2,18-19).</ref>,
 
 
porque é eterna a sua misericórdia!
 
 
137(136)'''Junto aos rios da Babilónia'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>Junto aos rios da Babilónia<ref name="ftn798">Recorrendo às nomenclaturas mais convencionais de géneros literários, este salmo poderia ser rotulado como súplica coletiva. É claro que podemos enquadrá-lo no ritmo coletivo e geral das orações que se praticavam no templo reconstruído depois do exílio. Os motivos em que assenta a súplica são intensos e claramente circunstanciados. Os temas são a saudade e o desgarramento provocados pelo exílio longe de Jerusalém; a desolação de viver em terra estranha, onde estão impedidas as alegrias que só na terra natal fazem sentido. Os primeiros caps. do livro de Ezequiel, profeta que fez parte dos mesmos exilados, oferecem um contexto bem ilustrativo como pano de fundo para este salmo. A oração de conclusão, que costuma inspirar confiança e segurança, parece olhar para um tipo de castigo que se mistura ainda com sentimentos de vingança e impropério. Por isso, esta parte final não costuma ser transposta para uso coletivo na liturgia. De qualquer modo, este salmo está muito presente na história das literaturas e das artes, sobretudo musicais, como sendo um dos mais reconhecidos poemas da Bíblia. </ref>,ali mesmo nos sentámos e chorámos,ao lembrar-nos de Sião<ref name="ftn799">Ou: ''de ti, Sião''. Esta leitura consta no Saltério Romano do séc. IV e permaneceu em textos litúrgicos.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Dos salgueiros, no meio dela,
 
 
suspendemos as nossas harpas.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Pois os que ali nos tinham cativos pediam-nos um cântico;
 
 
e os nossos opressores<ref name="ftn800">Ou: ''e os que zombavam de nós''.'' ''O termo traduzido por ''opressores'' é tradicionalmente considerado um termo de uso único na Bíblia e, portanto, de difícil definição. No entanto, poderia pensar-se numa forma derivada da raiz ''hll¸ ''que pode significar «escarnecer». Daí a tradução alternativa.</ref>, uma canção de alegria:
 
 
«Cantai para nós algum cântico de Sião».
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Como poderíamos cantar um cântico do Senhor,
 
 
numa terra estrangeira?
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Se eu me esquecer de ti, Jerusalém<ref name="ftn801">Todo o salmo aponta para uma incapacidade de cantar cânticos de Sião em terra estrangeira. Por isso o castigo referido nos vv. 5-6, para o caso de atraiçoarem a memória de Jerusalém, é o de ficar com a mão tolhida e a língua emudecida.</ref>,
 
 
fique esquecida a minha mão direita.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Fique a minha língua colada ao paladar,
 
 
se eu não me lembrar de ti,
 
 
se eu não elevar Jerusalém
 
 
acima da minha felicidade.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Lembra-te, Senhor, como os filhos de Edom<ref name="ftn802">Esta referência aos povos situados a sul de Judá e designados como filhos de Edom justifica-se não somente porque eles constituíam uma fonte contínua de insegurança para Jerusalém, mas também porque a eles se ligavam memórias de destruição semelhantes a esta, provocada pelos neobabilónicos (cf. Jr 49,7-22; Ez 35,5; Jl 4,19; Abd 2-14). Segundo Lm 4,21, os de Edom estavam entre os mais ferozes participantes no saque de Jerusalém, depois da conquista. </ref>
 
 
gritavam no dia de Jerusalém:
 
 
«Arrasai-a! Arrasai-a
 
 
até aos seus alicerces!».
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Ó cidade da Babilónia devastadora,
 
 
feliz de quem te retribuir a ti
 
 
as maldades com que nos trataste a nós<ref name="ftn803">O grito dos vv. 8-9, que não esconde reações de vingança, é na verdade um grito de dor e de protesto, pelo facto de os conquistadores babilónicos de Jerusalém terem adotado práticas selvagens (cf. 2Rs 8,12; Is 13,16; 14,22; Jr 51,22-25; Os 14,1<nowiki>; Lm 3,10-12). </nowiki>A dor dos hebreus leva-os a formular desejos de castigo em ricochete, segundo a medida do que se costuma designar como lei de Talião. As práticas brutais referidas aconteciam realmente por ocasião da conquista de cidades, como maneira radical de impedir que elas se restabelecessem (cf. Is 13,16; Os 14,1; Na 3,10).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Feliz de quem agarrar e despedaçar
 
 
as tuas criancinhas contra um rochedo!
 
 
 
138(137)'''Hino de ação de graças'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''De David.''
 
 
 
Eu te dou graças, Senhor, de todo o meu coração<ref name="ftn804">Na sua forma literária, este é um salmo individual de ação de graças. Eventualmente, o orante poderia representar a figura de um rei. No entanto, as referências ao rei e às causas que ele representa são preocupação frequente, mesmo em orações de simples orantes individuais.</ref>,
 
 
na presença dos anjos, cantarei para ti<ref name="ftn805">Ou: ''em frente dos deuses'', significando recusa dos deuses e opção por Javé. A tradução dos LXX, a Vg e a NVg transmitem um texto que intercala entre estes dois hemistíquios um outro que diz: ''porque ouviste as palavras da minha boca.'' No último hemistíquio, percebe-se o deslisar de semânticas do termo '''elohim'', podendo referir-se a deuses ou a outro tipo de seres superiores, mesmo humanos: deuses, anjos, potentados (cf. Sl 29,1; 58,2; 82,1; 86,8; 89,7; Jb 1,6). Desde a tradução grega seguida pela tradição latina, a escolha do termo ''anjos'' fixa evidentemente uma semântica. Outras traduções antigas optaram por traduzir ''reis'' ou ''juízes'', valorizando as diferentes possibilidades semânticas do termo '''elohim''.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Inclinar-me-ei diante do teu santo templo
 
 
e darei graças ao teu nome,
 
 
pela tua misericórdia e pela tua fidelidade,
 
 
pois com a tua promessa ultrapassas a fama do teu nome.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>No dia em que te invoquei, logo me respondeste
 
 
e aumentaste-me as forças da alma.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Todos os reis da terra te darão graças, Senhor,
 
 
porque escutaram as palavras da tua boca.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Celebrarão os caminhos do Senhor, dizendo:
 
 
«É grande a glória do Senhor!».
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Pois o Senhor é excelso, mas repara no humilde
 
 
e desde longe reconhece quem é soberbo.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Quando caminho no meio dos perigos, conservas-me a vida.
 
 
Estendes a mão contra a fúria dos meus inimigos,
 
 
e a tua mão direita me salva.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>O Senhor fará tudo por mim.
 
 
A tua misericórdia é eterna, ó Senhor!
 
 
Não abandones a obra das tuas mãos!
 
 
 
139(138)'''A sabedoria de Deus'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. De David. Salmo''.
 
 
 
Tu me examinaste, Senhor, e me conheces<ref name="ftn806">Este salmo apresenta a forma e os conteúdos que fazem normalmente parte dos salmos de súplica. No entanto, ele está construído segundo o modelo bem conhecido de uma reflexão sapiencial sobre a maneira como Deus governa e intervém na condução da vida humana. Ele mostra-se particularmente sensível aos misteriosos caminhos e fases que a vida humana vai percorrendo e bem assim aos dramas e males que a assolam. A atitude sugerida está, mais uma vez, de acordo com aquela que a sabedoria sugere, i.e., de total confiança e entrega, apesar do caráter inacessível dos mistérios implicados.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Tu sabes quando me sento e quando me levanto<ref name="ftn807">Expressões polares como o sentar-se e levantar-se, sair e entrar, etc., representam a totalidade da vida humana (cf. Nm 27,17; Dt 31,2).</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
de longe, percebes os meus pensamentos.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Distingues o meu caminho e o meu descanso,
 
 
estás atento a todos os meus passos.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Pois ainda a palavra não está na minha língua,
 
 
já Tu, Senhor, a conheces por inteiro.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Tu me envolves por detrás e pela frente
 
 
e colocas sobre mim a tua mão.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>É uma sabedoria demasiado profunda para mim,
 
 
tão sublime que não tenho capacidade para ela.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Para onde poderia eu ir, longe do teu espírito?
 
 
Para onde poderia fugir da tua presença?
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Se subir até aos céus, Tu ali estás;
 
 
se me deito no mundo dos mortos, ali estás.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Se me erguer nas asas da aurora
 
 
e for viver para além do mar,
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>também ali a tua mão desceria sobre mim
 
 
e a tua direita me seguraria.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Se pedir à escuridão para me esconder
 
 
ou à luz para ser noite à minha volta<ref name="ftn808">Ou: ''E concluo que na escuridão Ele me observa / e de noite é luz à minha volta. ''Um texto de Qumrân pressupõe para a segunda parte ''e a noite é uma cintura ''('''ezor'', em vez de '''or'') ''à minha volta.''</ref>,
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>para ti a escuridão não é escura
 
 
e a noite brilhará como o dia;
 
 
a escuridão é como a luz.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Pois Tu formaste as minhas entranhas,
 
 
teceste-me no ventre de minha mãe.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Dou-te graças, ó Altíssimo,
 
 
que me impressionas com tantas maravilhas;
 
 
são maravilhosas as tuas obras.
 
 
Tu conheces profundamente a minha alma<ref name="ftn809">Ou: T''u conheces a minha alma, desde sempre.''</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Nenhum dos meus ossos estava escondido de ti,
 
 
quando estava a ser formado em segredo,
 
 
entretecido nas profundezas da terra.
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Os teus olhos viram-me ainda em embrião<ref name="ftn810">Ou: ''Os teus olhos viram os tempos da minha vida. / No teu livro, todos eles estavam inscritos''.'' ''A tradução comumente recebida, que vem pela via dos LXX, Vg e NVg, depende da leitura de ''golem ''como significando ''embrião''. Daqui derivou o tema literário da figura indefinida e lendária designada como Golem em certas tradições judaicas antigas e modernas. No entanto, tal palavra não existe em mais nenhum outro lugar da Bíblia e as ocorrências no hebraico posterior derivam exclusivamente da interpretação que se fez desta passagem. A leitura alternativa dada acima deriva de se entender o substantivo ''gil'', que aparece em Dn 1,10 e é possível também ser lido em Sl 43,4. Nesta interpretação, o sufixo possessivo de primeira pessoa estaria com um ''mem'' enclítico. Deste modo, a sintaxe da segunda parte deste v. 16 fica sem problemas.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
os meus dias estavam descritos no teu livro.
 
 
Todos eles estavam modelados,
 
 
antes mesmo de um só deles existir.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Como são preciosos para mim os teus desígnios!
 
 
Como é profundo o seu sentido, ó Deus!
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Se os contasse, seriam mais numerosos que a areia.
 
 
Despertei e ainda estou contigo<ref name="ftn811">Ou: ''Quando eu'' ''chegar ao fim, ainda estarei contigo, ''segundo a NVg. </ref>!
 
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Ó Deus, oxalá desses a morte ao malfeitor,
 
 
e os homens sanguinários se afastassem de mim!
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Pois eles acusam-te sem motivo
 
 
e erguem-se contra ti<ref name="ftn812">A tradução ''contra ti'' fundamenta-se na leitura de '''adêka, ''que muitos mss. trazem em vez do'' 'arêka ''do TM.</ref> sem ter razão.
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>Não haveria eu de odiar os que te odeiam, ó Senhor?
 
 
Não haveria de aborrecer os que se erguem contra ti?
 
 
<span style="color:red"><sup>22</sup></span>Tenho por eles um ódio implacável,
 
 
e tornaram-se meus inimigos.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>23</sup></span>Examina-me, ó Deus, para conheceres o meu coração;
 
 
põe-me à prova para conheceres as minhas preocupações.
 
 
<span style="color:red"><sup>24</sup></span>Vê se existe em mim algum rasto de ídolos
 
 
e conduz-me pelo caminho da eternidade.
 
 
140(139)'''A ajuda contra os maus'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Ao diretor. Salmo. De David.''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Livra-me, Senhor, do homem malvado<ref name="ftn813">Neste salmo individual de súplica, por motivo de perseguição, o salmista pede ajuda para ser libertado dos violentos e caluniadores, que armam emboscadas; ele invoca o Senhor, pede castigo e confia em que Deus guiará os justos. A convicção de que Deus garante justiça nos conflitos que ocorrem entre os humanos é o motivo mais profundo para o louvar. A confiança na justiça divina é o fundamento do olhar confiante com que se olha para a vida humana em sociedade. </ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
protege-me dos homens violentos.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Eles planeiam maldades no seu coração
 
 
e todos os dias provocam discórdias.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Eles afiam a sua língua como serpentes
 
 
e têm veneno de víbora nos seus lábios<ref name="ftn814">Estas metáforas são apreciadas para descrever calúnias e maldades (Sl 52,4; 57,5).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Guarda-me, ó Senhor, das mãos do malfeitor;
 
 
livra-me dos homens violentos,
 
 
que planearam armadilhar meus passos.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Os insolentes esconderam laços contra mim
 
 
e os perversos estenderam uma rede;
 
 
colocaram-me tropeços ao longo do caminho.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>E eu disse ao Senhor: «Tu és o meu Deus;
 
 
escuta, Senhor, a voz da minha súplica.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Ó Senhor, meu Senhor, minha força e salvação,
 
 
Tu me protegeste a cabeça no dia do combate.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Não concedas, Senhor, aos malfeitores o que desejam;
 
 
não deixes que os seus planos tenham êxito.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Ao erguerem a cabeça aqueles que me cercam,
 
 
recaia sobre eles a perfídia dos seus lábios.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Amontoem-se sobre eles carvões em brasa,
 
 
que os atirem ao fosso para não mais se erguerem.
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Que quem é de má língua não subsista na terra<ref name="ftn815">Deve entender-se provavelmente que se refere à ''terra'' de Israel. Num sentido mais radical poderia também entender-se ''na'' ''terra ''como mundo.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
e que a desgraça persiga o violento até à ruína.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Eu sei que o Senhor há de fazer cumprir
 
 
o direito do oprimido e a justiça dos pobres.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Por isso, os justos louvarão o teu nome
 
 
e os honestos habitarão na tua presença.
 
 
 
141(140)'''Súplica na adversidade'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Salmo. De David.''
 
 
 
Por ti eu clamo, Senhor, vem depressa junto a mim<ref name="ftn816">Neste salmo individual de súplica o choque entre o comportamento dos maus e a situação de perigo que isso representa para o salmista não são tratados somente como uma questão de agressão e de injustiça, mas sobretudo como uma confrontação entre modelos opostos de comportamento. Isso obriga o salmista a uma atitude de amabilidade, por um lado, e de resguardo e afastamento, por outro. O facto de o hebraico aqui usado parecer algo antigo torna difícil conseguir uma tradução mais explícita.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
escuta a minha voz, quando te invoco.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Seja a minha oração como incenso na tua presença<ref name="ftn817">A oração é aqui matizada com várias metáforas recolhidas da vida cultual do templo: o incenso usado em várias cerimónias, o ambiente interior do santuário, o gesto de erguer as mãos e o sacrifício da tarde (Ex 29,38-42; Lv 2,1s,15; Sl 28,2; 63,5; 66,15). </ref>,
 
 
e as minhas mãos erguidas como a oferta da tarde.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Põe, Senhor, uma guarda à minha boca
 
 
e uma defesa à porta dos meus lábios.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Não deixes que o meu coração se incline para coisas más,
 
 
nem se envolva em delitos de malfeitores.
 
 
Que eu não me junte com criminosos,
 
 
nem tome parte em seus lautos banquetes.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Castigue-me aquele que é justo,
 
 
e aquele que é piedoso me repreenda.
 
 
Mas que o óleo dos maus não me perfume a cabeça;
 
 
e que, ao fazerem o mal, eu permaneça em oração.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Quando forem atirados para as mãos duras dos seus juízes,
 
 
hão de ouvir como são amáveis as minhas palavras.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Como quando se cava e se lavra a terra,
 
 
os seus ossos<ref name="ftn818">Ou: ''os meus ossos''.'' ''A maior dificuldade deste v. consiste em saber de quem são os ossos que descem ao mundo dos mortos. A NVg entende ''os seus ossos'', mas a Vg e os LXX entendiam ''os nossos ossos''. Na primeira hipótese funciona como descrição do castigo dos maus; na segunda, como o sofrimento profundo que atinge os bons. No entanto, em 11QPsª aparece como ''os meus ossos''. Tendo em conta que todo o salmo está declarado na primeira pessoa do singular, a ocorrência de ''nossos ossos'' neste v. 7 parece pouco lógico. Normalmente, o estar à boca do abismo da morte faz parte da lamentação do salmista; a primeira pessoa poderia, neste caso, fazer sentido. </ref> dispersos foram engolidos pela morte<ref name="ftn819">Lit.: ''pelo Cheol.'' O texto dos vv. 6-7 é de molde a deixar sempre algumas hesitações na tradução.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>É para ti, Senhor, que se voltam os meus olhos;
 
 
Senhor, em ti me refugio, não desampares a minha alma.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Guarda-me do laço que estenderam contra mim,
 
 
das armadilhas dos que praticam a iniquidade.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Que os malfeitores caiam nas suas ciladas,
 
 
enquanto eu vou prosseguindo o meu caminho.
 
 
 
142(141)'''Oração de um justo perseguido'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Poema. De David, quando estava na caverna''<ref name="ftn820">Esta referência à caverna pode aludir à caverna de Odolam (1Sm 22) ou de En-Guédi (1Sm 24).</ref>''. Oração.''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Com a minha voz, eu clamo ao Senhor<ref name="ftn821">Este é um salmo individual de súplica, no qual o salmista não desce a muitos pormenores de descrição sobre as aflições a que se encontra sujeito. Há perseguição e prisão, bem como situações de abandono. Com a esperada intervenção de Deus, a situação final resulta em louvores e celebrações festivas, com muita gente à sua volta.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
com a minha voz, ao Senhor eu suplico.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Exponho diante dele o meu lamento,
 
 
diante dele apresento a minha angústia.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>É então que o meu espírito desfalece dentro de mim,
 
 
mas Tu conheces os meus passos.
 
 
Neste caminho por onde avanço,
 
 
esconderam armadilhas contra mim.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Olha para a direita e repara
 
 
que não há ninguém meu conhecido<ref name="ftn822">O defensor de alguém em tribunal colocava-se à sua direita (cf. Sl 109,31; Is 63,12) e a ideia de ser seu conhecido significa que assumia a função de testemunhar em seu favor.</ref>.
 
 
Qualquer refúgio se acabou para mim,
 
 
ninguém se interessa pela minha vida!
 
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Por ti eu clamo, Senhor, e digo:
 
 
«Tu és o meu refúgio,
 
 
a minha herança na terra dos vivos!»<ref name="ftn823">Estas expressões densas sobre a terra dos vivos carregam sempre conotações que contêm alguma intencionalidade tensa entre as dimensões de vida neste mundo e outras mais transcendentes (cf. Sl 16,5; 27,13; 46,2; 52,7; 91,2).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Presta atenção à minha súplica,
 
 
pois estou reduzido a grande miséria.
 
 
Livra-me dos meus perseguidores,
 
 
que são muito mais fortes do que eu.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Liberta a minha alma desta prisão,
 
 
a fim de dar graças ao teu nome.
 
 
Os justos farão roda em torno a mim<ref name="ftn824">A solidariedade expressa para com quem foi tratado com justiça por parte de Deus é uma celebração festiva sobre o significado desse acontecimento (cf. Sl 64,11; 107,42).</ref>,
 
 
porque foste bondoso para comigo.
 
 
143(142)'''Súplica na aflição'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Salmo. De David.''
 
 
 
Escuta, Senhor, a minha oração<ref name="ftn825">Salmo individual de súplica. Este é o último dos salmos penitenciais, assim chamados apesar de neles se tratar mais frequentemente de perigos que de pecados. Mais uma vez, as queixas sobre as quais está fundamentada a súplica são expressas de uma forma que não é muito concreta. O estado de espírito descrito é o de alguém que se sente às portas da morte. Estas fórmulas têm capacidade para representar uma grande variedade de experiências e de situações. O salmista está consciente de que o acolhimento do seu grito de socorro tem tudo a ver com o seu bom comportamento. </ref>,
 
 
pela tua fidelidade, atende a minha súplica;
 
 
responde-me, pela tua justiça.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Não leves o teu servo a julgamento,
 
 
pois ninguém<ref name="ftn826">Lit.: ''nenhum vivente''.</ref> é justo na tua presença.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>O inimigo perseguiu a minha alma
 
 
e atirou a minha vida para a terra;
 
 
obrigou-me a habitar na escuridão
 
 
como os mortos de há muito tempo<ref name="ftn827">Lit.: ''como os mortos de eternidade.''</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>O meu espírito desfalece dentro de mim;
 
 
o meu coração está desolado no meu peito.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Recordo os dias de outrora,
 
 
medito em todas as tuas ações
 
 
e penso na obra das tuas mãos.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Estendo para ti as minhas mãos;
 
 
como terra seca, a minha alma tem sede de ti.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Senhor, responde-me depressa;
 
 
o meu espírito está a definhar.
 
 
Não escondas de mim a tua face,
 
 
pois eu seria como os que descem à sepultura.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Deixa-me ouvir pela manhã a tua misericórdia,
 
 
porque é em ti que eu confio.
 
 
Dá-me a conhecer o caminho que hei de seguir,
 
 
porque para ti elevo a minha alma.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Livra-me, Senhor, dos meus inimigos;
 
 
é junto de ti que eu me refugio.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Ensina-me a cumprir a tua vontade,
 
 
pois Tu és o meu Deus.
 
 
Que o teu espírito bondoso me conduza
 
 
por terrenos planos.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Para honra do teu nome, Senhor, dá-me a vida!
 
 
Pela tua justiça, tira a minha alma da angústia!
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Pela tua fidelidade esmaga os meus inimigos;
 
 
leva à perdição todos os que angustiam a minha alma,
 
 
porque eu sou o teu servo.
 
 
 
144(143)'''Ação de graças pela vitória '''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''De David.''
 
 
 
Bendito seja o Senhor, meu rochedo<ref name="ftn828">Trata-se de um salmo real, semelhante ao Sl 18. O seu conteúdo refere-se a aspetos variados das cerimónias que têm a ver com a realeza. A tonalidade geral corresponde ao modelo de meditação sapiencial sobre a precariedade da vida humana, dimensão que afeta igualmente o rei. Inclui uma súplica em favor do êxito das atividades do rei e dos seus empreendimentos. Neste salmo, David já é tratado como um rei que serve como referência e modelo. Depois do esboço de uma liturgia real (vv. 1-10), vem um pedido de bênçãos para toda a coletividade (vv. 11-15). Esta abertura às necessidades de toda a comunidade é uma preocupação que condiz bem com as próprias funções do rei. A variedade de temas focados poderia igualmente dar-nos a sensação de este salmo ser uma espécie de antologia de temas religiosos. Daí a impressão de nos depararmos com uma série de estrofes justapostas. A variedade de sujeitos a que os pronomes pessoais e possessivos se reportam pode ser um dos indícios desta multiplicidade de estrofes.</ref>,
 
 
que exercita as minhas mãos para a luta
 
 
e os meus dedos para o combate.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Ele é meu aliado fiel e minha fortaleza,
 
 
o meu baluarte e meu refúgio;
 
 
Ele é o meu escudo e nele confio,
 
 
é Ele que submete os povos aos meus pés<ref name="ftn829">A primeira pessoa usada nesta estrofe parece fazer do rei o sujeito e ator principal. </ref>.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Que é o homem, Senhor, para te preocupares com ele?
 
 
O que é um ser humano, para nele pensares?
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>O homem é semelhante a um sopro;
 
 
os seus dias são como a sombra que passa.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Senhor, abaixa os teus céus e desce;
 
 
toca nos montes e que eles fumeguem.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Faz brilhar os relâmpagos e espalha-os,
 
 
prepara as tuas setas e dispara-as.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Do alto, estende a tua mão: salva-me e livra-me
 
 
das águas ameaçadoras e da mão dos estranhos.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>A sua boca profere mentiras
 
 
e com a sua mão direita juram falsidade.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Quero cantar-te, ó Deus, um cântico novo;
 
 
e tocar para ti com a harpa de dez cordas.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Tu és aquele que dá aos reis a vitória,
 
 
aquele que livra David, seu servo<ref name="ftn830">A expressão ''David, seu servo'' tornou-se um título de cariz messiânico (Jr 33,21; Ez 34,23-24; 37,24).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Livra-me da espada cruel,
 
 
liberta-me da mão dos estranhos.
 
 
A sua boca profere mentiras
 
 
e com a sua mão direita juram falsidade.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Sejam os nossos filhos como plantas novas,
 
 
que vão crescendo desde a sua juventude.
 
 
Que as nossas filhas sejam colunas bem talhadas<ref name="ftn831">Na arquitetura dos palácios do Oriente, as colunas elegantes e belas eram um elemento decorativo importante. Nem é forçoso fazer uma ligação muito explícita com a tradição grega da construção de colunas com figuração humana, chamadas as cariátides.</ref>,
 
 
como na construção de um palácio.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Que os nossos celeiros estejam repletos,
 
 
a transbordar de uma ponta à outra.
 
 
Multipliquem-se por milhares os nossos rebanhos,
 
 
por dezenas de milhar nos nossos campos.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Que os nossos bois venham bem carregados;
 
 
e não haja brechas nem fugas,
 
 
nem gritos de alarme nas nossas praças.
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Feliz o povo a quem assim acontece!
 
 
Feliz o povo, cujo Deus é o Senhor!
 
 
 
145(144)'''Louvor ao rei providente'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>''Hino. De David.''
 
 
 
''Alef''
 
 
Eu quero enaltecer-te, ó meu Deus e rei<ref name="ftn832">Este salmo é um hino no qual se proclamam os atributos de Deus e o seu reino (vv.11-13). A sua providência diz respeito a todos (vv. 14-17), mas incide muito especialmente sobre os justos. O salmo segue o modelo dos salmos acrósticos alfabéticos (cf. Sl 9; 119). O início dos vv., com efeito, começa por uma letra diferente das anteriores, seguindo a ordem alfabética do hebraico. Falta apenas o v. correspondente à letra ''nun.'' Este modelo de escrita condiz com um género literário de tipo sapiencial. Todo o salmo, com efeito, tem o aspeto de uma meditação e o próprio gosto sapiencial.</ref>,
 
 
e bendizer o teu nome para sempre.
 
 
''Bet''
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Todos os dias te hei de bendizer;
 
 
e louvarei o teu nome para sempre.
 
 
''Guimel''
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>O Senhor é grande e digno de todo o louvor,
 
 
e a sua grandeza é insondável.
 
 
 
''Dalet''
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Uma geração transmite à outra o louvor das tuas obras,
 
 
e todos proclamam os teus prodígios.
 
 
''He''
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Eles aclamam o esplendor da tua majestade<ref name="ftn833">Nos vv. 5-6 há um jogo de sujeitos entre a proclamação feita por cada grupo geracional e o próprio salmista que repete o eco daquelas vozes.</ref>,
 
 
e eu meditarei sobre as tuas maravilhas.
 
 
''Wau''
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Eles falam do poder dos teus prodígios impressionantes,
 
 
e eu anunciarei a tua grandeza.
 
 
''Zain''
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Assim exprimem a memória da tua imensa bondade
 
 
e cantam a tua justiça.
 
 
 
''Het''
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>O Senhor é clemente e compassivo,
 
 
é paciente e cheio de misericórdia.
 
 
''Tet''
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>O Senhor é bom para com todos,
 
 
e a sua compaixão envolve todas as suas criaturas.
 
 
 
''Yod''
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Louvem-te, Senhor, todas as tuas criaturas<ref name="ftn834">O governo de Deus sobre o mundo é descrito com as caraterísticas de um reino (vv. 10-13).</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
que todos os teus fiéis te bendigam.
 
 
''Kaf''
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Difundam a glória do teu reino
 
 
e proclamem as tuas proezas,
 
 
''Lamed''
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>dando a conhecer aos humanos as proezas de Deus
 
 
e o glorioso esplendor do seu reino.
 
 
''Mem''
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>O teu reino é um reino para todos os séculos,
 
 
e o teu domínio estende-se por todas as gerações.
 
 
 
''Samek''
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>O Senhor ampara todos os que caem<ref name="ftn835">O cuidado de Deus em assistir cada criatura dá ao seu governo do mundo uma caraterística de meticulosa e atenta providência (vv. 14-16).</ref>
 
 
e reanima todos os abatidos.
 
 
''Ayin''
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Todos têm os olhos postos em ti,
 
 
e Tu lhes dás o alimento, a seu tempo.
 
 
''Pe''
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Tu abres a tua mão
 
 
e sacias todos os seres vivos com generosidade<ref name="ftn836">Entende-se aqui o termo ''raşon ''como referido à generosidade com que Deus dá e não à sofreguidão daqueles que procuram alimento junto dele.</ref>.
 
 
 
''Sadé''
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>O Senhor é justo em todos os seus caminhos
 
 
e fiel para com todas as suas obras.
 
 
''Qof''
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>O Senhor está perto para todos os que o invocam,
 
 
para todos os que o invocam em verdade.
 
 
''Resh''
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Ele realiza a vontade dos que o temem;
 
 
escuta os seus gritos e salva-os.
 
 
''Shin''
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>O Senhor guarda todos os que o amam,
 
 
mas extermina todos os malfeitores.
 
 
 
''Tau''
 
 
<span style="color:red"><sup>21</sup></span>Que a minha boca proclame os louvores do Senhor,
 
 
e todo o ser vivo bendiga o seu santo nome,
 
 
por toda a eternidade.
 
 
 
146(145)'''Hino ao Deus de misericórdia '''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>Aleluia.
 
 
 
Louva, ó minha alma, o Senhor<ref name="ftn837">Este salmo começa e termina com a proclamação de um aleluia, que lhe dá a conotação de um hino. Os salmos seguintes seguem o mesmo modelo e mantêm a mesma intencionalidade. Este Sl 146 sublinha que qualquer humano é demasiado fraco para nele se depositarem quaisquer esperanças de salvação. Só Deus tem possibilidade de responder aos anseios humanos. Os grandes temas do pensamento e da literatura bíblicos estão aqui amplamente representados, nomeadamente a debilidade e incapacidade humana (vv. 3-4) e as razões para olhar para Deus como base de toda a esperança (vv. 5-9). Com este salmo tem início o terceiro grupo de salmos chamados do ''Hallel'' (146-150), que os judeus recitam pela manhã. Sobre o termo ''aleluia'', cf. Sl 104,35.</ref>!
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Hei de louvar o Senhor na minha vida
 
 
e cantar ao meu Deus, enquanto existir.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Não confieis nos poderosos,
 
 
num ser humano que não dispõe de salvação.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Mal sai dele o seu espírito, regressa à terra que é sua,
 
 
e nesse mesmo dia se desfazem os seus projetos.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Feliz de quem tem o Deus de Jacob como seu auxílio
 
 
e cuja esperança está no Senhor, seu Deus.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Ele fez os céus e a terra,
 
 
o mar e tudo o que neles existe.
 
 
Ele guarda fidelidade para sempre.
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Faz justiça aos oprimidos, dá pão aos famintos,
 
 
o Senhor liberta os prisioneiros.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>O Senhor abre os olhos aos cegos,
 
 
o Senhor levanta os abatidos,
 
 
o Senhor ama os justos.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>O Senhor guarda os forasteiros,
 
 
ampara o órfão e a viúva,
 
 
mas barra o caminho aos malfeitores.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>O Senhor reinará eternamente,
 
 
o teu rei, ó Sião, reinará de geração em geração.
 
 
 
Aleluia!
 
 
 
147'''('''146'''-'''147''')Maravilhas de Deus por Israel '''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>Aleluia!
 
 
 
Louvai o Senhor<ref name="ftn838">Este salmo é um hino em que insistentemente se convida ao louvor a Deus (vv. 1,7, 12). Cada um destes convites ao louvor dá início a uma nova estrofe do salmo. De 1-6 o louvor a Deus tem como base os seus atributos; de 7-11 é a sua providência; de 12-20 são os benefícios concedidos a Jerusalém e, por ela, a todo o povo. Nos LXX e na Vg esta última estrofe constitui um salmo à parte. Este salmo apresenta-se, desta maneira, como um cântico destinado a manter o espírito e o entusiasmo que, em cada assembleia, o fiel é chamado a reviver. Mesmo apresentando uma intenção genérica, continua a ressaltar que os motivos para sublinhar o louvor, enquanto sentimento religioso fundamental, é a maneira como Deus preside e exprime o funcionamento ordenado do universo. O universo em que o salmista sente que está a viver é, precisamente por esse motivo, contemplado com satisfação, confiança e otimismo.</ref>,
 
 
porque é bom cantar ao nosso Deus,
 
 
porque é agradável e justo o seu louvor.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>O Senhor reconstrói Jerusalém
 
 
e faz regressar os dispersos de Israel.
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Ele cura os de coração despedaçado
 
 
e liga as suas feridas.
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Ele estabelece um número para as estrelas
 
 
e dá um nome a cada uma delas<ref name="ftn839">Dar nome às estrelas é mostrar de que maneira Deus exerce a soberania naquela relação: a soberania significa a eficácia matizada da gestão a não força bruta de comando (cf. Is 40,26-28).</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Grande é o nosso Senhor e todo-poderoso,
 
 
a sua sabedoria não tem limites.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>O Senhor ampara os humildes,
 
 
mas rebaixa os malfeitores até ao chão.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Cantai ao Senhor em ação de graças,
 
 
entoai hinos ao nosso Deus, ao som da lira.
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>Ele cobre de nuvens os céus
 
 
e para a terra prepara a chuva,
 
 
que faz brotar as ervas nos montes<ref name="ftn840">A tradição hermenêutica que vai da tradução dos LXX até à NVg sentiu que a seguir à menção da erva nos montes faltava uma referência paralela ao serviço que esta fertilidade presta aos homens (cf. Sl 104,14) e completou com um hemistíquio que diz: ''e verdura para serviço do homem.''</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>Ele dá aos animais o seu alimento
 
 
e aos filhotes dos corvos<ref name="ftn841">Os filhotes dos corvos são tomados como exemplo de um ser que, por natureza, corre o risco de se encontrar ao desamparo (cf. Mt 6,26; Lc 12,24). Como seres vivos, eles sentem a falta de alimento e por isso gritam. O verbo ''gritar'' é o mesmo que se usa quando os humanos se dirigem a Deus em oração.</ref>, quando gritam.
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>Não é o vigor do cavalo que Ele mais aprecia<ref name="ftn842">O que está principalmente em apreço nestas referências é a agilidade e a velocidade que os cavalos são capazes de atingir (cf. Sl 33,16-18).</ref>,
 
 
nem dá valor aos músculos no homem.
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>O Senhor aprecia aqueles que o temem,
 
 
aqueles que confiam na sua misericórdia.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>Glorifica, Jerusalém, o Senhor<ref name="ftn843">É neste v. 12 que começa o Sl 147, segundo a numeração que passou da tradução dos LXX para a Vg e para os textos de uso litúrgico.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
louva o teu Deus, ó Sião.
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Pois Ele reforçou os ferrolhos das tuas portas
 
 
e abençoou os teus filhos dentro de ti.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Ele coloca em paz as tuas fronteiras
 
 
e alimenta-te com a flor da farinha.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>15</sup></span>Ele envia a sua mensagem para a terra<ref name="ftn844">Nesta última estrofe (vv. 15-20) a eficácia da gestão que Deus faz da vida do universo está expressa pelos pronomes possessivos que fazem com que todos os fatores ativos e intervenientes no funcionamento do universo sejam vistos como pertencendo a Deus e aparecendo a funcionar sob o seu comando direto. </ref>
 
 
e a sua palavra corre sempre veloz<ref name="ftn845">A ''palavra'' de Deus aparece aqui personificada como um dos seus mensageiros (cf. Sl 107,20; Is 55,10-11; Jo 1,14).</ref><nowiki>; </nowiki>
 
 
<span style="color:red"><sup>16</sup></span>Ele concede a neve como se fosse lã,
 
 
espalha a geada como cinza.
 
 
<span style="color:red"><sup>17</sup></span>Atira o seu granizo como se fossem migalhas.
 
 
Com o seu frio, quem pode resistir?
 
 
<span style="color:red"><sup>18</sup></span>Ele envia a sua palavra e o gelo derrete;
 
 
faz soprar o seu vento e as águas correm.
 
 
<span style="color:red"><sup>19</sup></span>Ele anuncia os seus planos a Jacob,
 
 
os seus preceitos e as suas ordens a Israel.
 
 
<span style="color:red"><sup>20</sup></span>Não fez assim com nenhum outro povo,
 
 
não lhes deu a conhecer as suas ordens<ref name="ftn846">A maneira como os hebreus se sentem conhecedores deste maravilhoso funcionamento do universo é um privilégio e uma mais valia que os torna felizes e que verificam não existir em outros povos.</ref>.
 
 
 
Aleluia!
 
 
148'''Louvor do universo'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>Aleluia!
 
 
 
Louvai o Senhor do alto dos céus<ref name="ftn847">Este hino constitui um convite generalizado e pormenorizado a todas as criaturas do universo, no céu (vv. 1-6) e na terra (vv. 7-14), para que se juntem como um duplo coro a contracenar, e com todo o entusiasmo louvem a Deus. Uma grande parte dos vv. assenta diretamente sobre uma forma imperativa do verbo louvar. Como acontece geralmente nos hinos por todo o mundo bíblico, uma parte dos vv. constitui uma narrativa sobre as grandes obras de Deus, pelas quais o louvor se justifica. É a motivação e base essencial para os hinos, assentes na feliz contemplação do mundo.</ref>,
 
 
louvai-o nas alturas!
 
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Louvai-o, todos os seus mensageiros;
 
 
louvai-o, todos os seus exércitos<ref name="ftn848">A qualidade de mensageiros e de exércitos de Deus é partilhada tanto por seres como os anjos como pelos astros do céu. Ambos se encontram na função de cumprir as tarefas que lhes são atribuídas (cf. 1Rs 22,19; Jb 38,7; Ne 9,6).</ref>!
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Louvai-o, Sol e Lua;
 
 
louvai-o, todos os astros luminosos!
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Louvai-o, alturas dos céus
 
 
e águas que estais acima dos céus<ref name="ftn849">Na conceção dos orientais o céu tinha vários níveis e as águas que de lá caíam como chuva vinham do armazenamento de águas situado acima do firmamento (cf. Gn 1,6-8; Sl 104,3).</ref>!
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Louvai o nome do Senhor,
 
 
pois Ele deu uma ordem e todos foram criados.
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Ele os estabeleceu nos seus lugares para todo o sempre;
 
 
estabeleceu uma lei que não passará.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>Desde a terra, louvai o Senhor,
 
 
monstros do mar e todos os abismos;
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>raios de fogo e granizo, neve e nevoeiro,
 
 
vento da tempestade que realiza a sua palavra;
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>montanhas e todas as colinas,
 
 
árvores de fruto e todos os cedros;
 
 
<span style="color:red"><sup>10</sup></span>animais selvagens e todo o gado,
 
 
répteis e aves que voam.
 
 
 
<span style="color:red"><sup>11</sup></span>Louvai-o, reis da terra e todos os povos,
 
 
príncipes e todos os governantes da terra;
 
 
<span style="color:red"><sup>12</sup></span>os jovens e também as donzelas,
 
 
os velhos com as crianças!
 
 
 
<span style="color:red"><sup>13</sup></span>Louvem todos o nome do Senhor,
 
 
porque só o seu nome é excelso,
 
 
e a sua majestade está acima da terra e dos céus.
 
 
<span style="color:red"><sup>14</sup></span>Ele engrandece o poder do seu povo<ref name="ftn850">Ou: ''Ele faz subir a prosperidade do seu povo.'' O termo hebraico ''qeren ''(''chifre'') é uma metáfora que significa poder e também abundância.</ref>.
 
 
Isto é honra para todos os seus fiéis,
 
 
para os filhos de Israel, povo que lhe é próximo.
 
 
 
Aleluia!
 
 
 
149'''Hino de vitória'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>Aleluia!
 
 
 
Cantai ao Senhor um cântico novo<ref name="ftn851">Este salmo é mais um hino que celebra a realeza de Deus em Sião. O contexto é o da máxima solenidade, i.e., a assembleia dos fiéis. O convite ao louvor é tão insistente que poderia deixar passar despercebida a parte narrativa que os hinos costumam integrar. Esta concentra-se principalmente nos vv. 7-9, em que os habitantes de Sião, sob o comando do seu rei divino, se sentem como que capacitados para exercer domínio e governar os poderosos que anteriormente os assolavam.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
esteja o seu louvor na assembleia dos fiéis!
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Alegre-se Israel pelo seu criador;
 
 
que os filhos de Sião se regozijem pelo seu rei!
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Louvem o seu nome com danças;
 
 
cantem-lhe ao som de tambores e harpas!
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Pois o Senhor quer o bem do seu povo
 
 
e honra os humildes com a salvação.
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Que os fiéis celebrem a sua glória
 
 
e cantem jubilosos em seus leitos<ref name="ftn852">Num hino que se movimenta entre a grandiosidade do louvor universal a Deus e as tarefas políticas de confrontação com as nações inimigas, esta recomendação para um solene louvor nos leitos, apesar do seu caráter inesperado, é uma indicação de que a grandiosidade de uma manifestação de fé mantém significado, mesmo quando transposta da grande assembleia dos fiéis para a intimidade doméstica. Há quem pense que poderia tratar-se de tapetes de oração, usados mesmo nas cerimónias. O Sl 4,5 poderia conter mais uma referência a este assunto.</ref>!
 
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Na sua garganta estejam as grandezas de Deus,
 
 
nas suas mãos, espadas de dois gumes<ref name="ftn853">Mesmo que referidas de forma tão material e concreta, estas ações de domínio sobre outros povos (vv. 6-9) apresentam um matiz simbólico, que lhes vem do contexto de efusiva solenidade que o ambiente do salmo define. O paralelismo do v. 6 mostra bem a cumplicidade existente entre as duas dimensões: a do louvor e a do gesto militar.</ref>,
 
 
<span style="color:red"><sup>7</sup></span>para realizarem a vingança contra as nações
 
 
e darem o castigo aos povos;
 
 
<span style="color:red"><sup>8</sup></span>para prenderem os seus reis com correntes,
 
 
e os seus nobres, com algemas de ferro;
 
 
<span style="color:red"><sup>9</sup></span>para lhes aplicarem a sentença registada<ref name="ftn854">Esta referência a uma ''sentença registada'' coloca estas ações de domínio sobre os outros povos no lado de Deus. É portanto mais uma descrição da razão e da justiça, que Deus representa, e não tanto a referência a uma intervenção prática.</ref>.
 
 
Ele é glória para todos os seus fiéis<ref name="ftn855">Os salmos 148 e 149 terminam ambos com uma proclamação de orgulho e satisfação, que lhes vem da especial proximidade que têm com o santuário de Deus.</ref>.
 
 
 
Aleluia!
 
 
 
150'''Louvor final'''
 
 
 
<span style="color:red"><sup>1</sup></span>Aleluia!
 
 
 
Louvai a Deus no seu santuário<ref name="ftn856">Este salmo é um hino que se concentra exclusivamente no tema do convite universal ao louvor, insistindo repetitivamente no ato de louvor com recurso a um variado instrumental. Nem sequer se sente necessidade de esboçar a parte narrativa dos prodígios que justificariam todos estes convites ao louvor. Apenas o v. 2 faz alusão aos prodígios. Louvar é, aqui, de uma evidência absoluta; é o estado imediato e natural da própria relação com Deus. Este hino serve de doxologia final e apoteótica para todo o saltério, da mesma maneira que a meditação sapiencial (Sl 1), abrindo, de forma simples e ponderada, a reflexão sobre as coordenadas fundamentais para orientação da vida, lhe serviu de abertura.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
louvai-o no firmamento do seu poder<ref name="ftn857">O templo em Jerusalém e a fortaleza no firmamento são os dois santuários de Deus. Esta coordenada do duplo santuário é um conceito que encontramos nas religiões orientais desde a Suméria até Canaã, onde a religião dos hebreus se enquadra de igual modo.</ref>.
 
 
<span style="color:red"><sup>2</sup></span>Louvai-o pelos seus prodígios;
 
 
louvai-o na medida da sua imensa grandeza!
 
 
<span style="color:red"><sup>3</sup></span>Louvai-o ao som da trombeta<ref name="ftn858">Os instrumentos referidos são sobretudo de corda e percussão. Era sobretudo com eles que se compunha o instrumental de música, mostrando, portanto, um grande pendor para o ritmo.</ref><nowiki>;</nowiki>
 
 
louvai-o com a harpa e a lira!
 
 
<span style="color:red"><sup>4</sup></span>Louvai-o com tambores e danças;
 
 
louvai-o com instrumentos de corda e flautas!
 
 
<span style="color:red"><sup>5</sup></span>Louvai-o com címbalos sonoros;
 
 
louvai-o com címbalos de aclamação!
 
 
<span style="color:red"><sup>6</sup></span>Tudo o que respira<ref name="ftn859">O louvor de Deus está na voz. Este último convite aberto a tudo o que respira não é no sentido de aumentar a lista de instrumentos de sopro. Tudo o que respira é convite à voz de seres vivos. O termo aqui usado, ''nechamah, ''é um dos que se usam para dizer ''alma'', identificando o ser vivo com a sua voz.</ref>
 
 
louve o Senhor!
 
 
 
Aleluia!
 
 
 
 
 
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<references/>
 
 
  
  
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== Salmos ==
 
== Salmos ==
  
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Latest revision as of 11:17, 18 December 2019

Livro dos Salmos


INTRODUÇÃO

1. Nome e significado


O nome de Salmos, dado aos cento e cinquenta cânticos litúrgicos, deriva do grego Psalmoi e foi cunhado para a tradução grega dos LXX, no séc. III a. C.. Com efeito, no livro do Eclesiástico ou de Ben Sira (Sir 40,21; 47,9; 50,18), já é referido com esse nome. Antes disso, pode ter tido outros nomes em hebraico como Mizmorot, termo que significa "Cânticos". Realmente, a designação de cântico aparece em vários títulos de salmos (Sl 33,2; 71,22; 95,5; 147,7; 149,3) como termo técnico. O título de "Orações" poderia igualmente ter andado em uso. Com efeito, o designativo de Tefillot, "orações" (Sl 72,20), poderia servir como título adequado para toda a coleção.

Entretanto, Tehillim, que significa "louvores", foi o nome que acabou por se impor na Bíblia Hebraica. Este último título segue o modelo de título adotado na tradução dos LXX. Em fase mais tardia do judaísmo, a mesma ideia de louvor, expressa com o nome de Hodayot, de uma raiz hebraica sinónima, serviu em Qumrân para designar uma coleção de hinos que o grupo escreveu no intuito de formar um saltério complementar.

Com a sua aparente simplicidade, a história literária dos Salmos comporta domínios de muito difícil análise. O tipo de texto que representam não é sempre fácil de articular com épocas, contextos, acontecimentos ou personalidades históricas. Esta dificuldade de concretização é pertinente sobretudo no que toca às questões de origem, composição e data de cada um deles.

Sabemos que as religiões orientais anteriores à Bíblia conheciam o uso litúrgico de hinos de grande valor literário e religioso. Essas religiões reconheciam que a atitude de louvor era o aspeto mais significativo da linguagem religiosa. Por isso, a poesia litúrgica, associada pela tradição bíblica ao dinamismo criativo e organizador do rei David, deverá ter conhecido uma história igualmente dinâmica, na tradição religiosa de Canaã, antes dos hebreus. A vida cultual do templo de Jerusalém até ao tempo do exílio terá sido o espaço privilegiado para criação e utilização dos salmos. No entanto, os indícios que temos vão no sentido de que esta criatividade se manteve até próximo do Novo Testamento.

O templo representa o ambiente vivencial para estes textos; é ali que se realiza a sua dimensão comunitária. No entanto, a experiência religiosa e psicológica espelhada em muitos salmos exprime vivências de espiritualidade pessoal, sempre presente na vida do fiel. Este lado íntimo e pessoal da experiência religiosa dá valor e profundidade à dimensão comunitária. Na realidade interior destas vivências é que assenta a consciência de que os salmos constituem uma herança de profunda continuidade entre o judaísmo e o cristianismo. Para além de algumas divergências em matéria de interpretações messiânicas, os salmos representam um espaço de ecumenismo e comunhão devota tanto para judeus como para cristãos.


2. Organização, autor e data de composição


A numeração dos salmos foi conhecendo algumas diferenças, desde os tempos antigos. Nesta Bíblia aparece, em primeiro lugar, a numeração que se convenciona usar nas atuais edições críticas do texto hebraico; entre parêntesis, aparece, quando é o caso disso, a numeração específica da tradução grega dos LXX, que foi seguida pela tradução latina, chamada Vulgata, e que continua a ser utilizada nas edições destinadas à liturgia. As divergências de número ocorrem entre o Sl 9 e o Sl 147.

No livro dos Salmos, podemos encontrar indícios de outras maneiras de os organizar em coleções. Exemplos disso podem ser: o uso de doxologias finais, que sugerem cinco coleções (1-41; 42-72; 73-89; 90-106; 107-150); a escolha de um nome específico para se referir a Deus (Sl 1-41 com o nome de Yahweh, e 42-83, com o de Elohim); os cânticos de peregrinação como designação de um outro conjunto (Sl 120-134).

A referência ao nome de um autor ou colecionador poderia ser outro princípio de organização. São referidos os filhos de Asaf (Sl 50; 73-83), filhos de Coré (42; 44-48; 84-85; 87-88), David, com setenta e três salmos, segundo o texto hebraico, e mais catorze, segundo o grego. Ao rei Salomão são atribuídos dois salmos e apenas um a Moisés. Muitos dos salmos, porém, não têm qualquer indicação de autor. Informações conservadas no interior da coleção (cf. Sl 72,20) sugerem-nos que a coleção de salmos passou por vários tipos de arranjos e edições. Entretanto, foi-se ampliando com mais textos e foi-se enriquecendo com mais sentidos e ressonâncias. É difícil, contudo, avaliar o valor histórico e o significado exato destes dados colocados à cabeça dos salmos e bem assim as referências técnicas sobre modos de execução musical ou de acompanhamento instrumental.

A tradição, judaica e cristã, sempre associou o conjunto dos salmos à figura de David, tal como associou a Moisés o conjunto dos livros do Pentateuco. David, com efeito, foi o fundador da monarquia e o templo de Jerusalém aparece como seu templo oficial. Nisto assentava o sentimento de identidade nacional.

Desde as épocas remotas, no Oriente, a poesia, lírica, religiosa ou humanista, representa o fio de continuidade literária, por onde podemos acompanhar as vivências e a expressão de consciência dos humanos. Assim também os salmos representam as vivências humanas e a consciência religiosa, ao longo da Bíblia. Alguns salmos podem ter a sua origem em tempo anterior aos hebreus (Sl 29); outros, pelo contrário, podem ter sido compostos próximo da era cristã (Sl 44; 74; 85). Mais do que o enquadramento histórico, o que prevalece é definir o conteúdo de cada salmo.


3. Géneros literários


Nas literaturas orientais de que a Bíblia herdou modelos e temas, a poesia é o modelo de escrita preferido para tratar com mais profundidade, solenidade e beleza os assuntos de interesse humano mais intenso. Mitos, profecias, vivências históricas marcantes, cânticos, hinos e orações são expressões literárias onde se concentram as interrogações, as aspirações, as esperanças e os momentos de perplexidade e drama.

O facto de serem apresentados em forma poética pode justificar-se por várias razões. Por um lado, é o tempo e o esforço de elaboração percebido como um caminho pedagógico para garantir maior apuramento dos sentimentos e sentidos que ali se encontram em jogo. Por outro lado, a beleza poética proporciona uma dose maior de satisfação no formular das questões e na maneira como se vão intuindo e interiorizando perspetivas de resposta. A capacidade de persistência e de resiliência do discurso poético torna-o mais adequado para que nele se concentrem as mais representativas convicções de fé e de sentido da vida.

Do ponto de vista do recorte literário, o discurso poético do Oriente antigo define-se e carateriza-se sobretudo pela maneira como exprime a sua posição face à realidade, numa atitude de contemplação das suas vertentes e matizes. Por isso, o pensamento poético se exprime sob a forma de espelho, desdobrando as ideias em formas que se completam, se contrapõem ou se corrigem, de modo a criar espaço para uma síntese mais matizada. A isto chama-se o paralelismo que representa antes de mais uma atitude e uma forma de pensar. Esta é a marca poética mais clara que encontramos também nos salmos. Para além dela, pode assinalar-se o ritmo marcado das frases com um verso normalmente dividido em duas metades (hemistíquios) e sem uso sistemático de rima. No vocabulário e nas construções sintáticas, deparamo-nos com uma linguagem mais elaborada e também mais conservadora.

Os salmos são certamente os textos poéticos mais próximos dos estados de consciência individuais, das vivências comunitárias mais abrangentes e dos horizontes humanos mais universais. Esta riqueza de sentido fica mais valorizada ainda com o frequente uso litúrgico que os situa no imediato da experiência quotidiana e faz deles os conteúdos mais populares de literatura poética.

Sob este ponto de vista dos conteúdos e formas literárias, o estudo dos salmos levou à definição de modelos que podem derivar de práticas milenares. Na verdade, a Bíblia foi a última literatura a surgir entre as culturas do Antigo Oriente e foi viva e profunda a influência das anteriores. Os géneros literários utilizados dependiam principalmente de conteúdos e objetivos, contextos e modelos assumidos para cada salmo. Os elementos específicos de um género literário podem encontrar-se noutros géneros, dando lugar a formas mistas. Neste sentido, costumam considerar-se como principais géneros literários os seguintes:


a) Salmos de louvor:


Muitos salmos são realmente hinos. Em hebraico, o título deste livro acabou por se fixar como tehillim, que significa louvor e deriva da mesma raiz da expressão "aleluia", que agora usamos como exclamação. Estes hinos de louvor são sobretudo endereçados a Deus. Nisto, a Bíblia dá continuidade à literatura litúrgica das religiões vizinhas e anteriores, onde os hinos são a forma mais habitual de os humanos se dirigirem à divindade, sobretudo em contextos de maior solenidade. Este género literário implica a narração das grandezas ou benfeitorias e o agradecimento que daí decorre. Bons exemplos são os Sl 8; 19; 28; 33; 47; 65-66; 93; 96-100; 104-105; 111; 113; 117; 135; 146; 148-150. Este género literário dos hinos pode aparecer também dirigido ao rei, focando especialmente a cerimónia da entronização real, com toda a expetativa de intervenção divina para o bem-estar do povo e o ordenamento justo do mundo. Com o fim da monarquia, estes salmos foram acentuando as conotações messiânicas, que já antes tinham implícitas. Vejam-se os Sl 2; 18; 20-21; 45; 72; 89; 101; 110; 132; 144. Podemos ainda considerar como hinos os salmos que celebram Jerusalém, que com o templo apresenta uma especial ligação a Deus. São os Sl 46; 48; 76; 84; 87; 122.


b) Salmos de súplica:


O tema da súplica é marcante nesta lírica religiosa. O seu conceito pode mesmo absorver quase todo o sentido da oração e transformar-se num sinónimo da mesma. Em numerosos salmos, a súplica parece ser a motivação mais imediata e a maior preocupação. A diversidade de narrativas e de sentimentos envolvidos nestas orações pode parecer uma acumulação dispersa e algo banal. A amálgama aparente de peripécias do quotidiano e de relações humanas constitui uma síntese de experiências e de sofrimento, situadas no extremo limite da angústia. Neste sentido, os salmos oferecem um quadro rico de vivências interiores, de psicologia individual e coletiva e de relacionamento entre seres humanos. Tratando-se de uma época tão remota, é uma manifestação indispensável de estados de consciência. Na dificuldade de fazer uma lista completa e consensual, podem ver-se como salmos de súplica coletiva os Sl 12; 44; 58; 60; 74; 80; 83; 85; 90; 94; 108; 123; 127. Mesmo que seja difícil distinguir uma súplica coletiva de uma individual, podem ver-se como salmos de súplica individual os Sl 3; 5-7; 13; 17; 22; 26; 27,7-14; 28; 31; 35; 39; 42-43; 51; 54-57; 59; 61; 63; 64; 69-71; 88; 102; 109; 120; 130; 140-143. As situações que motivam a súplica podem ser amargas e desesperadas, mas estes salmos exprimem, em geral, um estado de espírito de confiança e terminam em ação de graças. É por tudo isso que eles se encontram no saltério.


c) Salmos históricos:


O contexto religioso e litúrgico faz com que os salmos sejam sempre uma celebração de fé. Quando tratam de acontecimentos passados, não é para ensinar história, mas para reviver memórias onde assentam as convicções fundamentais da fé de Israel, nomeadamente a convicção de que é relendo a sua história que descobrem o modo como Deus se preocupa com eles. Para além da consciência nuclear expressa no pequeno credo histórico (Dt 26,5-9), vários poemas-oração aparecem disseminados ao longo da Bíblia, onde esta consciência de manifestação de Deus na história do povo recebe lídima expressão. Na função de remeter para a história, podem destacar-se os Sl 78; 105; 106; e ainda Sl 111; 114; 135; 136.


d) Salmos litúrgicos:


Todos os salmos têm alguma intenção litúrgica; é no templo que a sua utilização se enquadra diretamente e foi para isso que foram recolhidos. Um certo número destes salmos, no entanto, procura meditar sobre as exigências a ter por parte de quem se dirige ao templo (Sl 15; 24; 91; 95; 134) e se associa aos seus rituais. Destacam-se aqui os cânticos de peregrinação (Sl 120-134).


e) Salmos proféticos:


Mais do que pelo anúncio de acontecimentos do futuro, alguns salmos têm cariz profético, por interpelarem os comportamentos individuais ou coletivos, como fazem os profetas. Exemplo disso são os Sl 14; 50; 52-53; 75; 78; 81; 95. Os salmos que se costumam designar como penitenciais (6; 32; 38; 51; 102; 103; 143) podem ter um significado análogo ao dos oráculos proféticos de conversão.


f) Salmos sapienciais:


A marca sapiencial dos salmos nota-se em técnicas e recursos de escrita, no interesse em analisar o comportamento humano, as opções éticas e suas consequências, e ainda na meditação sobre o que anda implicado nas orientações religiosas de vida e pensamento. Estes temas aparecem nos Sl 1; 14; 34; 36; 37; 39; 49; 53; 73; 74. O Sl 119 poderia ser considerado um tratado sapiencial, nos moldes de uma longa meditação sobre a lei de Deus. A técnica de iniciar cada verso como parte de um acróstico alfabético parece ter deliciado os criadores desta literatura sapiencial, como testemunham os salmos 9; 10; 25; 112; 119 e 145.


4. Conteúdo doutrinal


O templo de Jerusalém, mesmo antes da rigorosa centralização do culto, por obra do rei Josias, pouco antes do exílio, sempre promoveu a unidade simbólica e doutrinal entre todos os que se sentiam identificados com o conteúdo religioso dos salmos. A devoção e as práticas de culto são propícias para exprimir uma conceção de Deus de tipo monoteísta. Desta maneira, os salmos podem representar, na literatura bíblica, um núcleo pioneiro de sentimentos e de pensamento monoteístas, antes mesmo de aparecerem as formulações mais explícitas, por altura do exílio. A devoção, a emoção religiosa e as vivências cultuais dão profundidade e valorizam a representatividade humana dos símbolos e dos conceitos. A dimensão doutrinal e as convicções de fé que encontramos nos salmos serão, portanto, aquelas que mais naturalmente se podem coadunar com o contexto de oração individual e sobretudo comunitária. É a coerência natural entre orar e acreditar, a sintonia entre a lex orandi e a lex credendi. Nas orações dos salmos circulam e ressoam de modo especial muitos dos conteúdos religiosos que a literatura bíblica exprime, por outras formas e contextos. Com esta riqueza de conotações e temas sugeridos, os salmos constituem um verdadeiro microcosmos da Bíblia e da vida humana.


5. Leitura perene e interpretação


A caraterística de intemporalidade reconhecida na maioria dos salmos não significa que neles encontremos apenas fórmulas desenraizadas ou ideias abstratas e de grande rigidez. Na verdade, estes poemas estão enriquecidos com uma imensa variedade de matizes de grande subtileza pelo contexto em que foram criados. Por outro lado, a sua utilização devocional e litúrgica, continuada ao longo de milénios, fez com que os seus conceitos e ideias religiosas se tenham tornado representativas da experiência religiosa e da própria experiência humana. Por este longo horizonte de acumulação de significados, qualquer tradução procura espelhar o mais possível o sentido original do texto, mas não pode deixar de descurar as ressonâncias que o uso milenar acumulou, numa cadeia de infinita cumplicidade entre leitores e devotos de todos os tempos.


6. Sobre a tradução


Com os meios de que dispomos atualmente, podemos acompanhar o processo de tradução dos salmos desde que ele começou, i.e., desde há mais de dois mil anos. Este longo itinerário de traduções oferece-nos uma variedade imensa de interpretações. As mais antigas costumam ser vistas como complementares para ajudar a resolver problemas de vária ordem motivados pelo estado do texto hebraico. E as mais reconhecidas traduções bíblicas de hoje continuam a prestar atenção ao entendimento que nos oferecem as antigas traduções. Por outro lado, novos dados históricos e arqueológicos e as possibilidades que existem para uma melhor compreensão do texto hebraico antigo fazem com que esta tradução assente, na medida do possível, sobre a interpretação do texto hebraico, não descurando as luzes que nos oferecem as mais antigas traduções. Para casos complexos de texto ou de interpretação temos como padrão a Neovulgata.

A tradução procurará retratar o conteúdo do texto hebraico da forma mais fiel e literal possível. Em nota ficarão registadas algumas formas hebraicas de caráter mais idiomático; serão também apresentadas propostas alternativas de tradução, quando o texto original as parece justificar com evidência.


A Subcomissão do Antigo Testamento

José Augusto Martins Ramos (moderador)

Luísa Maria Varela Almendra

Armindo dos Santos Vaz



Salmos

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